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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Missão amazônica

Por Carlos Juliano Barros

À primeira vista, é difícil acreditar que um carismático francês de 76 anos, de fala lenta e andar compassado por conta da saúde debilitada, encabece a lista dos jurados de morte pelos fazendeiros e madeireiros que transformaram o Pará num apimentado caldeirão de conflitos fundiários. Henri des Roziers, advogado e frei dominicano que há quase três décadas escolheu o Brasil como palco de sua militância social e religiosa, já não anda mais sem a sombra de seguranças pagos por um programa de proteção do Governo Federal. Depois do assassinato da freira norte-americana Dorothy Stang, ocorrido em fevereiro do ano passado em Anapu, às margens da rodovia Transamazônica, não lhe restou alternativa. Desde então, é acompanhado dia e noite por dois policiais que se revezam para garantir sua integridade. Um deles, por sinal, é filho de Raimundo Ferreira Lima, o Gringo, conhecido sindicalista do sul do estado morto em 1980 por se envolver, assim como Frei Henri e Dorothy, na luta pela reforma agrária.
O processo de ocupação da Amazônia desenhado nos últimos quarenta anos deixou um saldo preocupante de crimes contra o meio-ambiente e os direitos humanos. De acordo com dados oficiais, mais de 16% da cobertura original da maior floresta do mundo já foram devastados - área equivalente aos territórios de França e Portugal juntos. Somam-se a isso o desrespeito às populações tradicionais e a superexploração do trabalho de milhares de migrantes que enxergaram na imensidão verde um meio de driblar a escassez de emprego nos seus locais de origem, principalmente no semi-árido nordestino.
A Amazônia pagou um preço muito caro pela noção de progresso associada ao fomento de atividades agropecuárias e de extração de madeira e minérios - desenvolvidas por grandes grupos empresariais e poderosos latifundiários vindos, em sua maioria, do sul do Brasil. Depois do golpe de 1964, a vontade dos militares de "integrar para não entregar" o norte ao restante do país incendiou a disputa por terras. Somente no Pará, onde os conflitos revelam sua face mais sangrenta, ocorreram 772 assassinatos de lideranças sindicais, trabalhadores rurais e defensores dos direitos humanos entre 1971 e 2004 - uma assustadora média de duas mortes por mês.
Na raiz dos movimentos populares de resistência a essa ocupação desordenada encontra-se uma instituição que, se não possui mais a mesma influência de tempos atrás, faz sentir seu legado quando se analisa o atual cenário político nacional: a Igreja Católica. Ela teve participação decisiva na gestação de expoentes da esquerda, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e o Partido dos Trabalhadores (PT), por exemplo. E, principalmente no campo, ainda constitui um importante espaço de articulação de militantes que se dedicam à causa da reforma agrária.
Por essa razão, não é difícil encontrar na região norte do Brasil missionários estrangeiros que, da mesma forma que Henri des Roziers, deixaram seus países para mergulhar no meio do povo marginalizado, onde o poder público é incapaz de oferecer assistência adequada à população. Religiosos que acreditam que a Igreja Católica não deve só confortar espiritualmente seus fiéis, mas também se empenhar na resolução dos problemas urgentes dos excluídos.
Opção radical pelos pobres
Essa linha progressista do catolicismo ganhou contornos fortes quando, em 1968, bispos de todo o continente se reuniram na cidade colombiana de Medellín - marco do surgimento da doutrina que ficou conhecida por Teologia da Libertação. Uma leitura do evangelho influenciada por conceitos da filosofia marxista, que passou a contestar a miséria de boa parte das populações de países como Brasil e Peru. "Quem primeiro formulou essa opção pelos pobres contra a pobreza, a favor da vida e da liberdade, foi a Teologia da Libertação. É marca registrada da Igreja Latino-Americana", afirma Leonardo Boff, ex-frade franciscano e um dos principais pensadores dessa corrente.
A princípio, quando os militares tomaram o Palácio do Planalto, os dirigentes da Igreja enxergaram com bons olhos a iniciativa, por medo da escalada mundial do comunismo. Contudo, quando vieram à tona as denúncias sobre abusos cometidos pela ditadura, os setores engajados da instituição se mostraram mais antenados aos anseios reprimidos do povo, conquistando espaço entre os fiéis. Naquela época, segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de cada dez pessoas, nove se declaravam católicas. Hoje, esse índice caiu para 70%. Números que atestam a importância da Igreja na sociedade quando aconteceu o golpe de 1964.
