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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

A MISSÃO DO CARMELO HOJE

Dom Vital Wilderink, O.Carm.

PRELIMINARES.
A vida religiosa carmelitana brota certamente do Evangelho. É um PASSADO de vida que nos permite situar nossa vida no PRESENTE e direcioná-la para o FUTURO. É uma IDENTIDADE que permite falar de MISSÃO. Ambas dependem do CONTEXTO CULTURAL E SOCIAL que se vive. Se se vive a realidade carmelitana; se se participa do tecido de vida carmelitano, pode-se testemunhar. Mas a distância pode até ensejar uma interpretação mais adequada, na medida em que, da realidade em que está mergulhado, o intérprete   parte da memória do Carmelo e do lugar em que se encontra. Corre o risco de uma certa INGENUIDADE, denunciada por quem sofre diretamente o "espinho na carne" , mas o batismo no  múnus profético de Jesus é a sua consagração para um PROFETISMO livre do espírito da moda.

O QUE É MISSÃO.
Existe o ENCARGO (múnus) e a MISSÃO (envio). O conceito de "missão" possui uma característica mais dinâmica. A palavra "missão" implica a CONSCIÊNCIA DE SER ENVIADO. Isto faz pensar na "origem" , no "conteúdo" , nas "mediações" e nos "destinatários" da missão. --- Há tempos atrás, "missão" era envio para evangelizar os países não-cristianizados ("ad gentes"); hoje, é envio para evangelizar os próprios países cristãos. Na Igreja,   nascida da ação evangelizadora de Jesus e dos Doze, a "missão" aparece cada vez mais claramente tanto como seu OBJETIVO, quanto como sua REALIDADE ÍNTIMA E CONSTITUTIVA: "Evangelizar constitui, de fato, a graça e a vocação mesma da Igreja, A SUA MAIS PROFUNDA IDENTIDADE" (EN, 15). E isto a coloca numa postura permanente de ABERTURA ao mundo, aos homens e aos povos que não conhecem o Evangelho. Evangelizar = tornar NOVA a humanidade; como parte desta, a Igreja se obriga a uma atitude de incessante AUSCULTAR AS OBRIGAÇõES DA FÉ, as RAZÕES DA ESPERANÇA e o MANDAMENTO DO AMOR. --- A complexa evangelização é responsabilidade de todo batizado/confirmado, sugerindo com isso o quanto de colaboração e intercâmbio deve haver entre os dons específicos de vocação pessoal ou grupal. Aqui, missão e carisma, identidade e espiritualidade se tornam, na teoria e na prática, conceitos afins e complementares. Na vida consagrada cuja expressão são os VOTOS, a consagração não pode estar separada da missão, esta não pode ser confundida com ATIVIDADE (obras ou apostolado). A missão da vida consagrada tem uma referência indispensável ao Cristo CONSAGRADO E ENVIADO AO MUNDO, em total dedicação. Assim deve tê-la entendido Santa Teresinha, para ser proclamada "padroeira das missões". Disso depende o modo de viverem os CONSAGRADOS sua missão e seu carisma. --- Missão, na Igreja, não é acréscimo, é natureza íntima, encarnação e comunicação da comunhão trinitária, dom divino de salvação. Ser "sacramento de Deus" já é missão. Do que se conclui que a missão não é propriedade da Igreja, mas vem de Deus:TRINDADE, RAZÃO DE SER, NATUREZA E RIQUEZA (sua fonte) e vai para Deus (seu destino final). Essencial à missão é TORNAR TRANSPARENTE A VIDA-AMOR DE DEUS TRINO. Assim como a Vida Consagrada, o Carmelo é POSTERIOR à missão de Igreja, uma codificação desta. --- Está inserida na palavra "missão" a CONSCIÊNCIA DE SER ENVIADO, intimamente conexa com o SER-ENVIADO-PELO-PAI DE JESUS e  implicando num SAIR, num DESLOCAR-SE (cf FL 2, 6-7). Por isso, a Vida Consagrada nunca foi a confirmação de um "status quo"! Sua  missão sempre teve um tom de CORREÇÃO, RENOVAÇÃO E INOVAÇÃO projetado sobre a sociedade, com base em algum aspecto da missão de Jesus. Além do mais, a missão da Vida Consagrada sempre foi influenciada pelas circunstâncias HISTÓRICAS E ECLESIOLÓGICAS, razão de seus momentos concretos e suas crises de missão (ex.: processo de transição dos carmelitas na Europa).

A MEMÓRIA DO CARMELO.
Memória é a faculdade de reter idéias,impressões e conhecimentos anteriormente adquiridos. Pode ser intelectual e afetiva (identidade e interesses); pessoal mas não isolada (formou-se nas relações com pessoas e situações); individual e coletiva (família, grupo). A memória é imprescindível para a identidade grupal, o que não sucede com a mera IDEOLOGIA: diluída a memória, perde-se a identidade. A memória está intimamente unida à  CULTURA: uma não vive sem a outra (crises); perdida a memória, não temos mais uma casa (ex.: conflito de gerações). A memória tem a ver com o SENTIDO DA VIDA e dá a chave para o descobrir. A ruptura memória/sentido da vida, provocável por diversos fatores, traz um tipo de ESCLEROSE ou FIXAÇÃO NO PASSADO ou FIM DA NOSSA HISTÓRIA: uma memória VIVA, só com um dinamismo aberto ao desafio ou provocação (VOCAÇÃO >< PRO-VOCAÇÃO), um horizonte aberto. --- Afinal, existe interesse pela história do Carmelo? Como transmitimos a memória e preparamos a entrada na Grande Tradição Carmelitana? Que direção tem a vida no Carmelo? Contar ou copiar o passado (história ou normas) não basta; é preciso CONSCIÊNCIA DE UM  OBJETIVO GLOBAL (MÍSTICA). --- A leitura do passado pode não corresponder às nossas experiências atuais; é um exercício de interpretação seletiva, mas não pode ser MANIPULAÇÃO, de conseqüências possivelmente prejudiciais. A memória oferece um alvo provocativo e impede que nos defrontemos com fatos consumados. --- Dois modos de cultivar a memória: 1.voltar ao passado por meio do estudo científico com regras e normas, 2.voltar ao passado por meio de um diálogo com ele. Sem prescindir do estudo científico (hipóteses, teorias e avaliações), o diálogo acontece quando o passado interroga o presente, ou quando interrogamos o passado (entendido como PORTADOR DE UMA TRADIÇÃO, transmissor da memória) a partir do presente. A indispensável memória é transmitida a gerações que vivem em contextos novos, de novos e envolventes valores. A IDENTIFICAÇÃO COM O CARMELO acontece, se se transmite não apenas um esquema de vida, mas uma PRESENÇA, da experiência fontal da Ordem: SEGUIR JESUS CRISTO SOB A INSPIRAÇÃO DE ELIAS E MARIA. Trata-se de "beber no próprio poço" , da torrente de Carit (CARMELO); a fonte jorra até hoje, mas são diversos os contextos históricos em que houve aproximação dela. É assim a experiência espiritual do Carmelo: um quadro de interpretação que revela o sentido da vida e os valores a ele atribuídos. Novo contexto cultural, o novo emergente, alterações, discernimento, assimilação do novo (NOVO QUADRO DE INTERPRETAÇÃO). Não havendo isso, perde-se a sintonia com a história, sem a qual o Carmelo nascido nela não renascerá nem continuará.

