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quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Juiz vaticano diz que cardeais críticos do Papa podem perder seus barretes cardinalícios

Em declarações à imprensa espanhola, o chefe do principal tribunal eclesiástico do Vaticano disse que os quatro cardeais que acusaram o Papa Francisco de criar confusão com seu documento “Amoris Laetitia” são culpados de causarem “um escândalo muito grave” e que o papa poderia retirar os seus barretes cardinalícios. A reportagem é de Inés San Martín, publicada por Crux, 29-11-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
De acordo com o decano do Tribunal da Rota Romana, os quatro cardeais que recentemente publicaram uma carta onde pedem que o Papa Francisco esclareça algumas ideias presentes em Amoris Laetitia, documento sobre a família, poderiam perder seus barretes cardinalícios como decorrência daquilo que chamou de um “escândalo muito grave” por eles causado.
“Que Igreja defendem esses cardeais? O Papa é fiel à doutrina de Cristo”, falou o Pe. Pio Vito Pinto.
“O que eles [os cardeais] fizeram é um escândalo muito grave que poderia até mesmo levar o Santo Padre a retirar-lhes o barrete cardinalício, como já aconteceu em outros momentos da Igreja”, completou.
Nomeado em 2012 pelo Papa Emérito Bento XVI para ser o chefe do principal tribunal eclesiástico do Vaticano – conhecido como Rota Romana –, Vito Pinto foi rápido em esclarecer que suas palavras não significam que Francisco vá tomar tal decisão; significam apenas que ele poderia.
Vito Pinto esteve na Espanha no final de novembro para proferir uma palestra na Universidade de San Damaso, em Madri, como parte de uma conferência sobre as reformas do Papa Francisco no campo da anulação matrimonial.
Foi em entrevista ao sítio Religión Confidencial que o juiz fez estes comentários concernentes à carta dos cardeais Walter BrandmüllerRaymond BurkeCarlo Caffarra e Joachim Meisner, formalmente chamada de “dúbia”.
Segundo o texto da reportagem, Pito disse que os quatro cardeais e outros dentro da Igreja, estão pondo em dúvida “dois sínodos dos bispos sobre o matrimônio e sobre a família. Não um sínodo, mas dois! Um ordinário e o outro extraordinário. Não se pode duvidar da ação do Espírito Santo”.
Na palestra proferida por Vito Pinto, amplamente reportada por jornais e sites espanhóis, ele disse que em países como a Itália, a Espanha ou a Polônia, o casamento religioso ainda é altamente valorizado, mas “a verdade é que muitos dos batizados celebram o casamento civil ou vivem juntos sem estarem casados”.
Sobre aquilo que a Igreja chama de “situações irregulares” – coisa que ele não especificou, mas que pode ir desde os fiéis divorciados e recasados no civil até os fiéis gays em união civil –, Vito Pinto declarou: “O que nós fazemos? Transformar a Igreja em uma prisão? Ficar de pé na porta da paróquia e dizer: ‘Você sim [pode entrar], você não’?”
Como uma solução, o decano da Rota Romana sublinhou a importância do discernimento, sustentando que nada mudou depois de Amoris Laetitia em termos do magistério católico. No entanto, acrescentou: “Nem tudo é preto ou branco, há tons de cinza”, algo que o próprio pontífice argentino disse mais de uma vez.
O critério, segundo ele, tem de ser “facilitar tudo aquilo que leva à saúde das almas”.
No tocante às repercussões jurídicas de Amoris Laetitia, Vito Pinto falou que os canonistas também são chamados à “conversão” porque, mesmo se durante o segundo milênio uma “interpretação jurídica de tudo” impôs-se sobre a Igreja, na realidade “o direito é uma ferramenta necessária”, mas não é o fundamento da fé.
A título de informação, uma “dúbia” é um documento que os bispos enviam ao papa ou ao Vaticano em que se pedem esclarecimentos sobre um tema específico. Esta prática é rotineira e raramente é motivo das manchetes.
A dúbia dos quatro cardeais relaciona-se com os sacramentos quando pede que Francisco esclareça acerca da “existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer exceção, que proíbem atos intrinsecamente maus”.
Eles também perguntam se agora é possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência e, portanto, a Comunhão a casais divorciados e que voltaram a se casar no civil, sem antes preencherem as condições estabelecidas pelo documento do São Papa João Paulo II sobre a família Familiaris Consortio.
Uma destas exigências é que os cônjuges em uma tal situação vivam em castidade, “como irmãos e irmãs”.
O texto completo da carta, com cinco perguntas de sim ou não que os prelados submeteram ao papa em setembro passado, foi voluntariamente tornado público pelo grupo no começo deste mês após Francisco ter informado que não iria responder.
