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sábado, 12 de setembro de 2015

A ESPIRITUALIDADE LITÚRGICA CARMELITANA (4ª Parte)

Frei James Boyce, O.Carm.

Os Carmelitas e o Concílio de Trento

O Concílio de Trento (1545-63)[i]  foi uma tentativa de estabilizar e de regulamentar a vida dos fiéis depois dos efeitos devastadores da Reforma Protestante. Tendo isto em mente, todos os textos litúrgicos questionáveis, até mesmo as festas, foram eliminados do calendário. Desse modo, a festa das Três Marias foi proibida aos carmelitas. Todas as festas, com seus textos litúrgicos, tiveram que receber aprovação individual da Santa Sé, antes de serem incluídas no ritual de uma Ordem religiosa ou de uma diocese.[ii]  De forma semelhante, a música tinha que se ajustar às normas estabelecidas pela Santa Sé.
Na época do Concílio de Trento, a Ordem Carmelita estava bem estabelecida e contava com um número de santos próprios em suas fileiras. Na reformulação da liturgia carmelitana, a herança que receberam da Terra Santa tornou-se cada vez mais remota, mas o ritual revisado permitiu que eles celebrassem liturgicamente seus confrades que alcançaram a santidade.

Novas festas carmelitanas

Eliseu e Elias
Por causa do relacionamento próximo entre Elias e Eliseu, as duas festas são consideradas como uma só. O relacionamento dos carmelitas com estas duas figuras proeminentes do Antigo Testamento já estava bem estabelecida espiritualmente, muito antes de ser celebrada liturgicamente. Uma afirmação, um tanto comovente, das Constituições do Capítulo de Londres de 1281, demonstra a importância de Elias e de Eliseu dentro da auto-compreensão carmelitana. Apresentamos a seguir uma tradução de Joachim Smet daquelas Constituições:
 Declaramos, dando testemunho da verdade, que desde o tempo quando os profetas Elias e Eliseu habitavam devotamente no Monte Carmelo, Pais santos tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, cuja contemplação das coisas celestiais os conduziu à solidão do mesmo monte, eles sem dúvida guiaram suas louváveis vidas lá, junto à fonte de Elias, numa penitência sagrada, contínua e eficazmente mantida.
Foram estes mesmos sucessores que Alberto, o patriarca de Jerusalém no tempo de Inocêncio III, uniu numa comunidade, escrevendo uma regra para eles que o papa Honório, o sucessor do mesmo Inocêncio, e muitos de seus sucessores, aprovando esta ordem, confirmaram-na devotamente por seus decretos. Na profissão desta regra, nós, seus seguidores, servimos o Senhor em várias partes do mundo até hoje.[iii]
Esta afirmação demonstra que os carmelitas medievais viam a continuidade entre o povo do Antigo e o do Novo Testamento, os que habitavam à sombra da presença de Elias no Monte Carmelo, os primeiros eremitas reunidos pelo patriarca Alberto, e eles mesmos, em várias partes do mundo. O lugar do Monte Carmelo, a imagem do profeta Elias e a jurisdição de Alberto ajudaram a incutir nos carmelitas, ao longo dos séculos, a santidade de suas vidas e a importância de seu trabalho como religiosos. Além da identificação com a tradição de Elias, tanto Santo Antão quanto São Jerônimo fazem uma associação explícita entre Elias e aqueles que seguem o modo de vida eremítico.[iv]
Apesar da importância de Elias e de Eliseu na auto-compreensão carmelitana, sua celebração litúrgica é um fenômeno posterior. Elias é claramente a mais proeminente das duas figuras, apresentado como um modelo potencial. O fato de Elias ter ido para o céu sem morrer, significava que como ele não tinha um dies natalis, ou data de morte, ele não poderia ser venerado como um santo.[v]  Assim, o carmelita John Bale escreveu um ofício para a Assunção de Elias.[vi]  Este é certamente um ofício único, de um indivíduo empreendedor, em vez de uma festa carmelitana medieval padronizada. Posteriormente a festa foi aceita, apesar da ausência de uma data de morte ou dies natalis. A evidência mais antiga da festa de Elias é a Missa votiva dos missais do século XVI (1551 e 1574), contemporânea do Concílio de Trento.[vii]  Embora a veneração de Eliseu não tenha envolvido os mesmos problemas, seu ofício e missa também são um fenômeno medieval tardio ou mesmo pós-tridentino. De qualquer modo, não temos nenhum indício substancial da veneração, tanto de Elias quanto de Eliseu, que tenha sobrevivido do período anterior ao Concílio de Trento.