PAUSA PARA A REALIDADE DO MUNDO HODIERNO.
Uma visão realista do mundo mostra uma realidade não-homogênea, às vezes uma modernidade tardia. As conseqüências das rápidas e profundas mudanças não são iguais em toda parte. Aqui, as características e tendências que mais diretamente INTERPELAM a missão da Igreja e, em determinados aspectos, a missão do Carmelo. A clareza sobre o contexto histórico não elimina a incerteza sobre o futuro. Nossa missão deverá conviver constantemente com os paradoxos. Às vezes, com a perplexidade. As reações de alguns são de CETICISMO, que penetra a Igreja e o Carmelo. Outros perdem a SINTONIA COM A HISTÓRIA DA ORDEM, em aventuras imediatistas que destroem os valores da Vida Consagrada e Carmelitana. A insegurança leva terceiros a posturas de barreira fundamentalista e sacral contra a modernidade. A posição correta seria a compreensão racional da realidade, na esperança e na consciência do dom de Deus à Igreja e ao Mundo Real (Vida Consagrada). É PRECISO RENOVAR O CARISMA DA NOSSA ORIGEM, NÃO PARA GARANTIR A NOSSA SOBREVIVÊNCIA, MAS PORQUE É UM DOM DE DEUS!
1) MUDANÇAS SÓCIO-ECONÔMICAS. - De um lado, capacidade tecnológica, armamentos complexos abundantes, super-produção de alimentos, exploração das galáxias, êxito no trabalho, progresso sócio-econômico, globalização da economia; de outro, impotência humana, exterminação racial, fome e desnutrição, descontrole da família, vencer sem esforço, desequilíbrio na economia, desvalorização da pessoa humana, exclusão ("massas sobrantes"), violências sociais e políticas, minorias satisfeitas, atrações televisivas e religiosas de tipo mágico.
2) MUDANÇAS CULTURAIS. - A modernidade começou há quatro séculos, expressou-se no fenômeno da secularização, acabou com a unidade orgânica da sociedade pela separação "cultura como mundo vital/sistema como autonomia tecnológica" . A pessoa torna-se de novo ESCRAVA. Opina-se que o termo PÓS-MODERNIDADE indica uma crise na modernidade feita de contradição (ao mesmo tempo, negativo/positivo, pessimismo/esperança). Alguns aspectos característicos: de um lado, heterogeneidade, flutuação, diversificação, particularismo, falta de ligações comunitárias, subjetivismo, descartabilidade da vida; de outro, valorização da pessoa como sujeito da sua história e dos direitos humanos.
3) A CRISE ÉTICA. - Crise ética e DA ética. Ela também caiu no pluralismo. Silencia-se sobre PRINCÍPIOS MORAIS UNIVERSAIS. A MAIORIA é a lei. Onde estaria, assim, a DEMOCRACIA?
4) O PLURALISMO RELIGIOSO. - Sociedade fragmentada >< religião pluralizada. O que não impede de entrever que pertence às raízes do homem a atividade do CULTO. Racionalistas e materialistas comungam na teoria de uma religião-satisfação biológica: coisas = atividade neurológica = práxis produtiva. Neo-liberalismo: coisas = atividade neurológica = práxis LUCRATIVA. Por que o salto "fora da realidade" , a comunicação com realidades desconhecidas e inexistentes no "ambiente vital" ? O que é REAL é o SISTEMA. Se linguagem compreensível = organização dos fonemas, termos e enunciados, vida real = organização em sistema de objetos diversificados segundo tempo, lugar, sexo, etnia, profissão, fé e classes sociais. Daí, os sistemas míticos: homem = ser de fronteira entre o real e o fora da realidade, em perigo de frustrar-se  no desequilíbrio e na desproporção. --- A DIMENSÃO RELIGIOSA ESTÁ NA BASE DA CULTURA HUMANA; flutuando a cultura, flutua a  religião e se diversifica. Mas a crise da modernidade está vendo afirmar-se uma NOVA RELIGIOSIDADE: procura de Deus sem dúvida, mas confusa e incerta. O ser humano, porém, é radical e insaciavelmente RELAÇÃO E COMUNICAÇÃO; por isso, implicitamente e de modo receptivo, quer o TRANSCENDENTE DE DEUS.