Já na década seguinte, a fama progressista do catolicismo nacional espalhou-se pelo mundo inteiro, atraindo interesse daqueles que buscavam sintonia entre a leitura da Bíblia e a vontade de lutar contra as injustiças sociais. De acordo com dados do Centro de Estatística Religiosa e Investigações Sociais (Ceris), dos 2.447 religiosos que hoje moram na região norte, 40% vêm de outros países. Porém, é impossível afirmar com precisão quantos desses missionários estão de fato engajados em alguma ação social. Certamente, a maior parte cumpre apenas com as obrigações cotidianas em paróquias e conventos, sem se envolver em qualquer tipo de militância. Entretanto, não é nada desprezível a parcela de padres, irmãos e irmãs que não percorrem milhares de quilômetros somente para pregar e arrebanhar fiéis - como fizeram os jesuítas com os índios brasileiros, séculos atrás.
No Brasil, os ideais da Teologia da Libertação ecoaram mais alto no campo do que na cidade, fortalecendo a luta pela terra. Prova disso é que muitas lideranças do maior movimento social do país, o MST, formaram-se nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Essas entidades surgiram em meados dos anos 60, depois de uma série de mudanças introduzidas pelo Papa João XXIII no sentido de popularizar a Igreja Católica em todo o mundo. Por meio delas, um grande número de fiéis do interior do país, que não contavam com assistência regular de um sacerdote nos locais onde moravam, passou a organizar as celebrações por conta própria.
"Na Europa, o cristão é um consumidor de serviços feitos pelo padre. No Brasil, ocorreu a responsabilização dos leigos. Mas isso não implica necessariamente uma Igreja libertária. Essa reorientação foi provocada pela situação de opressão e pela presença de intelectuais orgânicos de esquerda ligados a ela", explica o frei dominicano francês Xavier Plassat. Os encontros religiosos foram um dos poucos espaços públicos de discussão que o regime militar não aboliu. Era natural, portanto, que nas CEBs também se fizessem debates a respeito da realidade social e política brasileira. "A Teologia da Libertação aproveitou esse envolvimento popular", acrescenta Frei Xavier. Nomes como o da atual ministra do meio-ambiente, a acreana Marina Silva, despontaram dessas comunidades.
A "opção radical pelos pobres" da Igreja Católica saiu do papel com o advento, por todo o país, de pastorais que lidam com os mais variados públicos, como detentos, moradores de rua e profissionais do sexo. Mas uma delas merece destaque pelo importante papel de resistência à ocupação predatória da Amazônia Em 1975, quando a floresta havia se convertido num balaio de crimes graves como assassinatos, grilagem de terra e violação de direitos trabalhistas, foi fundada a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Atualmente, ela constitui um dos principais núcleos de pesquisa sobre problemas fundiários do Brasil. Além disso, mantém um corpo de agentes religiosos e leigos para organizar trabalhadores e defender seus direitos, em nome de uma reforma agrária que respeite a agricultura familiar e o modo de vida típico do camponês.
Violência x Resistência
Com a decadência da economia da borracha, que até os anos 20 consistia na principal fonte de divisas da região, o garimpo, a madeira e a pecuária provocaram uma espécie de corrida para o norte do país - a que se assiste até hoje. A partir dos anos 40, o Estado tomou algumas medidas para tentar disciplinar esse novo ímpeto "colonizador", através da instalação de bancos e aeroportos. No começo da década de 60, a abertura da BR 010, batizada de Belém-Brasília, provocou um grande fluxo migratório em direção àquela área.
Mas foi com os militares que o processo de ocupação se desenrolou a pleno vapor. Em 1966, com o intuito de atrair investimentos através da concessão de benefícios a empresários, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam). Projetos de ampla envergadura - da extração de minérios à criação de pastos, passando pela plantação intensiva de eucaliptos para a produção de celulose - nasceram nesse período. A retirada do ferro da maior jazida do mundo, localizada na Serra dos Carajás (PA), é um dos exemplos mais conhecidos. Para fornecer a energia necessária a essas atividades, foram construídas hidrelétricas de grande porte, como a de Tucuruí, também localizada no Pará. Novas estradas retalharam a mata a fim de garantir o escoamento da produção e facilitar o povoamento, como a Cuiabá-Santarém (BR 163) e a famosa Transamazônica.
Entretanto, a estratégia de ocupação do "vazio demográfico" do norte do Brasil, representada por slogans do tipo "uma terra sem homens para homens sem terras", não correspondeu ao sonho de uma multidão de migrantes pobres que chegavam à Amazônia de todas as partes do Brasil. "O governo usou a floresta como forma de desviar a atenção dos movimentos organizados dos principais focos de tensão fundiária, como Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco. Em vez de realizar uma verdadeira reforma agrária, fez uma política de assentamentos, jogando os agricultores em lotes sem qualquer infra-estrutura", explica Paulo Santilli, professor de antropologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp). As medidas desenvolvimentistas também não pouparam os povos indígenas. Pelo contrário: "na década de 70, seu contingente populacional atingiu o nível mais baixo em toda história: pouco mais de 60 mil", completa Santilli.