A mais antiga evidência Tridentina da festa de Santo Elias é encontrada num suplemento carmelitano Florentino, com a antífona compilada por Fr. Archangelus Paulius, prior de Carmine, no ano de 1627,[viii]  assim como em antigos manuscritos do século XVIII de São Martino ai Monti e de Santa Maria em Transpontina. Também nos manuscritos mais recentes que estão guardados no Colégio Sant’Alberto em Roma. Um processionário de 1593 do convento da Encarnação, em Ávila, contém vários cantos para Santo Elias onde ele é chamado tanto de nuestro Santisimo Padre Elias quanto de nuestro Glorioso Padre Elias.
Apesar da veneração de Elias como santo ser bem conhecida nas liturgias do rito oriental, tal observância no ocidente é inteiramente peculiar aos carmelitas. As festas de Elias e de Eliseu deram aos carmelitas a oportunidade de recontar a história dos dois homens cujas vidas modelaram as suas. Como o próprio Monte Carmelo tornou-se cada vez mais distante da experiência de vida carmelitana, a celebração da festa das duas proeminentes figuras do Antigo Testamento permitia aos carmelitas refletir pessoalmente sobre sua herança e a moldar suas próprias vidas no exemplo corajoso de seus antepassados no Monte Carmelo. A celebração destas festas equiparava-se à celebração de uma liturgia para um fundador em outras tradições, já que permitia aos carmelitas explorar as raízes de sua espiritualidade de uma forma litúrgica.
A primeira antífona das primeiras Vésperas para o ofício de Santo Elias é Zelo zelatus sum pro domino deo exercituum, [O zelo pelo Senhor, o Deus dos exércitos, me consome] de 1Reis 19,10 e repetido em 1Reis 19,14, palavras que são fundamentais na auto-compreensão de cada carmelita. O zelo por Deus caracteriza a vida e o ministério do profeta, assim como do carmelita, exercido sem compromissos. A primeira antífona para as Laudes, uma reconstrução do texto das Escrituras, afirma: Elias dum zelat zelum legis receptus est in celum [Elias, enquanto estava consumido pelo zelo, foi recebido no céu], insistindo no zelo por Deus que caracteriza a vida do profeta. Ele manteve este zelo por toda sua vida associando-o à sua assunção ao céu. A antífona do Benedictus cita a carta de Tiago que recorda Elias: Elias homo erat similis nobis passibilis et oratione oravit ut non plueret super terram et non pluit annos tres et menses sex et rursum oravit et celum dedit pluvium et terra dedit fructum suum [Elias era homem fraco como nós. No entanto, ele rezou bastante para que não chovesse e não choveu sobre a terra durante três anos e meio. Depois ele rezou de novo e o céu mandou chuva e a terra produziu seu fruto].
É importante enfatizar a semelhança entre Elias e todos aqueles que escolhem a vida de oração. A oração de Elias é poderosa. Deus a escuta e, assim, intensifica a força da oração de cada um dos carmelitas. O responsório das primeiras Vésperas lembra Elias caminhando “quarenta dias e quarenta noites para o Horeb, o monte de Deus” enfatizando a importância da jornada carmelitana pela vida, em direção ao monte sagrado, para experimentar a presença de Deus. Elias brigou com os profetas de Baal, devolveu a vida da viúva de Sarepta e rezou por chuva em meio à seca. Pela profundidade de sua oração, sua vida foi preservada no Monte Carmelo e, em seus últimos dias, ele foi aceito na vida eterna de Deus. A escolha de Elias como modelo de vida, na antiga liturgia medieval, se compara à ênfase na dimensão masculina da oração na regra. A falta de um fundador no início da Ordem a ser imitado, permitiu que os carmelitas escolhessem um, num estágio posterior de desenvolvimento. A escolha de Elias como modelo de oração sugere que a própria oração, se for seguida tanto por homens quanto por mulheres carmelitas, é uma ocupação ativa, vibrante e poderosa. Os carmelitas não precisam se preocupar com a eficácia da oração, já que o exemplo de Elias demonstra claramente seu poder e ligação direta entre a oração do pedinte e a ação de Deus. Como a própria palavra poderosa de Deus, a oração pode levar Deus a agir em favor de Seu povo. Portanto, os carmelitas estão seguros do significado, da força e do valor da vida de oração que abraçaram em sua vocação.