Pedindo que o movimento feito por eles não fosse visto como um ataque “conservador” contra os “progressistas”, os cardeais disseram que estavam motivados pela preocupação pelo “verdadeiro bem das almas” e pela “profunda afeição colegiada que nos une ao papa”.
“Criar clareza: Alguns nós por resolver em ‘Amoris Laetitia’ – Um apelo” é como os quatro intitularam a “dúbia” e a “premissa necessária”.
Logo em seguida, Burke concedeu entrevista ao National Catholic Register em que diz que se o silêncio do papa se mantiver, eles poderão ter de emitir um “ato formal de correção de um grave erro”.
Algumas figuras na Igreja alinharam-se junto aos quatro prelados, pedindo que o papa esclareça a sua exortação apostólica, em particular a nota de rodapé número 351, uma das que mais gerou debates sobre o acesso aos sacramentos para os divorciados e recasados.
É o caso do bispo do Cazaquistão Athanasius Schneider, que submeteu uma postagem ao blog tradicionalista Rorate Caeli descrevendo a carta dos cardeais como uma “voz profética”.
Outros, como o Pe. Antonio Spadaro, editor-chefe da Civiltà Cattolica, importante revista jesuíta cujas publicações são previamente aprovadas pela Secretaria de Estado do Vaticano, disse que Francisco já respondeu às perguntas feitas na dúbia, e em uma transmissão recente feita pela CNN Spadaro defendeu a decisão do papa de não respondê-las novamente.
Entre outros exemplos, esse segundo grupo alega que o papa respondeu a dúbia numa carta – que vazou à imprensa – enviada aos bispos de sua ex-arquidiocese, Buenos Aires, onde endossa um documento escrito pelos prelados argentinos que afirma que as portas foram abertas para que os fiéis divorciados e recasados tenham acesso à Comunhão.
Caso o Papa Francisco fizesse o que Vito Pinto disse e removesse os quatro prelados do Colégio Cardinalício, estaríamos diante de um movimento raro, porém não inteiramente inédito.
Há o caso do jesuíta francês Louis Billot,criado cardeal por Pio X em 1911, mas que renunciou a essa condição em 1927. Billot era um forte apoiador do movimento francês conservador Action Française, o que causava tensões entre ele e o Vaticano.
O Papa Pio XI proibiu o jornal do movimento em todos os lares católicos. Billotdiscordou da decisão papal e acabou apresentando a sua renúncia, muito embora alguns historiadores acreditam que o papa exigiu que ele assim o fizesse.
Os outros dois casos recentes são os de Hans Hermann Groër, de Viena, e Keith O’Brien, de Edimburgo, que renunciaram a todos os direitos e privilégios cardinalícios – o primeiro sob o São Papa João Paulo II e o segundo sob Francisco – em ambos os casos por assuntos envolvendo conduta sexual imprópria.
No entanto, como disse ao sítio Crux o canonista Kurt Martens, da Universidade Católica da América, Groër e O’Brien na verdade mantiveram-se com os seus barretes de cardeais, perdendo somente os privilégios e as responsabilidades que os estes possuem, tais como participar em um conclave para eleger o papa.
Teoricamente, um papa cria cardeais e, portanto, pode destituí-los, embora, como mostram estes exemplos, em geral os cardeais em apuros irão entregar os seus barretes voluntariamente antes de chegarem ao ponto de banimento.
O Pe. Francis G. Morrisey, também especialista em Direito Canônico, disse ao Cruxque “o cardinalato nada tem a ver com o sacerdócio, ou o episcopado. É uma honraria que pode ser retirada”.
Isso quer dizer que se um bispo é feito cardeal e em seguida tem esta condição retirada, ele ainda é bispo, da mesma forma como um padre continuaria sendo padre, observou Morrisey.
Ainda que seja impossível prever o que Francisco fará, tanto Martens como Morrisey concordam que ele não deveria retirar a condição cardinalícia dos quatro cardeais que apresentaram a dúbia.
Morrisey diz que destituir-lhes faria deles “vítimas entre as facções arquiconservadoras, e isso poderia facilmente levar ao cisma”.
Ele não que Francisco não deve responder às perguntas, pois são “perguntas capciosas como as que os fariseus fizeram a Jesus”.
Martens não diria “cisma”, mas afirmou que Francisco, ao tirar o barrete cardinalício destes cardeais, criaria “uma guerra total”.
Muito embora apenas quatro cardeais vieram à frente se manifestar, certamente eles “não são os únicos” que têm dúvidas. Eles possuem muitos seguidores que concordam entre si em que Amoris Laetitia deixa margem para dúvidas.
“Se o papa concorda ou não com o que escreveram os cardeais, de forma alguma seria sábio [pedir que eles renunciassem], pois eles estão fazendo as perguntas que muitos têm, seja de ‘esquerda’, seja de ‘direita’”, declarou, acrescentando que, no final das contas, os cardeais fizeram o que deveriam fazer: “Assessorar, aconselhar o papa”.

