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sábado, 17 de novembro de 2012

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 199: Jesus e o fim do mundo.


33º Domingo do Tempo Comum - Ano B

33º Domingo do Tempo Comum - Ano B
        A liturgia do 33º Domingo do Tempo Comum apresenta-nos, fundamentalmente, um convite à esperança. Convida-nos a confiar nesse Deus libertador, Senhor da história, que tem um projeto de vida definitiva para os homens. Ele vai – dizem os nossos textos – mudar a noite do mundo numa aurora de vida sem fim.
A primeira leitura anuncia aos crentes perseguidos e desanimados a chegada iminente do tempo da intervenção libertadora de Deus para salvar o Povo fiel. É esta a esperança que deve sustentar os justos, chamados a permanecerem fiéis a Deus, apesar da perseguição e da prova. A sua constância e fidelidade serão recompensadas com a vida eterna.
No Evangelho, Jesus garante-nos que, num futuro sem data marcada, o mundo velho do egoísmo e do pecado vai cair e que, em seu lugar, Deus vai fazer aparecer um mundo novo, de vida e de felicidade sem fim. Aos seus discípulos, Jesus pede que estejam atentos aos sinais que anunciam essa nova realidade e disponíveis para acolher os projetos, os apelos e os desafios de Deus.
A segunda leitura lembra que Jesus veio ao mundo para concretizar o projeto de Deus no sentido de libertar o homem do pecado e de o inserir numa dinâmica de vida eterna. Com a sua vida e com o seu testemunho, Ele ensinou-nos a vencer o egoísmo e o pecado e a fazer da vida um dom de amor a Deus e aos irmãos. É esse o caminho do mundo novo e da vida definitiva.
 EVANGELHO- Mc 13,24-32: ATUALIZAÇÃO.
       Ver os telejornais ou escutar os noticiários é, com frequência, uma experiência que nos intranquiliza e que nos deprime. Os dramas dessa aldeia global que é o mundo entram em nossa casa, sentam-se à nossa mesa, apossam-se da nossa existência, perturbam a nossa tranquilidade, escurecem o nosso coração. A guerra, a opressão, a injustiça, a miséria, a escravidão, o egoísmo, a exploração, o desprezo pela dignidade do homem atingem-nos, mesmo quando acontecem a milhares de quilômetros do pequeno mundo onde nos movemos todos os dias. As sombras que marcam a história atual da humanidade tornam-se realidades próximas, tangíveis, que nos inquietam e nos desesperam. Feridos e humilhados, duvidamos de Deus, da sua bondade, do seu amor, da sua vontade de salvar o homem, das suas promessas de vida em plenitude. A Palavra de Deus que hoje nos é servida abre, contudo, a porta à esperança. Reafirma, uma vez mais, que Deus não abandona a humanidade e está determinado a transformar o mundo velho do egoísmo e do pecado num mundo novo de vida e de felicidade para todos os homens. A humanidade não caminha para o holocausto, para a destruição, para o sem sentido, para o nada; mas caminha ao encontro da vida plena, ao encontro desse mundo novo em que o homem, com a ajuda de Deus, alcançará a plenitude das suas possibilidades.
Os cristãos, convictos de que Deus tem um projeto de vida para o mundo, têm de serem testemunhas da esperança. Eles não leem a história atual da humanidade como um conjunto de dramas que apontam para um futuro sem saída; mas veem os momentos de tensão e de luta que hoje marcam a vida dos homens e das sociedades como sinais de que o mundo velho irá ser transformado e renovado, até surgir um mundo novo e melhor. Para o cristão, não faz qualquer sentido deixar-se dominar pelo medo, pelo pessimismo, pelo desespero, por discursos negativos, por angústias a propósito do fim do mundo… Os nossos contemporâneos têm de ver em nós, não gente deprimida e assustada, mas gente a quem a fé dá uma visão otimista da vida e da história e que caminha alegre e confiante, ao encontro desse mundo novo que Deus nos prometeu.
É Deus, o Senhor da história, que irá fazer nascer um mundo novo; contudo, Ele conta com a nossa colaboração na concretização desse projeto. A religião não é ópio que adormece os homens e os impede de se comprometerem com a história… Os cristãos não podem ficar de braços cruzados à espera que o mundo novo caia do céu; mas são chamados a anunciar e a construir, com a sua vida, com as suas palavras, com os seus gestos, esse mundo que está nos projetos de Deus. Isso implica, antes de mais, um processo de conversão que nos leve a suprimir aquilo que, em nós e nos outros, é egoísmo, orgulho, prepotência, exploração, injustiça (mundo velho); isso implica, também, testemunhar em gestos concretos, os valores do mundo novo – a partilha, o serviço, o perdão, o amor, a fraternidade, a solidariedade, a paz.
Esse Deus que não abandona os homens na sua caminhada histórica vem continuamente ao nosso encontro para nos apresentar os seus desafios, para nos fazer entender os seus projetos, para nos indicar os caminhos que Ele nos chama a percorrer. Da nossa parte precisamos estar atentos à sua proximidade e reconhecê-lo nos sinais da história, no rosto dos irmãos, nos apelos dos que sofrem e que buscam a libertação. O cristão não pode fechar-se no seu canto e ignorar Deus, os seus apelos e os seus projetos; mas tem de estar atento e de notar os sinais através dos quais Deus se dirige aos homens e lhes aponta o caminho do mundo novo.
É preciso, ainda, ter presente que este mundo novo- que está permanentemente a fazer-se e depende do nosso testemunho- nunca será uma realidade plena nesta terra (a nossa caminhada neste mundo será sempre marcada pela nossa finitude, pelos nossos limites, pela nossa imperfeição). O mundo novo sonhado por Deus é uma realidade escatológica, cuja plenitude só acontecerá depois de Cristo, o Senhor, ter destruído definitivamente o mal que nos torna escravos.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 198: Rezar pra quê se o mal "domina" o mu...

