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sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Meu canto de hoje.
Santa Teresinha do Menino Jesus, Carmelita

Minha vida é um instante, uma hora passageira
Minha vida é um só dia, que escapa e que foge
Tu o sabes, o meu Deus, pra te amar na terra
Eu só tenho só hoje!

Oh! Eu te amo, Jesus, minh'alma suspira por ti
Sê, por um dia apenas, meu doce apoio
Vem reinar no meu coração, dá-me teu sorriso
Só por hoje!

Que m'importa, Senhor, se o futuro é sombrio
Rezar pelo amanhã? Oh! Não, eu não posso!
Conserva puro meu coração, cobre-me com tua sombra
Só por hoje!

Se penso no amanhã, temo minha inconstância
Sinto nascer no coração a tristeza e o enjoo
Mesmo assim, meu Deus, quero a prova e o sofrimento
Só por hoje.

Devo te ver em breve nas praias eternas
O’ Piloto Divino! Cuja mão me conduz
Sobre as ondas encapeladas guia em paz meu barquinho
Só por hoje.

Ah! Deixa-me, Senhor, me esconder na tua Face
Lá não ouvirei mais do mundo o vão barulho
Dá-me teu amor, conserva-me tua graça
Só por hoje.

Perto do teu Divino Coração, esqueço tudo que passa
Não temo mais os receios da noite
Ah! Dá-me, Jesus, nesse Coração um lugar
Só por hoje.

Pão vivo, Pão do Céu, divina Eucaristia
O’ Mistério sagrado, que o Amor produziu!...
Vem habitar no meu coração, Jesus, minha Hóstia branca
Só por hoje.

Digna-te unir-me a ti, Vinha Santa e sagrada
E meu fraco ramo te dará seu fruto
E poderei te oferecer um cacho dourado
Senhor, desde o dia de hoje.

Esse cacho de amor, cujos grãos são as almas
Pra formá-lo eu só tenho esse dia, que foge
Ah! Dá-me, Jesus, de um Apóstolo as chamas
Só por hoje.

O’ Virgem Imaculada! És tu minha Doce Estrela
Que me dá Jesus e que a Ele me une
O’ Mãe! Deixa-me descansar sob teu manto
Só por hoje.

Meu Anjo guardião, cobre-me com tua asa
Ilumina com tua luz a estrada que sigo
Vem dirigir meus passos... ajuda-me, te peço
Só por hoje.

Senhor, quero te ver sem véu e sem nuvens
Mas ainda exilada, longe de ti desfaleço
Que não me seja ocultado teu amável rosto
Só por hoje.

Voarei bem longe para teus louvores cantar
Quando descer na minh'alma o dia sem ocaso
Então, eu cantarei com a lira dos Anjos

O eternal dia de hoje!...

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

SANTA TERESINHA: A Festa dos seus quinze anos.

