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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

Missas em latim e com padre de costas para fiéis atraem jovens católicos conservadores

Manhã de domingo, igreja cheia. Muitos homens vestem trajes formais. Mulheres levam véus sobre os cabelos. O silêncio absoluto é quebrado por um canto gregoriano. O padre passa pelos fiéis a caminho do altar. Sempre de costas para a audiência, dá início à missa em inconfundível latim: In nomine Patris et Filii et Spiritus Sancti. A resposta vem em uníssono: Introibo ad altare Dei, ad Deum qui lætificat juventutem meam(Subirei ao altar de Deus, o Deus que alegra minha juventude). A cena evoca imediatamente imagens medievais, mas ocorreu no último dia 13 de julho, no Centro do Rio de Janeiro. Lá, a antiga Sé do Brasil, atual Igreja de Nossa Senhora do Carmo, sítio da coroação de João VI e Pedro I, é palco para uma das muitas missas tridentinas que se espalham pelo Brasil, numa ressurreição de formas litúrgicas antigas que atrai incontáveis jovens fiéis. O termo Juventutem, aliás, designa um movimento de volta às tradições católicas liderado por pessoas de 16 a 34 anos. A reportagem é de Leonardo Vieira, publicada pelo jornal O Globo, 28-07-2014.
— Descobri a missa há uns anos, é um tesouro. Está claro que tem algo de sagrado aqui. É possível perceber tanto com os ouvidos quanto com os olhos — arrisca o engenheiro Felipe Alves, de 25 anos.

Origens no império romano do ocidente
A missa tridentina, ou rito latino, foi normatizada no Concílio de Trento, em 1570, mas tem bases bem mais antigas, que remontam ao Império Romano do Ocidente, extinto no século V. O conservadorismo, a sobriedade e o extremo recolhimento dos fiéis na cerimônia foram utilizados pela Igreja no século XVI como resposta às reformas protestantes do Norte da Europa que abalaram as estruturas pontifícias.
Nela, o único idioma utilizado é o latim, chamado pelos adeptos de “língua universal da fé”. Enquanto nas missas comuns nos nossos tempos os católicos se ajoelham apenas uma vez, na antiga esse número salta para quase dez, incluindo o momento de receber a hóstia. Há intervalos para a meditação, quando o silêncio chega ao extremo de permitir que se ouça tudo o que se passa do lado de fora da igreja. Durante quase toda a cerimônia o padre permanece de frente para a cruz do altar.
Foram séculos assim, até que o Concílio Vaticano II, na década de 1960, introduziu inúmeras mudanças, o uso da língua local e o padre de frente para os fiéis entre elas. Mas o século XXI vive uma intrigante retomada de tradições conservadoras na Igreja. Em 2007, o agora papa emérito Bento XVI promulgou a carta Summorum Pontificum, em que exaltava a volta às tradições e o caráter “excepcional” da missa tridentina. Até então, párocos que quisessem rezar no estilo antigo deveriam pedir permissão direta à Cúria, no Vaticano. Desde então, a escolha passou a caber a cada paróquia.
Para o padre Luís Correa Lima, professor de Teologia da PUC-Rio, o mistério por trás da missa tridentina é o que fascina.
— Tudo nela é meio misterioso. O padre fica de costas, falando em uma língua desconhecida e seguindo uma liturgia extremamente codificada. Mas esse rito encanta por ser algo ancestral e imutável, por evocar a transcendência de Deus. São elementos que fascinam o jovem — opina.
Curiosamente, a introdução da missa moderna e a ressurreição da antiga têm a mesma preocupação: tentar estancar a perda de fiéis da maior designação cristã. Não há números que revelem se a volta ao passado teve algum efeito nesse sentido. Mas é fato que, amparadas pelos jovens católicos conservadores, as missas tridentinas crescem país afora. Em 2007, uma organização independente contabilizou 20 dessas celebrações no território nacional. Agora, cerca de cem ocorrem com regularidade.
— Vivemos numa sociedade muito centrada no indivíduo, na qual se valoriza a autodeterminação e tudo é incerto. Então surgem grupos que evocam o passado, em que tudo estava respondido pelo religioso — analisa o historiador Sérgio Coutinho, presidente do Centro de Estudos em História da Igreja na América Latina (CEHILA).
Ligado à ala progressista da Igreja, Coutinho entende que os fiéis da missa tridentina são conservadores em tudo, inclusive politicamente:
— Eles creem que o Concílio Vaticano II não deveria ter acontecido, pois teria aberto demais a Igreja. Querem uma fuga do mundo, encontrar formas tradicionais de se viver. É como se quisessem que o passado voltasse.
Responsável por rezar a missa tridentina aos domingo na igreja do Centro do Rio, o padre Bruce Judice discorda. Segundo ele, dois dos princípios pregados em sua celebração são o respeito às diferenças e a orientação para que os fiéis não se fechem em círculos católicos isolados.
— Sempre dizemos que este não é o único modo de rezar. Não somos contra o Concílio Vaticano II — esclarece o padre, de 35 anos.
— O que há, sim, é uma sede de espiritualidade entre os jovens. Há quem procure ioga, meditação, natureza... E há quem busque a missa tridentina.
Foi esta última a escolha do adolescente Eduardo Salomão, de 15 anos. Ele aprendeu latim sozinho e quer ser padre. Aos domingos, vai a uma missa tridentina e a outra contemporânea:
— Claramente prefiro a tridentina. Já cheguei a ser tachado de maluco. O rito contemporâneo não é para mim. No antigo, a meditação, o silêncio e a beleza encantam.
Bárbara Soares descobriu o rito pela internet. Foi no quase extinto Orkut que a estudante de Letras conheceu outros jovens adeptos da tradição. Ela ficou tão encantada com as primeiras celebrações que não parou mais de frequentar as missas. Numa delas, conheceu seu marido. Hoje, já casada aos 20 anos, Bárbara vai à igreja com o véu sobre os cabelos e defende a vestimenta:
— Ele mostra a dignidade da mulher, exalta seu caráter sagrado.
Ela segue a linha de centenas de integrantes oficiais do Juventutem no Brasil. Fundado em 2004, na Suíça, o movimento teve um primeiro encontro internacional em 2005, na Alemanha, e, desde então, tem crescido e sido cada vez mais representado nasJornadas Mundiais da Juventude. Ano passado, milhares deles vieram ao Rio de Janeiro. E, pela internet, muitos se já se articulam para a próxima edição do evento católico, em 2016, na Polônia. Em fóruns internacionais do movimento pela internet são comuns discussões relacionadas à liturgia católica e também a assuntos ligados a direitos civis, com muitos dos seus membros condenando uniões entre pessoas do mesmo sexo e o direito ao aborto, por exemplo.
Ortodoxos mantêm uso de grego e árabe
Engana-se quem pensa que o ritual tridentino é o único dentro do catolicismo que busca a retomada de tradições ancestrais. A poucas quadras da antiga Sé carioca, na paróquia greco-melquita de São Basílio e de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em plena Saara, histórico lar dos primeiros imigrantes sírios e libaneses católicos ortodoxos, os idiomas usados em ritos conservadores são o grego e o árabe. A igreja melquista, espremida entre prédios na rua República do Líbano, é o primeiro templo católico oriental do Brasil, fundado em 1941. Apesar de ainda ter forte conexão com a comunidade sírio-libanesa, a missa tem um público crescente de jovens e de pessoas curiosas.
Lá se celebra a missa bizantina, tradição que começou ainda no século V numa região onde onde se estendem parte dos territórios da Turquia, de Israel e da Palestina. Assim como no rito latino, o sacerdote reza de costas para o público. A música, a liturgia e as vestimentas remetem à cultura medieval dos católicos orientais.

