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sábado, 10 de agosto de 2013

Por que ter medo da morte? Homenagem ao Frei Jorge, 0.Carm.

COISAS DE FRANCISCO: O Papa obriga arcebispo de Camarões a renunciar


 
 
“Os homossexuais são um perigo para a unidade da família e

Uma afronta à família; são o inimigo das mulheres e da criação”,

Afirmava.Simón-Victor Tonyé Bakot

Após ter decapitado a Igreja da Eslovênia por razões semelhantes, o Papa também tirou o líder religioso católico de Camarões, o arcebispo da capital, Yaoundé, Simón-Victor Tonyé Bakot (na foto), de 66 anos. A Rádio Vaticano informou, há alguns dias, que, de acordo com a imprensa desse país, o arcebispo estava envolvido em “numerosas operações imobiliárias” que parte do clero e dos fiéis considerava ser em proveito pessoal de Mons. Tonyé. A reportagem está publicada no sítio espanhol Religión Digital, 08-08-2013. A tradução é de André Langer.

A decisão do Papa argentino tem a data de 29 de julho, dia em que Jorge Bergoglio “aceitou a renúncia” que obrigou o chefe da Igreja de Camarões a apresentar, como estabelece o Código de Direito Canônico quando existem “razões graves”. A Santa Sé não explicou oficialmente as razões da renúncia forçada do alto prelado africano.

Na semana passada, Francisco havia feito “renunciar” os principais arcebispos da Eslovênia, de Liubliana e Maribor, após um longo escândalo pelas manobras na diocese de Maribor, que terminou em bancarrota devido a um “crack” financeiro estimado em quase um bilhão de dólares.

No caso camaronês, o importante semanário Jeune Afrique, editado em Paris, assinalou que a arquidiocese da capital, Yaoundé, possui “o maior patrimônio imobiliário do país depois do Estado, mas também tem grandes problemas de endividamento.

A Igreja de Camarões possui também terras e imóveis fora da capital. 53% de seus 20 milhões de habitantes são cristãos e 38% são católicos. No país da África Equatorial, que obteve certo progresso econômico e social, existem mais de 200 etnias. Os conflitos étnicos também colocaram em apuros o arcebispo Tonyé Bakot, que, segundo muitos fiéis e uma parte do clero, havia exasperado os enfrentamentos com suas posições taxativas nas questões étnicas.

Embora as razões da renúncia não se tornassem públicas, o fato certo é que Simon-Victor Tonyé Bakot havia se convertido em um personagem incômodo para a Igreja católica, e não somente por suas agressivas declarações homofóbicas. As dúvidas sobre sua administração econômica, que havia produzido uma gigantesca dívida (a Igreja católica em Camarões é possuidora, segundo o Jeune Afrique, do segundo maior patrimônio imobiliário do país, depois do próprio Estado), parecem ter jogado um papel determinante na renúncia do arcebispo, que conta com apenas 66 anos.

Além de sua obscura administração dos bens econômicos, o arcebispo camaronês era abertamente homofóbico. “O sexo gay é a causa do desemprego dos jovens, já que os jovens que se negam a ter relações homossexuais com funcionários do governo não conseguem trabalho”, assinalava o então arcebispo Victor Bakot.
“Os homossexuais são um perigo para a unidade da família e uma afronta à família; são o inimigo das mulheres e da criação”, afirmava.

19º Domingo do Tempo comum: Sobre a Vigilância (Lc 12,35-40)

Paulo Ueti

Vigiar é uma atividade de cuidado e atenção. Infelizmente vigiar, em nosso vocabulário comum, tornou-se uma palavra com conotação negativa muito forte. Pensando na religião, essa palavra se conectou de tal forma a uma imagem de Deus que pune, que a mesma transformou-se para muita gente num lugar de medo, opressão, culpa e castigo. Nada mais contrário ao seu significado etimológico e à experiência cristã e de outros grupos de Deus.

Religião é para juntar as pessoas e a natureza. É conexão, relação amorosa e de equidade. É espaço de cura, sanação e transformação constante. A "verdadeira" religião, segundo o movimento profético, é "buscar a paz e a justiça", "defender o órfão e a viúva". Não deve ser lugar onde o medo e o castigo, a guerra, violência e intolerância sejam o prato do dia. Essa prática, resultante de um tipo de teologia, foi amplamente desautorizada por Jesus. Mesmo seus discípulos estavam envoltos nesse universo teológico e de espiritualidade violento e intolerante. Precisavam experimentar outra leitura possível da religião na qual estavam inseridos. E não só os discípulos no tempo de Jesus, mas também a Igreja de Lucas na segunda metade do século I.

Em seu evangelho, entre os capítulos 9 a 19, Lucas apresenta um Jesus que provoca caminhos novos nos quais se possa entender a experiência de Deus e viver a religião como espaço de liberdade e libertação. As conversas e reflexões deste bloco do evangelho estão direcionadas principalmente para as pessoas que seguiam a Jesus mais de perto (chamados de discípulos ou de os Doze em outro evangelho).

Depois de uma longa conversa sobre o desapego, provavelmente visando colaborar com a comunidade para que compartilhe seus recursos humanos e econômicos, Jesus pede que os discípulos tenham os "rins cingidos e as lâmpadas acesas". Eles devem estar sempre preparados para serem "ex-cêntricos": preparados para sair de si mesmos, desapegar-se de seu lugar comum e mover-se em direção ao outro e ao mundo, que clama e geme dores de parto (Rm).

Há uma tradição bíblica que identifica os rins como o lugar dos sentimentos, o lugar do afeto, por onde somos "afetados" pelo mundo externo e pela experiência íntima de Deus. É o lugar da nossa consciência ética e estética. É o lugar das nossas decisões. Temos que decidir por onde ir, que teologia desenvolver, a quem escutar. É preciso saber "quem é o meu próximo", que conflitos assumir e decidir viver para Deus, não para nossas verdades e posses. Cingir os rins é pedido para estar preparadas/os, para movimentar nosso corpo em defesa dos valores do Reino. É requisito e expressão da fé: movimento pela vida e plenitude.

Jesus também nos pede para ficar com a lâmpada acesa. Somos chamadas/os para estar como luz, como indicador de caminho, como facilitador de processos e como iluminador da escuridão diante e dentro do mundo. O encontro com Jesus e a convivência com ele deve nos encher de energia (dínamo, no grego, significa força, poder). Com Jesus, temos condições de atuar no cotidiano não nos deixando "conformar" pelos poderes opressores e hegemônicos deste mundo em que vivemos. Transformados, vivemos pela fé para outro mundo possível e podemos desenvolver outras teologias possíveis em favor da vida e da libertação.

A lâmpada acesa não deve ser usada para cegar e impedir que novidades sejam descobertas. Os rins cingidos são para redescobrir nossa vocação para a indignação e para a missão: ocupar as ruas e as ideo-teologias para que a vontade de Deus seja feita assim na terra como no céu... para que a justiça e misericórdia sejam o prato do dia... para que o pão nosso cotidiano seja realidade.

Para a Igreja Católica Romana agosto é o mês dedicado as "vocações". É bom lembrar que vocação não é habilidade, talento. Vocação é CHAMADO, CONVOCAÇÃO. Por isso cingir os rins e manter nossa luz acessa é tão importante. Para escutar com os ouvidos do coração (no nosso mais interior) a voz de Deus que clama no deserto, que grita através do povo e dos grupos violentados e excluídos do convívio e estrutura social e das igrejas e grupos religiosos.

O que estamos ouvindo? A quem estamos ouvindo? Que chamado (vocação) estamos atendendo? Estejam preparadas/os sempre. Porque o Filho do Homem (profeta, militante da vida e da inclusão) aparece de surpresa e surpreende como aparece. Estejamos preparadas/os. Esperemos contra toda esperança (Rm) e oremos (ora et labora - orar e trabalhar) para que a vontade de Deus seja feita e sua palavra seja nossa palavra: ação criadora e plural neste mundo e no mundo que há de vir, agora e depois.
Fonte: http://www.cebi.org.br/

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Olhar sobre o Brasil: Fernanda Sangalo- Uma figura de Jacobina-BA.

O Religioso Frei Tito Brandsma, Mártir Carmelita.

O Religioso Frei Tito Brandsma, Mártir Carmelita.
*Frei Manoel Wermers, O.Carm.