Com a perseguição implacável da ditadura a sindicatos, movimentos sociais e partidos de esquerda, a Igreja era a única instituição de porte nacional com capacidade de fazer frente aos desmandos dos militares e de apoiar a classe trabalhadora. "A primeira década de atuação da CPT foi uma fase heróica, de enfrentamento e formação de verdadeiras lideranças", conta Frei Xavier, que coordena a pastoral de Araguaína, no norte do Tocantins. Essa parte do estado, apelidada de Bico do Papagaio devido a seu formato geográfico, já foi uma das áreas de maior ebulição fundiária do Brasil.
Frei Xavier segue os passos do Padre Josimo Tavares, assassinado em 1986 por incentivar os posseiros a resistirem contra a expulsão das áreas que ocupavam há gerações. "Ele abria a bíblia para as comunidades e dizia que o direito à terra era algo sagrado, que não bastava rezar junto, mas que era necessário formar um sindicato, um partido que representasse a classe trabalhadora. A CPT dava esperança às comunidades ameaçadas", resume. Vinte anos após a morte de Padre Josimo, a apropriação ilegal de áreas que pertencem à União mediante violência e falsificação de escrituras - prática conhecida popularmente por "grilagem" - ainda deixa muitos militantes da Igreja e dos movimentos sociais de cabelo em pé. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) estima que pelo menos 100 milhões de hectares tenham sido abocanhados de maneira criminosa, em todo país. Mais da metade deles estão na região Norte.
Compromisso Social
Na França, não é muito comum que a Igreja se ocupe do debate dos problemas do país, postura que incomodava Frei Henri des Roziers. As notícias sobre a barbárie da ditadura militar despertaram nele a vontade de conhecer o Brasil. "O que me motivou não foi o problema da terra, e sim a questão dos direitos humanos", conta. Logo nos primeiros meses, ele passou uma temporada na diocese de Goiás Velho (GO), comandada pelo bispo D. Tomas Balduíno, presidente nacional da CPT. "Esse estágio me impressionou muito. Senti pela primeira vez uma coerência entre as lutas sociais e a minha interpretação do evangelho. Era a primeira vez que ficava feliz por participar das celebrações", garante. Depois da experiência, não teve dúvidas quanto ao destino a seguir, e entrou para a pastoral da terra. Por quase dez anos, trabalhou na região do Bico do Papagaio, onde se espantou com a violência policial e a omissão do poder judiciário que vitimavam os posseiros. Mas foi no Pará, estado em que atualmente reside, que ele fez história ao participar, em 2000, da acusação que levaria pela primeira vez na história do país um fazendeiro à prisão pelo assassinato de um trabalhador rural.
Hoje, na CPT de Xinguara (PA), o advogado e missionário Henri tenta pôr na cadeia latifundiários que submetem à condição de escravos peões vindos de estados nordestinos pobres, como Maranhão e Piauí. Seres humanos descartáveis que sobrevivem da chamada expansão da fronteira agrícola amazônica. Mão-de-obra pouco qualificada que realiza serviços pesados - como o desmatamento da floresta para formação de pastos, plantações de soja e algodão - sem direito a salário e até mesmo a liberdade para abandonar as fazendas. Essa prática vem de longa data: as primeiras denúncias sobre escravidão contemporânea foram feitas na década de 70 pelo espanhol D. Pedro Casaldáliga, então bispo de São Félix do Araguaia (MT).
Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), que desde 1995 designou um grupo especial de auditores para fiscalizar propriedades do interior do Brasil, mais de 15 mil pessoas já foram resgatadas desde o início das operações, principalmente no Pará, Mato Grosso e Tocantins. Apesar de o Código Penal prever reclusão de até oito anos para esse crime, apenas um fazendeiro até hoje foi condenado na Justiça Comum. Mesmo assim, sua sentença foi revertida para distribuição de cestas básicas.
O combate ao trabalho escravo também consome a maior parte do tempo de Frei Xavier Plassat. Mas ele também acha que, nos últimos anos, a CPT vem encarando novas missões. "Quando cheguei ao Brasil, em meados da década de 80, o principal desafio era lutar contra a grilagem e resistir à expulsão. Hoje, precisamos pensar com os trabalhadores rurais uma outra maneira de se relacionar com a terra e rever o sistema de produção, permitindo o desenvolvimento da agricultura familiar", afirma.
Apesar da valiosa atuação das pastorais, é fato que institucionalmente a Igreja Católica brasileira não possui mais o mesmo vigor na defesa dos direitos básicos das populações excluídas. Frei Xavier, por exemplo, diz que a CPT de Araguaína sequer é convidada pelo bispo para participar das assembléias diocesanas, reflexo das nomeações de dirigentes menos progressistas durante o longo pontificado do conservador João Paulo II. "Nós atuamos praticamente como uma ONG, buscando financiamentos de agências de cooperação internacional", diz. Mas também não se pode dizer que os preceitos da Teologia da Libertação estejam em decadência absoluta. Ainda existem muitos religiosos brasileiros e estrangeiros que enxergam no evangelho a motivação para lutar por uma sociedade igualitária, olhando por regiões onde a presença do Estado ainda é rarefeita. A Amazônia só tem a agradecer a Deus por isso.