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam


Com 15 anos de idade, Teresa Martin queria entrar no Carmelo. Acompanhada de seu pai, foi falar com o Bispo diocesano para conseguir a autorização. Levantou os cabelos para parecer mais velha. Não adiantou. Aproveitou de uma viagem à Itália para pedir licença ao Papa Leão XIII. Também a audiência com o Papa não parecia ter dado resultado. Mas o interesse dele pelo caso de Teresinha levou o Bispo a conceder a tão esperada licença.
Dia 30 de setembro de 1897, Teresa morre no mosteiro das carmelitas de Lisieux. Seus dois pulmões estavam gravemente atingidos pela tuberculose. Sufocada, ela pronuncia suas últimas palavras: “Meu Deus...eu... vos amo”!
            Celebramos o primeiro centenário da morte dessa jovem carmelita. Inúmeros livros foram escritos sobre o breve percurso da sua vida. Pode ser que nem todos sejamos entusiastas de sua “História de uma alma”. A sua linguagem, marcada por um universo religioso que não é nosso, pode provocar em leitores do nosso tempo uma certa alergia. Como não é a todos que agrada a tradicional imagem da santa desfolhando pétalas das rosas que ela segura nos braços. No entanto, se por baixo desses enfeites não houvesse um segredo mais profundo, não se explicaria a atração que, durante o último século, Teresa de Lisieux tem exercido sobre inúmeros católicos. Mesmo no Brasil existem cerca de 111 paróquias dedicadas a ela, sem contar as capelas.
            O que, sem dúvida, chamou a atenção do mundo cristão foi a espiritualidade de Teresinha. Ela mesma falava do seu Pequeno Caminho.  Não foi a partir de uma teoria bem elaborada mas  a partir de sua experiência de cada dia que ela reconheceu e aceitou progressivamente a sua pequenez e fragilidade. Mesmo com seus imensos desejos, ela descobriu que só tinha pequenas coisas para oferecer a Deus. Tanto assim que pessoas próximas a ela questionavam a santidade da jovem carmelita. É que a pequenez e a confiança em Deus constituíam o fundamento da sua doutrina. Ela descobre no seu amor próprio a causa de suas inquietações, de suas tristezas e das humilhações que a deixam aborrecida. Não se revolta contra essa descoberta mas encara de frente a sua realidade. Nem por isto renuncia aos seus desejos audaciosos  para entregar-se a uma mediocridade. Sabe fazer de sua fragilidade o material para servir ao seu projeto de santidade. Entendeu que sua fraqueza não a afastava de Deus que veio ao nosso mundo, para partilhar na precariedade humana a pobreza radical do homem a fim de transformá-la na sua força divina. Esta consciência leva Teresinha a sentar-se à mesa dos pobres e dos pecadores. Sua fé e esperança a fazem oferecer-se como vítima ao amor misericordioso de Deus. É o segredo do seu elã  missionário no qual ela quer atingir a todos, sem exclusão, mesmo os ateus, para que encontrem o caminho para o amor de Deus que salva e liberta.
            Mas o seu Pequeno Caminho precisava ser testado. Se a fé e a esperança faziam crescer a sua entrega de amor, esta continuaria mesma numa aparente ausência de fé e esperança?
            Nos últimos dezoito meses da sua vida, a fé de Teresinha foi duramente provada. Ela já estava atingida pela tuberculose quando, na noite de 2 ao 3 de abril de 1896, a doença se manifestou por uma primeira expectoração de sangue. Alguns dias depois a sua alma começou a ser torturada por dúvidas sobre a fé. Se os seus sofrimentos físicos, sempre mais fortes, já provocavam uma sensação de impotência, a noite das dúvidas tirava o último apoio para suportá-los. O olhar da fé dá uma visão nova da vida. É dentro dessa visão que o cristão encontra o sentido da existência, a razão de ser, de viver, de agir, de servir e de sofrer. Uma prova de fé questiona tudo o que a pessoa suporta. Provoca nela uma vertigem, a vertigem do nada. Todo o equilíbrio de seu ser é ameaçado. “Acreditas sair um dia do nevoeiro que te envolve, avança, avança,  alegra-te com a morte que te dará, não aquilo que tu esperas, mas uma noite ainda mais profunda, a noite do nada”. Quem poderia ter escrito essas palavras, seria Nietzsche, filósofo contemporâneo de Teresa, que proclamou a morte de Deus. Mas foi a própria Teresinha que as escreveu  na sua cama, três meses antes de morrer. Ela acrescentava: “Não quero escrever mais, receio blasfemar... receio até ter falado demais...”.
            Teresa vivia na França do fim do século XIX. Época em que o racionalismo e o cientíssimo espalhavam uma descrença agressiva e um anticlericalismo sarcástico. Teresa, mergulhada na noite da dúvidas, compreende  que  certos  ateus  podem de boa fé e sem ir contra seu pensamento negar a existência do Céu. Mesma tendo guardado a sua inocência batismal, Teresa chega até o fundo da sua pequenez e, desta maneira, ao núcleo daquilo que constituía toda a sua razão de viver: sua relação com Deus. É uma tomada de consciência, uma aceitação.  Jamais poderia suportar com lucidez essa desapropriação de si mesma, se não fosse habitada por um grande Amor, mistério que vai além de suas próprias iniciativas e possibilidades. A descoberta desse mistério maior de Deus, se faz a partir da experiência das nossas mãos vazias. É disto que brota em Teresa a atitude de confiança e de abandono. É o caminho que ela indica para todos, sentando-se à mesa dos incrédulos e pecadores.
            A nossa época não conhece o ateísmo virulento do tempo de Teresinha. O que sempre mais se impõe em nossos dias é uma espécie de vazio que nenhuma ideologia consegue preencher. A ciência e a tecnologia fazem o homem viver no ritmo de “projetos”. São valores relativos mas que não geram uma sabedoria, um sentido último de todos esses significados particulares. Há uma sensação de banalidade que escurecem o sentido da própria vida e história humana.
Teresa de Lisieux, figura simples e afável, aparentemente sem problemas, mas mergulhada nas torturas da dúvida, provoca uma brecha na crosta das verdades convencionais do homem moderno. Sentemo-nos com ela à mesa para que nos fale da sua vida tão cheia de humanidade e de sabor de Deus.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.