Martens disse ainda que se consultado pelo Papa Francisco, ele o aconselharia a convidar os quatro cardeais para uma conversa, porque, entre muitas razões, ao retirar os barretes cardinalícios, ele estaria fazendo o oposto do que prega, que é convidar as pessoas ao diálogo. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

A Carta Aberta dos cardeais ao Papa Francisco – na íntegra.

A Carta Aberta dos cardeais ao Papa Francisco – na íntegra.

1. Uma premissa necessária
O envio desta carta ao Papa Francisco por parte de quatro cardeais nasce de uma profunda preocupação pastoral.
Temos observado a desorientação de muitos fiéis, e a confusão em que se encontram, relativamente a questões de grande importância para a vida da Igreja. Temos notado também que inclusive no seio do colégio episcopal se fazem interpretações contrastantes do capítulo oitavo de “Amoris laetitia”.
A grande Tradição da Igreja ensina-nos que o caminho para sair de situações como esta passa pelo recurso ao Santo Padre, pedindo à Sé Apostólica que resolva as dúvidas que são causa de desorientação e de confusão.
O nosso é, pois, um ato de justiça e de caridade.
De justiça: ao tomar esta iniciativa estamos a professar que o ministério petrino é o ministério da unidade, e que a Pedro, ao Papa, cabe o serviço de confirmar na fé.
De caridade: é nossa intenção ajudar o Papa a prevenir divisões e contraposições na Igreja, pedindo-lhe que dissipe todas as ambiguidades.
Fazendo-o, cumprimos também um estrito dever que nos incumbe. Segundo o Código de Direito Canónico (câns. 349, 358 e 360), aos cardeais está confiada a missão de ajudar o Papa na solicitude pela Igreja universal.
O Santo Padre decidiu não responder. Interpretamos esta sua soberana decisão como um convite para continuar a reflexão e a discussão, de modo sereno e respeitoso.
Por essa razão, damos agora a conhecer a nossa iniciativa a todo o povo de Deus, fornecendo para isso toda a documentação pertinente.
Esperamos que ninguém interprete este facto nos termos do esquema “progressistas-conservadores”; seria um engano. Estamos profundamente preocupados com o verdadeiro bem das almas, que é a suprema lei da Igreja, e não em fazer avançar dentro da Igreja um qualquer tipo de política.
Esperamos também que ninguém, julgando injustamente, nos tenha na conta de adversários do Santo Padre e de pessoas privadas de misericórdia. O que fizemos e o que estamos a fazer nasce do profundo afeto colegial que nos une ao Papa, e da preocupação apaixonada pelo bem dos fiéis.
Card. Walter Brandmüller
Card. Raymond L. Burke
Card. Carlo Caffarra
Card. Joachim Meisner

2. A carta dos quatro cardeais ao Papa

Ao Santo Padre Francisco
e com conhecimento a Sua Em. Rev. Senhor Cardeal Gerhard L. Müller

Beatíssimo Padre,
No seguimento da publicação da Vossa Exortação Apostólica “Amoris laetitia”, foram propostas, por parte de teólogos e estudiosos, interpretações não só divergentes, mas também contrastantes, sobretudo no que respeita ao cap. VIII. Além do mais, os meios de comunicação têm vindo a pôr em realce esta diatribe, provocando, desse modo, incerteza, confusão e desorientação por entre muitos dos fiéis.
Por essa razão, chegaram-nos, a nós que nos subscrevemos, como também a muitos Bispos e Presbíteros, numerosos pedidos da parte de féis pertencentes a diversas condições sociais, a respeito da correta interpretação a dar ao cap. VIII da Exortação.
Assim, movidos em consciência pela nossa responsabilidade pastoral, e desejando praticar sempre melhor aquela mesma sinoladidade a que Vossa Santidade nos exorta, permitimo-nos, com profundo respeito, vir pedir-Vos, Santo Padre, que, como Mestre supremo da fé, chamado pelo Ressuscitado a confirmar os irmãos na fé, dirimais as incertezas e crieis clareza, dando benevolamente resposta aos “Dubia” que nos consentimos juntar à presente.
Apraza a Vossa Santidade abençoar-nos, deixando-Vos a nossa promessa de uma constante presença na nossa oração.
Card. Walter Brandmüller
Card. Raymond L. Burke
Card. Carlo Caffarra
Card. Joachim Meisner
Roma, 19 de Setembro de 2016.
*
3. Os “Dubia”
1- Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em “Amoris laetitia”, n. 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive “more uxorio” com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por “Familiaris consortio”, n. 84, e entretanto confirmadas por Reconciliatio et paenitentia, n. 34, e por “Sacramentum caritatis”, n. 29. Pode a expressão “[e]m certos casos”, da nota 351 (n. 305) da exortação “Amoris laetitia”, ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver “more uxorio”?
2- Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal “Amoris laetitia” (cf. n. 304), o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer excepção, que proíbem atos intrinsecamente maus?
3-Depois de “Amoris laetitia” n. 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objetiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?
4- Após as afirmações de “Amoris laetitia”, n. 302, relativas às “circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral”, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num ato ‘subjectivamente’ honesto ou defensível como opção”?
5-Depois de “Amoris laetitia”, n. 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar excepções às normas morais absolutas que proíbem ações intrinsecamente más pelo próprio objeto?
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4. Nota explicativa dos quatro cardeais