Nossa Senhora do Monte Carmelo
         Ainda que possam ocorrer referências à festa da Solene Celebração de Nossa Senhora do Monte Carmelo nas fontes medievais, a liturgia tridentina deu plena expressão à sua celebração. Como se poderia esperar, as cinco primeiras antífonas das Vésperas características de todas as festas marianas medievais, também foram usadas aqui. Numa das leituras para as Matinas recorda-se a história de Maria aparecendo ao papa Honório, inspirando-o a permitir o estabelecimento da Ordem Carmelitana.[ix]  Isto é muito significativo, já que as primeiras batalhas da Ordem visando sua aceitação passaram a ser claramente situadas dentro da estrutura da intercessão de Maria. Ela não é apenas celebrada como a padroeira da Ordem, mas é lembrada na sua intervenção direta possível a fundação da Ordem. Mediante esta festa os carmelitas veneram Maria como aquela que abençoa a Ordem e os esforços individuais de seus membros. A festa dava plena expressão à união perpétua entre a Virgem Maria e a Ordem. O relacionamento dos carmelitas com ela era visto tanto na perspectiva da Ordem quanto individualmente, onde cada frade busca forças para viver a vida carmelitana contando com sua intercessão na oração.

São Simão Stock
Apesar da figura um tanto evasiva de São Simão Stock ter sido de grande importância na adaptação dos carmelitas à vida no Ocidente, sua festa surge apenas no tempo do Concílio de Trento. Neste caso, os textos para o ofício vêm de sua vita em vez da Escritura e a música se adapta à pauta imposta pelo Concílio de Trento. Os textos do ofício oferecem uma reflexão sobre a santidade de São Simão Stock como religioso e sobre seus dons para a Ordem. Assim, uma das antífonas das Matinas diz que Desiderium cordis eius tribuit ei Dominus cum Carmelitarum institutum vidit in Europa propagatum alleluia [Deus deu a ele o desejo de seu coração quando ele viu o instituto dos Carmelitas espalhado pela Europa] e realmente ele é geralmente associado com a adaptação da Ordem na sociedade ocidental. Os textos da Missa são tirados de cantos comuns tais como os iusti meditabitur sapientiam [A boca do justo fala com sabedoria (Sl 37,30)] e o verso do Aleluia, Justus germinabit sicut lilium [O justo “florescerá como o lírio” (Os 14,6)]. Simão é o homem justo e o carmelita leal que serve de modelo de vida religiosa para todos que celebram sua festa. Liturgicamente a festa visava renovar nos participantes o zelo pelos caminhos do Carmelo.

Santa Teresa d’Ávila
A grande reformadora da Ordem Carmelita, Santa Teresa d’Ávila, morreu dentro da Ordem dos Carmelitas em Alba de Tormes, perto de Salamanca, em 1582. Os textos para sua liturgia referem-se a seu zelo por Deus e à sua sede pela sabedoria, enfatizando apropriadamente suas qualidades místicas e intelectuais. A antífona de abertura para seu ofício, Zelo zelata sum pro honore sponsi mei Jesu Christi [Com zelo sou dedicada à honra de meu esposo, Jesus Cristo] é um complemento feminino ao texto para o ofício de Santo Elias: “sou muito dedicado ao Senhor, o Deus dos exércitos”, indicando que, para os carmelitas, Teresa exemplificou o ideal de Elias na sua sede apaixonada por Deus. Outra antífona fala de seu coração sendo perfurado pela lança ardente do amor de Deus (que posteriormente levaria à uma festa separada, a da Transverberação ou perfuração do coração de Santa Teresa). Outra ainda se refere a ela recebendo sabedoria e prudência. Os textos litúrgicos enfocam os atributos significativos de Santa Teresa e constituem uma meditação sobre suas notáveis virtudes. Recitá-los é rever as qualidades essenciais de sua vida e ser renovado por elas. As virtudes que a liturgia recomenda foram vividas de modo extraordinário por Santa Teresa d’Ávila, e servem como um modelo de imitação por todo carmelita.

Santo Alberto da Sicília
O ofício de Santo Alberto da Sicília é um daqueles raros, onde todas as linhas do texto rimam. Este é o único ofício rimado que sobreviveu intacto ao Concílio de Trento. Como o primeiro santo propriamente carmelitano, Alberto goza de preeminência na veneração litúrgica e o texto rimado para o ofício sugere a estima com que era considerado. A antífona de abertura O Alberte norma munditie, puritatis et continentie [Ó Alberto, modelo de integridade, de pureza e de continência] nos lembra que Alberto é o modelo de integridade de vida e sugere que, para o carmelita, a busca pela santidade deve predominar sobre tudo mais.

Santo Ângelo
Como o primeiro mártir carmelitano, Santo Ângelo corresponde ao Bem-aventurado Pedro, mártir para os dominicanos. O cerne da história de Ângelo ocorre na antífona do Magnificat: Quinque plagis lethalibus transfossus Angelus crucifixum deprecabatur ut suis persecutoribus ad poenitentiam conversis veniam peccatorem concederet et diei obitu sui memoriam a gentibus optatam omnem gratiam largiretur alleluia [Tendo sido ferido com cinco feridas mortais, Ângelo implorou pela cruz de modo que seus perseguidores pudessem receber a graça de ir do pecado à penitência e no dia de sua morte ele rezou para que a graça pudesse ser dada ao povo que celebrou sua memória, aleluia].

Santo André Corsini
Santo André Corsini, o carmelita florentino que se tornou bispo de Fiesole, gozou de forte veneração, especialmente em Florença. Mas sua festa foi observada liturgicamente por toda a Ordem. Tanto sua importância como bispo e nobre, assim como sua santidade pessoal contribuíram para que tivesse um ofício e uma Missa próprios, cujas evidências mais antigas ocorreram após o Concílio de Trento.