A espiritualidade própria do Carmo, sua vida de oração e a sua dedicação peculiar a Nossa Senhora foram para mim os fatores decisivos da minha vocação carmelitana”, declarou um dia Frei Tito Brandsma. Toda a sua vida religiosa está aí para confirmar essas palavras. A profissão religiosa, feita aos 3 de outubro de 1899, é para ele um motivo a mais da ascensão contínua da alma para Deus pelos caminhos da espiritualidade carmelitana, cuja natureza característica, a vocação para a vida mística, descreve tão maravilhosamente a “Institutio Primorum Monachorum”: “Essa vida tem uma dupla finalidade. A primeira alcançamos pelos nossos trabalhos e esforços, com o auxílio da graça divina. Consiste em oferecermos a Deus um coração generoso, livre de qualquer pecado atual. Alcançamo-la quando somos perfeitos e humildemente ocultos na caridade. A outra finalidade dessa vida só nos é comunicada pela livre ação de Deus, sem a nossa cooperação. Quer dizer que poderemos chegar já nesta vida a saborear no coração e experimentar no espírito as misteriosas forças da Presença Divina e a doçura da glória celeste. É a isso que chamamos: beber nas torrentes das consolações divinas.
Também para a Província Carmelitana da Holanda a profissão de Frei Tito é uma data importante. Depois de um passado glorioso esta Província caíra no olvido. Leis iníquas da primeira metade do século 19 dizimaram as suas fileiras e quase a extinguiram. Na época da entrada de Frei Tito havia apenas três conventos. Fora desses centros os Carmelitas não eram conhecidos. A maravilhosa extensão dos últimos quarenta anos está sob a égide da personalidade cativante de Frei Tito. Ele é o centro animador de um pequeno grupo de religiosos enérgicos e doutos. Nunca nos 40 anos de sua vida religiosa desiste de estudar o espírito carmelitano, de torná-lo mais conhecido dentro e fora da sua pátria, e de investigar a história da sua querida Ordem. Quando uma vez a Província pede a seus membros fazerem um relatório das atividades dentro da Ordem observa-se a Frei Tito que para ele será fácil responder, visto poder dizer simplesmente que fez tudo.
Aos 31 anos exerce as funções de secretário de Capítulo e é eleito membro do Definitório, órgão supremo para o governo de uma Província. Como tal continuou durante a vida toda em várias funções, com uma interrupção de três anos apenas. Durante seis anos foi Assistente do Pe. Provincial. Desde 1930 era continuamente primeiro Definidor. Além disso exerceu durante vários anos o Priorado do Convento do Nimegue. É mui característico do espírito de Frei Tito dar à sua Ordem o melhor das suas forças. Antes de tudo é sempre Carmelita. O trabalho para a Ordem está em primeiro plano, depois segue o resto, por mais brilhante que este resto se possa apresentar. É o filho fiel que não procura ocupação fora, quando dentro da própria casa há tanto que fazer. Numa lembrança distribuída entre o povo encontramos as palavras: “Ornamento da Ordem e também filho fiel”.
Não são dizeres vãos? Ele conquistou, este título por seus méritos reais. Para a Ordem fez literalmente tudo.
A nomeação para Professor da universidade Católica foi o início do Convento do Nimegue. Chegando a essa cidade hospedou-se numa pensão. Pouco depois conseguiu que alguns estudantes carmelitas freqüentassem os cursos da Universidade. Vinham e voltavam de trem, e almoçavam na pensão de Frei Tito. Assim perdiam muito tempo nas viagens. O Professor comprou então uma casa onde instalou provisoriamente a sua comunidade. Em seguida saiu em procura de um lugar apto para a construção de um novo convento. Encontrou um lugar no antigo centro da cidade, afastado das grandes construções; era um hospital abandonado. Com o material desse hospital foi erguido um belo convento carmelitano, desses que inspiram devoção e recolhimento. Nos fins de 1929 a comunidade tomou posse da nova morada. A inauguração foi digna do douto fundador. Não foi uma festa superficial com discursos de ocasião, mas um grandioso Congresso de Estudos, com a presença dos líderes intelectuais católicos mais destacados de quase todas as partes da Holanda, e naturalmente os amigos da Universidade.
Neste mesmo período ocorre a luta pelo reconhecimento oficial de dois colégios carmelitanos das cidades de Oss e de Oldenzaal. Esse reconhecimento daria direito a um subsídio anual por parte do governo. Todos os esforços parecem baldados. Nos fins de 1924, imediatamente antes da discussão do orçamento na Câmara, Frei Tito alarma o público com um magnífico artigo no maior diário católico da Holanda, refutando uma repreensão ministerial a cinco colégios católicos. A repreensão do governo citava o exemplo dos Protestantes, bem mais prudentes e moderados nas suas exigências. O imperturbável secretário da Fundação Colégios Carmelitanos ri-se dessa modéstia, mostra a legitimidade das fundações e o direito que têm ao subsídio oficial, garantido pela Constituição. Três dias depois da publicação, o artigo é tratado na Câmara. O ministro confessa que não tem argumentos para uma resposta, mas que também não pode dar o auxílio: “Não tenho dinheiro e não recebo dinheiro”. Por enquanto a questão estava terminada. As conferências de Frei Tito com outros ministro e chefes da educação serviam apenas para enriquecer o cabedal das suas experiências. O orçamento para 1925 não dava nada e tão pouco o para 1926. Mas Frei Tito continuava ativo e vigilante. Estimulava as esperanças definhadas e corria os departamentos. Finalmente o orçamento para 1927 enumerava na sua linguagem seca, tipicamente burocrática, os Colégios do Carmo entre os privilegiados.
Quinze anos mais tarde, quando os super-homens nazistas tentavam civilizar a Holanda com medidas assassinas de toda a cultura, encontraram Frei Tito Brandsma ainda sempre no mesmo posto, defendendo os direitos dos colégios religiosos.
No ano de 1924, duas semanas depois do impasse surgido na luta pelos subsídios, o coração carmelitano de Frei Tito provou uma grande alegria. A Província Carmelitana da Holanda transpôs as fronteiras com a Alemanha e tomou posse do convento de Mainz. O Bispo, poderosamente incentivado pelas autoridades civis locais, há muito estava procurando uma Ordem religiosa que se interessasse pela antiga igreja gótica que pertencera aos Carmelitas. Mas fora tudo em vão. Finalmente se lembrou de convidar os Carmelitas holandeses. O Padre Provincial com o seu Assistente Frei Tito puseram-se em viagem a fim de examinar a situação. Depois de uma recepção extremamente cordial foram visitar o santuário em companhia do Bispo e do Prefeito. Encontraram um caos. As janelas e os soalhos tinham desaparecido. A nave estava transformada num armazém imundo das coisas mais heterogêneas. Uma miséria! Mas desanimar não era próprio de Frei Tito. Seguiram-se conferências e mais conferências cem as autoridades espirituais e militares, pois Mainz era ainda cidade ocupada. Frei Tito viaja do comando francês para o comando alemão e vice-versa. Finalmente consegue um acordo. A restauração iniciou-se e correu admiravelmente. Em poucos meses Mainz viu ressurgir a sua nobre “Liebefrauenkirche” (Igreja de Nossa Senhora) com o antigo esplendor. E no Advento a cidade grata recebeu festivamente um grupo de Carmelitas. Pelas ruas engalanadas foram conduzidos à igreja onde os esperava o Bispo em vestes pontificais cercado dos cônegos. Procedeu-se à nova consagração do templo profanado, após a qual foi celebrada a santa Missa com toda a beleza do Pontifical.
Belos dias para este homem de Deus que, indo de trabalho a trabalho, não tinha tempo de lançar um olhar para trás o só descansava na cela da sua alma sempre perto de Deus. Pois perto de Deus Frei Tito estava em todas as suas numerosas e absorventes ocupações. Podemos estranhar essa afirmação e pensar que a vida interior devia sofrer as conseqüências de uma vida tão ativa. Involuntariamente lembramo-nos das palavras severas do Bem-aventurado Nicolau o Francês, Prior Geral da Ordem: “Dizei-me vós, que correis as cidades, que espírito delas recebestes? Certamente não o espírito do Senhor... Sacrificais a vossa cela e obtendes as perturbações do mundo...” (Ignea Sagitta). Mas a própria doutrina da vida carmelitana dá-nos uma resposta magnífica a esta dúvida. Pois o consagrado autor Pe. Miguel de Sto. Agostinho, no seu livro “Introduotio ad vitam internam”, que se tornou clássico para a espiritualidade carmelitana, expõe magistralmente a obrigação da vida ativa, e, como uni-la à contemplativa pelo exercício da presença de Deus. Considerando Deus nos Superiores, devemos aceitar tudo por Obediência. Nas atividades devemos guardar a pureza da intenção, trabalhando sempre para Deus. Como, assim diz ele graciosamente, os muitos tijolos pelo cimento são unidos em um edifício só, assim também as nossas múltiplas atividades exteriores pela presença amorosa de Deus são unidas em uma contínua ascensão para Deus. As atividades não afastam de Deus, pois podemos exercê-las em Deus, com Deus e para Deus.
Foi assim que Frei Tito viveu a sua vida carmelitana. Com zelo ardente velava pela observância. A sua amabilidade não tinha nada de melífluo, mas sabia encontrar uma severidade paternal. Os seus conselhos e avisos, quando necessários, não deixavam nada a desejar em clareza e força. Sabia ser muito rigoroso. Fundador e, durante muitos anos, superior do convento de Nimegue, não permitia nele nenhuma irregularidade.
Também a sua vida particular estava toda impregnada da presença de Deus, era uma contínua procura de união com Deus. Só uma proibição expressa poderia fazê-lo perder a meditação da manhã, a que não faltava nem nos anos da mais expansiva atividade científica e social. O Sacrifício da Missa transformava o trabalhador em um monge contemplativo. Todo compenetrado e absorvido neste augusto mistério parecia esquecer tudo em redor. Saía das suas ocupações, concentrando-se em Cristo a quem tanto se une o sacerdote na celebração da Santa Missa. Grande número de pessoas guarda uma comovida lembrança da “Missa de Frei Tito”, a que procuravam assistir de preferência.
A sua união com Deus tinha ainda um caráter nitidamente mariano, como convinha a um coração tão carmelitano como o de Frei Tito. A direção espiritual dada nas confissões tinha duas linhas-mestras: a presença de Deus e o amor à Mãe de Deus. Em um belíssimo retiro: “Para Jesus com Maria”, expõe como devemos subir até Jesus pela mão de Maria Santíssima. Cristo tornou-se nosso irmão na natureza humana. Essa natureza humana unindo-nos com Jesus, faz-nos filhos de Maria, junto com Ele. Devemos ver Maria, antes de tudo, como a Mãe de Deus que uniu a si. Por isso devemos-lhe um respeito amoroso todo especial. Daí passa à tarefa maternal de Nossa Senhora. Como Jesus quis crescer em graça diante de Deus e dos homens sob a direção de sua Mãe Santíssima, assim devemos nós também pôr toda a nossa formação sob a proteção de Maria. Devemos viver sob os olhares maternais de Nossa Senhora, devemos viver na sua presença, para chegar a viver na presença de Deus. Por Maria a Jesus!
Frei Tito fizera-se Carmelita, atraído pelos elementos contemplativo e mariano da vida carmelitana. E a obediência fez dele um viajante incansável, um homem dinâmico e zeloso pela glória de Deus e de Maria, até os dias da sua prisão. Somente então encontrou a solidão tão almejada: “Renata solitudo”, como ele escrevia alguns dias depois. O amor a Deus, que o tinha impelido a tantas atividades sociais, isola-o agora das criaturas, fazendo-o abismar-se em Deus: “Deixai-me a sós convosco... afastai de mim os homens”. O amor a Deus absorve o amor social. Vê-se agora ainda mais claramente que toda a vida social de Frei Tito era inspirada e guiada unicamente pelo amor a Deus. Por isso terminada a sua vida ativa, ele se recolhe espontaneamente em Deus. O monge contemplativo encontrou a felicidade e jubiloso prorrompe numa poesia que se tornou célebre:
Meu Jesus, contemplando-vos,
Revivo meu amor a Vós.
E vejo que também Vós me quereis.
com ternura especial.