quarta-feira, 29 de julho de 2015

PROCISSÃO DE NOSSA SENHORA: A Devoção de Serro-MG.

RETIRO DOS CARMELITAS (De 27-31 de julho-2015): Carta de João Paulo II.

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CARTA DO SANTO PADRE JOÃO PAULO II AOS SACERDOTES POR OCASIÃO DA
QUINTA-FEIRA SANTA DE 2005

 Queridos sacerdotes!
1. Neste Ano da Eucaristia, sinto uma particular alegria em encontrar-me espiritualmente convosco, como sucede anualmente, por ocasião da Quinta-feira Santa, o dia do amor de Cristo levado « até ao extremo » (cf. Jo 13, 1), o dia da Eucaristia, o dia do nosso sacerdócio.
Dirijo-me a vós, sacerdotes, durante um período de tratamento e recuperação que tive de passar no hospital, doente entre os doentes, unindo, na Eucaristia, o meu sofrimento ao de Cristo. Neste espírito, quero refletir convosco sobre alguns aspectos da nossa espiritualidade sacerdotal.
Irei fazê-lo, deixando-me guiar pelas palavras da instituição da Eucaristia, as mesmas que diariamente pronunciamos, in persona Christi, para tornar presente sobre os nossos altares o sacrifício realizado uma vez por todas no Calvário; é que de tais palavras brotam indicações de espiritualidade sacerdotal muito elucidativas: se toda a Igreja vive da Eucaristia, a existência sacerdotal deve a título especial tomar « forma eucarística ». Por isso, as palavras da instituição devem ser, para nós, não apenas uma fórmula de consagração, mas uma « fórmula de vida ».

Uma existência profundamente « agradecida »
2. « Tibi gratias agens benedixit... ». Em cada Missa, recordamos e revivemos o primeiro sentimento expresso por Jesus quando partiu o pão: o sentimento de ação de graças. O agradecimento é a atitude que está na base do próprio termo « Eucaristia ». Dentro deste gesto de gratidão, vem confluir toda a espiritualidade bíblica do louvor pelas mirabilia Dei. Deus ama-nos, precede-nos com a sua Providência, acompanha-nos com intervenções contínuas de salvação.
Na Eucaristia, Jesus agradece ao Pai conosco e por nós. Como poderia esta acção de graças de Jesus deixar de plasmar a vida do sacerdote? Este sabe que deve cultivar um espírito constantemente agradecido pelos numerosos dons recebidos ao longo da sua existência, particularmente pelo dom da fé, da qual se tornou arauto, e pelo dom do sacerdócio, que o consagra inteiramente ao serviço do Reino de Deus. Temos as nossas cruzes — e não somos certamente os únicos a havê-las! — mas os dons recebidos são tão grandes que não podemos deixar de cantar, do fundo do coração, o nosso MagnificatUma existência « doada »

3. « Accipite et manducate... Accipite et bibite... ». 
A auto-doação de Cristo, que tem a sua fonte na vida trinitária do Deus-Amor, atinge a sua expressão mais alta no sacrifício da Cruz, cuja antecipação sacramental é a Última Ceia. Não é possível repetir as palavras da consagração sem sentir-se implicado neste movimento espiritual. Em certo sentido, o sacerdote deve aprender a dizer, com verdade e generosidade, também de si próprio: « tomai e comei ». De facto, a sua vida tem sentido, se ele souber fazer-se dom, colocando-se à disposição da comunidade e ao serviço de qualquer pessoa que passe necessidade.
Era isto precisamente que Jesus esperava dos seus apóstolos, como sublinha o evangelista João ao narrar o lava-pés. O mesmo espera do sacerdote o Povo de Deus. Pensando bem, a obediência, a que ele se comprometeu no dia da Ordenação e cuja promessa é convidado a renovar na Missa Crismal, é ilustrada por esta relação com a Eucaristia. Obedecendo por amor, renunciando mesmo a legítimos espaços de liberdade quando se trata de aderir a um autorizado discernimento dos Bispos, o sacerdote realiza na própria carne aquele « tomai e comei » de Cristo, quando, na Última Ceia, Se entregou a Si próprio à Igreja.

Uma existência « salvada » para salvar
4. « Hoc est enim corpus meum quod pro vobis tradetur ». O corpo e o sangue de Cristo são entregues para a salvação do homem, do homem todo e de todos os homens. É uma salvação integral e simultaneamente universal, porque não há homem — salvo livre ato de recusa — que esteja excluído da força salvadora do sangue de Cristo: « qui pro vobis e pro multis effundetur ». Trata-se dum sacrifício oferecido por « muitos », como se lê no texto bíblico (Mc 14, 24; Mt 26, 28; cf. Is 53, 11-12) com uma típica figura literária semita que, aliando dois opostos — no nosso caso, a multidão abrangida pela salvação e um só, Cristo, que a realizou —, indica a totalidade do seres humanos aos quais a salvação é oferecida: é sangue « derramado por vós e por todos », como legitimamente se explicita nalgumas traduções. A carne de Cristo é realmente entregue « pela vida do mundo » (Jo 6, 51; cf. 1 Jo 2, 2).
Ao repetirmos, num silencioso recolhimento da assembleia litúrgica, as venerandas palavras de Cristo, nós, sacerdotes, tornamo-nos arautos privilegiados deste mistério de salvação. Mas como podemos sê-lo eficazmente, sem nos sentirmos nós mesmos salvados? Nós somos os primeiros cujo íntimo é alcançado pela graça, que, libertando-nos das nossas fragilidades, nos faz gritar « Abbá, Pai », com a confiança própria de filhos (cf. Gal 4, 6; Rm 8, 15). E isto obriga-nos a avançar no caminho da perfeição. De facto, a santidade é a manifestação plena da salvação. Só vivendo como salvados é que nos tornamos arautos credíveis da salvação. Por outro lado, cada vez que tomamos consciência da vontade de Cristo de oferecer a todos a salvação, não pode deixar de se reavivar no nosso espírito o ardor missionário, incitando cada um de nós a fazer-se « tudo, para todos, para salvar alguns a todo o custo » (1 Cor 9, 22).