A MISSÃO DO CARMELO HOJE.
Certamente não estamos pensando com certeza em possíveis ATIVIDADES APOSTÓLICAS CARMELITANAS no seio da Igreja, porque o Carmelo não é ANTERIOR à sua missão. Esta é, em primeiro lugar, UMA IDENTIDADE, uma presença, ainda não um estilo de vida, mas "O ESPAÇO MÍSTICO DO CARMELO" (K.Waaijsman, O.Carm.).
1) DIFÍCIL DEFINIÇÃO. Deve-se reconhecer,porém, que é problemática essa identidade num mundo fragmentado, confuso, fundado na competição e na diversidade, sem referência nem linguagem comuns. O que aconteceu na transição para a Europa, ontem: o projeto de vida na presença de Deus; um modo de relacionar-se com a Igreja e o Mundo; o desafio de mudar de lugar e contexto; a consciência de ter que conservar O ESPAÇO MÍSTICO, a identidade. Mais tarde dirá J.de S.Samson: "DEVEMOS ASSUMIR QUE OS LUGARES ONDE VIVEMOS SÃO OUTROS MONTES CARMELOS. DEVEMOS SANTIFICÁ-LOS NA MEDIDA DE NOSSAS POSSIBILIDADES, COM UM DESEJO DE SANTIDADE MUITO VIVO, MUITO ARDOROSO E MUITO EFICAZ, DE ACORDO COM O AUTÊNTICO ESPÍRITO DOS NOSSOS PRIMEIROS PAIS E FUNDADORES" . --- Salvar o espaço místico não significa dar aos nossos projetos de   evangelização uma só dimensão. O que importa: CONSCIÊNCIA DE IDENTIDADE E CULTIVO DA MEMÓRIA. A identidade realmente é problema anterior ao Carmelo, pois se trata da VISIBILIDADE DO FATO CRISTÃO. Na verdade, "ESTAMOS NUM MOMENTO DECISIVO PARA NOS INTERROGARMOS AINDA UMA VEZ SOBRE A NOSSA IDENTIDADE" (C.Maccise, OCD). De uma parte, Maccise reconhece "as trevas" , a "invisibilidade do perfil" , a "crise" , a "insatisfação" ; de outra, anima para a "volta às fontes" , para um "novo modelo intuído" e para a fé numa "revitalização com protagonismo do Espírito" . --- Além das características culturais, das intrigas e dos conflitos humanos, a questão existe e consiste mesmo em COMO NUCLEAR O ESSENCIAL CARMELITANO FORA DA EXPERIÊNCIA CONCRETA? "Definição >< Dinamismo da Tradição >< Situação presente inédita" (capa de proteção) OU "Situação presente inédita >< Dinamismo da Tradição >< Definição" (diálogo real) ? A pergunta "QUAL A MISSÃO DO CARMELO HOJE?" deve ser feita com HUMILDADE como expressão de esperança e não como    projeção de medo, insatisfação e amargura. E a humildade não aguarda soluções matemáticas e respostas perfeitas; alimenta-se da dinamite dos paradoxos e do diagnóstico da discreção. Para além de si mesma, com profundidade e atualidade, é a própria Regra a recomendar discreção, não apenas como procura do meio termo, mas sobretudo como postura gradual na direção de um caminho novo, onde se descobrirá a NOVIDADE DE DEUS. --- O difícil de "VIVER NO SEGUIMENTO DE JESUS CRISTO" é confrontar-se, sem distorção nem reducionismo, com o paradoxal mistério da ENCARNAÇÃO, esta "expressão definitiva de Deus no homem Jesus". O paradoxo  essencial que a Regra nos leva a descobrir mostra-se também, além dos seus termos LÓGICOS, em suas expressões HISTÓRICAS e na necessidade de NOVAS SÍNTESES. E engaja a RESPONSABILIDADE. Existe aí uma primeira chave de leitura; no mal-estar atual, pode abrir uma porta para o futuro. Para isto é preciso: 1) renunciar à aparente estabilidade do equilíbrio precedente; 2) renunciar também à reação espontânea de querer eliminar o elemento que causa o mal-estar: a experiência concreta e contraditória do homem "justo e pecador". Se a identidade do Carmelo nasce da presença e descoberta do GRANDE PARADOXO - o divino-humano de Jesus Cristo - é sua precisa missão anunciá-lo em contextos históricos novos; pois é ele que faz a Igreja caminhar como evangelizadora e evangelizável, a serviço da transformação da humanidade universal. --- Enfim, a Regra orienta para de vez em quando tratar da CONSERVAÇÃO DA ORDEM e da SALVAÇÃO DAS ALMAS, segundo a necessidade. -  CONSERVAÇÃO = Abertura de acesso à prospetiva  mística que caracteriza o Carmelo, a partir da memória e em novos contextos históricos. Discernimento, objetivos, prioridades, medidas concretas, endereçamentos, normas. O que exige INTERIORIZAÇÃO de todos os que formam o Carmelo. - SALVAÇÃO = Descoberta por personalidades únicas e originais do espaço místico do Carmelo e da sua missão hoje, "na salvação no Senhor e a bênção do Espírito" (votos do bispo Alberto).
2) INCULTURAÇÃO DO CARMELO. - "POR MEIO DA INCULTURAÇÃO, A IGREJA ENCARNA O EVANGELHO NAS DIVERSAS CULTURAS E SIMULTANEAMENTE INTRODUZ OS POVOS COM SUAS CULTURAS NA COMUNIDADE ECLESIAL, TRANSMITINDO-LHES SEUS PRÓPRIOS VALORES, ASSUMINDO O QUE DE BOM EXISTE NELAS E RENOVANDO-AS A PARTIR DE DENTRO. POR SUA VEZ, A IGREJA, COM A INCULTURAÇÃO, TORNA-SE UM SINAL MAIS TRANSPARENTE DAQUILO QUE REALMENTE É, E UM INSTRUMENTO MAIS APTO PARA A MISSÃO" (RMis.52). --- O que se diz da Igreja diz-se da Vida Consagrada e do Carmelo: A INCULTURAÇÃO É UMA EXIGÊNCIA! Não a adaptação externa, mas a MUDANÇA PROFUNDA de mente e modo de vida, caminho longo e globalizante, em relação tanto à cultura emergente ou autóctone, quanto à civilização ocidental. O cristianismo (o Carmelo) possui caráter pluricultural, identidade e missão radicalmente históricas. Não existe Carmelo sem identidade imersa na VIDA HUMANA; é ACONTECIMENTO, antes de ser conceito. Por outra parte, cristianismo é PROFISSÃO TOTAL da fé cristã, INTIMIDADE COM CRISTO na oração e contemplação, procura da CARIDADE PERFEITA, prática dos CONSELHOS EVANGÉLICOS. O que não impede a emergência  de novos aspectos certamente "estranhos" para os mais antigos. --- Daí uma outra conseqüência: a pluriculturalidade do cristianismo  (Carmelo) não nega sua incorporação a uma CULTURA PARTICULAR (ocidental). Inculturação a partir de um PONTO ZERO é zero. Cultura e Essência, na articulação de identidade e missão, são questões históricas e teológicas, causadoras de PERPLEXIDADE e indispensavelmente confrontadas com a história do OCIDENTE. Não para selecionar e descartar, mas para INTENSIFICAR O ENCONTRO COM O CARMELO no acolhimento ao novo e inédito e, nisto, ao paradoxo fundamental. --- Com respeito à pós-modernidade, a inculturação eclesial (carmelitana) apresenta questões bem específicas, que se avaliam a partir das interpretações feitas da distância entre "espaço eclesial" >< "espaço mundano": possibilidade de UMA EVANGELIZAÇÃO COMO PRESENÇA CRÍTICA no meio do mundo...ou EFEITO DO CONFLITO "conservadores" >< "progressistas" , "direita" >< "esquerda" (Concílio = Vítima de expiação)...ou indicação de uma RUPTURA COM O VERDADEIRO CRISTIANISMO (lefebvrianos)...ou, na América Latina, a aproximação construída NA OPÇÃO PREFERENCIAL PELOS POBRES, fator de credibilidade da fé em linguagem socio-política e espaço secularizado, que não se cristianiza apenas com a palavra EVANGÉLICA. Mas, pelo menos, oferece as razões do paradoxo cristão esvaziado de idolatria do poder/capital (pobres = vítimas de sacrifício);  gera uma nova linguagem - julgada reducionista - nos campos de ação cristã. Assim, justificam-se as preocupações do Magistério, mesmo porque uma NOVA LINGUAGEM QUE TRADUZA O NOVO E ORIGINAL é caminhada muito difícil, como a de Jesus na contramão da cultura de seu tempo (C.MESTERS). --- Realizar a missão de Carmelo no mundo hodierno =  Ser ponto de referência para dar sentido à vida. COMO, se o pluralismo hodierno carece de um CÓDIGO HOMOGÊNEO para visão-de-mundo e  corpo social; se isto está dentro de cada pessoa na forma de TUDO NIVELADO; se existe o contexto das CONVIVÊNCIAS "DIROMPENTI" (contigüidade de ambientes marcados pela irreligiosidade, pela indiferença e pelo ateísmo)? COMO inserir eficazmente aí uma FISIONOMIA PECULIAR? Não que o Carmelo seja só para quem com ele SE AFINA ou deva ser um REFÚGIO PARA GENTE DESLOCADA à procura de reconhecimento social. Impõe-se uma pedagogia carmelitana para sintonizar as pessoas com o moderno espaço místico do Carmelo.
3) ECLESIALIDADE DO CARMELO. --- "A VOSSA VOCAÇÃO À IGREJA UNIVERSAL SE REALIZA DENTRO DAS ESTRUTURAS DA IGREJA LOCAL...A UNIDADE COM A IGREJA UNIVERSAL POR MEIO DA IGREJA LOCAL: EIS A VOSSA ESTRADA" (J.Paulo II, 1978, Aos Superiores Gerais). Dois aspectos a sublinhar: um, a IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO UNIVERSAL DA VIDA CONSAGRADA ( Eclesiologia de Comunhão e Relação com o Ministério Petrino); outro, a INSERÇÃO NO CHÃO DA IGREJA LOCAL, onde a Universal se faz presente. Aspectos definidos no "MUTUAE RELATIONES" , para uma comunhão orgânica útil ao crescimento evangélico da Igreja Particular (universalidade e carisma) e da própria Vida Consagrada (encarnação). --- Esta "INTERFERÊNCIA RECÍPROCA" tem resultados positivos e negativos; há religiosos e bispos cujas relações louvam a Deus; há casos, porém, em que ambas se questionam. Espaços definidos, contestações contestadas, paradigmas diferentes, MODELOS DE IGREJA...Na verdade, o que existe mesmo é uma MISTURA de modelos com acentuações determinadas, na qual se revela um FATOR DO MAL-ESTAR ECLESIAL (visibilização comprometida da identidade cristã). --- Aqui também o Carmelo é atingido e tem, entre dores,a sua RESPONSABILIDADE. Esta não é simplesmente uma CAPACIDADE HUMANA; uma vida no SEGUIMENTO DE JESUS CRISTO não isenta da tentação antiga de achar que, COM DEUS, tudo se torna diferente na história. Ou seja: identificação de Deus com o Homem (encarnação) = vida humana libertada de ameaças. A Regra Carmelitana avisa sobre a "KÉNOSIS": "NO SILÊNCIO E NA ESPERANÇA, A VOSSA FORÇA".

UMA CONCLUSÃO EM ABERTO.
A reflexão sobre a missão do Carmelo hoje abre ainda outros horizontes: ESPIRITUALIDADE NO MERCADO DA ESPIRITUALIDADE - PROFETISMO ÍNTIMO DA CONTEMPLAÇÃO - VIDA EM FRATERNIDADE - EVANGELHO DA VIDA EM CULTURA DE MORTE - PROJETO ANTROPOLÓGICO DE VIDA - MARIA, SENHORA DO ESPAÇO MÍSTICO (lugar) CARMELITANO. --- O silêncio sobre as "atividades evangelizadoras e  pastorais" do Carmelo quer dizer que é difícil fazer uma lista delas; que é perigoso confundir MISSÃO  com CARREGAR PEDRAS DE UM LUGAR PARA OUTRO; que seriam respostas precárias. --- O antigo MANUAL DE MISSÃO facilitava tudo; hoje, porém, SEM GRAMÁTICA, parece que importa mais COLHERMOS O QUE DEUS SEMEIA FORA DO NOSSO PROGRAMA, do que nós mesmos PLANTARMOS A SEMENTE. O caminho do profeta é, no fundo, tensão escatológica que confere dinamismo à sua vida; assim, há sempre ALGO MAIS na vida carmelitana. Mesmo em clausura, mais do que PROTEGER-SE - EXPOR-SE! Novamente a Regra: "SE ALGUÉM ESTÁ DISPOSTO A IR ALÉM, O SENHOR MESMO, QUANDO VIER, O RECOMPENSARÁ".