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

CARMELITAS: Missa de todos os defuntos.

A Bíblia respira profecia: “Se calarem a voz dos profetas...”.

 "Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos violentados, para que nossas palavras possam refletir algo da vontade do Deus da vida. Mais que fazer cursos de oratória, precisamos de cursos de “escutatória”. Para ouvir os clamores mais profundos dos empobrecidos, é necessário conviver com eles", escreve Frei Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos carmelitas e assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT.
Eis o artigo.
Palavra de Javé: consolai os aflitos e afligi os consolados! Ninguém pode tocar o corpo dos escritos proféticos sem sentir a batida do coração divino.
1 – Para começo de conversa
A Bíblia, se interpretada com sensatez e a partir dos pobres, nos educa para a vivência profética, o que passa necessariamente por construir uma convivência humana e ecológica onde o bem comum seja um princípio básico seguido.
Os grandes desafios da realidade social, eclesial e eclesiástica para as pessoas cristãs que se engajam nas lutas sociais e na construção de uma sociedade justa, solidária, ecumênica e sustentável, - também construção de uma igreja Povo de Deus -, me fazem recordar também os desafios de muitos profetas e profetisas da Bíblia e de suas profecias.
Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST - realiza ações radicais – não extremistas, mas aquelas que, de fato, vão à raiz dos problemas e, por isso, ferem o coração da idolatria do capital - o ódio dos poderosos despeja-se sobre os militantes desse que é o maior movimento popular da América Afrolatíndia.  Isso faz acordar em mim profecias bíblicas, como das parteiras do Egito, dos profetas Elias, Amós, Miqueias e do galileu de Nazaré.
Antes de passar a palavra às profetisas e aos profetas da Bíblia, pergunto: Quantos de nós já nos dispusemos a fazer a experiência de viver sob lonas pretas e gravetos – em condições similares aos animais no meio do mato, ou em condições piores do que nas favelas? Quem de nós já viveu à beira das estradas, em lugares ermos e remotos, sujeitos aos ataques noturnos repentinos? Quantos já permaneceram em um acampamento do MST por mais de  um dia, observando o que comem (e, sobretudo, o que deixam de comer), o que lhes falta, como são suas condições de vida? Quantos já viram o desespero das mães procurando, aos gritos, pelos filhos enquanto o acampamento arde em fogo às 3 da madrugada, atacado por jagunços?
Sentindo-me na pele dos Sem Terra, convido você para visitar algumas profecias bíblicas das parteiras, de Elias, Amós, Miqueias e Jesus de Nazaré, na esperança de que possam iluminar nossas consciências e aquecer nossos corações para discernirmos o que é preciso fazer, como fazer e comprometermo-nos de fato com a causa dos pobres que, com fé libertadora, lutam por direitos humanos, por uma terra sem males.
1.1 – Uma premissa básica: nosso Deus é transdescendente
Muitos perguntam: se Deus existe e é todo poderoso, por que permite tanta dor, tanta violência e sofrimento no mundo? Deus é sádico? Está sentado na arquibancada, de braços cruzados, vendo o sangue do inocente verter na arena da vida? Deus não faz nada? Um sábio, ao ouvir essas interpelações, respondeu: Deus fez e faz todos nós para sermos no mundo expressão do Deus que é infinito amor. A única força que Deus tem é o amor, que aparenta ser a realidade mais frágil, mas é a mais poderosa do mundo. Só o amor constrói.