— O rito chama a atenção dos jovens, eles se sentem bem pela beleza das orações. Hoje em dia os fieis estão a procurar as tradições em resposta aos tempos tão conturbados em que vivemos. Devemos voltar sempre às origens — diz o monsenhor George Khoury, da paróquia de São Basílio. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

O Papa Francisco está certo sobre os tradicionalistas que amam a missa em latim?

Como parte do que faziam para nos conduzir a uma vida religiosa mais profunda, os meus pais nos levaram eu e meus irmãos, quando ainda éramos criança, a uma missa celebrada no Rito Tridentino. Não me recordo de ter ficado particularmente impressionado nas primeiras vezes. No entanto, em um domingo de verão, eu decidi frequentar uma missa neste rito por mim mesmo, mais por uma mudança de ritmo em relação à minha paróquia costumeira. Aconteceu que este dia era a Festa de Corpus Christi, e eu me vi surpreendido pelo espetáculo total do ritual. O comentário é de Timothy Kirchoff, pós-graduado pela Universidade de Notre Dame, publicado por America, 13-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Por uns instantes, senti que os hinos e as procissões me manteriam naquela igreja por mais tempo do que havia imaginado inicialmente, mas fui logo tomado por um sentimento que posso descrever como uma verdadeira comunhão. Esta havia sido, pensei eu, a missa vivenciada por inúmeros santos ao longo da história. Muito embora não tinha ninguém nos bancos ao meu redor, comecei a me sentir como se estivesse rodeado pelos santos que haviam vindo conhecer e adorar a Deus através da liturgia. Naquela altura, eu não sabia que os rituais da missa mudaram várias vezes nestes dois milênios de história cristã, mas saber destas mudanças nunca me vez duvidar do cerne da minha experiência naquele dia.
No ano passado, o Papa Francisco falou abertamente sobre os seus receios para com os tradicionalistas em entrevista que poderia servir como uma introdução para um livro dos seus sermões enquanto arcebispo de Buenos Aires:
Eu sempre tento entender o que está por trás das pessoas que são jovens demais para ter vivido a liturgia pré-conciliar, mas que a desejam. Às vezes eu me vejo em frente de pessoas que são rigorosas demais, que têm uma atitude rígida. E eu me pergunto: Como pode uma tal rigidez? (...) Essa rigidez sempre esconde alguma coisa: insegurança, às vezes até mais (…) A rigidez é defensiva. O verdadeiro amor não é rígido”.
Penso sobre esta declaração desde que a li. Eu me pergunto sobre se eu fui esse tipo de pessoa que Francisco tinha em mente. Será que fui um católico “rígido”? A experiência de estar cercado pelos santos na missa em latim é uma das experiências espirituais mais profundas e formativas de meus anos de adolescente.
Também venho pensando sobre estas palavras do papa porque o esforço dele para entender os tradicionalistas jovens reproduz as suspeitas mantidas por muitos católicos mais velhos que viveram a época do Concílio Vaticano II, especialmente alguns padres. (E mais: o papa recentemente reafirmou o seu compromisso com a reforma litúrgica do Vaticano II, dizendo que ela é “irreversível”.)
A experiência que tenho com a missa em latim oferece uma resposta possível às dúvidas do Papa Francisco sobre o porquê os jovens são atraídos pelas liturgias tradicionais: tendo crescido com a missa em inglês, estes jovens católicos possuem um sentido vago do que se trata os momentos da missa. Os rituais pouco familiares e o idioma do Rito Tridentino, no entanto, permitem-lhes ver estes momentos com um olhar renovado. A descoberta da missa em latim é, para muitos integrantes da minha geração, aquilo que a introdução da missa em língua vernácula foi para muitas pessoas como Francisco.
Quando às pessoas “rigorosas, rígidas” sobre cujas inseguranças o papa se refere, ele claramente não está falando a todos os que querem a opção de frequentar a liturgia pré-conciliar. Muito embora alguns de meus amigos irão estranhar diante de algumas homilias ou de desvios da rubrica litúrgica, dificilmente os gostos deles são dignos de serem contados no divã. Eles não precisam que alguém “analise profundamente” as suas psiques. O amor a Deus e ao próximo corre, no mínimo, de modo tão profundo neles quanto corre em mim, mesmo se este amor se manifeste às vezes em orações em latim.