Isso pede mais generosidade.
Mas todo o sofrer me é doce:
Torna-me mais semelhante a Vós;
É o caminho para Vós.

Sou feliz no meu sofrimento,
Que já não é mais dor,
E sim sorte sem igual,
Pois une a Vós, meu Deus.

Ó, deixa-me aqui bem sozinho
Entre o frio que me cerca.
Afastai de mim os homens,
A solidão não me cansa.

Pois Vós, Jesus, estais comigo,
Nunca estive tão perto de Vós.
Ficai Jesus, ficai comigo,
Vossa presença tudo recompensa.


*Artigo publicado no Mensageiro do Carmelo em 1948. Ano 36, Fev. 1948, pág. 24 e seg.

A ORAÇÃO EUCARÍSTICA DE CRISTO

Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein)
  
Sabemos, pelas narrativas evangélicas, que o Cristo orou como um judeu crente e fiel à Lei. No tempo da sua infância, com os pais, depois com os discípulos, mais tarde, ia, nos tempos prescritos, em peregrinação a Jerusalém, a fim de participar das festas que se celebravam no Templo. Ele cantou alegremente com os peregrinos: "Alegrei-me porque me foi dito: vamos à casa do Senhor" (Sl 121, 1). Pronunciou as antigas orações de bênção, que ainda hoje são recitadas para o pão, o vinho e os frutos da terra, como testemunham as narrações da última Ceia, toda consagrada ao cumprimento de uma das mais santas obrigações religiosas: a solene ceia da Páscoa, que comemorava a libertação da servidão do Egito. Talvez seja ai que nos é dada a visão mais profunda da oração do Cristo e como que a chave que nos introduz à oração da Igreja.
"Enquanto comiam, Jesus tomou o pão; e, pronunciando a oração de ação de graças, partiu-o e deu-o a seus discípulos com estas palavras:  "Tomai, comei, isto é o meu Corpo". Tomou, em seguida, um cálice, deu graças e lhes deu: "Bebei dele, todos, pois isto é o meu Sangue, o Sangue da nova Aliança, derramado por muitos para a remissão dos pecados". (Mt 26, 26-28)
A bênção e a distribuição do pão e do vinho faziam parte do rito da ceia pascal. Mas, um e outro recebem aqui um sentido inteiramente novo. Aí se origina a vida da Igreja. Sem dúvida, somente em Pentecostes surge ela como comunidade espiritual e visível. Na Ceia, porém, se realiza o enxerto do sarmento no tronco, que torna possível a efusão do Espírito. As antigas orações de bênção se tornaram, na boca do Cristo, palavras criadoras de vida. Os frutos da terra se tornaram sua carne e seu sangue, repletos de sua vida. A criação visível, na qual Ele se inserira, por sua Encarnação, está agora a Ele ligada de modo novo e misterioso.

Os alimentos indispensáveis ao desenvolvimento do organismo humano são transformados em sua essência, e, se os homens os tomarem com fé, também eles serão transformados, incorporados ao Cristo, numa união viva, e repletos de sua vida divina. A força vivificante do Verbo é unida ao Sacrifício. O Verbo se fez carne para dar a vida que possui. Ofereceu-se a Si mesmo e ofereceu a criação resgatada por Sua oferta em sacrifício de louvor ao Criador. A Páscoa da Antiga Lei se tornou a Páscoa da Nova Aliança na última Ceia do Senhor, no Gólgota pelo sacrifício da Cruz, entre a Ressurreição e a Ascensão pelos ágapes jubilosos em que os discípulos reconheciam o Senhor à fração do pão e, no sacrifício da missa, pela santa comunhão.

Edith Stein: Experiência de Deus.

Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo, Belo Horizonte-MG.
       Terrível foi o sofrimento, antes, durante e depois dessa “caça às bruxas”. De depoimentos de sobreviventes,constou a experiência do estranho consolo lembrado nas palavras de Jeremias: “Assim como visitei esse povo com tão imensa calamidade, também sobre ele estenderei todo o bem que lhe reservo”. (Jer.32,42) Animados por uma fé milenar, muitos puderam viver o que sente alguém que, confiante no futuro, lavra seu testamento, sereno e de olhos abertos. Privados de tudo e até do último restinho a que se apegavam, puderam sentir-se liberados de toda preocupação para enfrentar a noite da vida. Se, na dura realidade, não havia voz que se pronunciasse, sempre havia, em dimensão de fé, um abraço amigo que por eles esperava. Até no limiar da morte, existia a possibilidade de enxergar  um rosto a emitir um sorriso. A lava, jogada pela montanha em erupção, contém e burila cristais de variado e riquíssimo valor.
Na vida de sofrimento extremo, há pontos de esmagadora depressão, mas esses abrem também espaço para momentos de elevado enlevo, em que sempre há quem, agarrado ao divino, permita que a realidade solte  um milagre. Em meio ao caos, banhado por lágrimas de perda e dor, surgiam anjos de guarda que criavam, misteriosamente, condições de vida perpassada por tênues fios de esperança. Se despedidas faziam o coração sangrar, havia encontros que fragilmente anunciavam o sentido do todo, malgrado tantos fragmentos a espelhar o absurdo de particularidades. Mas, em tais circunstâncias, Deus não existe de graça; ele é gerado pela correnteza da tradição, da qual se bebe; ele não é acolhido na solidão de indivíduos amargurados, mas na pertença a todo um povo que nele aposta, assim como o pulmão se abre ao ar. Deus pode aflorar melhor no coração daqueles que viram seu rosto na face sofrida de irmãos.
Os que se relacionavam com Deus, o que sintetiza o que há de mais nobre em si mesmos, conquistavam certa liberdade na mais cruel subjugação e superavam a morte na maior tragicidade; na descontinuidade, teciam o futuro pelo fio do passado que os envolvia com a força da compaixão, a ponto de conseguirem dançar sem pernas. Havia também os que, sem prática religiosa, eram confrontados com Deus que, mergulhado no silêncio, parecia não lhes estender a mão, manchada  por inútil onipotência. Antes tivessem de carregar sozinhos a cruz, pois a suposta presença de um poder insensível machucava mais que tudo. Esses encontravam defesa em uma artificial indiferença, como arma cruel que os defendia, até mesmo frente à morte de parentes próximos. Porém, uma pergunta, com sentimento de culpa, passou a persegui-los: por que sobreviveram e outros não? Também aqui haveria uma injustiça em ação?
O que, em relação a Deus e aos outros, irritou um bom número entre os sobreviventes foi a falta de ação, a omissão, a indiferença. Essa parece a crueldade máxima revestida de normalidade. “Não tenho nada a ver”; “ah, deixe para lá”; “eu não sabia de nada, nem desconfiava”, “só fiz o que me ordenavam”. Essa ausência de cidadania se mostrou berço da mais cruel ignomínia que desfigura, séculos a fio, nossa pobre humanidade. É preciso não se acomodar,  elevar a voz, reagir contra tudo o que ameaça a vida e desumaniza a convivência. Só esta solidariedade encoraja os humilhados para não deixar de lutar por seus direitos, sua dignidade. A percepção da ausência de Deus, na vida dos sobreviventes, tornou sua experiência mais amarga. Em sua tristeza, ficou mais difícil localizar sinais de solidariedade. E a pergunta se faz qual porta fechada: “Por que eu e outros não?” Esta pergunta os acompanhou em forma de tortura. É como se segurassem Deus pelo manto, a fim de que ele lhes respondesse. Seu silêncio os fez inconformados até o fim. Será que também, através dessa atitude, se aproximou mais um pouco o tempo messiânico da paz?