Uma existência « evocativa »
5. « Hoc facite in meam commemorationem ». Estas palavras de Jesus foram conservadas por Lucas (22, 19) e também por Paulo (1 Cor 11, 24). O contexto em que foram pronunciadas — é bom tê-lo presente — é o da ceia pascal, que, para os hebreus, era precisamente um « memorial » (zikkarôn, em hebraico). Naquela circunstância, os israelitas reviviam antes de mais nada o Êxodo, mas, com ele, lembravam também os outros acontecimentos importantes da sua história: a vocação de Abraão, o sacrifício de Isaac, a aliança do Sinai, as numerosas intervenções de Deus em defesa do seu povo. Também para os cristãos a Eucaristia é « memorial », e numa medida incomparável: não se limita a recordar, mas atualiza sacramentalmente a morte e ressurreição do Senhor.
Além disso queria sublinhar que Jesus disse: « Fazei isto em memória de Mim ». Por isso, a Eucaristia não recorda simplesmente um facto; recorda-o a Ele! Para o sacerdote, o facto de repetir cada dia, in persona Christi, as palavras do « memorial » é um convite a desenvolver uma « espiritualidade da memória ». Num tempo de rápidas mudanças culturais e sociais que afrouxam o sentimento da tradição e deixam, sobretudo as novas gerações, expostas ao risco de perderem a ligação com as próprias raízes, o sacerdote é chamado a ser, na comunidade que lhe está confiada, o homem com a memória fiel de Cristo e de todo o seu mistério: a sua prefiguração no Antigo Testamento, a sua realização no Novo, o seu aprofundamento progressivo sob a guia do Espírito, segundo esta promessa explícita: Ele « ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito » (Jo 14, 26).

Uma existência « consagrada »
6. « Mysterium fidei! ». Com esta exclamação, o sacerdote exprime, depois de cada vez que consagra o pão e o vinho, o seu assombro sempre renovado pelo prodígio extraordinário que se realizou nas suas mãos. É um prodígio que só os olhos da fé podem enxergar. Os elementos naturais não perdem as suas características externas, dado que as « espécies » continuam a ser as do pão e do vinho; mas a sua « substância », pelo poder da palavra de Cristo e da ação do Espírito Santo, converte-se na substância do corpo e do sangue de Cristo. Assim, sobre o altar, está « verdadeira, real e substancialmente » presente Cristo morto e ressuscitado, com toda a sua humanidade e divindade. Trata-se, portanto, de realidade eminentemente sagrada! Por isso, a Igreja circunda de tanta reverência este Mistério, e vigia atentamente por que sejam observadas as normas litúrgicas que tutelam a santidade de tão grande Sacramento.
Nós, sacerdotes, somos os celebrantes, mas também os guardiões deste sacrossanto Mistério. Da nossa relação com a Eucaristia deriva também a exigência da condição « sagrada » da nossa vida, que deve transparecer em todo o nosso modo de ser, e primariamente no modo de celebrar. Para isso, vamos à escola dos Santos! Este Ano da Eucaristia convida-nos a redescobrir os Santos que deram provas duma devoção particularmente intensa à Eucaristia (cf. Carta Apostólica Mane nobiscum Domine, 31). Disso mesmo, deram exemplar testemunho muitos sacerdotes beatificados e canonizados, suscitando grande fervor nos fiéis que presenciavam as suas Missas. Muitos se distinguiram por uma prolongada adoração eucarística. Permanecer diante de Jesus Eucaristia, valer-se, em certo sentido, das nossas « solidões » para enchê-las desta Presença, significa conferir à nossa consagração todo o calor da intimidade com Cristo, donde recebe alegria e sentido a nossa vida.

Uma existência voltada para Cristo
7. « Mortem tuam annuntiamus, Domine, et tuam resurrectionem confitemur, donec venias ». Sempre que celebramos a Eucaristia, a memória de Cristo no seu mistério pascal torna-se anseio do encontro pleno e definitivo com Ele. Vivemos na expectativa da sua vinda. Na espiritualidade sacerdotal, esta tensão deve ser vivida sob a forma própria da caridade pastoral, que nos obriga a viver no meio do Povo de Deus para orientar o seu caminho e nutrir a sua esperança. Trata-se duma tarefa que requer do sacerdote uma atitude interior semelhante à que o apóstolo Paulo vivia dentro de si mesmo: « Esquecendo-me do que fica para trás e avançando para o que está adiante, prossigo em direção à meta... » (Fil 3, 13-14). O sacerdote é alguém que, não obstante o passar dos anos, continua a irradiar juventude, de certo modo « contagiando » com ela as pessoas que encontra no seu caminho. O seu segredo está na « paixão » que sente por Cristo. São Paulo dizia: « Para mim, o viver é Cristo » (Fil 1, 21).
Sobretudo no contexto da nova evangelização, as pessoas têm direito de dirigir-se aos sacerdotes com a esperança de « ver » a Cristo neles (cf. Jo 12, 21). Sentem necessidade disso particularmente os jovens, que Cristo continua a chamar a Si para fazer deles seus amigos e propor a alguns a doação total à causa do Reino. Não hão de certamente faltar as vocações, se subirmos de tom a nossa vida sacerdotal, se formos mais santos, mais alegres, se nos mostrarmos mais apaixonados no exercício do nosso ministério. Um sacerdote « conquistado » por Cristo (cf. Fil 3, 12) pode mais facilmente « conquistar » outros para a opção de fazerem a mesma aventura.