O CONTEXTO
Os “dubia” (do latim, “dúvidas”) são questões formais dirigidas ao Papa e à Congregação para a Doutrina da Fé, pedindo uma clarificação acerca de temas particulares relativos à doutrina ou à prática.
O que estes pedidos têm de particular é o facto de serem formulados de modo a pedirem como resposta um “sim” ou um “não”, sem argumentações teológicas. Não fomos nós a inventar esta modalidade da forma de se dirigir à Sé Apostólica; é uma prática secular.
Tratemos agora do que está em jogo.
Depois da publicação da exortação apostólica pós-sinodal “Amoris laetitia”, sobre o amor na família, levantou-se um amplo debate, em especial a respeito do capítulo oitavo. Mais especificamente ainda, os parágrafos 300-305 têm sido objeto de interpretações divergentes.
Para muitos – bispos, párocos, fiéis –, estes parágrafos fazem alusão, ou ensinam explicitamente, uma mudança da disciplina da Igreja a respeito dos divorciados que vivem numa nova união, ao passo que outros, admitindo embora a falta de clareza, ou mesmo a ambiguidade das passagens em questão, argumentam que estas mesmas páginas podem ser lidas em continuidade com o magistério precedente e não contêm uma modificação quanto à prática e aos ensinamentos da Igreja.
Animados por uma preocupação pastoral para com os fiéis, quatro cardeais enviaram uma carta ao Santo Padre sob a forma de “dubia”, esperando assim obter clareza, dado que a dúvida e a incerteza são sempre em grandíssimo detrimento do cuidado pastoral.
O facto de que os intérpretes cheguem a diferentes conclusões deve-se também à existência de vias divergentes a propósito da compreensão da vida cristã. Nesse sentido, o que está em jogo em “Amoris laetitia” não é somente a questão de se saber se os divorciados que iniciaram uma nova união – sob certas circunstâncias – podem ser readmitidos ou não aos sacramentos.
É mais do que isso, já que a interpretação do documento implica maneiras diferentes e contrastantes de encarar o estilo de vida cristão.
Assim, enquanto a primeira questão dos “dubia” diz respeito a um tema prático relativo aos divorciados recasados civilmente, as restantes quatro questões são relativas a temas fundamentais da vida cristã.