Jesus se tornou tão humano que acabou se divinizando. Pelo seu relacionamento íntimo com o Pai, ao qual chamava de papai (abbáh, em hebraico), Ele nos revela uma característica fundamental que perpassa toda a experiência do povo de Deus da Bíblia: o Deus comprometido com os pobres é um Deus transdescendente, não apenas transcendente - sua transcendência se esconde na imanência, o divino no humano. A partir do Êxodo, constatamos como Javé é um Deus que ouve os clamores dos oprimidos e desce para libertá-los (Ex 3,7-9). No início do Gênesis, o Espírito está nas águas, permeia e perpassa tudo (Gn 1,2). Em Jesus de Nazaré, tendo “nascido de mulher” (Gl 4,4), Deus se encarna, descendo e assumindo a condição humana. No Apocalipse, Deus larga o céu, desce, arma sua tenda entre nós e vem morar conosco definitivamente (Ap 21,1-3). Logo, um movimento de transdescendência perpassa toda a Bíblia. Esta característica se reflete em Jesus.
1.2 – Profecia é sussurro de Deus
Os oráculos proféticos, normalmente, são introduzidos com uma fórmula característica: “Assim disse Javé....” ou “Oráculo de Javé” (Jr 9,22-23). A expressão “ne’m YAHWEH”, em hebraico, geralmente traduzida por “oráculo de Javé” ou “Palavra de Javé”, significa "sussurro, cochicho de Deus no ouvido do profeta ou da profetisa". Para entender um cochicho, um sussurro, é preciso fazer silêncio, prestar muita atenção, estar em sintonia, ter proximidade, ser amiga/o. Logo, Deus não falava claramente aos profetas, como nós, muitas vezes pensamos. Deus fala hoje para – e em - nós do mesmo modo que falava aos profetas e às profetisas. Deus cochicha (sussurra) em nossos ouvidos, sempre a partir da realidade do pólo enfraquecido, na trama complexa das relações e estruturas humanas.
Precisamos colocar nossos ouvidos e nosso coração pertinho do coração dos violentados, para que nossas palavras possam refletir algo da vontade do Deus da vida. Mais que fazer cursos de oratória, precisamos de cursos de “escutatória”. Para ouvir os clamores mais profundos dos empobrecidos, é necessário conviver com eles.
1.3 - A força e a fraqueza da palavra profética
Intervenções proféticas que, no tempo do profeta (ou da profetisa) devem ter provocado calafrios, e ter soado quase como blasfemas, hoje podem parecer insossas a muitos leitores. Assim palavras de grande profundidade humana podem passar despercebidas para muitos cristãos. Se os profetas bíblicos ressuscitassem no nosso meio hoje e atualizassem suas profecias, provavelmente, suscitariam mal-estar ou escândalo. Eis um exemplo: O profeta Amós, em pleno século VIII a.C., fez a seguinte profecia:
“Ide-vos a Betel pecar, em Guilgal pecai firme;
oferecei pela manhã os vossos sacrifícios
e no terceiro dia os vossos dízimos;
oferecei pães fermentado, pronunciai a ação de graças,
anunciai dons voluntários,
pois é disso que gostais, israelitas
oráculo de Javé” (Am 4,4-5).
Este texto é quase incompreensível para as pessoas que não sabem o que é Betel nem Guilgal, desconhecem a expressão “oferecer sacrifícios” (só ouviram falar de “sacrificar-se”, “mortificar-se”), desconhecem o que são os ázimos e os dons voluntários. Isso nos revela a fraqueza da palavra profética. Mas atualizando a profecia, acima apresentada, poderemos, talvez, apresentá-la assim:
“Ide pecar em Aparecida no Norte,
em Juazeiro do Padre Cícero pecai firme.
Assisti à missa todos os dias,
Oferecei vossas velas e oferendas.
Queimai o incenso da bajulação,
Ardam os incensórios,
Anunciai novenas,
Pois é disso que gostais, católicos.
Oráculo do Senhor”.


