AS DEZESSEIS CARMELITAS DE COMPIÈGNE
(Beatas Virgens e Mártires)
Por Valentino Macca[1]
Tradução por Frei Pedro Caxito O.Carm. (In Memorian)
A comunidade das Carmelitas Descalças estabeleceu-se em Compiègne (Oise - França) em 1641, procedendo do mosteiro de Amiens. Sete anos depois da fundação foi construído o convento com a igreja dedicada à Anunciação. O mosteiro continuamente progredia em fervor, distinguindo-se pela sua observância regular e fidelidade ao espírito de Santa Teresa e gozava assim do afeto e estima da corte da França. Ao estalar a Revolução (Francesa), as monjas recusaram-se a se despojarem do seu hábito carmelita e à medida em que iam crescendo os distúrbios entre junho e setembro de 1792, seguindo uma inspiração da priora Teresa de Santo Agostinho, ofereceram-se todas ao Senhor em holocausto "para aplacar a cólera de Deus e para que a paz divina, trazida ao mundo pelo seu amado Filho, fosse devolvida à Igreja e ao Estado". O Ato de Consagração, emitido inclusive por duas religiosas de muita idade que a princípio haviam-se assustado só com o pensamento de guilhotina, tornou-se um oferecimento de todos os dias até a data do martírio que aconteceu dois anos depois.
Lançadas fora do seu mosteiro no dia 14 de setembro de 1792 as carmelitas descalças continuaram a sua vida de oração e penitência divididas em quatro grupos por diferentes lugares de Compiègne, mas unidas pelo afeto e pela comunicação, debaixo da direção vigilante de Teresa de Santo Agostinho. Logo,porém, foram descobertas e denunciadas pelo comitê revolucionário e a 24 de junho de 1794 foram aprisionadas e encarceradas juntas em Santa Maria, mosteiro da Visitação transformado em cadeia. De compiègne foram as dezesseis monjas transportadas para Paris, onde chegaram no dia 13 de julho, e imediatamente foram encerradas no terrível cárcere de "La Conciergerie" já abarrotado com os sacerdotes, religiosos e leigos condenados à morte.
Exemplo para todos de tranqüilidade e serena confiança em Deus e modelo, ao mesmo tempo de total entrega a Jesus e à Igreja, souberam difundir em torno de si um raio de alegria, como aconteceu no dia 16 de julho, festa de Nossa Mãe Santíssima do Carmo, quando uma delas pediu a um dos presos que gozava de maior liberdade para lhe arranjar o necessário para escrever e assim com o carvão de alguns gravetos adaptou à música da Marselhesa um canto de júbilo e oração, anunciando o seu martírio. No dia seguinte, em julgamento mais do que sumário, quando tiveram oportunidade de manifestar a sua fortaleza, foram as dezesseis carmelitas descalças condenadas à morte pelo tribunal da Revolução, sendo a causa a sua fidelidade à vida religiosa, o "fanatismo" (especialmente em relação com a maravilhosa devoção aos Corações de Jesus e Maria) e adesão à autoridade constituída.
Enquanto eram levadas numa carroça para serem executadas na "Barrière-du-Trône", iam cantando em voz alta, no meio do silêncio da multidão e dos próprios "sans-culottes", o Miserere, a Salve Regina e o Te-Deum. Quando chegaram perto da guilhotina, cantaram o Veni Creator Spiritus e, uma por uma, renovaram nas mãos da Priora a Profissão Religiosa e imediatamente começaram a ser decapitadas.
A última a morrer foi a Madre Teresa de Santo Agostinho, que tão admiravelmente havia preparado as suas filhas para o martírio e tão maravilhosamente realizara o que tinha o costume de dizer: "O amor sempre há de sair vitorioso. Quando se tem amor tudo se consegue". O martírio acontecido no dia 17 de julho de 1794 demonstrou mais uma vez o poder invencível do amor a Cristo.
Dos documentos existentes e preciosos testemunhos da três carmelitas da comunidade de Compiègne que puderam escapar da morte, possuímos a lista seguinte com os nomes de cada uma das mártires: primeiro o nome de religiosa, mais ou menos completo e em seguida, entre parêntesis, o nome de batismo e de família.
Teresa de Santo Agostinho (Maria Madalena Claudina Lidoine) que era a Priora, * em Paris a 22 de setembro de 1752.
Irmã São Luís (Maria Ana Francisca Brideau), subpriora
* em Belfort a 7 de dezembro de 1751.
Irmã Ana Maria de Jesus Crucificado (Maria Ana Piedcourt)
* em Paris a 9 de dezembro de 1715.
Irmã Carlota da Ressurreição (Ana Maria Madalena Thouret)
* em Mouy (Oise) a 7 de setembro de 1715.