ESPIRITUALIDADE CARMELITANA: Vida Conventual.


quarta-feira, 12 de setembro de 2012

MISSÃO INCULTURADA NOS NOVOS AREÓPAGOS

Frei Tito Figueirôa de Medeiros, O.Carm.
           
         A cultura moderna e a contemporânea, juntamente com o acelerado processo de urbanização e mundialização; a globalização da economia, da informação e das comunicações em geral, o que vem gerando novas maneiras de viver, de ser, de sentir, de trabalhar, ensejando até pretensões de uma nova ética para a sociedade  globalizada, constituem um vasto campo disponível - embora nem sempre aberto, muito ao contrário - para a Evangelização. A exigência do diálogo permanente da  inculturação nestes ambientes não é menos importante, embora seja muito difícil, e até sofrido.
            Apesar da maioria dos nossos religiosos/religiosas virem do meio rural e suburbano pobre, há necessidade de inserção inculturada nos ambientes batizados pelo Papa João Paulo II de “Novos Areópagos” na Redemptoris Missio. Designam eles “os novos ambientes onde o Evangelho deve ser proclamado”[1]. Por seu ponto de referência bíblico (Atos, 17), a expressão deve ser entendida como uma clara dimensão missionária de caráter inculturado, pois Paulo  procura falar não a partir de sua tradição hebraica, mas da cultura grega, levando em consideração a experiência religiosa expressa nos monumentos religiosos de Atenas e citando um poeta grego (cf. Taborda, 1997: 63ss).    “A forma de abordar os areópagos é necessariamente dialogal.”[2]

3.1 - João Paulo II, Puebla e os Novos Areópagos.
Temos elencados na Redemptoris Missio  nove (9) areópagos:
O mundo das comunicações;
O empenho pela paz;
O desenvolvimento e a libertação dos povos, sobretudo das minorias;
A promoção da mulher e da criança;
A proteção da natureza;
O vasto mundo da cultura;
A pesquisa científica;
Os organismos e as convenções internacionais, que discutem temas cruciais para a vida humana: a economia, a política, a cultura, a pesquisa, a ecologia e meio ambiente, etc;
O ressurgimento religioso contemporâneo.
            Na exortação Vita Consecrata, o Papa fala de areópagos que têm tido relação com a missão de muitos Institutos e/ou atividades a eles ligadas, como sejam:
A educação
A cultura; 
A vida acadêmica: a universidade;
Os meios de comunicação social.
            O Documento de Puebla, sem utilizar a expressão de Atos 17, estimula os religiosos e religiosas a atingirem, com a sua ação evangelizadora, quatro ambientes socioculturais ligados à Modernidade:
            Os da cultura, da comunicação social, da promoção humana - já elencados acima - e o da arte.[3]. Naturalmente, não temos aqui ainda referências à inculturação, mas podemos dizer que ela já vai tendo seu anúncio preparado, pelo teor do texto.

3. 2 - Critérios válidos para todos os modernos Areópagos
            Conforme Pe. Taborda, “uma condição imprescindível para a Igreja ter acesso aos modernos areópagos são a liberdade e a autenticidade de sua fé cristã em permanente diálogo com as novas causas da humanidade e suas preocupações. Só aceitando a maioridade do mundo moderno [...] será possível o acesso aos novos areópagos para ajudar a desenvolver aí, desde dentro, uma visão crítica permanente, baseada nos  valores éticos e humanos que são do Evangelho, mas que estão presentes em outras religiões e sistemas de pensamento político, filosófico, ou social. O acesso aos areópagos implica a renúncia definitiva a cristianizá-los. A aceitação do pluralismo é básica para sua evangelização.” (Taborda, 1977: 64).
            Esses princípios valem para todos os tipos de areópagos da modernidade contemporânea. O diálogo da inculturação, como foi dito acima, dificilmente encaminhará esses interlocutores à Igreja Católica institucional, embora não descartemos as conversões. No entanto, a união nossa com eles em torno das causas e interesses mais importantes para a Humanidade, e das lutas comuns por políticas e programas internacionais mais de acordo com o Plano de Deus, a fim de que os valores do Reino possam começar a acontecer já neste mundo, vão permear de Evangelho essas tarefas e essa ação comunicativa conjuntas.

4.  A TERCEIRA IDADE
            É isso mesmo! A chamada terceira idade  está sendo considerada um fato novo no Brasil contemporâneo, embora constituída de gente “antiga” em anos vividos. Diversos fatores socioculturais estão fazendo crescer a importância dessa faixa etária, no país. São eles:
o aumento do número de idosos, conseqüência do crescimento da expectativa média de vida, entre nós, embora em níveis desiguais, de Região para Região;
o dado estatístico, que já dura de dez a doze anos, indicando a faixa etária de 14 a 39 anos como a de maior número de mortes, no Brasil, por vários fatores: trânsito,[4] drogas, chacinas, aids, e outros;
com tudo isso, a terceira idade vem despertando entre nós o interesse da mídia, das agências de viagens, do turismo, das pesquisas e das Ciências Sociais e Humanas, em geral;
multiplicam-se, no Brasil, os movimentos e grupos da Terceira Idade, organizados pelos próprios idosos, constituindo inclusive um novo campo de militância política e social para muitos deles, como as “associações de aposentados”.

Tais ocorrências têm respaldo internacional. Enumero algumas:
a importância mundial dada hoje às “histórias de velhos”, na literatura, nas artes[5] e Ciências Sociais, à memória, às lembranças e reminiscências, às biografias e autobiografias;
o desenvolvimento de um mercado consumidor próprio para esta idade.

Em quê precisamente, e como inculturar-se?
 Através dos idosos e idosas dos Institutos principalmente, que tenham condições físicas de participar dos movimentos de Terceira Idade existentes ou que tenham carisma para criar novos grupos.
Tais movimentos são às vezes muito superficiais e ficam quase só no aspecto festivo; daí a necessidade de introduzir temas e preocupações evangelizadoras.
Muitas pessoas estão nestes grupos buscando preencher sua solidão em relação à própria família e à sociedade em geral. Daí que existe uma disposição para receber “palavras de Vida Eterna”.
A convivência com pessoas realizadas, participantes destes grupos, fará muito bem aos religiosos idosos e idosas. Haverá uma troca de experiências de vida estimulante sobre aquilo que se reza no Salmo 131:  “dentro de mim tudo se acalmou. A paz  e  a  quietude  vieram  para  ficar”...
 
] Rmi, no 37.
[2] Taborda, Ibidem,  p. 64 (cf. Referências Bibliográficas).
[3] Cf. Documento de Puebla, no 770.
[4] Estes dados eram válidos até a entrada em vigor do novo Código Nacional de Trânsito, o que já tem demonstrado, felizmente,  uma diminuição sensível de acidentes. Vamos aguardar a próxima estatística anual.
[5] Só para citar um exemplo recentíssimo: a veterana atriz Gloria Stuart, de 87 anos, a velhinha que rememora os amores e o naufrágio, no filme Titanic,  premiada pela Associação Americana de Atores no mês de março e indicada para o Oscar de melhor Atriz-Coadjuvante. 