Aqui notamos a força da mensagem, sua clareza, brevidade e concisão. Também é patente a dureza e ironia com a qual se expressa. Em Am 4,4-5 o profeta usa o gênero “instrução”, típico dos sacerdotes. Assim Amós, usando o estilo de linguagem dos sacerdotes, critica-os com uma ironia fina e os ridiculariza.
O exemplo acima, nos mostra a força e a fraqueza da palavra profética. Fraca, porque ficou aprisionada por uma linguagem, uma história, uma cultura, que não é a nossa. Forte, porque resplandece com todo vigor quando lhe arrancamos as “sujeiras” do tempo e encontramos o seu sentido “em si” e a sua mensagem “para nós”.
Para entendermos bem o sentido “em si” de Am 4,4-5 devemos estudar exegeticamente o texto. Para percebermos a veemência da crítica do profeta Amós ao culto, explicitando assim a relação de Israel com o culto, devemos considerar o seguinte:
Os versículos 4 e 5 do capítulo quatro de Amós são uma irônica exortação (seis verbos no imperativo) a caminhar para os santuários de Betel e Galgala para multiplicar as transgressões, mais do que para adorar Deus. O caráter irônico dos versículos é sublinhado pela exortação para oferecer um sacrifício cada manhã, e pior ainda, o dízimo (= a décima parte) a cada três dias. Dt 14,28 e Dt 26,12 são dois textos que regulam esta obrigação, estabelecem que a décima parte deve ser paga a cada três anos. Portanto, pedir para pagar a cada três dias o que deve ser pago a cada três anos é, no mínimo, uma ironia sarcástica.
Também a ação de graças com a oferta do pão fermentado (v. 5) contradiz formalmente o que é indicado em Ex 12,15.39; 13,7; Dt 16,3. Da celebração da Páscoa (Ex 13,3; 23,18; 34,25) até as pequenas “ofertas vegetais” (Lv 2,4.5.11), tudo deve ser feito sempre com pães ázimos, e não com pão fermentado. Se comparar esta ironia com Os 8,13, segundo a interpretação proposta por alguns autores , a ironia não se refere portanto a uma falsa celebração da Páscoa somente. “Cada manhã” (v. 4) não deve ser traduzido por “na manhã”, como crítica de uma celebração pascal que devia acontecer à tarde.
Com relação às ofertas voluntárias  pode-se encontrar um tratamento irônico no incitamento a proclamar e fazer conhecê-las. Essas ofertas, justamente porque voluntárias, não eram provavelmente reguladas por específicas disposições.  As concessões sobre a imperfeita qualidade da oferta voluntária, não permitida para outros sacrifícios (Lv 22,23), nas regras mais amplas sobre o tempo para consumir a oferta (Lv 7,16; 22,21), assim como a menção delas no último lugar no resumo de Lv 23,37-38, depois dos “sacrifícios para o fogo”, holocaustos, oblações, vítimas, libações, dons e votos. Tudo sublinha o caráter privado desses sacrifícios. Proclamar essas ofertas destrói o seu caráter e finalidade. Não parece que nem o anúncio (retórico) do salmista dos sacrifícios que fará nem da proclamação das graças recebidas por Deus (Sl 66,15-16) pode ser interpretado como justificação ou explicação do relacionamento indicado em Am 4,5.
Vamos contemplar como agiram profetisas e profetas da Bíblia. Isso poderá ser uma bússola na nossa missão na atualidade.

POEMAS DE CASTRO ALVES-01: A Canção do Africano.


quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 196: Os Santos Carmelitas e o Mensalão.


AS DEZESSEIS CARMELITAS DE COMPIÈGNE

AS DEZESSEIS CARMELITAS DE COMPIÈGNE
                (Beatas Virgens e Mártires)

Por Valentino Macca[1]

Tradução por Frei Pedro Caxito O.Carm. (In Memorian)