Uma existência « eucarística » na escola de Maria
8. Muito íntima é a relação da Virgem Santíssima com a Eucaristia, como recordei na encíclica Ecclesia de Eucharistia (cf. nn. 53-58). Todas as anáforas eucarísticas, embora na sobriedade própria da linguagem litúrgica, sempre o sublinham. Assim, no Cânone Romano, dizemos: « Em comunhão com toda a Igreja veneramos a memória da gloriosa sempre Virgem Maria, Mãe do nosso Deus e Senhor Jesus Cristo ». Noutras Orações Eucarísticas, como por exemplo na II Anáfora, a veneração transforma-se em súplica: « Dai-nos a graça de participar na vida eterna, com a Virgem Maria, Mãe de Deus ».
Ao insistir nestes anos sobre a contemplação do rosto de Cristo — especialmente nas cartas apostólicas Novo millennio ineunte (cf. nn. 23ss.) e Rosarium Virginis Mariæ (cf. nn. 9ss.) — indiquei Maria como a mestra mais experimentada. Depois, na encíclica sobre a Eucaristia, apresentei-a como « Mulher eucarística » (cf. n. 53). Quem pode, melhor do que Maria, fazer-nos saborear a grandeza do mistério eucarístico? Ninguém pode, como Ela, ensinar-nos com quanto fervor devemos celebrar os santos Mistérios e determo-nos em companhia do seu Filho escondido sob as espécies eucarísticas. Por isso, a Ela vos recordo a todos, entrego-Lhe especialmente os mais idosos, os doentes, quantos se encontram em dificuldade. Nesta Páscoa do Ano da Eucaristia, apraz-me fazer ressoar para cada um de vós a doce e reconfortante declaração de Jesus: « Eis a tua Mãe » (Jo 19, 27).
Com estes sentimentos, de coração vos abençoo a todos, desejando-vos uma profunda alegria pascal.
Da Policlínica Gemelli em Roma, 13 de Março – V domingo da Quaresma – do ano 2005, vigésimo sétimo de Pontificado.
JOÃO PAULO II










segunda-feira, 27 de julho de 2015

TITO BRANDSMA: Um olhar dos Freis; Petrônio e Tinus.

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA: TITO BRANDSMA

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA: Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo(3ª Parte).
Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam.

TITO BRANDSMA
+ 1942
Tito Brandsma, carmelita holandês, jornalista e mártir da fé, escreveu e viveu o espírito carmelitano na procura de uma nova imagem e de um vital dialogo com Deus para o homem moderno e na defesa do homem e de seus direitos.
As páginas que seguem favorecem a compreensão da noção e da experiência de Deus, que no seu coração contemplativo e em sua própria vida o transformam em
“THEOTOCOS” como Maria, encarnando a contemplação mesma na vivência da paixão e da Ressurreição.

EXPERIÊNCIA DE DEUS E NOVA CULTURA
Do discurso de Frei Tito Brandsma sobre o conceito de Deus, em Nijmegen no ano 1932