Santa Teresinha: uma “Teóloga” da esperança.

*Dom Frei Vital Wilderink, O. Carm. In Memoriam

             O ser humano tem uma tendência natural à sua melhor realização.  Neste sentido ele se define pelo desejo, pela esperança. A experiência nos mostra que essa busca de felicidade descamba frequentemente para um egoísmo. Numa sociedade de consumo comandada pelo sistema econômico neoliberal, o individualismo encontra um terreno particularmente propício, cuidadosamente regado pela mídia. Não faltaram outras pessoas ou correntes que procuraram abranger sociedades inteiras num vasto movimento de esperança inspirado por determinadas ideologias, como o comunismo ou vários modelos de nacionalismo. Mas também nestes casos os quadros da felicidade prometida acabaram despencando.
       A França, na época em que Teresa viveu, era caracterizada por um ateísmo e virulento anticlericalismo., especialmente entre as elites intelectuais. Como podia seu ingresso num convento de clausura ser um gesto de esperança? Não era antes uma fuga, uma evasão egoísta mascarada por pensamentos piedosos sobre a salvação dos pecadores?  Afinal, em que consistia a esperança de Teresa de Lisieux? Que a justiça de Deus acertasse as contas com os que não acreditavam nele?  Sim, a justiça de Deus estava na mira da Carmelita porque contempla e adora as suas perfeições  divinas através de sua infinita misericórdia: “a própria justiça (talvez mais do que qualquer outra) se me afigura revestida de amor”. Não é na situação deplorável do mundo que ela fixa seu olhar: “meus desejos, minhas esperanças, vão às raias do infinito”.  A esperança da Teresa é realmente teologal. vai ao seu verdadeiro ponto de apoio. Ela não parte de uma espécie de pressuposição de que um número de criaturas humanas sofrerá a condenação eterna, como determinadas interpretações teológicas do mistério da predestinação apregoavam. Este fatalismo não aparece no vocabulário de Teresa, permeado pela certeza da gratuidade da infinita misericórdia divina. Para a sua ousadia temerária não há como  não apostar nesta última.
            Aqui aparece, talvez, um traço característico da visão feminina do mistério de Deus à qual, durante séculos, foi vedado o acesso ao pensamento teológico elaborado pelos homens. Não é isto que ela deixa entrever quando constata que Deus é pouco amado na terra ...mesmo pelos padres e religiosos?   Teresa desejou ser identificada ao Amor. O amor não seria amor se não fosse uma sede de expansão, de doação.  Por isto a esperança alarga seus horizontes à medida que nos animam os sentimentos de Cristo (cf. Fl 2,5): “Cristo que morreu por nós quando éramos ainda pecadores”(Rm 5,8). Já na sua adolescência Teresa, apelando à misericórdia de Deus revelada na Paixão e Cruz de Jesus, se empenhara na conversão de Pranzini, cujo processo de condenação pela justiça francesa havia acompanhado através da imprensa. Foi “meu primeiro filho”,  como ela comentaria  mais tarde. Sempre serviço da misericórdia divina, ela adotará outros pecadores. E quando, na Festa da Santíssima Trindade, em 1896, se oferece a Deus como vítima do seu amor misericordioso, ela faz um ato de esperança cega. Ela a justifica  dirigindo-se a Deus: “Ó luminoso farol  do amor, sei como achegar-me até a ti, descobri o segredo de apossar-me de tua chama”.   Familiarizada com as cartas de Paulo apóstolo, Teresa escreve: “Não deixava de esperar contra toda esperança”.  Certamente, ao citar estas palavras, não previa o alcance delas quando sua esperança, durante a prolongada provação da fé, vai estender-se a todos os pecadores. Nesta longa noite Teresa mergulha na experiência da escuridão daqueles que não acreditam no Céu.  Privada  da alegria que lhe era proporcionada pela esperança da proximidade do Céu, ela compartilhava a condição dos pecadores, unia-se a eles. Mesmo assim recebe esta provação como um dom pelo qual Cristo a associa à obra da redenção e à esperança da sua fecundidade: “Senhor, vossa filha  compreendeu vossa luz divina. Pede-vos perdão em lugar de seus irmãos. Pelo tempo que quiserdes, aceita comer o pão da dor, e da mesa coberta de amargura, onde comem os pobres pecadores, não quer levantar-se antes do dia que determinardes”. 
Teresa se compara aqui a uma criança na estação ferroviária, esperando seus pais que devem acomodá-la dentro de trem. Mas eles não chegam, e o trem parte! E ela acrescenta: “mas haverá outros trens, não perderei todos...”.  Teresa não perdeu a esperança. Contudo, esta esperança ficou como que desativada. Ela doou a sua força para outros, para os inúmeros outros. Ela se lançou no insondável mistério do Amor de Deus para amar com esse Amor o mundo.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm- Eremita Carmelita- foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Crise do padre. O que fazer?