UMA COMUNIDADE CONTEMPLATIVA NO MEIO DO POVO

P. Joseph Chalmers, O. Carm.

            Somos os irmãos da Virgem Maria do Monte Carmelo. Nossa Ordem começou porque os eremitas latinos no Monte Carmelo quiseram reunir-se como uma comunidade de irmãos. Estes viveram e experimentaram por algum tempo um novo estilo de vida. Depois o apresentaram a Santo Alberto, Patriarca de Jerusalém, para que ele pudesse dar-lhes a aprovação eclesiástica. Quando a “formula vitae” de Alberto foi formalmente aceita e aprovada como uma Regra pelo Papa Inocêncio IV em 1247, os eremitas foram inseridos no novo movimento dos mendicantes, muito forte na Europa daquele tempo. Os eremitas carmelitas se tornaram frades, chamados ao serviço do povo. Uma das características dos mendicantes era que eles viviam no meio do povo e não em grandes mosteiros como os monges.
             Apesar de que a Ordem é claramente chamada ao apostolado ativo, a contemplação continua sendo um elemento fundamental de nossa vocação. Nós nos entendemos como comunidades contemplativas a serviço do povo de Deus no meio do qual vivemos. Graças a Deus já passamos o tempo em que buscávamos nossa identidade. Podemos dizer que a nossa identidade está clara e definida nas Constituições! Agora é só viver coerentemente o nosso carisma no dia-a-dia.
             Como carmelitas devemos viver em obediência a Jesus Cristo e servir-lhe fielmente com um coração puro e reta consciência. Isto deve ser feito através do compromisso de buscar o rosto do Deus vivo (a dimensão contemplativa da vida), em fraternidade e no serviço (diakonia) no meio do povo (Const, 14). Estes três elementos estão estreitamente ligados entre si pela experiência do deserto, que é a experiência da ação purificadora de Deus em nossas vidas. A contemplação determina a qualidade da nossa vida fraterna e do nosso serviço no meio do povo de Deus (Const, 18). A meta da contemplação é a de sermos transformados em Deus, ou seja passar a ver a realidade com os olhos de Deus e amar com o seu coração (Cf. Const, 15).
             Uma atitude contemplativa nos permite descobrir a presença de Deus nos outros e apreciar o mistério daqueles com quem partilhamos nossas vidas (Const, 19). Somos chamados a viver em comunidade, para partilhar nossas vidas com os outros, mas sobretudo com nossos irmãos e é isto em si mesmo um testemunho para outros, que Deus está presente em nosso meio e através deste testemunho Deus tocará os corações de muitas pessoas.
             Pode-se discorrer de uma maneira muito bela e romântica sobre a comunidade e sobre o seu significado teológico, mas todos sabemos que a realidade de uma comunidade religiosa é algo muito diferente. Nossas comunidades refletem a realidade da Igreja e do mundo em que vivemos. Somos pecadores redimidos e tentamos fazer a vontade de Deus. Não somos perfeitos como indivíduos e por conseguinte ainda não podemos ter comunidades perfeitas.
             No mundo de hoje há uma sede de se viver em comunidade, porém contraditoriamente o individualismo está crescendo. Esta contradição está presente em nossas próprias vidas, porque somos diretamente afetados pelo mundo em que vivemos. Somos atraídos pela comunidade, mas ao mesmo tempo somos tentados a colocar nossas próprias necessidades e desejos sobre todas as coisas, a julgar tudo pelo modo como somos afetados. Viver em comunidade não é fácil e ainda que estejamos comprometidos a viver em comunidade, é crucial reconhecer a tendência que existe em todos nós de iludir suas demandas e encerrar-nos em nossos próprios egoísmos. Esta é a realidade de pecado em nossas vidas, mas somos redimidos. Claramente a redenção alcançada por Cristo para nós não nos fez santos ainda; estamos a caminho. Cristo nos oferece uma maneira de crescer além de nossas limitações, devemos, porém, aceitar a salvação que ele oferece. A primeira fase é reconhecer que nem tudo está bem.
             Como está a experiência de vida em nossas comunidades carmelitas? “A multidão dos que creram tinha um só coração e um só alma e nenhum tinha por própria coisa alguma, mas tinham tudo em comum.” (Atos 4,32). Se esta é experiência de vida na comunidade de vocês, vocês são verdadeiramente felizes, mas suponho que esta não seja experiência real aqui e em qualquer outra comunidade da Ordem. Eu diria que o melhor que se pode dizer é que a comunidade é bastante agradável e que vocês chegaram entre si a uma aceitação mútua de uns aos outros. Na pior das hipóteses... pode ser muito difícil e uma realidade muito diferente da que buscamos e que escapa em cada oportunidade. Por que nossa comunidade não é perfeita? Podemos jogar a culpa no Provincial e seu Conselho ou culpar ao irmão X de nossa comunidade. Podemos culpar os nossos irmãos com quem é impossível formar uma verdadeira comunidade apesar de nosso desejo. Poderíamos também tentar culpar até mesmo a Deus, mas se só culpamos aos outros e nos excluímos de qualquer culpa, devemos começar a pensar sobre a possibilidade de que, pelo menos em parte, talvez os causadores de problemas sejamos nós mesmos. É possível também que os outros nos achem pessoas difíceis de convivência e que em seus corações nos culpem pela falta de comunidade real.
             Nós vivemos juntos, mas temos experiências muito diferentes. Entramos na comunidade com nossa própria e particular experiência de vida que nos marcou para bem ou para mal. Chegamos na comunidade com nossa própria carga e comumente com expectativas muito diferentes. Podemos usar a mesma palavra “comunidade”, mas podemos querer dizer coisas muito diferentes. Eu creio que o primeiro passo para melhorar nossa vida de comunidade é aceitar que nós somos diferentes e que buscamos coisas diferentes. Necessitamos aceitar-nos em toda nossa diversidade e tentar ver nesta realidade humana algo da riqueza de Deus. Cada indivíduo é na verdade um mistério. Precisamos aceitar o fato de que alguns indivíduos estão tão profundamente marcados pelo vaivém da vida que não podem viver uma vida normal. Quando sua conduta causa danos à vida da comunidade, alguém deve falar-lhe honesta e diretamente sobre sua conduta. Os responsáveis devem oferecer a estes indivíduos a possibilidade de encontrar uma ajuda para viver uma vida mais equilibrada. Sei que isto não é fácil, mas o resultado de não desafiar o indivíduo “difícil” sobre sua conduta imprópria será que ele continuará a infernizar a vida comunitária. Pessoas como estas são uma minoria, mas todos nós precisamos, de vez em quando ser desafiados para permanecermos fiéis à vocação a que fomos chamados. Este desafio pode vir constantemente a nós através da vida diária com os outros. Pregamos o Evangelho, mas a comprovação de nossas palavras estão em nossos atos. É muito fácil amar a um vizinho, se não temos vizinhos. A forma como realmente vivemos em comunidade, nos dirá se realmente somos homens de oração e manifestará a verdade aos demais. A autenticidade de nossa oração será óbvia através de nosso contato diário com nossos irmãos.
             Ainda que viver a realidade da comunidade não é tarefa fácil, é a maneira que Deus escolheu para nós. Se a vocação não é algo imposto em nós desde o exterior e sim parte de nossa realidade interior, que descobrimos pouco a pouco, então o desejo ardente da comunidade e a habilidade de vivê-lo está escrito no profundo de nosso ser. Por causa da nossa natureza decaída, temos coisas fora de equilíbrio mas os elementos da vida de comunidade podem ajudar-nos a crescer, se desejamos seguir a Cristo no deserto.