      A comunidade das Carmelitas Descalças estabeleceu-se em Compiègne (Oise - França) em 1641, procedendo do mosteiro de Amiens. Sete anos depois da fundação foi construído o convento com a igreja dedicada à Anunciação. O mosteiro continuamente progredia em fervor, distinguindo-se pela sua observância regular e fidelidade ao espírito de Santa Teresa e gozava assim do afeto e estima da corte da França. Ao estalar a Revolução (Francesa), as monjas recusaram-se a se despojarem do seu hábito carmelita e à medida em que iam crescendo os distúrbios entre junho e setembro de 1792, seguindo uma inspiração da priora Teresa de Santo Agostinho, ofereceram-se todas ao Senhor em holocausto "para aplacar a cólera de Deus e para que a paz divina, trazida ao mundo pelo seu amado Filho, fosse devolvida à Igreja e ao Estado". O Ato de Consagração, emitido inclusive por duas religiosas de muita idade que a princípio haviam-se assustado só com o pensamento de guilhotina, tornou-se um oferecimento de todos os dias até a data do martírio que aconteceu dois anos depois.
      Lançadas fora do seu mosteiro no dia 14 de setembro de 1792 as carmelitas descalças continuaram a sua vida de oração e penitência divididas em quatro grupos por diferentes lugares de Compiègne, mas unidas pelo afeto e pela comunicação, debaixo da direção vigilante de Teresa de Santo Agostinho. Logo,porém, foram descobertas e denunciadas pelo comitê revolucionário e a 24 de junho de 1794 foram aprisionadas e encarceradas juntas em Santa Maria, mosteiro da Visitação transformado em cadeia. De compiègne foram as dezesseis monjas transportadas para Paris, onde chegaram no dia 13 de julho, e imediatamente foram encerradas no terrível cárcere de "La Conciergerie" já abarrotado com os sacerdotes, religiosos e leigos condenados à morte.
      Exemplo para todos de tranqüilidade e serena confiança em Deus e modelo, ao mesmo tempo de total entrega a Jesus e à Igreja, souberam difundir em torno de si um raio de alegria, como aconteceu no dia 16 de julho, festa de Nossa Mãe Santíssima do Carmo, quando uma delas pediu a um dos presos que gozava de maior liberdade para lhe arranjar o necessário para escrever e assim com o carvão de alguns gravetos adaptou à música da Marselhesa um canto de júbilo e oração, anunciando o seu martírio. No dia seguinte, em julgamento mais do que sumário, quando tiveram oportunidade de manifestar a sua fortaleza, foram as dezesseis carmelitas descalças condenadas à morte pelo tribunal da Revolução, sendo a causa a sua fidelidade à vida religiosa, o "fanatismo" (especialmente em relação com a maravilhosa devoção aos Corações de Jesus e Maria) e adesão à autoridade constituída.
      Enquanto eram levadas numa carroça para serem executadas na "Barrière-du-Trône", iam cantando em voz alta, no meio do silêncio da multidão e dos próprios "sans-culottes", o Miserere, a Salve Regina e o Te-Deum. Quando chegaram perto da guilhotina, cantaram o Veni Creator Spiritus e, uma por uma, renovaram nas mãos da Priora a Profissão Religiosa e imediatamente começaram a ser decapitadas.
      A última a morrer foi a Madre Teresa de Santo Agostinho, que tão admiravelmente havia preparado as suas filhas para o martírio e tão maravilhosamente realizara o que tinha o costume de dizer: "O amor sempre há de sair vitorioso. Quando se tem amor tudo se consegue". O martírio acontecido no dia 17 de julho de 1794 demonstrou mais uma vez o poder invencível do amor a Cristo.
      Dos documentos existentes e preciosos testemunhos da três carmelitas da comunidade de Compiègne que puderam escapar da morte, possuímos a lista seguinte com os nomes de cada uma das mártires: primeiro o nome de religiosa, mais ou menos completo e em seguida, entre parêntesis, o nome de batismo e de família.

      Teresa de Santo Agostinho (Maria Madalena Claudina Lidoine) que era a Priora, * em Paris a 22 de setembro de 1752.
      Irmã São Luís (Maria Ana Francisca Brideau), subpriora
* em Belfort a 7 de dezembro de 1751.
      Irmã Ana Maria de Jesus Crucificado (Maria Ana Piedcourt)
* em Paris a 9 de dezembro de 1715.
      Irmã Carlota da Ressurreição (Ana Maria Madalena Thouret)
* em Mouy (Oise) a 7 de setembro de 1715.
      Irmã Eufrásia da Imaculada Conceição (Maria Cláudia Cipriana Brard) * em Bourth (Eure) a 12 de maio de 1736.
      Irmã Henriqueta de Jesus (Maria Francisca de Croissy)
* em Paris a 18 de junho de 1745.
      Irmã Teresa do Coração de Maria (Maria Ana Hanisset)
* em Reims (Marne) a 18 de janeiro de 1742.
      Irmã Teresa de Santo Inácio (Maria Gabriela Trézel)
* em Compiègne a 4 de abril de 1743.
      Irmã Júlia Luísa de Jesus (Rosa Cristina de Neuville)
* em Évreux (Eure) a 30 de dezembro de 1741.
      Irmã Maria Henriqueta da Providência (Maria Anita Pelras)
* em Cajarc (Lot) a 16 de junho de 1760.
      Irmã Constância (Maria Genoveva Meunier), noviça
* em Saint-Denis (Seine) a 28 de maio de 1765.
      Irmã Maria do Espírito Santo (Angélica Roussel), irmã leiga
* em Fresne-Mazancourt (Somme) a 3 de agosto de 1742.
      Irmã Santa Marta (Maria Dufour), irmã leiga
* em Bannes (Sarthe) a 2 de outubro de 1741.
      Irmã S.Francisco Xavier (Isabel Julieta Vérolot, irmã leiga
* em Lignères (Aube) a 13 de janeiro de 1764.
      Irmã Catarina Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 2 de fevereiro de 1742.
      Irmã Teresa Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 23 de janeiro de 1748.