AS PERGUNTAS

Dúvida número 1:
Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em “Amoris laetitia”, n. 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive “more uxorio” com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por “Familiaris consortio”, n. 84, e entretanto confirmadas por Reconciliatio et paenitentia, n. 34, e por “Sacramentum caritatis”, n. 29. Pode a expressão “[e]m certos casos”, da nota 351 (n. 305) da exortação “Amoris laetitia”, ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver “more uxorio”?
A primeira pergunta refere-se, em particular, ao n. 305 de “Amoris laetitia” e à nota de pé de página 351. A nota 351, pese embora falar especificamente dos sacramentos da penitência e da comunhão, não menciona, nesse contexto, os divorciados recasados civilmente, como também não o faz o texto principal.
O n. 84 da exortação apostólica “Familiaris consortio”, do Papa João Paulo II, já contemplava a possibilidade de admitir os divorciados recasados civilmente aos sacramentos. Mencionavam-se aí três condições:
– as pessoas interessadas não podem separar-se sem cometer uma nova injustiça (poderia acontecer, por exemplo, que fossem responsáveis pela educação dos próprios filhos);
– os interessados assumem o compromisso de viver de acordo com a verdade da própria situação, cessando de viver juntos como se fossem marido e mulher (“more uxorio”), e abstendo-se dos atos próprios dos esposos;
– os interessados evitam dar escândalo (isto é, evitam a aparência do pecado para evitar o risco de levar os outros a pecar).
As condições indicadas em “Familiaris consortio”, n. 84, e nos sucessivos documentos acima mencionados mostram-se imediatamente razoáveis, assim que se recorda que a união conjugal não se baseia apenas na mútua afeição, e que os atos sexuais não são apenas uma atividade mais entre outras que o casal possa praticar.
As relações sexuais são para o amor conjugal. São algo de tão importante, de tão grande bondade e de tão precioso, que requerem um contexto particular: o contexto do amor conjugal. Por conseguinte, não só os divorciados que vivem numa nova união se devem abster, mas também qualquer pessoa que não esteja casada. Para a Igreja, o sexto mandamento, “não cometer adultério”, sempre abrangeu qualquer exercício da sexualidade que não fosse conjugal, ou seja, qualquer tipo de ato sexual além do que se tem com o próprio esposo.
Parece que, se fossem admitidos à comunhão os fiéis que iniciaram uma nova união no âmbito da qual vivem como se fossem marido e mulher, a Igreja estaria a ensinar, através de tal prática de admissão, uma das seguintes afirmações a propósito do matrimónio, da sexualidade humana e da natureza dos sacramentos:
– O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. Apesar disso, as pessoas que não estão casadas podem, em certas condições, realizar legitimamente atos de intimidade sexual.
– O divórcio dissolve o vínculo matrimonial. As pessoas que não estão casadas não podem realizar legitimamente actos sexuais. Os divorciados recasados são esposos legitimamente, e os seus atos sexuais são atos conjugais licitamente.
– O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. As pessoas que não estão casadas não podem praticar atos sexuais. Por isso, os divorciados recasados civilmente vivem numa situação de pecado habitual, público, objetivo e grave. Todavia, admitir uma pessoa à Eucaristia não significa para a Igreja aprovar o seu estado de vida público; o fiel pode abeirar-se da mesa eucarística, mesmo com a consciência de pecado grave. Para se receber a absolvição no sacramento da penitência não é sempre necessário o propósito de mudar a própria vida. Por conseguinte, os sacramentos estão desligados da vida: os ritos cristãos e o culto estão numa esfera diferente relativamente à da vida moral cristã.
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Dúvida número 2:
Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal “Amoris laetitia” (cf. n. 304), o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer exceção, que proíbem actos intrinsecamente maus?
A segunda pergunta diz respeito à existência dos assim chamados atos intrinsecamente maus. O n. 79 da encíclica “Veritatis splendor”, de João Paulo II, assevera que é possível “qualificar como moralmente má segundo a sua espécie […] a escolha deliberada de alguns comportamentos ou atos determinados, prescindindo da intenção com que a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele ato para todas as pessoas interessadas”.
Ensina, pois, a encíclica que há actos que são sempre maus, proibidos por aquelas normas morais que obrigam sem admitir qualquer excepção (“absolutos morais”). Estes absolutos morais são sempre negativos, isto é, dizem-nos o que não deveríamos fazer. “Não matar”. “Não cometer adultério”. Somente as normas negativas podem obrigar sem qualquer exceção.
De acordo com “Veritatis splendor”, no caso dos atos intrinsecamente maus, não é necessário qualquer discernimento das circunstâncias ou das intenções. Ainda que um agente secreto pudesse arrancar informações valiosas à mulher de um terrorista cometendo adultério com ela, tanto que pudesse até salvar a própria Pátria (isto, que soará a um exemplo saído de um filme de James Bond, fora já contemplado por São Tomás de Aquino em De Malo, q. 15, a. 1). João Paulo II afirma que a intenção (neste caso, “salvar a Pátria”) não muda a espécie do ato (“cometer adultério”), e que é suficiente saber a espécie do ato (“adultério”) para se saber que não se deve praticá-lo.
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Dúvida número 3:
Depois de “Amoris laetitia” n. 301, pode ainda afirmar-se que uma pessoa que viva habitualmente em contradição com um mandamento da lei de Deus, como, por exemplo, aquele que proíbe o adultério (cf. Mt 19, 3-9), se encontra em situação objetiva de pecado grave habitual (cf. Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, Declaração de 24 de Junho de 2000)?
No parágrafo 301, “Amoris laetitia” recorda que a “Igreja possui uma sólida reflexão sobre os condicionamentos e as circunstâncias atenuantes”, e conclui que “por isso, já não é possível dizer que todos os que estão numa situação chamada “irregular” vivem em estado de pecado mortal, privados da graça santificante”.
Com a Declaração de 24 de Junho de 2000, o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos pretendeu clarificar o cânone 915 do Código de Direito Canônico, que determina que “não sejam admitidos à Sagrada Comunhão” aqueles que  “obstinadamente perseverem em pecado grave manifesto”. A Declaração do Pontifício Conselho afirma que este cânone é aplicável também aos fiéis divorciados e recasados civilmente. Esclarece ainda que o “pecado grave” deve ser entendido objetivamente, dado que o ministro da Eucaristia não tem meios para julgar da imputabilidade subjetiva da pessoa.