 

 

Edith Stein: Viver a verdade.

Frei Cláudio van Balen, O. Carm. Convento do Carmo, Belo Horizonte-MG.

          Foram doze anos de espera, amadurecimento e luta para agora, em 1933, retirar-se atrás dos muros de um mosteiro. O cunhado, casado com a irmã Erna, lhe oferece hospitalidade, mas ela decide pelo caminho do Carmelo em Colônia. Entre os familiares, o susto passa a ser incompreensão. Sua irmã sintetizou: “O terrível na vida é isto: o que torna um feliz é para o outro a maior catástrofe”. Sua despedida da mãe foi comovente. Essa não entendeu, absolutamente, a decisão de sua filha mais nova. E na extrema solidão, Edith deixou para sempre Breslau, no dia 12 outubro de 1933, dia de seu aniversário. Ela tinha 42 anos. No dia 14, ela chega ao Carmelo em Colônia, adotando o nome de Theresia Benedicta a Cruce. Fazia escuro a seu redor, mas ela se reconhecia acolhida na luz de Deus.

Dentro do contexto da Alemanha, naquela época, o ingresso de Edith no Carmelo facilmente poderia parecer-lhe uma negação ou fuga, sendo na realidade uma resposta pessoal, sofridamente amadurecida, ao apelo de Deus e à urgência da situação. Realmente, a questão é a escolha do meio adequado, com o qual entra na luta. Paulatinamente, ela chegou à conclusão de que a estranha dimensão do mal nazista só poderia ser combatido pela força da Cruz, isto é, por um amor incomum que, de um lado, elimina toda violência e, por outro lado, enfrenta o mal em sua raiz, graças a uma solidariedade incondicional. Ela escreve: Nosso socorro não resulta simplesmente das humanas aquisições, mas do amor sofrido de Cristo; e é meu desejo partilhar do mesmo. Quero entregar-me ao coração de Jesus como gesto de solidariedade pela paz do mundo. Que o reino do Mal, da exclusão, possa implodir, caso possível, sem guerra mundial, e que uma nova, realmente nova ordem possa ser estabelecida”.

Para Edith, o ingresso no Carmelo nada tem a ver com fuga; pelo contrário, ela se dirige ao front para combater o inimigo com os meios que julga os mais eficientes: a oração, a entrega de sua pessoa, uma ilimitada reconciliação como de “Yom Kippur”. Como Teresa Benedita da Cruz, ela é uma simples carmelita entre as outras, cujo brilhante passado intelectual é ignorado pelas companheiras. Mas seu novo nome resume sua história: Teresa evoca a beleza da amizade e a força da inspiração renovadora; Benedita evoca a busca intelectual com sua paixão pela verdade, e a Cruz abre o espaço misterioso para o caminho da solidariedade e das experiências espirituais mais profundas, que culminam em Auschwitz, onde se desvenda o mistério da “Ciência da Cruz”.  

Por ocasião de seu ingresso no Carmelo, Edmund Husserl sintetizou para sua discípula e amiga muito estimada o paradoxo de sua opção: Afinal, há no coração de todo judeu um impulso para o absoluto e um amor pelo martírio”.  Neste novo estilo de vida, sua sensibilidade e atividade intelectual, antes tão evidenciadas, ficam ofuscadas pelo amor a Cristo na Vida Religiosa e são transformadas pela luz do conhecimento, que resulta da sofrida experiência com a Verdade. Já adaptada ao novo estilo de vida, ela recebe a incumbência de, em 1935, redigir o texto filosófico “Endliches und Ewiges Sein”, que depois é barrado para publicação por tratar-se de um escrito não ariano. Os muros do mosteiro, aliás, preservam as irmãs da complexidade da realidade, mas Edith, mediante troca de cartas com familiares e amigos, acompanha o que lá fora está acontecendo de ameaçador. E ela se mostra sempre de prontidão para lutar pela verdade e pela justiça.

 

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 383. Santa Edith Stein.

A PARTICIPAÇÃO DE CARMELITAS EM SEIS REVOLUÇÕES NO BRASIL


A PARTICIPAÇÃO DE CARMELITAS EM SEIS REVOLUÇÕES NO BRASIL
Dom Frei Wilmar Santin, O.Carm.
 
1) REVOLTA  DO  ESTANCO (1684)
 
            O “ESTANCO” foi uma Companhia de Comércio criada no estado do Maranhão, que tinha o monopólio de importação e exportação de drogas e fazendas, além do comércio de escravos negros.
            O motim contra a Companhia do Estanco foi iniciado no dia 25 de fevereiro de 1684 e envolveu também a expulsão dos jesuítas do Maranhão. O levante foi logo sufocado. Os dois principais líderes, Manuel Beckmann e Jorge Sampaio, foram enforcados. Apesar do fracasso da revolta, o Estanco não voltou a funcionar. Carmelitas, franciscanos e mercedários tiveram participação ativa nesta revolta.
 
FREI INÁCIO DA ASSUNÇÃO
 
            O carmelita Frei Inácio da Assunção, que havia sido provincial e era conhecido como frei Ventoso, teve uma participação destacada na revolta. O historiador dom Felipe Condurú Pacheco afirma: “... os carmelitas sob a chefia de Frei Ignácio da Assumpção - conselheiro-mór dos levantados - em particular e até do púlpito, conclamavam o povo que arregimentavam, chegando a andar com distintivos e armas militares”[1]. Serafim Leite dá alguns detalhes ao informar que carmelitas, mercedários e alguns clérigos “andavam com barretinas de soldados, escudos, espadas e mosquetes, arregimentando gente”[2].Após o fim da revolta Frei Inácio foi condenado à reclusão em seu próprio convento.
 
Serafim Leite menciona os nomes dos carmelitas Fr. António e Fr. Paulo, sem citar o sobrenome, também faziam parte dos amotinados[3].
 
 
2) GUERRA  DOS  MASCATES (1710)
  
            No senado de Olinda só os nobres tinham voto. Recife estava sob o domínio de Olinda. Os mascates, pequenos comerciantes, do Recife lutavam para que sua cidade se tornasse vila, o que conseguiram no dia 19/11/1703. O pelourinho foi erguido dia 03/03/1710. Os olindenses protestaram e destruíram o pelourinho dia 09/11/1710. A guerra estava consumada. A maior parte do clero apoiou os nobres de Olinda, inclusive os carmelitas.
No Arquivo do convento do Carmo de Recife encontram-se dois testemunhos interessantes, escritos em italiano, afirmando que os carmelitas de Olinda só trabalharam pela paz na Guerra dos Mascates. O Cabido de Olinda elogia os carmelitas dizendo: “anche ne consta, che non s´intrometterano nelle sollevazione di Popolo, má ancora procurano la pace fra questi; e nell´occasione, in quale per l´illustrissimo Vescovo nostro Prelato furono chiamate le Religione per andare alla Villa di Reciffi alcuni Religiosi a trattare la pace, andarono molti de sopradetti Religiosi del Carmine prontamente ... “[4] O Senado de Olinda também faz seus elogios na mesma linha: “... ancora certificamo, che nella perturbazione di questi Popoli non s´intrometterono, e per meglio dire loro furono quelli che piu lavoranono in ordine alla pace, e quiete andando per varie volte alcuni Religiosi alla Piazza del Reciffe a questo fine e non sappiamo avesse il minore lamento di detti Religiosi in quello che toca al servizio di Dio ...”[5]
 
FREI MANOEL DE SANTA CATARINA
 
            Professou no Convento do Carmo de Olinda e tinha a fama de ser grande teólogo e pregador. Na Guerra dos Mascates esteve do lado dos nobres de Olinda. O Pe. Martins atesta que: “pregou com muita unção e eloquencia em todos os dias da memoravel novena de N. S. do Ó, imagem que o clero, Nobreza, e povo de Olinda mudárão de S. João para a Sé, e festejárão afim de que a Senhora abrandasse os corações dos empedernidos Mascates”[6]. Foi acusado e perseguido, mas não chegaou a ser preso.
            Dom Duarte Leopoldo afirma que ele tornou-se bispo de Angola em 1720[7]. Mas parece haver uma confusão entre dois carmelitas com o mesmo nome. Tudo indica que o bispo de Angola foi um Frei Manuel de Santa Catarina nascido em Lisboa e que chegou em Pernambuco em 1715[8].
 