      Os corpos das dezesseis mártires foram lançados numa vala comum juntamente com outros corpos de condenados, num lugar que é o atual cemitério de Picpus, lá onde uma lápide comemora o martírio delas. Restaram algumas peças de roupa que as carmelitas descalças estavam lavando na cadeia de "La Conciergerie", quando foram levadas perante o tribunal, e que, dois ou três dias depois, foram entregues às beneditinas inglesas de Cambrai, encarceradas também, mas logo libertadas[2]. Relíquias preciosas, estas peças conservam-se hoje na Abadia das Beneditinas de Stanbrook, na Inglaterra. Relíquias preciosas são também os escritos das mártires: cartas, poesias, anotações; tudo isto, junto com outros documentos de valor, encontra-se na obra fundamental do Pe. Bruno de Jesus-Maria (OCD).
      As mártires foram beatificadas por São Pio X pelo Breve Pontifício de 13 de maio de 1906, porquanto no dia 10 do mês de dezembro anterior já se havia publicado o Decreto "de tuto", para se proceder à declaração do martírio das 16 carmelitas descalças. Celebra-se a festa delas no dia 17 de julho, nos dois ramos da Ordem do Carmo e na diocese de Paris[3].
      Recentemente o nome das Bem-Aventuradas obteve uma ressonância inesperada graças a obras literárias de valor indiscutível. Em 1931 Gertrudes von Le Fort extraiu da narrativa histórica da vida e martírio das Carmelitas de Compiègne o seu romance Die Letzte am Schaffott (A Última ao Cadafalso)[4], do qual o Pe. R. Bruckberger teve a inspiração de produzir um filme, cujos diálogos confiou a Georges Bernanos em 1937. Dez anos mais tarde, em 1947-48, Bernanos redigia um trabalho que a morte impediu de retocar e aperfeiçoar, mas publicado em 1949 como obra literária, (com o título de) Les Dialogues des Carmélites (Diálogos das Carmelitas), alcançou enorme êxito por toda a Europa e logo foi levado ao Teatro por A. Beguin com acolhida não menos favorável.
      Em janeiro de 1957 os Diálogos das Carmelitas[5] foram musicados por Francis Poulenc e representado no "Scala de Milão", alargando assim ainda mais a irradiação da obra de Bernanos[6]. Finalmente em 1959, sob a direção de Filipe Agostini, o Pe. Bruckberger viu realizado o seu sonho, levando para a tela os Diálogos das Carmelitas, filme de co-produção ítalo-francesa.
      E assim a epopéia das 16 Mártires, filhas de Santa Teresa, era dada a conhecer ao mundo inteiro.

                                  


    [1].  Em Santos del Carmelo Preparação e introdução de Frei Ludovico Saggi O.Carm. - Prólogo de Pe.Valentim Macca OCD e Tradução para o Castelhano por Jesus Maria Carrión O.Carm.  Editorial de Espiritualidad  Ayala  Madri-1 1982    
    [2].  Certamente porque eram inglesas.  
    [3].  No mês de julho, mês de Nossa Senhora do Carmo, celebram-se ainda as 3 mártires de Guadalajara, vítimas da Revolução Comunista na Espanha, as Bem-Aventuradas Maria do Pilar de S.Francisco de Borja, Teresa do Menino Jesus e Maria dos Anjos de São José (no dia 23 de julho) e o Beato Tito Brandsma, mártir do nazismo (no dia 27 de julho).
    [4].  Tradução para o português por Roberto Furquim - Vozes de Petrópolis  1988
    [5].  Tradução para o português por Marina Telles de Menezes Rocha - Livraria Agir Editora  Rio de Janeiro  1960.
    [6].  Ver Revista Música Sacra  Editora Vozes Ltda. Ano XVII  1957  p.95.

AS DEZESSEIS CARMELITAS DE COMPIÈGNE

AS DEZESSEIS CARMELITAS DE COMPIÈGNE
                (Beatas Virgens e Mártires)

Por Valentino Macca[1]

Tradução por Frei Pedro Caxito O.Carm. (In Memorian)