Vemos assim que, para a Declaração, a questão da admissão aos sacramentos tem que ver com o juízo da situação de vida objetiva da pessoa, e não com o juízo de que tal pessoa se encontra em estado de pecado mortal. De facto, subjetivamente poderia não ser plenamente imputável, ou até nem sê-lo de todo.
Na mesma linha, na sua encíclica “Ecclesia de Eucharistia”, n. 37, São João Paulo II recorda que, “[t]ratando-se de uma avaliação de consciência, obviamente o juízo sobre o estado de graça compete apenas ao interessado”. Por conseguinte, a distinção mencionada em “Amoris laetitia”, entre a situação subjetiva de pecado mortal e a situação objetiva de pecado grave, já se encontrava bem estabelecida no ensinamento da Igreja.
Contudo, João Paulo II continuava, insistindo em que, “em casos de comportamento externo de forma grave, ostensiva e duradoura contrário à norma moral, a Igreja, na sua solicitude pastoral pela boa ordem comunitária e pelo respeito do sacramento, não pode deixar de sentir-se chamada em causa”. Fazendo-o, reafirmava ainda o ensinamento colhido no cânone 915, já mencionado.
Vê-se assim que a questão 3 dos “dubia” pretende que se esclareça se, mesmo depois de “Amoris laetitia”, é ainda possível dizer que as pessoas que habitualmente vivem em contradição com o mandamento da lei de Deus, vivem em situação objetiva de grave pecado habitual, mesmo quando, por qualquer razão, não for certo que elas sejam subjectivamente imputáveis quanto à sua transgressão habitual.
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Dúvida número 4:
Após as afirmações de “Amoris laetitia”, n. 302, relativas às “circunstâncias atenuantes da responsabilidade moral”, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um acto intrinsecamente desonesto pelo seu objecto, num acto ‘subjetivamente’ honesto ou defensível como opção”?
No parágrafo 302, “Amoris laetitia” sublinha que “um juízo negativo sobre uma situação objectiva não implica um juízo sobre a imputabilidade ou a culpabilidade da pessoa envolvida”. Os “dubia” fazem menção do ensinamento – tal como foi expresso por João Paulo II em “Veritatis splendor” –, segundo o qual as circunstâncias e as boas intenções jamais podem fazer com que um acto intrinsecamente mau passe a ser um ato bom ou sequer desculpável.
A questão está em saber se “Amoris laetitia” concorda em dizer que qualquer ato que transgrida os mandamentos de Deus, como o adultério, o furto, o perjúrio, consideradas as circunstâncias que mitigam a responsabilidade pessoal, jamais se pode tornar num ato bom ou sequer desculpável.
Continuam estes atos, a que a Tradição da Igreja chamou de pecados graves e maus em si, a ser destrutivos e danosos para quem quer que os cometa, qualquer que seja o estado de responsabilidade moral em que se encontre?
Ou podem estes actos, dependendo do estado subjetivo da pessoa, das circunstâncias e das intenções, deixar de ser danosos e tornar-se louváveis ou, pelo menos, desculpáveis?
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Dúvida número 5:
Depois de “Amoris laetitia”, n. 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de São João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar exceções às normas morais absolutas que proíbem acções intrinsecamente más pelo próprio objeto?
Em “Amoris laetitia”, n. 303, afirma-se que a “consciência pode reconhecer não só que uma situação não corresponde objetivamente à proposta geral do Evangelho, mas reconhecer também, com sinceridade e honestidade, aquilo que, por agora, é a resposta generosa que se pode oferecer a Deus”. Os “dubia” pedem uma clarificação destas afirmações, por isso que as mesmas são susceptíveis de interpretações divergentes.
Para os que propõem a ideia de uma consciência criativa, os preceitos da lei de Deus e a norma da consciência individual podem estar em tensão, ou até em oposição, ao mesmo tempo que a palavra final sempre deveria caber à consciência, que decide em última instância acerca do bem e do mal. De acordo com “Veritatis splendor”, n. 56, “sobre esta base, pretende-se estabelecer a legitimidade de soluções chamadas “pastorais”, contrárias aos ensinamentos do Magistério, e justificar uma hermenêutica “criadora”, segundo a qual a consciência moral não estaria de modo algum obrigada, em todos os casos, por um preceito negativo particular”.
Segundo esta perspectiva, para a consciência moral, jamais será suficiente saber que “isto é adultério”, “isto é homicídio”, para saber se se trata de algo que não pode e não deve fazer-se.
Em lugar disso, dever-se-ia ainda olhar para as circunstâncias e para as intenções, a fim de se saber se um tal ato poderia, apesar de tudo, ser desculpável ou mesmo obrigatório (cf. pergunta 4 dos “dubia”). Para estas teorias, de facto, a consciência poderia decidir legitimamente que, num certo caso, a vontade de Deus para mim consiste num ato mediante o qual eu transgrido um dos seus mandamentos. “Não cometer adultério” passaria a ser visto como uma norma geral, quando muito. Aqui e agora, vistas as minhas boas intenções, cometer adultério seria, afinal, o que Deus realmente me está a pedir. Nesses termos, seria possível pôr-se a hipótese – no mínimo – de casos de adultério virtuoso, de homicídio legal e de perjúrio obrigatório.
Isto significaria conceber a consciência como uma faculdade para decidir autonomamente acerca do bem e do mal, e a lei de Deus como um fardo que é arbitrariamente imposto e que, a dada altura, poderia opor-se à nossa felicidade.
Sucede, porém, que a consciência não decide do bem e do mal. A ideia de “decisão em consciência” é enganadora. O ato próprio da consciência é o de julgar e não o de decidir. Ela diz tão-só “isto é bom”, “isto é mau”. Essa bondade ou maldade não dependem dela. O que ela faz é aceitar e reconhecer a bondade ou a maldade de uma acção, e para isso, ou seja, para julgar, a consciência necessita de critérios; ela é inteiramente dependente da verdade.
Os mandamentos de Deus são uma ajuda bem-vinda oferecida à consciência para que colha a verdade e para que, assim, possa julgar segundo a verdade. Os mandamentos de Deus são uma expressão da verdade sobre o bem, sobre o nosso ser mais profundo, mostrando algo de crucial acerca de como viver bem.
Também o Papa Francisco se exprime nestes mesmos termos em “Amoris laetitia”, n. 295: “também a lei é dom de Deus, que indica o caminho; um dom para todos sem exceção”.