FREI NICOLAU DE JESUS MARIA E JOSÉ
 
            O cônego Nicolau Paes Sarmento, futuro frei Nicolau de Jesus Maria e José, na época da da Guerra dos Mascates ainda não era carmelita.
            Estudou em Coimbra, foi Vigário Geral e Visitador do bispado, Deão da Sé de Olinda e coronel do batalhão da guarda do bispo-governador. Como orador fogoso tornou-se uma espécie de “flagelo infatigável de mascates e europeus”. É o autor das “Memórias da guerra dos mascates”.
            Conta uma tradição, recolhida pelo Pe. Dias Martins, que após a guerra ele até o fim da vida se levantava de madrugada, acendia duas velas e do alto da colina de Olinda amaldiçoava os mascates e a vila de Recife.
            Dez anos antes de sua morte se recolheu no convento dos carmelitas de Olinda e adotou o nome de frei Nicolau de Jesus Maria e José. Faleceu em 1734.
 
 
3) GUERRA DOS EMBOABAS (1707-1709)
 
 
            A chamada Guerra dos Emboabas teve início com a rivalidade entre os paulistas e os emboabas[9] no final do século XVII e teminou com sangrentas batalhas no início do século seguinte. Como foi descoberto ouro em território mineiro, para lá se dirigiram paulistas, baianos, pernambucanos e portugueses. Na região não havia ordem, polícia, justiça e fisco, mas sobrava ambição. Os paulistas julgavam ter direitos na área por serem os descobridores. Os emboabas eram em maior número e receberam algumas concessões do governo. Os paulistas protestaram contra tais concessões e contra a nomeação de portugueses em alguns postos estratégicos. A rivalidade e os interesses particulares foram se acentuando até que em 1707 estourou a guerra. Entre os emboabas surgiu Manuel Nunes Viana como líder. Os combates foram sangrentos. Tudo se acalmou no dia 9 de novembro de 1709, quando o governo dividiu a capitania do Rio de Janeiro formando a Capitania de Minas do Ouro (Minas Gerais) e definindo a Capitania de São Paulo.
 
FREI MIGUEL RIBEIRO
 
            Segundo dom Duarte, “Frei Miguel Ribeiro foi um homem inteligente e digno, emissário dos forasteiros (emboabas) ao novo governador, Antonio de Albuquerque, a quem não pareceram descabidos os prudentes conselhos do religioso”[10]. Segundo Rocha Pombo, frei Miguel “expôs o que se havia passado, e a situação em que se encontram as Minas, e pediu a Albuquerque, em nome dos levantados, que fôssem por si mesmo conhecer a verdade[11]. O governador, acompanhado pelo frade carmelita, até Caeté, foi onde conversou com Nunes Viana. Este “fez a sua sumissão, com juramento de fidelidade aos delegados de El-Rei, presentes e futuros”[12].
 
 
FREI SIMÃO DE SANTA TERESA
 
            O Carmelita frei Simão de Santa Teresa foi secretário do líder emboaba Manuel Nunes Viana. Em Caeté era muito estimado tanto pela sua instrução como pelo fato de ter construído a primeira capela do arraial.
 
4) A REVOLUÇÃO DE PERNAMBUCO (1817)
 
            Há historiadores que chamam a Revolução Pernambucana de 1817 como a Revolução dos Padres, por causa da grande presença e profunda atuação do clero regional na mesma[13].
            Na época havia censura e deficiência na instrução pública. Para conseguir grau universitário era necessário ir para a Europa, mas as idéias iluministas francesas chegavam ao Brasil através dos livros. Em Pernambuco havia o Seminário de Olinda onde as idéias liberais fermantavam e eram assumidas abertamente. Oliveira Lima afirma: “o Seminário de Olinda era um ninho de idéias liberais, e idéias liberais eram idéias subversivas”[14]. Como todo o clero estudava ali, a consequência lógica foi que as idéias liberais foram assumidas pelo clero em geral. Daí a sua participação massiva na revolução.
            Os anseios de independência foram aumentando. A situação se agravou com a chegada da família real de Portugal ao Brasil em 1808. “A corte era fútil, indolente, inútil, além de perdulária, como aliás todas as cortes européias. E a de D. João precisava também de muito dinheiro para sustentar-se”[15]. Para manter todo o aparato da família real foram aumentados os impostos. H. Koster escreveu: “Paga-se em Pernambuco um imposto para a iluminação das ruas do Rio de Janeiro quando essas de Recife ficam em total escuridão”[16].
            No dia 6 de março de 1817 “há rumores de rebelião entre os brasileiros. O Conselho Militar do Governador português vota que se deve atrair os cabeças ao palácio e matá-los pelas armas ou por envenenamento. Vence o voto prudente, de simplesmente prender os cinco civis e os seis militares considerados mais perigoso, e de pedir ao povo paz e submissão. Entre os civis consta o nome do Padre João Ribeiro, como principal cabeça”[17]. Alguns são presos e a reação foi imediata: no dia seguinte ataca-se o forte do Brum e o governador capitula. A revolução tinha começado. A república foi proclamada. A revolução foi esmagada em um mês e meio.
            O comerciante francês L. F. Tollenare, que viveu em Recife entre 1816 e 1817, em seu livro “Notas Dominicais tomadas durante viagem em Portugal e no Brasil em 1816, 1817 e 1818” afirma que quase todos os frades carmelitas estavam abertamente envolvidos na Revolução de 1817[18]. Segundo Vilar, eram mais de 10.
 
 
FREI FRANCISCO DE SANTA ANA BRITO PESSOA
 
            Era virtuoso e respeitavel religioso do Carmo, conventual de Goianna, mas residente no Crato, no Ceará, como procurador e administrador das fazendas, que sua religião possuia n´aquele districto; n´este emprego se occupava com honra, sendo além d´isso, estimado capellão do povo de Barbalha, e amigo favorito do Capitão Mór Filgueiras”[19]. Como Frei Francisco era uma pessoa estimada e influente, os revulocionários encarregaram seus amigos Bernardo Luiz Ferreira Portugal e João Ribeiro Pessoa para conquistar sua adesão à Revolução. Abraçou a causa como um verdadeiro apostolado. Convenceu a todos seus amigos, inclusive o Capitão Mór, e conhecidos a jurarem apoio à Revolução. Com a derrota, foi preso e enviado aos cárceres da Bahia. Ali ficou preso até a anistia geral de 1821.
 
FREI FRANCISCO DE SANTA MARIANA PESSOA
 
            Frei Francisco de Santa Mariana, “carmelita professo do convento do Recife, residente em Goiana. Era maçon militante e sócio efetivo das academias do Cabo e Paraíso”[20]. O Pe. Joaquim Martins afirma que ele se achava bem preparado pelas duas academias para participar da revolução[21]. Participou do ato de prisão do juiz de fora de Goiana e do assalto à fortaleza de Itamaracá. Era conhecido pelo apelido de frei Pescoço. Foi anistiado em 1821.
 
FREI FRANCISCO DE SÃO PEDRO
 
            Frei Francisco de São Pedro, carmelita, professo do convento do Recife, foi dos guerrilheiros contra as forças do general Congominho. Faleceu nos cárceres da Bahia, a 1º de setembro de 1817”[22]. Segundo Vilar ele ainda “era subdiácono e portou-se valentemente na batalha de Pindoba. Faleceu por causa de maus tratos nas prisões da Bahia”[23]. Para o Pe. Joaquim Dias Martins ele morreu “ou por força dos tormentos, ou por mágoa da nova escravidão da sua pátria”[24].
 
FREI JOÃO DE SANTA TERESA
 
            Frei João de Santa Tereza, religioso, professo da Ordem Carmelita, parochiava a freguesia de Brejo da Areia na Paraíba, quando se deram os movimentos políticos de 1817; e, sendo accusado de haver tomado parte nesses movimentos. Escreveu: “Exposição dos sucessos no Brejo d´Areia” por ocasião da revolução de 1817 em Pernambuco. O autógrafo de 64 folhas pertence à Bibliotheca do Instituto Histórico Brasileiro”[25].
 