      A comunidade das Carmelitas Descalças estabeleceu-se em Compiègne (Oise - França) em 1641, procedendo do mosteiro de Amiens. Sete anos depois da fundação foi construído o convento com a igreja dedicada à Anunciação. O mosteiro continuamente progredia em fervor, distinguindo-se pela sua observância regular e fidelidade ao espírito de Santa Teresa e gozava assim do afeto e estima da corte da França. Ao estalar a Revolução (Francesa), as monjas recusaram-se a se despojarem do seu hábito carmelita e à medida em que iam crescendo os distúrbios entre junho e setembro de 1792, seguindo uma inspiração da priora Teresa de Santo Agostinho, ofereceram-se todas ao Senhor em holocausto "para aplacar a cólera de Deus e para que a paz divina, trazida ao mundo pelo seu amado Filho, fosse devolvida à Igreja e ao Estado". O Ato de Consagração, emitido inclusive por duas religiosas de muita idade que a princípio haviam-se assustado só com o pensamento de guilhotina, tornou-se um oferecimento de todos os dias até a data do martírio que aconteceu dois anos depois.
      Lançadas fora do seu mosteiro no dia 14 de setembro de 1792 as carmelitas descalças continuaram a sua vida de oração e penitência divididas em quatro grupos por diferentes lugares de Compiègne, mas unidas pelo afeto e pela comunicação, debaixo da direção vigilante de Teresa de Santo Agostinho. Logo,porém, foram descobertas e denunciadas pelo comitê revolucionário e a 24 de junho de 1794 foram aprisionadas e encarceradas juntas em Santa Maria, mosteiro da Visitação transformado em cadeia. De compiègne foram as dezesseis monjas transportadas para Paris, onde chegaram no dia 13 de julho, e imediatamente foram encerradas no terrível cárcere de "La Conciergerie" já abarrotado com os sacerdotes, religiosos e leigos condenados à morte.
      Exemplo para todos de tranqüilidade e serena confiança em Deus e modelo, ao mesmo tempo de total entrega a Jesus e à Igreja, souberam difundir em torno de si um raio de alegria, como aconteceu no dia 16 de julho, festa de Nossa Mãe Santíssima do Carmo, quando uma delas pediu a um dos presos que gozava de maior liberdade para lhe arranjar o necessário para escrever e assim com o carvão de alguns gravetos adaptou à música da Marselhesa um canto de júbilo e oração, anunciando o seu martírio. No dia seguinte, em julgamento mais do que sumário, quando tiveram oportunidade de manifestar a sua fortaleza, foram as dezesseis carmelitas descalças condenadas à morte pelo tribunal da Revolução, sendo a causa a sua fidelidade à vida religiosa, o "fanatismo" (especialmente em relação com a maravilhosa devoção aos Corações de Jesus e Maria) e adesão à autoridade constituída.
      Enquanto eram levadas numa carroça para serem executadas na "Barrière-du-Trône", iam cantando em voz alta, no meio do silêncio da multidão e dos próprios "sans-culottes", o Miserere, a Salve Regina e o Te-Deum. Quando chegaram perto da guilhotina, cantaram o Veni Creator Spiritus e, uma por uma, renovaram nas mãos da Priora a Profissão Religiosa e imediatamente começaram a ser decapitadas.
      A última a morrer foi a Madre Teresa de Santo Agostinho, que tão admiravelmente havia preparado as suas filhas para o martírio e tão maravilhosamente realizara o que tinha o costume de dizer: "O amor sempre há de sair vitorioso. Quando se tem amor tudo se consegue". O martírio acontecido no dia 17 de julho de 1794 demonstrou mais uma vez o poder invencível do amor a Cristo.
      Dos documentos existentes e preciosos testemunhos da três carmelitas da comunidade de Compiègne que puderam escapar da morte, possuímos a lista seguinte com os nomes de cada uma das mártires: primeiro o nome de religiosa, mais ou menos completo e em seguida, entre parêntesis, o nome de batismo e de família.

      Teresa de Santo Agostinho (Maria Madalena Claudina Lidoine) que era a Priora, * em Paris a 22 de setembro de 1752.
      Irmã São Luís (Maria Ana Francisca Brideau), subpriora
* em Belfort a 7 de dezembro de 1751.
      Irmã Ana Maria de Jesus Crucificado (Maria Ana Piedcourt)
* em Paris a 9 de dezembro de 1715.
      Irmã Carlota da Ressurreição (Ana Maria Madalena Thouret)
* em Mouy (Oise) a 7 de setembro de 1715.
      Irmã Eufrásia da Imaculada Conceição (Maria Cláudia Cipriana Brard) * em Bourth (Eure) a 12 de maio de 1736.
      Irmã Henriqueta de Jesus (Maria Francisca de Croissy)
* em Paris a 18 de junho de 1745.
      Irmã Teresa do Coração de Maria (Maria Ana Hanisset)
* em Reims (Marne) a 18 de janeiro de 1742.
      Irmã Teresa de Santo Inácio (Maria Gabriela Trézel)
* em Compiègne a 4 de abril de 1743.
      Irmã Júlia Luísa de Jesus (Rosa Cristina de Neuville)
* em Évreux (Eure) a 30 de dezembro de 1741.
      Irmã Maria Henriqueta da Providência (Maria Anita Pelras)
* em Cajarc (Lot) a 16 de junho de 1760.
      Irmã Constância (Maria Genoveva Meunier), noviça
* em Saint-Denis (Seine) a 28 de maio de 1765.
      Irmã Maria do Espírito Santo (Angélica Roussel), irmã leiga
* em Fresne-Mazancourt (Somme) a 3 de agosto de 1742.
      Irmã Santa Marta (Maria Dufour), irmã leiga
* em Bannes (Sarthe) a 2 de outubro de 1741.
      Irmã S.Francisco Xavier (Isabel Julieta Vérolot, irmã leiga
* em Lignères (Aube) a 13 de janeiro de 1764.
      Irmã Catarina Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 2 de fevereiro de 1742.
      Irmã Teresa Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 23 de janeiro de 1748.