A quem, então, o Papa Francisco está se referindo? A resposta pode residir no próprio passado de Francisco. Na qualidade de provincial jesuíta e, depois, reitor do seminário jesuíta na Argentina, Jorge Bergoglio ficou conhecido como uma figura rigorosa e formidável, e contava com um número considerável de seguidores entre os membros de sua província. Mas as críticas dele a grupos católicos tradicionalistas raramente são interpretadas por meio destas lentes.
Quando o papa sugere que a rigidez e o rigorismo escondem uma insegurança, talvez ele esteja falando das pessoas que certa vez conheceu bem ou mesmo esteja falando de si mesmo. A ex-inflexibilidade de Francisco deveria dar muito mais credibilidade a suas advertências sobre as ciladas do tradicionalismo moderno. Os tradicionalistas não levam as suas críticas tão a sério quanto provavelmente deveriam. Mas sem contexto algum fornecido, as declarações de Francisco soam menos com um conselho pastoral e mais como a lamentação perene de gerações mais velhas a respeito das tendências entre aos jovens.
O mesmo se pode dizer sobre muitas das admoestações que ouço da “geração Vaticano II” sobre as imperfeições da Igreja pré-conciliar. Só foi quando eu tive diálogos ampliados com estes católicos que a profundidade e a relevância da experiência deles se tornaram claras. Se não tivesse tirado um tempo para ouvir-lhes e fazer perguntas, tudo o que eu teria ouvido seria um lamento repetitivo sobre os jovens católicos que tentam fazer o relógio voltar atrás, para a década de 1950.
Quando realmente ouvi os mais velhos, aprendi sobre as muitas maneiras em que um foco muito acentuado em fazer valer as leis corre o risco de levar as pessoas a uma espiritualidade vazia, a um legalismo e à superstição. Aprendi sobre grupos de homens que ficavam do lado de fora da igreja fumando até a hora do ofertório, já que este era o momento crucial para cumprir a obrigação de domingo. Descobri que muitos padres que, externamente, pareciam firmes em suas vocações, depois do Concílio abandonaram o sacerdócio. As críticas por católicos mais velhos às práticas e tendências neotradicionalistas não são uma reação alérgica ao cheiro de incenso. São uma cautela que decorre da experiência.
Muitos jovens católicos buscam um maior entendimento da – e uma continuidade com a – Igreja pré-conciliar. Muitos católicos mais velhos que viveram o concílio e estão bastante familiarizados com as imperfeições da Igreja pré-conciliar se preocupam com que um revisitar as práticas antigas vá trazer de volta os problemas que o Vaticano II se esforçou para corrigir. Cada grupo tem algo a aprender com o outro. Estas lições só se esclarecem quando deixamos de lado as nossas inquietações ideológicas e temos a paciência para compreender as experiências do outro. A forma de rigidez sobre a qual mais devemos nos preocupar é a rigidez ideológica que nos impede de ver como Deus está trabalhando entre os nossos companheiros católicos.

Encontramos pontos em comum quando temos a paciência para buscá-los, assim como as liturgias em que participamos se parecem bem diferentes, mas que, no fundo, são a mesma celebração do mistério Pascal. http://www.ihu.unisinos.br