FREI JOAQUIM DO AMOR DIVINO  -  FREI CANECA
 
            Frei Caneca brilhou mesmo na revolução de 1824, a chamada Confederação do Equador. Na revolução de 1817 foi combatente e guerrilheiro contra as forças do general Cogominho e um dos assaltantes da fortaleza do Brum. Foi capturado e enviado para a prisão na Bahia, sendo anistiado em 1821.
 
FREI JOSÉ DE SANTA ROSA (Pe. Roma)
 
            Pe. Roma: “Era carmelita professo do convento de Goiana, onde se chamou frei José de Santa Rosa, bacharel em teologia pela Universidade de Coimbra, condecorado com o hábito de Cristo e orador reputado. Secularizado em 1807”[26]. Seu nome era José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima. Foi arcabuzado, no Campo da Pólvora.
"O Padre Roma foi um dos mais ardentes revolucionários”[27]. Após o sucesso de sua missão em Alagoas, seguiu para a Bahia, para tentar a adesão dêsse Estado. Foi prêso, julgado por uma comissão militar, organizada apressadamente pelo Conde dos Arcos, e condenado à morte. Foi fuzilado no Campo da Pólvora, a 29 de março de 1817.
            Até no momento de sua morte foi valente e destemido. É o que conta Caio Porfírio Carneiro:
            "O Padre Roma, por sua vez, assim se portou ante o pelotão de fuzilamento:
             Camaradas! Eu vos perdôo a minha morte. Lembrai-vos na pontaria - pôs a mão no coração - que aqui é a fonte da vida.. e atirai."[28]
           
FREI JOSÉ MARIA DO SACRAMENTO BREYNER
 
            Frei José Maria do Sacramento Breyner - natural do Recife, carmelita professo da mesma cidade, foi mestre de história pátria e prior do convento de Nossa Senhora da Guia, na Paraíba. O Padre Martins, definindo-o, diz: “seu gênio atilado e caráter nacional o fizera mais propenso para as virtudes patrióticas, do que para as impertinências e minúcias religiosas”, e acrescenta: “o grande Breyner, sem nunca trair o grande segredo, desposou-se com o dia 6 de março de 1817 com tanto entusiasmo, que, preferindo o título de patriota ao nome religioso, não receiou fazer-se apóstolo da Liberdade, pregando-a, e inculcando-a por todos os modos, e em todas as circunstâncias possíveis”[29].
            Preso a 26 de maio, como guerrilheiro da revolução, nas lutas da Independência reaparece o frade carmelita, à frente de um batalhão de couraceiros contra os portugueses entrincheirados na Bahia”[30].
            O historiador José Honório Rodrigues ao escrever sobre a participação do clero na luta pela independência brasileira relata sobre Frei José Maria do Sacramento Breyner o seguinte: “era um religioso carmelita, natural de Pernambuco, muito patriota, que se envolvera na revolução de 1817, fora preso, permanecera nas cadeias da Bahia até sua libertação em fevereiro de 1821. Quando se iniciou a guerra na Bahia, patriota exaltado, alistou-se nas fileiras dos combatentes e organizou à sua custa uma companhia de homens vestidos de couro, e à sua frente marchou em direção ao exército brasileiro, apresentou-se ao general Labatut e combateu durante toda a guerra até a vitória final. O padre dos couros, como era chamado, organizou um corpo guerrilheiro voluntário, composto de 40 pessoas, 21 pardos, sete brancos e dois cabras, mais tarde aumentou para cem combatentes. “O prêmio dos nossos trabalhos, depois da causa finada, será o descanso em nossas casa”. Atingiu o posto de capitão de primeira linha, foi condecorado com a Ordem do Cruzeiro, retirou-se para a vida religiosa, foi vigário da freguesia do S. Sacramento em 1834, vivendo até 1850. Sua biografia não foi escrita. Era um homem resoluto, prestou grandes serviços na guerra, no correio e nos transportes, e sua tropa constituía uma das partes do exército de Labatut”[31].
 
FREI MANUEL DO CORAÇÃO DE JESUS (Dr. Manuel de Arruda Câmara)
 
            Dr. Manuel de Arruda Câmara foi “frade leigo carmelita, professo no convento de Goiana, sob o nome de Frei Manuel do Coração de Jesus, posteriormente secularizado por um breve pontifício”[32]. Foi um grande sábio naturalista e partidário exaltado das idéias liberais. Fundou a Academia de Itambé, chamada Areópago. Sobre a ação desta Academia escreve Carlos Razzini: “Foi o Areópago a nossa primeira colméia autonomista, e suas abelhas as primeiras a empreender um vôo continental em favor da independência comum. Nesse desiderato chegaram a sonhar com a América livre, e ainda sob o pálio da democracia”[33].
            Tudo indica que Arruda Câmara sonhava com uma América unida. Ele escrevia a João Ribeiro: “Remete logo a minha circular aos amigos da América Inglesa e Espanhola. Sejam unidos com esses nossos amigos americanos, porque tempo virá de sermos todos um; e quando não for, assim sustentem uns aos outros”[34].
 
FREI MIGUEL DE SÃO BONIFÁCIO  (Pe. Miguelinho)
 
            Uma figura chave da Revolução foi Miguel Joaquim de Almeida e Castro, ou simplesmente Pe. Miguelinho, como era conhecido. Ele foi carmelita no Recife com o nome de Frei Miguel de São Bonifácio. Iniciou seus estudos no convento do Recife e depois foi para Lisboa. Voltou secularizado e com a fama de teólogo, filósofo e hábil político.
            Foi professor no Seminário de Olinda, onde difundiu suas idéias e atraiu muitos estudantes e futuros padres para a sua causa.
            Tão logo foi iniciada a revolução, “foi constituído o nôvo governo republicano. É quando aparece, integrando-o, o Padre Miguelinho. Fôra nomeado Ministro do Interior. Tentou, como primeira medida, contemporizar as coisas, apesar das suas idéias republicanas e de nacionalista extremado.
            O Padre Miguel era de nascimento rio-grandense-do-norte, porém residia em Recife desde os dezesseis anos de idade. Estudou no Colégio do Carmo, no convento de Recife. Homem de grande talento, inteligência e cultura, desde mocinho deixou-se empolgar pelas idéias democráticas. Tomou parte ativa em várias sociedades secretas das muitas que existiam na cidade. E dedicou-se sempre, com convicção extremada, à propaganda revolucionária. Ao mesmo tempo era um pacifista, contrário a qualquer violência que qualquer revolução fatalmente produziria"[35].
Como secretário, elaborou todos os decretos, proclamações, ordens, ofícios e mais trabalhos do gabinete”[36].
No dia 12 de junho Padre Miguelinho junto com alguns companheiros foi inapelavemente executado pelo pelotão de fuzilamento. "Seguindo naquele dia para o lugar do suplício, que havia de ser no Campo da Pólvora, onde foi arcabuzado com Martins e o dr. José Luiz de Mendonça, começou êste a declarar contra a iníquia sentença, ao que, pondo-lho os olhos enternecidos, lhe falou o Padre Miguelinho generoso e intrépido: "Querido amigo, façamos e digamos ùnicamente aquilo que temos tempo". E dizendo, ajoelhou diante do crucifixo, repetindo, debulhado em lágrimas e alternando com Mendonça, até serem fuzilados, o salmo "Miserere mei Deus secundum magnam misericordiam tuam...[37] “Morria assim o Padre Miguel Joaquim de Almeida e Castro. Fuzilado apenas cinco anos antes do Grito da Independência, e justamente porque por ela lutara.
            Sua morte, como a de seus companheiros, não foi em vão. Pois foi justamente o movimento revolucionário pernambucano de 1817 que influiu, decisivamente, para a nossa emancipação política apenas um lustro depois. Como bem observou Franklin Távora, essa revolta foi "a montanha que cresceu entre Portugal e o Brasil, e os separou definitivamente." E completa Basílio de Magalhães: foi o início de uma "floração, cada vez maior, dos ideais de liberdade, quer na própria terra pernambucana (1824), quer no extremo-sul (Guerra dos Farrapos, 1835-1840), tornados definitiva realidade pela radiosa aurora de 15 de novembro de 1889” [38].                       Caio Porfírio Carneiro em seu belo artigo assim conclui sobre Pe. Miguelinho: "condenado à morte por infâmia", para ressuscitar imaculado e engrandecido na História” [39].
 