Irmã Eufrásia da Imaculada Conceição (Maria Cláudia Cipriana Brard) * em Bourth (Eure) a 12 de maio de 1736.
Irmã Henriqueta de Jesus (Maria Francisca de Croissy)
* em Paris a 18 de junho de 1745.
Irmã Teresa do Coração de Maria (Maria Ana Hanisset)
* em Reims (Marne) a 18 de janeiro de 1742.
Irmã Teresa de Santo Inácio (Maria Gabriela Trézel)
* em Compiègne a 4 de abril de 1743.
Irmã Júlia Luísa de Jesus (Rosa Cristina de Neuville)
* em Évreux (Eure) a 30 de dezembro de 1741.
Irmã Maria Henriqueta da Providência (Maria Anita Pelras)
* em Cajarc (Lot) a 16 de junho de 1760.
Irmã Constância (Maria Genoveva Meunier), noviça
* em Saint-Denis (Seine) a 28 de maio de 1765.
Irmã Maria do Espírito Santo (Angélica Roussel), irmã leiga
* em Fresne-Mazancourt (Somme) a 3 de agosto de 1742.
Irmã Santa Marta (Maria Dufour), irmã leiga
* em Bannes (Sarthe) a 2 de outubro de 1741.
Irmã S.Francisco Xavier (Isabel Julieta Vérolot, irmã leiga
* em Lignères (Aube) a 13 de janeiro de 1764.
Irmã Catarina Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 2 de fevereiro de 1742.
Irmã Teresa Soiron, irmã rodeira (externa)
* em Compiègne a 23 de janeiro de 1748.
Os corpos das dezesseis mártires foram lançados numa vala comum juntamente com outros corpos de condenados, num lugar que é o atual cemitério de Picpus, lá onde uma lápide comemora o martírio delas. Restaram algumas peças de roupa que as carmelitas descalças estavam lavando na cadeia de "La Conciergerie", quando foram levadas perante o tribunal, e que, dois ou três dias depois, foram entregues às beneditinas inglesas de Cambrai, encarceradas também, mas logo libertadas[2]. Relíquias preciosas, estas peças conservam-se hoje na Abadia das Beneditinas de Stanbrook, na Inglaterra. Relíquias preciosas são também os escritos das mártires: cartas, poesias, anotações; tudo isto, junto com outros documentos de valor, encontra-se na obra fundamental do Pe. Bruno de Jesus-Maria (OCD).
As mártires foram beatificadas por São Pio X pelo Breve Pontifício de 13 de maio de 1906, porquanto no dia 10 do mês de dezembro anterior já se havia publicado o Decreto "de tuto", para se proceder à declaração do martírio das 16 carmelitas descalças. Celebra-se a festa delas no dia 17 de julho, nos dois ramos da Ordem do Carmo e na diocese de Paris[3].
Recentemente o nome das Bem-Aventuradas obteve uma ressonância inesperada graças a obras literárias de valor indiscutível. Em 1931 Gertrudes von Le Fort extraiu da narrativa histórica da vida e martírio das Carmelitas de Compiègne o seu romance Die Letzte am Schaffott (A Última ao Cadafalso)[4], do qual o Pe. R. Bruckberger teve a inspiração de produzir um filme, cujos diálogos confiou a Georges Bernanos em 1937. Dez anos mais tarde, em 1947-48, Bernanos redigia um trabalho que a morte impediu de retocar e aperfeiçoar, mas publicado em 1949 como obra literária, (com o título de) Les Dialogues des Carmélites (Diálogos das Carmelitas), alcançou enorme êxito por toda a Europa e logo foi levado ao Teatro por A. Beguin com acolhida não menos favorável.
Em janeiro de 1957 os Diálogos das Carmelitas[5] foram musicados por Francis Poulenc e representado no "Scala de Milão", alargando assim ainda mais a irradiação da obra de Bernanos[6]. Finalmente em 1959, sob a direção de Filipe Agostini, o Pe. Bruckberger viu realizado o seu sonho, levando para a tela os Diálogos das Carmelitas, filme de co-produção ítalo-francesa.
E assim a epopéia das 16 Mártires, filhas de Santa Teresa, era dada a conhecer ao mundo inteiro.
[3]. No mês de julho, mês de Nossa Senhora do Carmo, celebram-se ainda as 3 mártires de Guadalajara, vítimas da Revolução Comunista na Espanha, as Bem-Aventuradas Maria do Pilar de S.Francisco de Borja, Teresa do Menino Jesus e Maria dos Anjos de São José (no dia 23 de julho) e o Beato Tito Brandsma, mártir do nazismo (no dia 27 de julho).
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