Reflexões sobre a liturgia carmelitana tridentina
O período após o Concílio de Trento foi para os carmelitas, como para a Igreja em geral, um tempo de adaptação para estabelecer as novas práticas diante da Reforma. Embora de algumas forma repressivo, o Concílio de Trento deu aos carmelitas a oportunidade de venerar seus próprios santos de um modo que não foi possível durante o período medieval.
Apesar de os carmelitas continuarem a cultivar suas origens do Santo Sepulcro, agora eles também podiam venerar alguns carmelitas que foram aprovados pela Igreja como santos. Cada uma destas figuras ajudou a modelar o ideal carmelitano: Elias e Eliseu simbolizam a dimensão profética da Ordem, bem como a sede de Deus; Maria é mais do que nunca a padroeira e a protetora da Ordem; Santo Alberto é o modelo de pureza e de vida na presença de Deus; Santo André Corsini é o exemplo do carmelita agindo como um bom religioso e também participando da vida administrativa da Igreja; São Simão Stock representa a necessidade de manter a santidade da vida religiosa enquanto concilia as necessidades da Igreja e da sociedade; e Santa Teresa d’Ávila simboliza a contínua sede pelos caminhos de Deus, em especial a sabedoria.
A liturgia carmelitana fala mais e mais da espiritualização do Monte Carmelo. Hoje fala menos da montanha física e mais do caminho da perfeição espiritual. O crescente número de santos carmelitanos próprios, cujas virtudes e fidelidade ao modo de vida carmelitano fez com que merecessem um lugar no Reino, serve agora como inspiração e exemplo ao carmelita que se empenha em viver sua própria vocação. Enquanto em outras tradições a forte presença de um fundador em especial foi sentida através dos séculos e que outros membros da Ordem alcançaram santidade por se adaptarem a um modelo em particular, na tradição carmelitana a ausência de um fundador permitiu uma grande flexibilidade na interpretação e na vivência do ideal carmelitano. A diversidade se reflete nos diversos santos do Carmelo no período tridentino e em sua tradição litúrgica de alguma forma bastante eclética.
(Veja na 5º Parte: A liturgia carmelitana moderna)



[i]  Jedin, NCE.
[ii]  Caruana (1984) faz uma tentativa preliminar em discutir a influência do Concílio de Trento na liturgia carmelitana. Ele não discute o ciclo santoral em seu trabalho e outros trabalhos detalhados precisam ser feitos nesta área.
[iii]  As constituições deste Capítulo estão publicadas em Saggi (1950); a tradução é de Smet (1988), I:15-16.
[iv]  Cf. Smet (1988) Vol. I, pp. 7-8, citando Athanasius, Vita Antonli, 7; Patrologia Graeca 26, 854 e [Jerônimo] Epistola 58 ad Paulinum; Patrologia Latina, 22, 583.
[v]  Kallenberg (1956).
[vi]  Os textos neste ofício da Biblioteca da Universidade de Cambridge, Ms. 7 estão publicados em Zimmerman (1910), pp. 341-345.
[vii]  Zimmerman (1910), pp. 346-347.
[viii]  O manuscrito é Florence, Carmine, Ms. S. Cf. meu próximo artigo em Manuscripta considerando este manuscrito e o trabalho de Fr. Archangelus Paulius, O. Carm.
[ix]  De um breviário editado em 1495 em Bamberg, hoje na biblioteca do Colégio Amherst.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

FREI VALTER RUBENS: Aniversário.

Reconhecer Jesus o Cristo: 24º Domingo do Tempo Comum

A leitura que a Igreja propõe neste domingo é o Evangelho de Jesus segundo Marcos 8,27-35 que corresponde ao 24° Domingo do Tempo Comum, ciclo B do Ano Litúrgico. O teólogo espanhol José Antonio Pagola comenta o texto.

Eis o texto
O episódio ocupa um lugar central e decisivo no relato de Marcos. Os discípulos levam já algum tempo convivendo com Jesus. Chegou o momento em que se tem de pronunciar com clareza. A quem estão seguindo? Que é que descobrem em Jesus? Que captam nas suas vidas, a Sua mensagem e o Seu projeto?
Desde que se uniram a Ele, vivem interrogando-se sobre a Sua identidade. O que mais os surpreende é a autoridade com que Lhes fala, a força com que cura os doentes e o amor com que oferece o perdão de Deus aos pecadores. Quem é este homem em quem sentem tão presente e tão próximo a Deus como Amigo da vida e do perdão?
Entre as pessoas que não conviveram com Ele corre variados rumores, mas a Jesus interessa-lhe a posição dos Seus discípulos: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Não basta que entre eles haja opiniões diferentes mais ou menos acertadas. É fundamental que os que se comprometeram com a Sua causa, reconheçam o mistério que se encerra Nele. Se não é assim, quem manterá viva a Sua mensagem? Que será do Seu projeto de reino de Deus? Em que terminará aquele grupo que está tratando de pôr em marcha?
Mas a questão é vital também para os Seus discípulos. Afeta-os radicalmente. Não é possível seguir Jesus de forma inconsciente e ligeira. Têm que conhecer cada vez com mais profundidade. Pedro, recolhendo as experiências que viveram junto a Ele até esse momento, responde-Lhe em nome de todos: «Tu és o Messias».
A confissão de Pedro é, todavia, limitada. Os discípulos não conhecem ainda a crucificação de Jesus às mãos dos Seus adversários. Não podem nem suspeitar que seja ressuscitado pelo Pai como Filho amado. Não conhecem experiências que lhes permitam captar tudo o que se encerra em Jesus. Só seguindo de perto, o irão descobrindo com fé crescente.