5) A CONFEDERAÇÃO DO EQUADOR  (1824)
 
            Pode-se dizer que a revolução de 1824 (Confederação do Equador) foi uma continuidade da de 1817, pelo menos sob vários aspectos. Na verdade nada havia mudado. Os prisioneiros, ao chegarem em seus lares, puderam ver que tudo estava absolutamente na mesma, no tocante às exigências sobre a administração, probidade, impostos, honestidade, perseguições e injustiças para com os nativos. ... Em Pernambuco, entretanto, a vontade de ser livre tinha aumentado pela sensação da inutilidade de tanto sangue derramado e pelo ódio à repressão. Os castigos sofridos não quebraram os ânimos, mas pelo contrário tinham-se transformado em mágoa e em mais idealismo”[40].
            Em 7 de setembro de 1822 foi proclamada a independência do Brasil pelo príncipe regente dom Pedro, o qual no dia 1º de dezembro do mesmo ano foi coroado imperador do Brasil e recebeu o título de dom Pedro I. Uma Assembléia Constituinte foi instalada, mas como havia disputa entre os poderes e as coisas não estavam saindo do jeito que o imperador queria, este dissolveu a assembléia com o apoio dos militares. Vários deputados foram presos. No dia 25 de março de 1824 a Constituição foi promulgada. Assim a primeira Constituição brasileira foi “imposta pelo imperador ao “povo”, embora devamos entender por “povo” a minoria de brancos e mestiços que votava e que de algum modo tinha participado na vida política”[41]. O grande contingente de escravos ficou totalmente alijado da Constituição.
            Houve descontentamento geral com a promulgação da imposta Constituição. Em Pernambuco a nomeação de um governador não-desejado abriu as portas para uma revolta. Assim “seu chefe ostensivo, Manuel de Carvalho, proclamou a Confederação do Equador, a 2 de julho de 1824. ...
            A Confederação do Equador deveria reunir sob forma federativa e republicana, além de Pernambuco, as províncias da Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e, possivelmente, o Piauí e o Pará. O levante teve conteúdo acentuadamente urbano e popular, diferenciando-se da ampla frente regional, com a liderança de proprietários rurais e alguns comerciantes, que caracterizara a Revolução de 1817.
            ...
            A Confederação do Equador não teve condições de se enraizar e de resistir militarmente às tropas do governo, sendo derrotada nas várias províncias do Nordeste, até terminar por completo em novembro de 1824. A punição dos revolucionários foi além das expectativas. Um tribunal manipulado pelo imperador condenou à morte, entre outros, Frei Caneca, Ratcliff, e o major de pretos Agostinho Bezerra Cavalcanti. Os próprios adversários, entre eles comerciantes portugueses, enviaram ao rei pedidos de clemência em favor do último, que evitara excessos e mortes. Mas não foram ouvidos. Levado à forca, Frei Caneca acabou sendo fuzilado diante da recusa do carrasco em realizar o enforcamento”[42].
 
FREI CANECA
           
            Se teve nas suas fileiras dezenas de clérigos, centenas de militares, milhares de civis, a Confederação do Equador pode ser entretanto considerada a revolução de um padre: Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca”[43].
            Frei Caneca inicialmente, apesar de ser republicano, aceitava um regime monárquico, contanto que constitucional. Seus primeiros desentendimentos foram com José Bonifácio e o seu Ministério que, a seu ver, exerciam uma influência maléfica sobre D. Pedro e o levaram a atitudes extremadas e exageradamente conservadoras no tocante a três importantes pontos, a saber 1) a unidade do território nacional, 2) a consolidação da Independência e 3) a defesa do poder monárquico. Como conservador e de formação européia-portuguesa, José Bonifácio era um defensor da Casa de Bragança. Frei Caneca lutava em primeiro lugar por um regime constitucional, não importando se fosse monarquista ou republicano. José Bonifácio visava o fortalecimento do poder do monarca. Frei Caneca preocupava-se em por limites neste poder, diante do povo. “Sabe-se hoje que José Bonifácio não queria um governo constitucional e só se decidiu pela Independência quando os famosos decretos 124 e 125, das Cortes de Lisboa, os mesmos que levaram D. Pedro à proclamação de 7 de setembro, pretendiam prendê-lo e processá-lo” [44].
            Em 12 de novembro de 1823 o imperador dissolveu a Constituinte. Isto fez com que Frei Caneca se decidisse, definitivamente, contra o Imperador: é a segunda fase de sua luta.
            Como naquele mesmo ano Portugal havia retornado ao regime absolutista, a atitude de D. Pedro foi interpretada como tentativa de se tornar o senhor absoluto do Brasil. A idéia de que D. Pedro e seus sequazes tramavam a recolonização do Brasil tomou corpo. O raciocínio era lógico: absolutismo em Portugal, dissolução da Assembléia Constituinte brasileira, absolutismo também no Brasil. Era o caminho para que se “conservassem os dois reinos unidos para a dinastia de Bragança” [45].
            Frei Caneca procurou conscientizar e doutrinar o seu povo de todas as formas. Mas o fez sobretudo através do Typhis Pernambucano, jornal por ele fundado[46]. Mostrava de onde vem o poder, quais os limites do poder de um soberano, que o ato de escolher um governo, passando por cima do povo, mesmo se se tratasse de um imperador, era uma traição a todos os ideais pelos quais tinham lutado e derramado seu sangue na Revolução de 1817.
            O professor João Alfredo de Sousa afirma: “importante sublinhar em Caneca o espírito de justiça imanente a uma linha de comportamento autêntico e de realização integral do homem, dentro da prática religiosa, ou talvez melhor dizendo, prática da fé. (...) Então ele supera o dualismo espírito-matéria, corpo-alma, natural-sobrenatural, vendo o homem como um todo, permeado em todos os momentos de sua vida, em todas as áreas de seu comportamento, por profunda moralidade que o faz cônscio de obrigações para com Deus, para com a sociedade, para com o próximo, para com a nação, numa unidade indissolúvel”[47].
            Após as derrotas iniciais, os revolucionários pernambucanos se retiraram em direção ao Ceará. Frei Caneca acompanhou a marcha confederada pelo sertão. A derrota era eminente e a viagem pelo sertão, muito sofrida. Porém, o ideal de liberdade e de luta por princípios se mantinha vivo. “Foi essa jornada de sacrifícios e heroísmo, só por si capaz de salvar para a história a causa daqueles homens”[48]. A condição para se renderem era de que se instalasse uma nova Assembléia Constituinte.
            Frei Caneca foi preso pelo major Lamenha. Este era um desertor das forças da “Confederação”. Ele prometia, entre outras coisas, que seria um irmão dos confederados e que o imperador, como um pai, os receberia. Nenhuma das promessas foram cumpridas.
            Frei Caneca foi levado para o Recife onde, num julgamento com irregularidades e falhas[49], foi condenado à morte na forca. No dia da execução, conforme exigência da lei canônica da época, foi degradado das Ordens Sacras. Até neste ato o frade carmelita foi injustiçado, visto que não houve processo canônico para tal e quem assinou a ordem de degradação foi o bispo do Rio de Janeiro e não o de Olinda, diocese à qual pertencia.
            Na hora da execução nenhum carrasco quis enforcá-lo. Por fim sua pena foi arbitrariamente transformada em morte por fuzilamento pelo comandante militar e não pelo tribunal - mais uma irregularidade. Assim, aos 51 anos de idade, Frei Caneca foi morto no dia 13 de janeiro de 1823. Max Fleiuss atesta: “Teve morte heróica; não quis que lhe vendassem os olhos e ele próprio deu voz de comando aos soldados do pelotão executor, recomendando-lhes, de braços abertos, que atirassem sobre o seu coração, como centro da vida” [50].
            Após o fuzilamento seu corpo foi deixado em frente ao Convento do Carmo de Recife. O provincial o sepultou dentro do convento. “Não se sabe exatamente em que local. Não há lápide, não há velas, não aparecem romeiros. Em algum lugar ele jaz, esquecido pelo povo e pela pátria que tanto amou e que pomposamente reverencia e ergue monumentos caríssimos ao Imperador que tantas vezes a traiu”[51].
 
 
6) REVOLTA DE ABRIL DE 1832 EM MANAUS
 
 
            Em 1832 aconteceu em Manaus (AM), na época ainda chamava-se Barra do Rio Negro, um revolta armada para emancipar a então Comarca do Alto Amazonas. Até esta época toda a Amazônia pertencia à Província do Grão-Pará, cuja capital era Belém. “Neste movimento torna-se especialmente notória a influência e a direção espiritual dos frades Ignácio Guilherme da Costa, mercedário maranhense, Joaquim de Santa Luzia e José dos Santos Inocentes, ambos carmelitas paraenses”[52]. A rebelião fracassou, mas não aconteceram as punições usuais para estes casos por causa da linha liberal do novo presidente da Província José Joaquim Machado de Oliveira. A emancipação do Amazonas como Província aconteceu em 1850.
 