(1)Entre as numerosas perguntas que me coloco, nenhuma me preocupa mais do que a questão porque o homem com o seu progresso e a orgulhosa altivez de seu progresso, afasta-se assim em tão grande numero de Deus? ( ... ) Como pois a imagem de Deus se tornou assim tão pálida, tanto assim que muitos não a conseguem atingir? E falta tão somente da parte do homem? Ou se exige alguma coisa também de nos para que esta imagem fulgure de novo sobre o mundo com uma luz mais clara? Poderíamos nutrir a esperança que um estudo do conceito de Deus viria de encontro a esta necessidade? ( ... ) Creio que seja nosso dever olhar em torno de nos ao fenômeno da negação de Deus. Não porque, antes de tudo, devemos assumir diante desse fenômeno uma atitude de defesa; mas por causa deste fenômeno, encontrar motivo de fazer conhecer a imagem de Deus através de tornas novas e adaptar o seu conceito à cultura moderna, de tal modo que da riqueza deste conceito se coloque em evidência aquele aspecto da grandeza de nosso Deus que mais nos fascina hoje. ( ... ) Há uma tão grande riqueza de aspectos debaixo dos quais se pode considerar a imagem de Deus, que devemos estar atentos a não nos apoiar demais no velho e nem reter como suficientes as imagens tradicionais. Tempos novos exigem formas novas, Não basta insistir sobre a exigência de colocar em prática a fé em Deus e empenhar-nos nesta direção: há mais ainda devemos compreender o nosso tempo, e não o estranhemos.
(2)( ... ) Deus guia estrelas e planetas em suas órbitas; dá vida às plantas e animais. Ele sustenta o mundo em suas mãos e lhe garante uma existência tranqüila. Deus habita em nos e abre os olhos da nossa mente sobre aquilo que interessa; sussurra em nos a sua palavra e nos impele a cumpri-la» ( ... ) Devemos acima de tudo ver Deus como o fundo mais intimo do nosso ser, escondido no elemento mais íntimo de nossa natureza. Mas não obstante e possível vê-lo e contemplá-lo claramente tornando-o reconhecível depois de um primeiro raciocínio, ou quando nos orientamos habitualmente como uma intuição sem raciocínio repeti do a cada instante. Assim nós nos vemos em contemplação contínua de Deus e o adoramos não somente no nosso ser, mas também em tudo quanto existe, antes de tudo no próximo, e também na natureza, no cosmo. Ele esta presente em toda a parte e tudo penetra com as obras de suas mãos.
Deus que habita a nossa existência. Deus que obra no cosmo não deve ser somente objeto de nossa intuição, mas deve também manifestar-se na nossa vida, deve exprimir-se nas nossas palavras e ações, deve irradiar-se de todo o nosso ser e de todo o nosso agir.
(3) ( ... ) Nós não devemos considerar a pessoa amante de Deus, o místico, como quem está fora da vida, da história. Mas, deve ser considerado aquele que vive a história e que carrega com responsabilidade o seu peso, deve sentir como sua tarefa primaria e suprema» chegar ao conhecimento de si mesmo: a mais bela de todas as empresas humanas. E através de seu intelecto deve chegar a encontrar Deus na profundeza de sua própria vida. Ali ele deve chegar, mesmo que as águas cristalinas da existência estejam entorpecidas pelas borrascas da vida! Voltará a bonança, o olhar tranqüilo penetrará até à profundidade; ali serenos capazes de ver Deus. ( ... ) Contemplar Deus então significa deixar-se influenciar por Ele em todo nosso comportamento. Deus então manifestar-se-á também nas nossas obras. ( ... ) Não basta insistir em viver na prática a nossa fé e estimular-nos a isso: e preciso fazer mais. Devemos compreender o nosso tempo e não distanciar-nos da história. Também nós somos filhos do nosso tempo; sejamo-lo de consciência lúcida.
(4)       ( ... ) Os homens devem encontrar Deus e viver na sua luz: isto chama-se mística divina! O espírito místico não vive em conflito com a natureza, pelo contrário: e vocação da natureza humana ver Deus naquilo que há de mais profundo na ciência.
(5)       ( ... ) É necessário que nos tornemos sempre mais conscientes de que servir os irmãos e uma exigência própria da nossa união com Deus. E esta consciência deve levar-nos a praticar bons atos. Nem mesmo a fé e suficiente por si só: ela deve manifestar-se através das ações; nas ações e que se evidencia todo o seu valor. Tal imagem de Deus torna-se um ideal que arrasta; essa imagem dentro em breve tempo encontrará acesso não só ao lado de outras imagens vagas e abstraias de Deus que sobrevivem ainda em tantos espíritos, mas também, uma vez tendo conquistado os corações, lhe aparecerão através de uma grande luta e uma longa resistência. ( ... ) O agir, sozinho, não e suficiente. Deve nascer de modo consciente de um coração habitado por Deus; as nossas ações devem nascer do nosso sacrário íntimo onde Deus aconselha e determina o que fazer. Assim o nosso agir será não somente forte e irresistível externamente, mas também forte no nosso interior e tornar-se-á manifestação de uma vida mais bela e mais nobre. ( ... ).

CONTEMPLAÇÃO
Dos Apontamentos de frei Tito Brandsma diante das cataratas de Niágara, em 1935.
(6)       ( ... ) Estou contemplando as estupendas cascatas do Niágara, vejo-me a precipitar sem parada do alto de seu leito primitivo. ( ... ) Digo então: o que há aqui de surpreendente e a maravilhosa e complexa natureza da água. Se ela não fosse fluída, se ela não possuísse o poder de absorver a luz até em suas gotas mais isoladas, teríamos talvez diante de nossos olhos esta avalanche de cristal e em nossos pés este arco-íris? Milhares de homens vem até aqui para pasmar-se diante do fragor das massas de água, para admirar estas espumas colossais que se dissolvem luminosas na profundeza do céu. Esta música selvagem, apodera-se de todo o seu ser; o jogo das cores ali ofusca quando os raios do sol se confundem com a água ou quando o reflexo argênteo se torna e se transforma em esmeralda. ( ... )
(8)   Alguns conseguem uma contemplação cais racional, outros mais sensível; se os dois sentimentos se unem, o objeto e o sujeito sentem-se mais unidos, e então o gozo e mais elevado. E depois as possibilidades da contemplação unificam-se, e a alegria e mais intensa e mais pura. ( ... ) a vista e o ouvido podem ser aqui arrebatados, mas também a razão que pensa e tudo aquilo que Deus colocou nestes elementos destinados a perecer e conquistado,
(9)       ( ... ) E vejo Deus, na obra de suas mãos e a imagem de seu amor em todas as coisas visíveis. ( ... ) E torno a pensar» olho e sinto, e acontece de ser às vezes tomado de uma suprema alegria, superior a qualquer outra alegria humana. ( ... )