Para os cristãos é vital reconhecer e confessar cada vez com mais profundidade o mistério de Jesus o Cristo. Se se ignora a Cristo, a Igreja vive ignorando-se a si mesma. Se não O conhece, não pode conhecer o mais essencial e decisivo da Sua tarefa e missão. Mas, para conhecer e confessar a Jesus Cristo, não basta encher a nossa boca com títulos cristianológicos admiráveis. É necessário segui-lo de perto e colaborar com Ele dia a dia. Esta é a principal tarefa que temos de promover nos grupos e comunidades cristãs. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

FREI PETRÔNIO: Pensamento do Dia. (Quinta, 10).

A foto do menino Aylan e o poder das imagens.

Registro da criança síria morta numa praia turca provocou reações intensas e influenciou o debate político. Mas por que algumas fotografias nos tocam mais que outras e acabam entrando para história?
O tabloide Bild, jornal de maior circulação na Alemanha, dispensou o uso de imagens em uma edição pela primeira vez em sua história. "Dessa forma, queremos mostrar como as fotos são importantes no jornalismo", afirmou a redação do diário. A reportagem foi publicada por Deutsche Welle, 10-09-2015.
Mas nem todas as fotos são iguais: há imagens que ficam guardadas na memória. E há outras, por mais fortes que sejam, que não tocam tanto o espectador e desaparecem rapidamente de sua mente. Mas o que transforma uma foto num ícone? Como a fotografia consegue captar não apenas um momento, mas é capaz de eternizar o zeitgeist ou contextos complexos numa única imagem?
As imagens de Aylan Kurdi, o menino sírio de três anos de idade que morreu afogado no Mediterrâneo e foi encontrado na costa turca, provocaram reações e emoções intensas nas mídias sociais. O debate político em torno da política de refugiados da Europa mudou após a publicação da fotografia.
O historiador da arte e curador Felix Hoffmann acredita na força das imagens. Para ele, fotos podem influenciar e mudar o pensamento e a ação. Mas somente se elas perdurarem por determinado tempo e se fixarem nas mentes das pessoas. Na galeria de arte c/o Berlim, ele pesquisou as fotos apocalípticas do 11 de Setembro e se ocupou da questão de por que algumas dessas imagens permanecem em nossa memória.
Segundo Hoffmann, a fotografia possui a capacidade de personificar catástrofes, de lhes dar um rosto. Sem tais imagens, muitas pessoas não poderiam compreender a dimensão da guerra e de catástrofes. "As fotos de Aylan Kurdi são um bom exemplo da força das imagens", explica. "A Europa se encontra agora num momento de extrema gravidade. Agora resta a pergunta de quanto tempo essa foto permanecerá na mídia."
Hoffmann, que também é pai, afirmou ter ficado "emocionalmente chocado" com a imagem do menino de três anos, encontrado morto na praia de Bodrum. Segundo o historiador, a onda de refugiados, que se vê diariamente na mídia, ganha assim um história pessoal. Além disso, muitas pessoas acabaram se identificando com a imagem e disseram: "Poderia ser meu filho."

Mais forte que a TV
Historiadores como ele, diz Hoffmann, foram treinados para investigar os mecanismos de ação das imagens. O especialista explica que o fotojornalista francês Henri Cartier-Bresson já chamava a sua profissão de "negócio com o momento decisivo".
"Fotografar significa levar cabeça, olho e coração para a mesma linha de visão", afirma o jornalista e cofundador da agência de fotografia Magnum.
Cartien-Bresson também trabalhou em zonas de guerra e fez história com suas fotos. Mas através da cobertura ao vivo, a relação entre o espectador e o jornalista mudou, diz Hoffmann. Ele recorda os Jogos Olímpicos de Munique em 1972, que foram ofuscados pelo assassinato de atletas israelenses tomados como reféns.
"Pela primeira vez na história, os espectadores puderam assistir ao vivo a um atentado na TV", lembra. O terrorismo adentrou, por assim dizer, as salas de estar da população, explica o historiador.
Mas, apesar da cobertura ao vivo ininterrupta e do burburinho permanente nas redes sociais, a foto continua o meio de comunicação mais intenso para captar uma tragédia, afirma Hoffmann. Diante da enxurrada de informações, também depende da qualidade da imagem, ressalta.

Empatia pelo fotografado
Ninguém pendurou em suas paredes de sua sala de estar imagens de catástrofes ou tragédias humanas, como o assassinato de John F. Kennedy, em 1963, ou a menina de nove anos Kim Phùc, no Vietnã, fotografada nua com queimaduras graves na pele, enquanto fugia do ataque de bombas napalm em 1972. Mesmo assim, tais imagens se tornaram ícones.
Elas formam a decoração da narrativa de nossa era, explica o historiador, acrescentando que ninguém pode se lembrar com exatidão de quando viram tais imagens, mas elas se tornaram parte de uma memória visual coletiva – ao menos no Ocidente.
"Isso está bastante ligado à forma como lidamos com histórias e fotos. Você pode observar por toda parte o poder que as imagens podem ter", continua Hoffmann.