FREI JOAQUIM DE SANTA LUZIA
 
            Frei André Prat informa que Frei Joaquim de Santa Luzia foi em 1818 vigário de Moura e Carvoeiro no rio Negro.[53]
            Segundo alguns, ele era entendido em balística, por isso foi encarregado, ou encarregou-se, da defesa da cidade de Manaus[54]. De acordo com o historiador Arthur Reis, ele conseguiu fazer sérias avariações em alguns navios adversários - sobretudo na barca Independência, que esteve a ponto de afundar, mas não conseguiu evitar a derrota[55]. Prat afirma que “os revolucionários levantaram uma especie de fortificação nas Lages, foz do Rio Negro, cujo commando entregaram ao citado religioso (Frei Joaquim de Santa Luzia), que dirigiu alguns tiros contra a barca de guerra Independencia, conduzindo a força que foi suffocar a rebellião, em Manaus”[56].
 
FREI JOSÉ DOS SANTOS INOCENTES
 
            Parece que sua figura é um pouco controvertida. Araújo diz que ele “associa ao trabalho missionário entre os índios e de vigário em vilas do interior o gosto e a determinação pela ação política radical”[57]. Já o naturalista inglês Alfred Russel Wallace o descreve como preguiçoso, contador de piadas, dinheirista e conquistador de mulheres (chega a afirmar: “Don Juan”, comparado a Frei José, era um inocente. Ele dizia, entretanto, que sempre teve grande respeito pela sua batina, e nunca fez nada para desrespeitá-la, “durante o dia”[58]). Ao descrevê-lo assim, parece que Wallace queria desmoralizá-lo por causa de sua participação na defesa dos interesses brasileiros em questões de fronteiras entre Brasil e Guiana Inglesa, como veremos abaixo. Aurélio Pinheiro diz que ele era “sacerdote, guerrilheiro e político”[59]. Prat informa que “até 1832 Fr. José dos Santos Innocentes, que tomou parte em todos os acontecimentos políticos do seu tempo e tinha grande influência na Comarca do Alto Amazonas, era Vigário de Vila Nova da Rainha, hoje cidade de Parintins.
Foi um dos factores do argumento da povoação de Pirara, na região cuja posse era contestada pela Inglaterra e o Brasil (Valle do Rio Branco) e da qual aquella nação ficou de posse, em virtude do laudo arbitral do rei da Italia.
Este religioso erigiu ali uma capella; Congregou os indios dispersos, ensinou-lhes a religião e os primeiros rudimentos da agricultura”[60].
            Na revolução de 1832 recebeu a missão de, como procurador do povo, ir ao Rio de Janeiro, capital do Brasil na época, para defender os interesses amazonenses junto às autoridades imperiais. O trajeto lógico seria descer o rio Amazonas, chegar até o oceano Atlântico e depois seguir até ao Rio. Mas ele não podia fazer este caminho porque envolveria uma passagem por Belém e consequentemente seria preso e impedido de seguir a viagem. Por isso optou por ir pelo centro do Brasil. Subiu o rio Madeira, depois seguiu por outros rios e trilhas. Passou por Cáceres e conseguiu chegar até Cuiabá, capital do Mato Grosso. Ali havia uma pequena revolta nativista, em vez de ficar quieto e seguir sua viagem, resolveu tomar partido em favor de um dos lados e foi o lado que perdeu. Foi preso e enviado de volta para o Amazonas. Ao chegar à sua querida Manaus, foi preso e condenado a ser missionário no alto do rio Branco, na divisa com a Guiana Inglesa.
            Em 1839 os ingleses, que contestavam as fronteiras, invadiram o território brasileiro. O frade carmelita frei José dos Santos Inocentes, de acordo com seu espírito guerreiro, organizou o povo e defendeu as fronteiras brasileiras em Pirara, no alto Rio Branco.
            Em 1852, já doente, retornou a Manaus onde morreu. Na capital amazonense há uma rua com o nome Frei José dos Santos Inocentes, que por ironia do destino é (ou era) umas das principais ruas de prostituição da cidade.

BIBLIOGRAFIA
 
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VILAR DE CARVALHO, Gilberto, A liderança do clero nas Revoluções Republicanas - 1817 a 1824, Vozes, Petrópolis, 1980.
 



[1] CONDURÚ, História Eclesiástica do Maranhão, 17.
 
[2] Serafim LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, tomo IV, p. 75.
 
[3] Serafim LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, tomo IV, p. 75.
 
[4] Simile testimonium Capituli Olinden. Num. 3, de 26/08/1713. Copiado do original impresso existente no Arquivo do Carmo, Recife por Frei Sebastião Boerkamp no volume II, pág. C-426. Este volume está na Biblioteca Carmelitana do Convento do Carmo de São Paulo.
 
[5]  Simile testimonium Senatus Olinden. Num. 13, de 08/07/1713. Copiado do original impresso existente no Arquivo do Carmo, Recife por Frei Sebastião Boerkamp no volume II, pág. C-426. Este volume está na Biblioteca Carmelitana do Convento do Carmo de São Paulo.
 
[6] MARTINS, Os Martires Pernambucanos, 130 e 131.
 
[7] LEOPOLDO, O clero e a independência, 25.
 
[8] PRAT, Notas Históricas, 295-296.
 
[9] Palavra de origem indígena que significa “estrangeiro”. No caso designava todos os não paulistas, ou seja portugueses, baianos, pernambucanos, etc. que se dedicavam à descoberta e exploração de ouro e pedras preciosas em Minas Gerais.
 
[10] LEOPOLDO, O clero e a independência, 45.
 
[11] ROCHA POMBO, História do Brasil, 225.
 
[12] ROCHA POMBO, História do Brasil, 226.
 
[13] VILAR DE CARVALHO, A liderança do clero, 15ss.
 
[14] Citado por LEOPOLDO, O clero e a independência, 66, nota 21.
 
[15] VILAR, A liderança do clero, 23.
 
[16] Citado por VILAR, A liderança do clero, 23.
 
[17] VILAR, A liderança do clero, 31.
 
[18] VILAR, A liderança do clero, 63.
 
[19] MARTINS, Os Martires Pernambucanos, 313 e 314.
 
[20] LEOPOLDO, O clero e a independência, 74, nota 42.
 
[21] MARTINS, Os Martires Pernambucanos, 256.
 
[22] LEOPOLDO, O clero e a independência, 67.
 
[23] VILAR, A liderança do clero, 85.
 
[24] MARTINS, Os Martires Pernambucanos, 309.
 
[25] GALVÃO, Diccionario Chorographico Historico, 3º volume.
 
[26] LEOPOLDO, O clero e a independência, 82.
 
[27] CARNEIRO, Padre Miguelinho, 104.
 
[28] CARNEIRO, Padre Miguelinho, 106.
 
[29] MARTINS, Os Martires Pernambucanos, 98.
 
[30] LEOPOLDO, O clero e a independência, 101.
 
[31] RODRIGUES, O Clero e a Indepenência, 323-324.
 
[32] LEOPOLDO, O clero e a independência, 69.
 
[33] RAZZINI, Hipólito da Costa e o Correio Brasiliense, p. 94.
 
[34] COSTA, Pereira da, Dicionário Bibliográfico de Pernambucanos Célebres, p. 640. Citado por AZZI em A Crise da Cristandade e o Projeto Liberal, p. 29.
 
[35] CARNEIRO, Padre Miguelinho, 103.
 
[36] LEOPOLDO, O clero e a independência, 94.
 
[37] BARBOSA LIMA - citado por CARNEIRO, Padre Miguelinho, 107.
 
[38] CARNEIRO, Padre Miguelinho, 107.
 
[39] CARNEIRO, Padre Miguelinho, 108.
 
[40] VILAR, A liderança do clero, 37.
 
[41] FAUSTO, História do Brasil, 149.
 
[42] FAUSTO, História do Brasil, 153 e 154.
 
[43] VILAR, A liderança do clero, 95.
 
[44] VILAR, A liderança do clero, 50.
 
[45] ROCHA POMBO, História do Brasil, 187.
 
[46] Iniciado em 25 de dezembro de 1823.  O último número foi editado em 29 de julho de 1824.
 
[47] SOUSA, O Liberalismo Radical de Frei Caneca, 181.
 
[48] Rocha Pombo, História do Brasil, 204.
 
[49] Cf. VILAR, A liderança do clero, 205-206.
 
[50] FLEIUSS, Apostilas de História do Brasil, 322.
 
[51] VILAR, A liderança do clero, 210.
 
[52] ARAÚJO, Igreja e Cabanagem (1932-1849), 263.
 
[53] PRAT, Notas Históricas, 291.
 
[54] Cf. PRAT, Notas Históricas, 291; ARAÚJO, Igreja e Cabanagem (1932-1849), 263.
 
[55] REIS, História do Amazonas, 165.
 
[56] PRAT, Notas Históricas, 291.
 
[57] ARAÚJO, Igreja e Cabanagem (1932-1849), 264.
 
[58] Citado por ARAÚJO, Igreja e Cabanagem (1932-1849), 265.
 
[59] PINHEIRO, À margem do Amazonas, 32.
 
[60] PRAT, Notas Históricas, 289-290.