O padre Francesco Cosentino, da Diocese de Catanzaro-Squillace, professor e diretor de retiros e encontros espirituais, atualmente é membro na Congregação para o Clero e Professor da Pontifícia Universidade Gregoriana, reflete sobre a 'crise do padre', em artigo publicado por Settimana News, 02-07-2017. A tradução é de Ramiro Mincato.

Eis o artigo.
O ministério sacerdotal perde valor e significado. Atrai cada vez menos. Parece mover-se com dificuldades, como se estivesse "fora do tempo", isto é, em um tempo que não é mais o seu. Assim, Padre Armando Matteo fotografou, em seu site, a "crise do padre", sem muitos rodeios.
Penso que se deva dar prosseguimento àquelas observações, e tentarei fazê-lo, embora sob uma ótica um pouco mais otimista do que meu amigo Matteo, enfrentando algumas questões e abrindo algumas pistas de reflexão.

Qual identidade?
Para abordar seriamente a "crise do presbítero", é necessário fazer referência a questão - tanto debatida, mas sem solução fácil - de sua identidade. Não se trata apenas de um teórico argumento teológico, mas, pelo contrário, quando se fala de identidade presbiteral é preciso não se fixar logo sobre um modelo abstrato, mas sobre a figura do padre, assim como se configurou na história concreta da comunidade de fé. Ainda mais, deve-se fazer referência à Palavra de Deus, que representa o horizonte subjacente dentro do qual devem surgir os critérios do ministério presbiteral.
Se é verdade que, como afirma o conhecido teólogo Greshake em Essere preti in questo tempo (Queriniana, 2008), "nos últimos anos o tema do “padre" tornou-se uma espécie de muro das lamentações, onde tantos sacerdotes batem com a cabeça, assim como bispos desesperados e também leigos desorientados", é igualmente verdade que, antes de questionar-se sobre a crise numérica, o modelo de vida e as atribuições pastorais, é preciso voltar-se à questão de fundo: o que Jesus realmente queria quando reuniu em torno a si os apóstolos e os enviou em missão?
Somente se esta questão for tomada a sério poder-se-á enfrentar a crise, talvez até descobrindo que ela não é pois tão dramática, não porque não seja real, mas pelo fato de afetar aspectos provavelmente não tão essenciais ao ministério.
Assim, como primeira provocação – deixando para depois escavar mais a fundo sobre o tema, - gostaria de debruçar-me sobre a questão da identidade.