Segundo ele, algumas vezes, sentimos empatia somente quando entramos numa espécie de relação amorosa ambivalente com uma fotografia, mesmo no caso da morte de alguém. Na avalanche de imagens de sofrimento, dor ou paixão, tornam-se ícones somente aquelas que provocam em nós um sentimento de dó, também por estarem mostrando a realidade dos acontecimentos. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

quarta-feira, 9 de setembro de 2015

A PALAVRA... Nº 988. Alziro Zarur e As Bem- Aventuranças.

Papa Francisco se encontra com “Bispo Vermelho”, bispo exilado pelo Papa João Paulo II

Quem quiser compreender a luta que já dura décadas entre católicos progressistas e o falecido Papa João Paulo II  que foi assessorado em sua renovação conservadora por seu braço direito teológico, o Cardeal Joseph Ratzinger, hoje Papa Emérito Bento XVI –, o melhor que tem a fazer é conhecer história do bispo francês Jacques Gaillot. A reportagem é de David Gibson, publicada por Religion News Service, 02-03-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Gaillot foi nomeado bispo da Diocese de Evreux, a oeste de Paris, em 1982, nos primeiros anos do pontificado de João Paulo II. Ele rapidamente veio a se tornar uma espécie de símbolo daquele tipo de bispo ativista social – e progressista teológico – que o papa polonês procuraria tirar de cena ou censurar.
Depois de anos de tensões com o Vaticano e com seus colegas bispos franceses, João Paulo, em 1995, retirou Gaillot apelidado de Clérigo Vermelho – da Diocese de Evreux e, numa espécie de exílio, o nomeou chefe titular de Partênia, diocese extinta no deserto da moderna Argélia que não existe como uma verdadeira comunidade católica desde o século V.
Paradoxalmente, este exílio liberou Gaillot para continuar com o seu ativismo – e irritar Roma – já que ele se mudou para morar junto de posseiros em Paris e passou a defender uma série de causas na política e na Igreja.
Agora, em mais uma inacreditável virada no rumo dos eventos sob o pontificado atual, o Papa Francisco na terça-feira (1º de setembro) se encontrou em privado com Gaillot em sua residência no Vaticano. “’Eu não quero pedir nada ao senhor’, falei para o papa, mas muitas pessoas entre os pobres estão felizes que eu esteja sendo recebido aqui. Elas estão se sentindo reconhecidas também”, contou Gaillot à agência noticiosa Agence France-Presse – AFP.
“Eu falei com ele sobre (...) os doentes, os divorciados, os gays. Essas pessoas estão contando com o senhor”, contou Gaillot à agência. Gaillot, de 79 anos, disse ao papa que havia recentemente abençoado um casal divorciado assim como um casal homossexual.
“Eu visto roupas civis e simplesmente abençoo-os. Não se trata de um casamento, é apenas uma bênção”, disse Gaillot ao papa segundo uma reportagem da imprensa francesa traduzida e publicada em inglês no sítio do New Ways Ministry. “Temos o direito de dar a bênção de Deus, afinal de contas nós também abençoamos casas!”
“O papa escutou”, informou Gaillot. “Ele parecia aberto a tudo isso. Nesse momento em particular, o papa falou que abençoar as pessoas também envolve falar bem de Deus a elas”.
Segundo Gaillot, Francisco lhe disse: “Continue, o que você faz (pelos oprimidos) é bom”. Francisco certamente pareceu compreender a importância deste encontro.
Gaillot disse que Francisco deixou duas mensagens em sua secretária eletrônica nos últimos meses antes de escrever-lhe convidando-o formalmente para vir ao Vaticano.
“Com um sorriso, o Papa declarou: ‘Estou falando com o bispo de Partênia’”, disse Gaillot. Segundo o bispo, tudo no encontro foi bastante informal.
“Eu estava em um dos quartos comuns da Casa Santa Marta (residência no Vaticano onde Francisco mora). Uma porta se abriu e o papa simplesmente entrou. Este nosso momento se realizou como se eu fosse da família, sem nenhum protocolo. Ele é, realmente, um homem livre. A certa altura, ele se levantou e disse: Tens um fotógrafo? Como eu não tenho isso e não havia ninguém por perto para tirar a foto, nós mesmos a tiramos com um telefone celular”.
O Vaticano não divulgou nenhum detalhe do encontro entre Gaillot e Francisco, momento que não estava incluído na lista oficial de audiências papais.
Com certeza, este encontro desencadeará uma nova rodada de especulação sobre o que ele sinaliza quanto às intenções de Francisco  uma mudança na política ou doutrina da Igreja, ou nada mais que um ato de bondade para com um rebelde já em idade de idade avançada.
No mais, o encontro parece apontar para aquele tipo de Igreja como uma “grande tenda”, em que se acomodam dentro dela as extremidades e o meio. No entanto, esta ideia em si é, frequentemente, vista como um sério perigo aos puristas doutrinais que floresceram sob os papados de João Paulo II e Bento XVI.
Ainda assim, é interessante notar uma série de convergências entre Gaillot e Francisco, especialmente em termos trabalho social para com os marginalizados:
• Em sua primeira mensagem de Páscoa, Gaillot escreveu: “Cristo morreu do lado de fora dos muros assim como nasceu no lado de fora dos muros. Se quisermos a ver a luz, o sol, da Páscoa, teremos de sair para fora dos muros”.
• No discurso aos seus colegas cardeais antes do Conclave de 2013, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio denunciou o “narcisismo teológico” de uma Igreja trancada dentro de si mesma em vez de “ir até as periferias, não apenas geográficas, mas também as periferias existenciais: as do mistério do pecado, as da dor, as da injustiça, as da ignorância e da abstenção religiosa, as do pensamento, as de toda a miséria”.
 Gaillot também disse: “Eu não estou aqui para convencer os convencidos ou cuidar dos que estão bem. Estou aqui para apoiar os enfermos e lançar a mão aos perdidos. Devo ser bispo que permanece em sua catedral ou que ele vai às ruas?”
• Da mesma forma, Francisco escreveu: “Eu prefiro uma Igreja que está machucada, ferida e suja porque foi para as ruas, em vez de uma Igreja que não é saudável por ser confinada e por se apegar à própria segurança (...) Mais do que meu receio de extraviar-se, minha esperança é que nós sejamos movidos pelo medo de permanecer calados dentro de estruturas que nos dão uma falsa ideia de segurança, dentro das regras que fazem de nós duros juízes, dentro dos hábitos que nos fazem sentir a salvo, enquanto à nossa porta as pessoas estão famintas e Jesus não cansa de nos dizer ‘Deem vós mesmos de comer’ (Mc 6, 37)”. Gaillot também se focou a ministrar aos desabrigados, acolhendo os gays e os divorciados, e pediu clemência para as mulheres que se submeteram ao aborto – ecoando o exemplo misericordioso que o Papa Francisco defendeu no início desta semana.
Francisco igualmente fez da prática de visitar os encarcerados uma peça central de seu ministério, e há relatos que dizem que na época quando Gaillot deixou a Diocese de Evreux ele já havia visitado mais prisões do que qualquer outro bispo na história francesa. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br