ESTAR EM GESTAÇÃO COMO MARIA
Da colocação de Frei Tito Brandsma no congresso mariano de Tongerloo em 1936

(10)     ( ... ) Embora a nossa união com Deus não seja tão excelsa como aquela que se verificou na divina maternidade de Maria, mesmo assim nos podemos com pleno direito chamar-nos “Theotokos”, “portadores de Deus”, e também para nos o Senhor envia o seu anjo para nos pedir que se abra o nosso coração à luz do mundo para levá-lo por toda a parte como um luzeiro. ( ... ) Também nos devemos receber Deus no nosso coração, levá-lo debaixo do coração, alimentá-lo e deixá-lo crescer em nas, para que ele nasça de nós, e viva conosco como Deus conosco, isto é Emanuel.
(11)     ( ... ) Para Deus, o coração de Maria permaneceu sempre aberto. Dela devemos apreender a expulsar do nosso coração tudo o que não pertença ao Senhor e que para Ele o nosso coração esteja sempre aberto para se encher da graça divina; e então Jesus descerá no nosso peito e crescerá em nós, renascerá de nós e manifestar-se-á com as nossas ações e viverá de nossa vida. Com Maria, cheios também nós de graça, devemos viver uma vida divina, não buscando outra glória e outra salvação, que não a união com Deus. ( ... )

O QUE É ORAÇÃO
cf.: Apontamentos de Frei Tito Brandsma para um retiro espiritual

(12)     ( ... ) Nossa vida é como uma marcha pelo deserto até o monte Horeb, para dar uma dimensão total nova à nossa existência na contemplação de Deus. Preliba-se o céu buscando de ver Deus entre nós, o Deus vivo e atuante na nossa realidade. Nunca mais deve haver nos nossos corações divisão entre Deus e a realidade.
A oração é vida, não um oásis no deserto da vida. ( ... )

SOLIDÃO PROFUNDA
Na cela da prisão
Embora não saiba como isto irá terminar (as conseqüências do encarceramento) sei muito bem que estou nas mãos de Deus. O que me separara da caridade de Deus? Ele é o meu único refugio e sinto-me protegido e feliz. Permanecerei aqui, se Ele assim o dispuser. Raramente estive assim tão feliz e contente ( ... )
Fiz para mim um pequeno altar: é um modo de dizer. Na cela havia uma estante de papelão com suporte e também um pedaço de papel de embrulho. Cobri com isto a estante. Com um preguinho - canivete e tesoura foram-me tirados, daí a necessidade de me arrumar - fiz pequenos entalhes fixando assim três imagens de meu breviário; no meio um Cristo pregado na Cruz de Fra Angélico, incompleto, mas, só até à altura da chaga de seu Sagrado Coração; de um lado uma estampa de Santa Teresa de Jesus - “Sofrer ou morrer” - e, de outro, São João da Cruz com seu lema “Sofrer e ser desprezado”. Encontrei dois alfinetes; servi-me de um para fixar abaixo das outras imagens uma tira comprida de papel sobre a qual escrevi as palavras de Santa Teresa: “Nada te perturbe” e também as palavras de um provérbio alemão: “Deus tão próximo e tão distante, mas, sempre aqui” e, finalmente, aquele que me é tão familiar: aceitar os dias como eles chegam; os alegres com o coração reconhecido; os adversos com esperança para com os futuros que ainda virão, porque o mal e a tristeza são passageiros ( ... )
Ainda não me aborreci. Estou sozinho, é verdade. Mas, nunca Deus esteve tão perto de mim. Uma alegria intensa reina em meu coração porque Ele se deixou encontrar inteiramente sem que eu me possa desviar para os homens ou estes me atingirem.
Ele e a minha única consolação. Sinto-me seguro e feliz. Gostaria de continuar sempre aqui se Ele desejar assim.

DIANTE DA IMAGEM DE JESUS
Da: oração de frei Tito Brandsma escrita nos primeiros dias de prisão no cárcere de Scheveningen, a noite entre 12-13 de fevereiro de 1942.
Deste texto emergem duas profundas convicções;
1ª. solidão encarada como presença de Deus, plenitude e restauração de tudo em Deus, seja como aquilo que em Deus é vontade de amor, seja como dom de Deus.
2ª. aceitação alegre do sofrimento como meio de associação absoluta e radical do sacrifício e morte de Jesus na Cruz.

Quando te vejo, ó Jesus,
compreendo que tu me amas;
como o mais querido dos amigos,
e sinto que te amo
como o meu bem supremo.
O teu amor, eu o sei,
exige sofrimento e coragem;
mas o sofrimento é o único caminho para a tua glória.
Se novos sofrimentos se adjuntam ao meu coração,
eu os considero como um doce dom;
porque me fazem mais semelhante a Ti,
porque me unem a Ti.
Deixa-me sozinho neste frio;
não preciso mais de ninguém.
A solidão não me mete medo,
porque Tu estas perto de mim.
Fica Jesus, não me deixes!
A tua divina presença.
torna fáceis e belas
todas as coisas!
*Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.

A PALAVRA... Nº 946. Um olhar sobre a Laudato si'-06.