Um olhar sobre a história
Podemos recordar suas origens, quando o cristianismo organizou-se em pequenas comunidades, errantes e nômades, centradas principalmente na evangelização; mais tarde, como sabemos, as coisas mudaram consideravelmente.
Durante anos, de fato, talvez séculos, o ministério presbiteral foi se configurando no interior da nascente cristandade, isto é, daquele processo de simbiose entre religião, sociedade e cultura, que, se por um lado, favoreceu a integração e expansão de fé, por outro lado, de alguma maneira, obscureceu a potência profética do Evangelho, a força da sua fraqueza, a riqueza da sua pobreza e, em geral, a sua voz "obstinadamente outra" em relação ao mundo.
O modelo de Igreja, a simbologia litúrgica, as formas de fé e, não por último, a própria figura do padre passaram, lentamente, a parecer-se mais ao modelo do Império Romano do que ao da identidade evangélica. É verdade que a Igreja tornou-se estrutura fundamental da sociedade, e que o cristianismo alastrava-se como incêndio, desenvolvendo sua capacidade de presença e incidência na vida pública; no entanto, é igualmente verdade que o cristianismo deixou de ser uma resposta pessoal a um chamado evangélico, para tornar-se um fator natural e cultural; a Igreja mudou sua forma externa e suas estruturas, e, consequentemente, o ministério presbiteral também teve que se adequar.
O padre sobre um “pedestal”, autoridade indiscutível capaz de exercer certo poder espiritual, mas não só, era um modelo bem integrado com uma sociedade marcada pela fé religiosa, em que acreditar era algo "normal".
Este é, para mim, o primeiro motivo sério para a crise atual. Hoje, com o desenvolvimento moderno da liberdade da pessoa, o crescimento do valor da democracia, o mundo fortemente marcado pelo secularismo e pelo abandono da fé, ainda pode reger aquela ideia e aquele modelo de padre que, mesmo diante das inovadoras indicações do papa Francisco, parece ser o sonho latente de muitos e a imagem escondida por trás de algumas estratégias pastorais? Pode-se ainda continuar falando de "serviço", mas com uma convicção secreta de monarcas absolutos?

Uma crise provisória?
Talvez, a crise atual do cristianismo, que força a Igreja a tornar-se novamente minoritária, poderia ser uma ocasião profícua: Deus quer seu povo de volta ao deserto e à diáspora, para aliviá-lo de um sistema imperial e mundano, para destruir um cristianismo que se tornou um subsistema da sociedade, e permitir-lhe recuperar um espírito evangélico. Este caminho, profético e corajosamente traçado pelo atual pontificado, deixa ainda perplexas muitas figuras do clero.
O medo de abandonar um modelo "seguro", no qual fomos formados e habituados, por ora vence sobre a coragem de se tentar novas vias. Na paralisia, esquece-se que a identidade do presbítero está em caminho, está aberta, em constante evolução.

Não existe o presbítero "válido de uma vez por todas", mas um ministro chamado, no concreto da história, feita de rostos, de alegrias e de lágrimas, em um mundo real que possui coordenadas precisas e dentro das quais, se realmente se quer incidir, é preciso habitar. Não como um chefe, um supervisor ou um estranho, mas como um companheiro de estrada. Se tudo muda, me pergunto também sobre a identidade e o modelo de presbítero: pode-se continuar parado? Fonte: http://www.ihu.unisinos.br