segunda-feira, 7 de setembro de 2015

COISAS DE FRANCISCO: O Papa na ótica.

D. Odilo pede investigação de vínculo entre refém e criminoso da Sé

Na primeira missa de domingo depois do tiroteio que terminou com dois mortos na porta da Catedral da Sé, o arcebispo de São Paulo, d. Odilo Scherer, pediu para que os católicos não tenham medo de entrar na igreja.
Em entrevista, ele também afirmou que não acredita que a balconista feita refém, Elenilza Mariana de Oliveira Martins, fosse uma fiel e que estivesse rezando na igreja quando foi abordada. Para d. Odilo, ela e o criminoso, Luiz Antonio da Silva, 49, talvez já se conhecessem (leia abaixo).
Dizendo que há violência por toda a parte, afirmou que tanto a catedral como a praça da Sé são locais de paz e disse que visitantes continuam sendo bem-vindos.
Para d. Odilo, "na consciência pública" o tiroteio pode dar à igreja uma imagem de lugar violento, mas que na região não há mais incidentes do que no resto da cidade.
O líder religioso só falou sobre o incidente no fim da missa. Ele expressou "veemente repulsa e consternação diante de fatos tão graves", não só esse que aconteceu na porta da igreja, mas atos violentos de maneira geral, e pediu para que os fiéis "não se acostumem" com cenas como as de sexta (4).
No começo da tarde, Luiz Antonio fez a balconista refém dentro da catedral e a levou à escadaria na frente da igreja.
Pessoas que estavam na praça começaram a acompanhar a ação. Uma delas, o pedreiro Francisco Erasmo Rodrigues de Lima, 61, se aproximou dos dois, em seguida se jogou em cima de Luiz Antonio e livrou a refém.
O criminoso conseguiu se desvencilhar e atirou em Francisco Erasmo. Logo em seguida, a polícia abriu fogo contra Luiz Antonio. Os dois morreram.

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Folha - Por que era importante fazer referência ao acontecimento no fim da celebração da missa?
D. Odilo Scherer - Porque aconteceu na frente da catedral. Na consciência pública se cria certo medo em relação a vir à catedral, uma imagem de que seria um lugar inseguro. E eu gostaria de afirmar a todos que não é um lugar inseguro. O que aconteceu poderia ter acontecido em qualquer lugar.

Há algo específico que chamou a sua atenção no incidente?
Eu gostaria de dizer que embora a mulher que estava sendo vítima de violência tenha dito que não conhecia esse homem, seria importante que as investigações fossem adiante para verificar que tipo de relação havia. Eu não compartilho com a ideia de que era uma fiel que estava dentro da catedral rezando e foi abordada por alguém desconhecido com quem ela não tinha nenhum contato. Seria necessário aprofundar essa questão.

O relato é que ela estava na catedral e foi tirada pelo homem.
De fato, os dois se encontravam na catedral, mas é preciso ver se os dois entraram juntos. Se antes dos fatos de violência os dois já não estavam em conversação juntos, se não havia relação anterior entre as duas pessoas e que acabaram desencadeando a violência desse homem que foi morto pelos policiais. Acho que aqui há algo a ser aprofundado. Eu sei pela imprensa que o vigia viu que havia algo não normal, o que depois se viu fora da catedral.