      Os corpos das dezesseis mártires foram lançados numa vala comum juntamente com outros corpos de condenados, num lugar que é o atual cemitério de Picpus, lá onde uma lápide comemora o martírio delas. Restaram algumas peças de roupa que as carmelitas descalças estavam lavando na cadeia de "La Conciergerie", quando foram levadas perante o tribunal, e que, dois ou três dias depois, foram entregues às beneditinas inglesas de Cambrai, encarceradas também, mas logo libertadas[2]. Relíquias preciosas, estas peças conservam-se hoje na Abadia das Beneditinas de Stanbrook, na Inglaterra. Relíquias preciosas são também os escritos das mártires: cartas, poesias, anotações; tudo isto, junto com outros documentos de valor, encontra-se na obra fundamental do Pe. Bruno de Jesus-Maria (OCD).
      As mártires foram beatificadas por São Pio X pelo Breve Pontifício de 13 de maio de 1906, porquanto no dia 10 do mês de dezembro anterior já se havia publicado o Decreto "de tuto", para se proceder à declaração do martírio das 16 carmelitas descalças. Celebra-se a festa delas no dia 17 de julho, nos dois ramos da Ordem do Carmo e na diocese de Paris[3].
      Recentemente o nome das Bem-Aventuradas obteve uma ressonância inesperada graças a obras literárias de valor indiscutível. Em 1931 Gertrudes von Le Fort extraiu da narrativa histórica da vida e martírio das Carmelitas de Compiègne o seu romance Die Letzte am Schaffott (A Última ao Cadafalso)[4], do qual o Pe. R. Bruckberger teve a inspiração de produzir um filme, cujos diálogos confiou a Georges Bernanos em 1937. Dez anos mais tarde, em 1947-48, Bernanos redigia um trabalho que a morte impediu de retocar e aperfeiçoar, mas publicado em 1949 como obra literária, (com o título de) Les Dialogues des Carmélites (Diálogos das Carmelitas), alcançou enorme êxito por toda a Europa e logo foi levado ao Teatro por A. Beguin com acolhida não menos favorável.
      Em janeiro de 1957 os Diálogos das Carmelitas[5] foram musicados por Francis Poulenc e representado no "Scala de Milão", alargando assim ainda mais a irradiação da obra de Bernanos[6]. Finalmente em 1959, sob a direção de Filipe Agostini, o Pe. Bruckberger viu realizado o seu sonho, levando para a tela os Diálogos das Carmelitas, filme de co-produção ítalo-francesa.
      E assim a epopéia das 16 Mártires, filhas de Santa Teresa, era dada a conhecer ao mundo inteiro.

                                  


    [1].  Em Santos del Carmelo Preparação e introdução de Frei Ludovico Saggi O.Carm. - Prólogo de Pe.Valentim Macca OCD e Tradução para o Castelhano por Jesus Maria Carrión O.Carm.  Editorial de Espiritualidad  Ayala  Madri-1 1982    
    [2].  Certamente porque eram inglesas.  
    [3].  No mês de julho, mês de Nossa Senhora do Carmo, celebram-se ainda as 3 mártires de Guadalajara, vítimas da Revolução Comunista na Espanha, as Bem-Aventuradas Maria do Pilar de S.Francisco de Borja, Teresa do Menino Jesus e Maria dos Anjos de São José (no dia 23 de julho) e o Beato Tito Brandsma, mártir do nazismo (no dia 27 de julho).
    [4].  Tradução para o português por Roberto Furquim - Vozes de Petrópolis  1988
    [5].  Tradução para o português por Marina Telles de Menezes Rocha - Livraria Agir Editora  Rio de Janeiro  1960.
    [6].  Ver Revista Música Sacra  Editora Vozes Ltda. Ano XVII  1957  p.95.