             Não há ganho sem dor. Crescer é doloroso, mas a dor nos torna homens maduros. Há um sério perigo na vida religiosa de se permanecer imaturo por toda a vida. Recebemos o que necessitamos da comunidade e tanto faz se trabalhamos ou não. Se somos pessoas difíceis, os outros nos darão tudo o que for possível para nos acalmar e para que possam ter alguma paz. Então seremos como crianças mimadas, mas não carmelitas. Seguir Cristo leva inevitavelmente à cruz de uma forma ou de outra. Isto não é um castigo, mas é a maneira pela qual Deus nos ajuda a tornar-nos o que Ele sabe que podemos ser. Através de nossa experiência de vida, Deus nos purificará e aparará nossas arestas. Não vamos gostar no momento, mas o resultado final vale a pena. Uma parte desta purificação acontecerá na nossa vida em comunidade. Queremos permitir a ação de Deus em nossas vidas ou queremos rechaçá-la e seguir a nossa vontade? Esta é a diferença entre trabalhar para Deus e fazer o trabalho de Deus. Trabalhar por Deus significa fazer o que queremos e assumir que isto é o que Deus quer. Fazer o trabalho de Deus pode ser muito diferente - fazer o que Deus realmente está buscando de nós, requer um discernimento cuidadoso e um escutar silencioso da voz sutil e doce de Deus que nos fala através das pessoas mais inesperadas.
             As Constituições assinalam os principais elementos de nossa vida que podem ajudar-nos a crescer como indivíduos e como irmãos (31). O primeiro está “na participação comum na Eucaristia, através da qual nos tornamos um só corpo, e que é fonte e cume da nossa vida e, dessa forma, sacramento da fraternidade.” Celebramos a Eucaristia em comum em nossas comunidades? Isto está prescrito em nossa Regra e era um exigência muito rara para os eremitas. Estou propondo uma Eucaristia comum não porque é parte de nossa Regra e sim porque é a maior ajuda que nós temos para construir nossas comunidades. Eu estou bem consciente de que se pode alegar todos os tipos de razões pelas quais a Eucaristia comum não é conveniente, mas onde há a vontade, encontra-se uma forma. Às vezes pode-se usar as necessidades do apostolado como uma desculpa para não se participar de atividades comunitárias. Neste caso necessitamos olhar nossas vidas com grande honestidade e perguntar-se: Que estou buscando? Que quero fazer com minha vida e que Deus quer de mim? Como se adapta meu estilo de vida com minha vocação Carmelita?
             O segundo elemento mencionado nas Constituições é similar ao primeiro, é a celebração comum da Liturgia das Horas. Pode ser que alguns de nós todavia estamos padecendo da experiência do passado onde em alguns casos, a comunidade reunida dizia muitas orações mas os membros individuais não se entendiam uns com os outros. Podemos utilizar a oração para “massagear” nosso próprio ego em lugar de ser uma abertura para a purificação e para a ação curativa de Deus, mas esse perigo não é uma razão para deixar a oração como indivíduos ou como comunidades. Santa Teresa de Ávila disse que com respeito à oração necessitamos ter uma determinação muito grande para seguir fazendo-a e nunca render-se. Se queremos louvar a Deus juntos como irmãos, a Igreja nos tem dado uma oportunidade preciosa por meio da Liturgia das Horas com a qual nos unimos com a Igreja inteira para oferecer a Deus o sacrifício de louvor. É por conseguinte possível reavivar nossas celebrações litúrgicas para que não se tornem rotineiras.
             O terceiro elemento mencionado nas Constituições para a edificação da comunidade é a escuta orante da Palavra. Esta é portanto parte da celebração da Eucaristia e da Liturgia das Horas, mas também se recomenda por meio da Lectio Divina, onde juntos lemos e refletimos a Palavra de Deus, damos nossa resposta a esta Palavra em nossas próprias palavras e em silêncio, onde permitimos à Palavra formar nossos corações e unificar-nos. Não podemos ter comunidades orantes se nós não somos indivíduos orantes. Cada um de nós é responsável pela saúde da comunidade. Ser piedoso não significa necessariamente dizer muitas orações, mas permitir que nossa oração transforme a nós e o modo como nós nos relacionamos com os outros.
             As Constituições reconhecem que necessitamos discutir preocupações comuns e por isto a reunião comunitária é um elemento importante na vida da comunidade. Se não discutimos as dificuldades que nos envolvem, elas se tornarão problemas que podem destruir a harmonia de qualquer comunidade. Na reunião comunitária tem que se tratar das coisas de cada dia, mas também os aspectos espirituais da vida da comunidade. Certas habilidades básicas são importantes para uma reunião da comunidade. Se vocês sabem que não as têm, ou desconfiam disto, por que um dos outros irmãos não pode organizar a reunião?
             Também as Constituições nos animam a partilhar a mesa e recreação em comum. Se nunca estamos juntos, nunca cresceremos em unidade. Se estamos juntos, por certo há um risco de conflito, mas se existe boa vontade para dialogar, estes problemas podem ser superados e podem ser de fato um elo de unidade entre nós. Cada um de nós deve examinar a própria consciência. Eu estou pronto a dialogar de verdade com meus irmãos? Tenho sempre razão e os outros nunca? É possível que algumas de suas críticas tenham algo de verdade? Neste caso que faço?
             Finalmente as Constituições nos animam a trabalhar juntos e partilhar nossas alegrias, nossas ansiedades e amizades. É importante celebrar as datas ordinárias juntos, como por exemplo: aniversários de nascimento, votos, ordenação, etc. Também é importante estar ali quando temos problemas. Sempre salvaguardando o direito da comunidade a ter sua vida privada, é muito bom partilhar os nossos próprios amigos pessoais com a comunidade.
             A comunidade religiosa é uma realidade humana e por conseguinte não é perfeita, mas é o ambiente em que somos chamados para responder ao amor gratuito de Deus para conosco. É o lugar privilegiado onde podemos crescer como seres humanos, como cristãos e como religiosos. Aceitemo-nos com todas nossas faltas, esforcemo-nos para amar-nos como Cristo nos amou e a valorizar os demais como irmãos e co-herdeiros do Reino de Deus. De vez em quando, por certo, não manteremos nossos ideais altos, mas essa não é uma razão para deixar estes ideais e conformar-nos com a mediocridade. Cristo prometeu estar conosco e podemos confiar nessa promessa. Se o permitimos, ele amará a nossos irmãos através de nós. Se nossa experiência de comunidade não tem sido boa, por que não tentamos seguir o princípio de nosso irmão, São João da Cruz que disse, “Onde não há amor, coloque amor e encontrará amor?” Se há amor dentro de uma comunidade, todos os obstáculos podem ser superados. A vida comunitária não será perfeita, mas saberemos que somos aceitos pelo que somos, o qual nos dará a confiança para ir ao encontro dos outros e partilhar esse amor com eles. Nossa vida comunitária levará o testemunho da verdade do Evangelho que Cristo rompeu as barreiras que separavam as pessoas entre si e que seu amor pode curar.
             Se desejamos correr o risco de amar a nossos irmãos, cumprimos o artigo de nossas Constituições que diz “A fraternidade, segundo o exemplo da comunidade de Jerusalém, é uma encarnação do amor gratuito de Deus e interiorizado através de um processo permanente de esvaziamento do ego centrismo – também possível em comum – para uma centralização autêntica em Deus. Assim, podemos manifestar a natureza carismática e profética da vida consagrada do Carmelo e podemos inserir harmonicamente nela o uso dos carismas pessoais de cada um a serviço da Igreja e do mundo.” (30).