O senhor viu as imagens. Seria possível evitar as mortes?
Concluo que a ação da polícia, inicialmente, visava evitar o desfecho mais grave, que seria a morte de alguém. Mas o fato de alguém fora do esquema ter entrado, como uma ação pessoal para tentar resolver a questão mudou todo o esquema. De fato, o homem que estava agredindo a mulher estava armado, ameaçando não só a ela, mas outras pessoas. O que pude ver e perceber é que a polícia estava tentando desarmá-lo, pedindo que ele soltasse a arma. Porém, no momento que entrou alguém imprevisto na cena e precipitou a situação [deixando-a] fora de qualquer previsibilidade. Infelizmente a polícia interveio para atirar no homem que fazia violência porque ele continuava com a arma na mão e podia continuar a atirar em outras pessoas. Lamentavelmente foram duas outras mortes que se somam às chacinas, mortes não explicadas e não explicáveis. Acho que existe a necessidade de pensar um pouco não só a questão da segurança, mas a das relações sociais e dos valores. Penso que existe um alto nível de tensão e agressividade que poderia ser melhor trabalhado para que cenas como essa fossem evitadas.

Era uma questão de tempo para algo assim acontecer na praça?

A violência acontece em todos os cantos da cidade. Não é uma questão que estaria concentrada aqui na Sé, embora aqui haja situações que podem favorecer a violência. Mas também há bastante vigilância, tanto na praça como dentro da igreja. Até hoje, os fatos de violência não são tantos. Aqui não está fora da norma em relação a outros ambientes da cidade. Eu estou com muita frequência na praça, passo por ela e nunca me senti ameaçado. Claro que é preciso estar atento, porque a insegurança está em todas as partes. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br

Imagens terríveis na principal igreja de SP devoram os espectadores

O público ainda nem esqueceu a imagem horrível do menino curdo morto afogado em praia da Turquia e uma nova sequência de imagens chocantes vai devorar os espectadores.
Na tarde desta sexta-feira (4), dois homens morreram após troca de tiros na escadaria da Catedral da Sé, cartão-postal do centro de São Paulo.
Não é o público quem consome as imagens, elas é que dominam sua mente, possuem sua alma, até a próxima cena terrível. Todos os dias as imagens precisam fazer a sua refeição de público. "A imprensa é uma necrófila insaciável", diz personagem do escritor Rubem Fonseca.
Enquanto escrevo, o vizinho assiste com o som alto o "Brasil Urgente", e ouço a voz do apresentador José Luiz Datena. O programa transmitiu e "trepetiu" as cenas em tempo real: um cinegrafista da emissora estava lá na hora H.
Há um poderoso simbolismo a potencializar a sequência de imagens na tarde de uma sexta-feira em que as estradas já iniciavam o congestionamento para o fim de semana prolongado: um homem e uma mulher na porta da principal igreja da cidade, ambos jovens, em vez de entrarem para um casamento, ele a mantém como refém.
A porta do templo se fecha para eles. Estão no alto da escadaria da catedral, como num palco. Ali é o centro geográfico de São Paulo, o "marco zero". Outro homem, mais velho, que remete à maturidade, se aproxima para tirar a mulher das mãos do primeiro. Sua aparente boa ação, estabanada, é punida com a morte, o que desencadeia um tiroteio, em que morre também o agressor, e a mulher sai do episódio ferida.
A cena é filmada em tempo real pela TV e também pelos celulares de centenas de pessoas que passavam pelo local, incluindo crianças, e correram para ver a cena (no tempo do selfie, os celulares se voltaram para o outro lado).
Parece um enredo de novela diabólica: homem e mulher explodem a ideia de casal, o bem é punido com a morte, nem o espaço do sagrado se salva da violência, as balas fuzilam o coração de São Paulo.
A capital paulista vive hoje os menores índices de homicídio (o termômetro mais usado) de sua história conhecida, revertendo décadas de crescimento contínuo. Nos anos 1980, quando Nova York era mais perigosa que São Paulo e esta tinha uma imagem de cidade segura, a violência era maior que hoje. E entre todas as áreas, o centro, onde fica a Sé, é das mais seguras.
Mas como acreditar em estatísticas diante de cenas como as desta sexta-feira, que vão reverberar na mídia até encontrar substitutas à altura? Há poucos dias houve a maior chacina da história; ontem dois homens são mortos diante do nariz, no centro da sala, de todos os paulistanos. As imagens devoram tudo: não há matemática nem racionalidade para contrapô-las.
Na mesma sexta-feira tiveram início no Rio os trabalhos do congresso da Intercom, um dos principais encontros de estudos da comunicação no país. Hoje, o evento homenageia o estudioso Norval Baitello (PUC-SP) pela maturidade de seus estudos sobre imagem. Ele cunhou a ideia de que vivemos uma "Era da Iconofagia" (título de um de seus livros), na qual as imagens devoram os espectadores, se tornam absolutas. Talvez seja apenas uma coincidência em busca de sentido. Ou não.