1º DOMINGO DO ADVENTO: Não perder a Esperança.

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Fátima: milagre, mentira e/ou negócio.

papa Francisco visitará Portugal no ano que vem para comemorar o centenário da aparição da virgem a três pastorzinhos na localidade de Fátima, segundo a Igreja Católica.
O anúncio motivou um manifesto intitulado Contra a Credibilização do “Milagre” de Fátima, que está recolhendo assinaturas via Internet para que o pontífice visite o que quiser, mas que não perpetue essa história. Já são mais de 600 assinaturas em poucos dias, entre elas a de um sacerdote, além de antropólogos e personalidades da sociedade civil, como o músico Pedro Barroso, um de seus porta-vozes. A informação é de Javier Martín, publicada por El País, 26-11-2016.
O abaixo-assinado não se opõe à visita nem à Igreja Católica, e sim, segundo os signatários, à propagação de algo infundado. “O milagre é um embuste, uma farsa, uma má encenação com cem anos, tempo suficiente para ter desmascarado o que hoje em dia é um negócio”, declarou Barroso à agência Lusa.
“O papa Francisco é uma personalidade que merece algum respeito nosso por muitas atitudes em favor de uma Igreja mais moderna, uma Igreja de verdade, uma Igreja Católica de grande responsabilidade, e muitas vezes com intervenções sociais e públicas de grande valor. Como vai referendar uma coisa destas?”, pergunta-se Barroso.
Os signatários pedem a Francisco que, se visitar Fátima, se muna do açoite para expulsar os vendilhões do templo que, no entender deles, é o que virou o santuário edificado no lugar das supostas aparições aos pastores, visitado por milhares de pessoas anualmente.
O manifesto recomenda uma série de livros sobre o que realmente ocorreu, como Fátima Nunca Mais (1999) e Fátima S/A (2015), do padre Mário do Oliveira, signatário do manifesto, e ressalta que a época do suposto milagre era marcada por um “grande obscurantismo cultural e com evidente aproveitamento dessa rústica ignorância” por parte da Igreja
“Não é preciso um grande esforço”, diz o texto, “para chegar a esta conclusão, nem grande erudição teológica para analisar o caso. A evidência do logro fica bem clara, bastando, no essencial, ler alguns documentos oficiais e alguns livros de pessoas – algumas assumidamente católicas – com autoridade na matéria [...] para concluir pela sua total inconsistência”.
O abaixo-assinado diz que, seguindo a postura de seriedade que vem adotando em seu pontificado, “o melhor serviço que o papa Francisco prestaria à verdade histórica, seria NÃO vir a Fátima, assim desmistificando o chamado ‘milagre dos pastorinhos’, recusando colaborar com ele, ou dar-lhe o seu aval”.