Vida conventual carmelitana.


Entrevista com o Provincial dos Carmelitas do Nordeste.


terça-feira, 11 de setembro de 2012

TEMA: NOSSA SENHORA, MESTRA DOS CARMELITAS.

Frei Martinho Cortez, O.Carm. Convento do Carmo, Unaí-MG.

1- Em que sentido Maria é mestra dos cristãos.
1.1.No sentido que ensina pelo exemplo, apresentado-se até historicamente como modelo para os cristãos nos pontos de pureza e virgindade, de escuta da Palavra, de fé comprovada pelo compromisso concreto, de fidelidade até às últimas conseqüências e de segunda maternidade junto à Cruz e na solidariedade participativa (Comunidades dos Discípulos).
1.2.No sentido que ensina também pela palavra.  Embora sejam poucas as suas palavras, passam aspectos da personalidade de Maria com clareza muito grande, expondo para os cristãos as mais variadas formas de a imitar: “Como se fará isso, visto que não tenho relações conjugais?” (liberdade de questionar e discutir — Lc 1, 34)... “Eu sou a serva do Senhor. Aconteça-me segundo a tua palavra!” (humildade e disponibilidade — Lc 1, 38)...  “Minha alma exalta o Senhor e meu espírito se encheu de júbilo por causa de Deus, meu Salvador” (etc.: fé, gratidão, humildade — e  Lc 1, 46-55)... “Eles não têm vinho” (amizade atenta e sentido prático — Jo 2, 3)... “Fazei tudo o que ele vos disser!” (confiança e autoridade — Jo 2, 5).
1.3.No sentido que, sendo mãe, por natureza também é mestra. Fato que nos é lembrado por um documento de João XXII: “Mater et Magistra”, que começa dizendo assim: “Mãe e Mestra de todos os povos” [...]. Sua finalidade é apresentar-lhes a plenitude de vida e a garantia de salvação, pelo fato de ser sua missão a função de gerar filhos, educa-los e servir-lhes de guia em todo o percurso da vida. Essa função de mãe e mestra inclui todas as preocupações com o bem integral da humanidade, pois tudo isso faz parte do mandato de Jesus... Assim como ocorre com a Igreja, aconteceu antes com a Virgem Maria.
1.4.No sentido que ensina pela prática de virtudes: a auto-estima (debate com Deus), capacidade de diálogo (idem), o cultivo da virgindade e pureza, a atitude de escuta, a virtude teologal da fé e virtude humana do espírito decidido, a sensibilidade e atenção para com o próximo (Caná), o altruísmo da intercessão (Caná), o respeito ao plano pessoal de Jesus, auto-estima e alegria de ser (Magnificat), a atitude de participação, solidariedade e alegria (Caná), a virtude da discrição (vida pública do Filho), o apoio solidário e moral (junto à Cruz), a humildade (antes de conceber e na vida pública), a força interior (Paixão e Morte).
2- Em que sentido Maria é mestra dos carmelitas.
Para ficar somente em alguns autores carmelitas:
1.1.O Beato Tito Brandsma, em seu livro “Beleza do Carmelo”, comentando S. João da Cruz, chama-o de “doutor mariano” e dá as razões do porque o chama assim. S. João da Cruz fala sobre Maria, apontando-a como ideal para todos os carmelitas. Define-a como mestra, indiretamente, quando a descreve como modelo de atenção às orientações do Espírito, de acolhida da graça de Deus, de pureza imaculada, de completa disponibilidade ao plano de Deus. Maria, pelo que se lê em S. João da Cruz, ensina os carmelitas a transformar seus olhos em olhos contemplativos, para poder enxergar a ação de Deus na história. O grande místico carmelita destaca a caridade fraterna de Maria na visita a Isabel; a presença amiga e construtiva no casamento de Caná; um amor maior do que a dor junto à cruz de Cristo; e a presença amiga, solidária e participativa no meio dos discípulos e apóstolos à espera do Espírito.
1.2.Santa Maria Madalena de Pazzi apresenta Maria aos carmelitas como instrumento de elevação espiritual capaz de atingir, na graça de Deus, o máximo de humano. Nesse intuito devemos estar diante dela como alguém que quer aprender o cultivo e a prática de virtudes como “a leveza do corpo, a alegria do coração, a liberdade da vontade, a transparência na inteligência, a lembrança dos benefícios na memória, a verdade nas intenções, a simplicidade nas ações, a veracidade nas palavras e a mortificação dos sentimentos”.
2.3.O nosso historiador Emanuele Boaga afirma que os carmelitas vêem hoje bem caracterizados na pessoa da Virgem Maria os elementos que definem o carisma da Ordem: a oração de contemplação, a comunhão fraterna e a diaconia profética. Boaga diz, também, que os corações enamorados por Maria dos carmelitas foram através dos séculos criando expressões carinhosas e chamamentos filiais para Maria; uma delas é exatamente a de “Mestra da Ordem”, que leva uma carmelita da Divina Providência a escrever: “Que tua presença materna, braços sempre abertos, coração vigilante, olhar-ternura, mãos dadivosas, nos ensine a medida do amor, a delicadeza no serviço, o calor da acolhida”.
3- Como os cristãos e os carmelitas podem aprender a Mestra!
No seu itinerário de formação carmelita, a nossa Ordem estabelece que somos chamados ao seguimento de Jesus e à fraternidade contemplativa no meio do povo. Para sermos tais, essencial na caminhada carmelita  é que se olhe atentamente para as figuras modelares do profeta Elias e da Mãe de Cristo, ao largo do caminho e na companhia deles.
3.1.Na imitação de Maria, os carmelitas podem confiar, que serão com certeza guiados por ela ao largo do caminho, pois não é à-toa que ela é nossa padroeira, modelo de consagração ao Senhor, presença maternal solícita e permanente. Maria é a mística estrela que nos protege, cobre-nos de luz como seu manto e guia pelas estradas da vida. Unida a deus em Cristo, ela nos ajuda a descobrir a beleza da vocação carmelita, a ter coragem para subir o monte perfeição, que é Jesus.
3.2.Colocando-nos em caminho, na companhia da Mestra e modelo de vida, a Ordem expões suas razões: Maria é a mulher nova que nos ajuda a nos tornarmos homens e mulheres novos; é a peregrina da fé, que nos anima a certeza de que Deus é vida e amor; é a pessoa sempre disposta a escutar e acolher a Palavra, garimpando em suas profundezas. Maria aponta para o mistério de seu Filho e nos ensina a sermos dóceis ao Espírito, a dizer “sim” ao plano do Pai, a aprimorar o espírito de serviço e  a nos capacitarmos para ser geradores de Deus, seja qual for a situação. Maria ensina a aperfeiçoar a vida cristã pela ascese e purificação, que nos permitem contemplar a Deus; a guardar tudo no coração como maneira de buscar e reconhecer os sinais da presença do Senhor no dia a dia. Maria nos ensina a sermos aprendizes  da Palavra, a dar atenção ao próximo e indicar-lhe Jesus como o único capaz de oferecer o vinho novo da salvação. Maria ensina a estar junto à cruz de Cristo, que é na verdade o cultivo da fidelidade até às últimas conseqüências. Por fim, acolhida pelos discípulos como sua mãe, torna-se para todos modelo de oração.

Conclusão.
Maria, mãe de Jesus, mãe e esplendor do Carmelo, nunca pertenceu ao mundo dos pregadores ambulantes, como seu Filho, nem escreveu livros como os evangelistas e apóstolos, mas se projeta em nossa vida como MESTRA. Com efeito, semelhante àqueles homens e àquelas mulheres que viveram a sabedoria e a arte de viver, ela ensina brilhantemente a todos os alunos de boa vontade que, em todos os caminhos da vida e da história, certamente alguém poderá descobrir, aprender e proclamar que em todos eles o Senhor fez grandes coisas”. Assim seja! 

11 de setembro, Pensamento do dia


domingo, 9 de setembro de 2012

A Fraternidade: Um desafio permanente para a vida Carmelitana

Irmã Dazir da Rocha Campos. Congregação das Irmãs Carmelitas da Divina Providência
 