Francisco será o quarto Papa a visitar Fátima, depois de Paulo VI (1967), João Paulo II (1982, 1991 e 2000) e Bento XVI (2010). Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

Um apelo para as mulheres na Igreja.

Para Lucetta Scaraffia, historiadora da Igreja e jornalista do L'Osservatore Romano, a questão das mulheres na Igreja diz respeito à identidade e à vida de toda a Igreja, à fidelidade da Igreja a Cristo. A reportagem é de Isabelle de Gaulmyn, publicada no jornal La Croix, 17-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Não é fácil ser mulher no Vaticano. Ainda menos quando você se encontra na sala do Sínodo romano, quase a única mulher, na presença de “Padres sinodais”, bispos, todos homens, reunidos para falar de família. E quando se toma consciência de que esses homens, em sua maioria, não têm qualquer experiência de família, senão a da sua distante infância, e se limitam a fazer referência a uma concepção da “família natural”, completamente fora da história. 
A partir dessa experiência, que se pode imaginar como muito traumatizante, Lucetta Scaraffia, historiadora e responsável pelo caderno mensal feminino do L'Osservatore Romano, escreveu o livro Du dernier rang. Les femmes et l'Église [Do último banco. As mulheres e a Igreja, Ed. Salvator]. Não é um panfleto feminista nem uma tese teológica. Mas uma espécie de grito, o de uma mulher que ama a Igreja, mas que não se acha muito bem nela.
Como historiadora, é precisamente a ausência da história em certas afirmações dos Padres sinodais que indignou Lucetta Scaraffia, acima de tudo. A visão da família “natural”, “imutável” a “entristeceu” e “surpreendeu”: os prelados, escreve, estão convencidos de que “sabem o que é a família”, e, para eles, “nada deve mudar”. De fato, “foi precisamente por ter se afastado daquele modelo que se levou a família à ruína”.
A partir do seu banco de simples auditora no Sínodo, no fundo da sala, Lucetta Scaraffia continua a sua reflexão. É precisamente porque não se leva em conta a história e o modo em que o cristianismo se formou e evoluiu que se chegou a este ponto da situação das mulheres, diz ela.
De fato, basta considerar a história do cristianismo, particularmente em relação às outras religiões, para reconhecer que, desde os primeiros tempos, as mulheres souberam alimentar a reflexão e a ação da Igreja. Das abadessas da Idade Média às religiosas fundadoras do século XIX, a mulheres-consciência-universal como Edith Stein e Simone Veil, mas também mulheres mais discretas, na primeira fila na Igreja da caridade.
A autora se recusa a assumir como único horizonte, para o papel das mulheres na Igreja, o acesso ao sacerdócio ministerial. Ao contrário, e certamente isto corre o risco de atrair as críticas de muitos ambientes, ela assume a diferença sexual proclamada pela Igreja. Assim como quer reabilitar, com uma leitura inovadora da Humanae vitae, o papel da procriação para a mulher. Contato que dar a vida também seja dar sentido, acrescenta. Isso pressupõe uma reabilitação do sacerdócio batismal, um sacerdócio aberto a todos os batizados, e o reconhecimento de que o feminino está no coração da Igreja.
Mas a diferença entre homens e mulheres deve ir além das palavras. A Igreja proclama continuamente o “gênio feminino”, ironiza Scaraffia, mas “parece conseguir abrir mão dele facilmente, permanecendo fechada em um mundo masculino curvado sobre si mesmo”.
Pior ainda, apesar de dispor na sua teologia dos recursos para avançar no caminho de uma igualdade diferenciada, a Igreja e os seus responsáveis se recusam a debater. Contentam-se em se concentrar nas teorias mais extremas do gênero, brandidas como contrapeso, para mais bem evitar uma verdadeira reflexão sobre o papel da mulher, da contracepção, da identidade sexual, especialmente nos países do Sul.

“Por que a Igreja se limita a resistir à novidade e a defender o passado?”, questiona-se ainda a historiadora. Hoje, observa ela tristemente, as mulheres estão reduzidas ao silêncio no catolicismo. Estão ausentes dos lugares em que se discute o futuro da Igreja. São mantidas à parte, em uma Igreja em que um certo esquecimento do Espírito Santo e da pneumatologia desembocou na instauração de uma estrutura patriarcal e masculina.
De fato, o que está em jogo vai muito além da relação que a instituição tem com as mulheres. Diz respeito à identidade e à vida de toda a Igreja e à fidelidade da Igreja a Cristo. Uma Igreja em que tamém as mulheres, um dia, deverão poder se sentar nos primeiros bancos.
Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

PADRE TAMBÉM É GENTE: Frei Petrônio.