1. A fraternidade é um valor fontal irrenunciável.
Buscando o fundamento de nossa vida fraterna em comunidade, parei meu olhar em Jesus.  Nós escolhemos ser “irmãs”, “irmãos”? Ou ser “irmãs”, “irmãos já é algo que faz parte do nosso ser, da nossa identidade?
Jesus nos disse: “Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos também uns aos outros. Nisso reconhecerão todos que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns pelos outros” (Jo 13, 34-35). Jesus não nos deu um conselho, uma sugestão. Ele foi bem claro: dou-vos um mandamento. E não disse isso apenas para as religiosas, religiosos e padres. Ele colocou o mandamento do amor como exigência para ser seu discípulo, isto é, para ser cristão/cristã. O amor é, pois, exigência fundamental no cristianismo. E sabemos que Deus não nos pede coisas impossíveis, além das nossas forças.
Ao nos dar o mandamento do amor, Jesus nos pede que busquemos a nossa essência mais profunda. Filhas/filhos do Deus Amor, criadas/os à sua imagem e semelhança, somos feitos para o amor. “O ser humano aspira por amor verdadeiro; por um amor que não fira nem destrua, mas que vivifique e enobreça; que não controle e aprisione, mas liberte e abra um espaço para a vida” (Anselm Grun). O amor não é algo estranho ao nosso ser. E não há nada que possa preencher nossa vida de sentido e alegria fora do amor. Certamente que não se trata do amor puro sentimento que logo desaparece, mas o amor decisão em que se possa permanecer. Como Jesus nos pede: “permanecei no meu amor” (Jo 15, 19). Podemos, pois, fazer do amor o nosso lugar de morada. Só de pensar em morar no amor de Jesus, um profundo sentimento de bem-estar, de realização profunda surge em nosso íntimo. O amor deve ser o nosso modo de ser, de viver, de conviver, porque é parte de nossa essência.
2. Em Jesus encontramos o modelo para o exercício e a construção da Fraternidade.
Volto a fixar meu olhar em Jesus: “Eu quando for elevado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). Antes mesmo de abrir seus braços na cruz, Jesus atraía as pessoas de todos os tipos. Posso imaginá-lo tão acolhedor e aberto que ninguém tinha medo de se aproximar dele. Temos experiências assim, pessoas das quais gostamos de estar perto, porque sua simples presença nos faz sentir bem. Jesus é o próprio Amor, feito homem. Fico pensando naquelas mulheres, que enfrentaram as normas e as restrições de uma sociedade machista, dominada pela lei da pureza, e se aproximaram de Jesus. A mulher Cananéia, aquela que sofria de hemorragia (Lc 8, 43-48), a pecadora que ungiu os pés de Jesus (Lc 7, 36-50)... Todas elas sabiam que seriam acolhidas, que seriam atendidas em suas necessidades.  Jesus não só acolhe aquelas mulheres e as eleva em sua dignidade, ele convida a elas e a todas nós: “permaneçam no meu amor” (Jo 15, 19). O amor de Jesus é mais que um sentimento, é um espaço onde podemos morar. Podemos permanecer no amor de Jesus porque ele foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo (cf. Rm 5, 5). Mas não podemos segurar esse amor em nós como uma posse pessoal exclusiva. Uma característica do amor é ser transitivo. Ele precisa passar, através de nós, para os outros, para a nossa irmã, nosso irmão, que estão tão próximos, que lhes conhecemos as fragilidades, os limites e, por isso nos esquecemos de ver nela/nele uma filha, um filho amado do Pai. A convivência do dia-a-dia pode encobrir o mistério, a beleza presente em cada pessoa. Beleza que só os olhos amorosos conseguem ver.
Se mantivermos nosso olhar fixo em Jesus, se morarmos no seu amor e experimentarmos que somos filhas/os amadas/os do Pai, a fraternidade será a nossa maneira simples e cotidiana de nos relacionarmos. Viveremos a fraternidade, que não significa sermos perfeitas/os nas nossas relações, mas sermos amorosas/os. Fraternidade que cria espaço para a acolhida, para a compreensão, para o perdão. Saberemos discordar, sem rejeitar a pessoa da qual discordamos. Saberemos enxergar os limites, a doença da pessoa, sem deixar de ver o mistério de amor que nela habita. Fraternidade que não mascara a realidade, que não põe “panos quentes”, mas que abraça amorosamente as dores mais profundas, especialmente aquelas que temos mais dificuldade de perceber e aceitar porque não residem no corpo, mas na alma.
3. Perigos que desfiguram a beleza da vida fraterna.
No mundo em que vivemos inúmeros problemas afloram e se multiplicam a cada momento.  O ativismo, o individualismo, o comodismo, a competição, a falta de compromisso, de generosidade, o fechamento, a crise no relacionamento, o uso inadequado dos meios de comunicação, a fuga da vida fraterna e de oração, tudo isso gera conseqüências sérias para a vivência fraterna. Torna-se comum a perda de referência dos valores, a dificuldade de lidar com os próprios limites, a tendência à facilidade, à comodidade e, em meio a tudo isso, a fidelidade se revela como algo pesado demais, às vezes até insuportável. Estaria a VR e a Família Carmelitana da AL imune a tudo isso? É evidente que não. 
Com freqüência perdemos o ardor. Caímos na rotina dos atos comunitários, praticamos uma oração formal e vazia; entregamo-nos à correria das atividades e compromissos de trabalho e, assim, nos esvaziamos, nos fragmentamos, perdendo o contato com a Fonte da Vida. Esquecemos uma Presença e afastamos nosso olhar d’Aquele que é o sentido das nossas atividades e compromissos. A vida se torna pesada, os relacionamentos interpessoais, que deveriam ser marcados pela ternura e gratuidade, ficam duros, cheios de cobranças e acusações. E isso entristece o nosso coração, nossa vida murcha. A nossa presença de consagradas/os perde o valor e a atração. É então que precisamos retomar o caminho, reacender a chama e redescobrir o encanto de nossa vida em suas várias faces. Precisamos parar; aquietar-nos e novamente voltar nosso olhar enamorado para Aquele a quem decidimos seguir e entregar a nossa vida.  Fixar nosso olhar n’Aquele a quem queremos, a cada dia de novo, dar o nosso coração.
4. Acolhendo as exigências permanentes de nossa missão.
Na Conferência de Aparecida, Pe. Pascual Chávez, Superior Geral dos Salesianos, falando em nome dos religiosos, afirmou: “No mundo a vida consagrada tem a missão específica de cultivar uma forte experiência de Deus e aproximar de Deus o homem e a mulher feridos, abandonados à margem do caminho”. Como Carmelitas, sabemos o quanto essa afirmação é verdadeira e toca na raiz de nossa Espiritualidade.
Não viemos ao Carmelo para sermos peritas/os em educação ou enfermagem, em administração, serviço social, ou qualquer outro serviço profissional. Nem, tão pouco, para criar e dirigir colégios, obras sociais ou outras atividades até religiosas. Tudo isso é muito bom e necessário. Podemos fazer esses serviços e devemos fazê-lo bem, mas viemos para algo muito maior. Fomos chamadas(os)  para cultivar uma experiência profunda de intimidade com Jesus Cristo - Deus - que veio ser um de nós, que sofreu, morreu, ressuscitou e está sempre conosco, está em nós. Ele, que deu sua vida por amor, nos chama para estar com Ele a serviço da Vida.
Temos a missão de cultivar uma profunda experiência com Deus em Jesus Cristo. Vamos pensar um pouquinho na palavra cultivar. Sabemos em que consiste cultivar uma horta, um pomar ou um jardim. Quem cuida de uma horta gasta tempo, fazendo coisas muito obvias para que as hortaliças tenham vida e cresçam: regar, tirar o mato, matar as pragas que estão destruindo as verduras. Mas, uma pessoa que ama sua horta ou jardim vai além. Ela descobre e inventa minúcias de cuidado. Contempla o desenvolvimento da planta, conhece cada detalhe que diferencia uma planta de outra e assim, esta pessoa se torna doutora na arte de cultivar.
E nós, como realizamos a missão de cultivar uma profunda experiência de Deus em Jesus Cristo? Nós, Carmelitas, escolhemos ser especialistas na vida de intimidade com nosso Deus. Publicamos essa nossa escolha diante da Igreja e da sociedade. Estamos nos ajudando a abrir espaços para que Ele mais e mais nos transforme e o nosso coração pulse forte só ao lembrarmo-nos sua presença amorosa continuamente conosco? 
Essas são perguntas essenciais. Viemos ao Carmelo para viver uma profunda entrega ao amor de Deus manifestado em Jesus Cristo.  Este Deus, que é todo ternura, compaixão, misericórdia, irá transformando-nos nele, de tal modo, que nós também vamos adquirindo e expressando cada vez mais ternura, compaixão e misericórdia.
5. “Peritos” em fraternidade num mundo sedento de sentido.
Tornamo-nos capazes de assumir o desafio da convivência fraterna dentro e fora da comunidade religiosa. Saberemos fazer das pessoas distantes um próximo(a) e da pessoa próxima uma irmã, um irmão. Assim, a fraternidade profunda, feita de ternura, ajuda, perdão, compreensão, respeito, silêncio e reverência será o fruto saboroso que nós poderemos oferecer ao mundo.
Para isto é que viemos. Oferecer ao mundo, às pessoas sedentas de um sentido mais profundo para suas vidas, a ternura de Deus que, em Jesus Cristo, se fez tão próximo a ponto de ser um de nós, tão igual que passa despercebido. E nós que, no silêncio e escuta, na abertura do nosso coração gastamos tempo diante d’Ele, deixamos que Ele penetre com sua vida e seu amor todos os meandros da nossa emoção, da nossa inteligência e da nossa vontade. Nós cultivamos uma sensibilidade na fé a ponto de podermos dizer como São Paulo: “Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou a si mesmo por mim.” Aí sim, nossa vida pessoal, nossa vida comunitária e tudo o que fizermos será um anúncio vivo da boa nova de Jesus: Temos um Pai que nos ama e o seu amor dá sentido e consistência a cada momento da nossa vida.
Experimentaremos a alegria imensa que vem do amor vivido nas situações mais concretas da vida. Vamos deixar o amor fluir em nós, transbordar para cada irmã, cada irmão, para cada pessoa que nos toca com sua presença.
 
Questionamento para trabalho em grupo:
Sabemos o que é uma “família” bem constituída.
 
1-Aqui na AL que desafios percebemos para que a Família Carmelitana seja de fato transparente, dialogal e comprometida com o reino? Como superá-los?
 
2-Enumere pontos concretos em que crescemos ou regredimos em nosso nossa vivência como FAMÍLIA.
 
3-A fraternidade, a vida de oração e a missão são elementos fundamentais no Carmelo.
 
4-A partir deste Encontro, que gestos, que atitudes concretas necessitam ser tomadas, a curto e em longo prazo, para o nosso crescimento como Família?