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sábado, 4 de julho de 2015

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 922. O Rio e o Carmelo.

A PALAVRA... Nº 923. Novena com Frei Petrônio.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 924. Evangelho Dominical.

Os contemplativos de todos os tempos

"Toda contemplação nos leva ao encontro com o Cristo pobre, rasgado, cuspido, violentado, ensanguentado e abandonado na zona rural, nos viadutos, nas ruas e nas portas das nossas Igrejas". Frei Petrônio de Miranda, Padre Carmelita e Jornalista. Convento do Carmo, Lapa, Rio de Janeiro.

RAFAEL CHECA CURI
           
Menção especial deve fazer-se da Virgem Maria, cuja união com a Trindade, em virtude de sua maternidade divina, reveste características de uma relevância singularíssima.
            São João Evangelista e São Paulo, os quais documentam amplamente sua grande experiência contemplativa. Seguramente os outros discípulos do Senhor.
            Os grandes Padres da Igreja, como um Cassiano, santo Agostinho, são João Crisóstomo, são Dionísio Areopagita.
            Os insignes fundadores como Antão, Basílio, Bento, Francisco, Domingos e Bernardo.
            Mulheres santas, como Escolástica, Clara, Catarina de Siena, Madalena de Pazzi.
Mestres que incluíram na espiritualidade como Tomás de Aquino, Ekhart, Tauler, Ruysbroeck, Inácio, Teresa e João da Cruz.
            E, em tempos mais recentes, Francisco de Sales, Lallement, Alfonso de Liguori, João Bosco, Teresa de Lisieux. Carlos de Foucauld, Isabel da Trindade, Thomas Merton.
            Agora mesmo temos consciência de que existem grandes ;místicos, aquelas e aqueles que ilustram o mundo com sua vida, suas realizações e seus escritos, e que, sem dúvida, passarão à posteridade.
        Não podemos esquecer tantos outros contemplativos, que atingiram grandes alturas no cumprimento singelo e humilde do seu dever, unidos, porém, em íntimo querer com o Senhor e que permanecem no anonimato: pais e mães de família, profissionais, políticos, operários, empregados, camponeses, estudantes de ambos os sexos; especialmente tantos pobres e marginalizados, que souberam unir-se à cruz de Cristo, em forma humilde e corajosa, e que, sem demagogia e com grande esperança cristã, lutam por sua libertação.
            A contemplação é dom gratuito, que Deus concede aos que se abrem com coração humilde e pobre, qualquer que seja sua raça, cor, estado de vida, condição social ou econômica, cultura e saúde. O dom da contemplação, porque procede de quem pode e quer dá-lo, só encontra obstáculo na livre vontade, ou na debilidade humana que o recusa.
        Cristo, que salvou o homem, deu-lhe seu Espírito, a fim de que a libertação alcance sua expressão máxima na ordem da graça: "Permanecei em mim, como eu em vós..." (Jo. 14,20)
            Os mestres espirituais tem se esforçado por manifestar-nos “a caridade de Cristo que supera toda ciência, para que sejamos cheios de toda plenitude de Deus” (EF. 3,19). Eis, autênticos mistagogos, porque transmitem uma experiência de vida, puderam marcar-nos o caminho que leva ao cimo. Verdade é que cada pessoa é conduzida por Deus, por diferentes caminhos. A experiência mística é, em cada um única e irrepetível, entretanto o que fez o trajeto pode apontar pistas e indícios, que nos haverão de conduzir com maior segurança.
        Ordinariamente falam-nos de estádios, de etapas do trajeto, ou de idades do crescimento espiritual, de degraus de ascensão para o cimo, em fim, de moradas de um castelo ou de metamorfoses de mudança.
           Todos estes símbolos, bem adequados para clarear-nos o mistério das relações e comunicações entre Deus e a pessoa humana, querem dizer-nos o que sucede na intimidade da mesma.
            O que ali acontece sob influxo da ação do Espírito e na medida da fidelidade humana, é o que trataremos a seguir.
          As diferentes escalas são distintos níveis de consciência espiritual e psicológica, diversos graus de oração, desigual intensidade na comunhão com Deus, dissimulitude nas etapas do crescimento cristão, variantes na identificação com Cristo, divergência de matizes no comportamento ético, graus no evoluir da vida teologal, idades de transformação do homem velho no homem novo.
          As Moradas de Santa Teresa, por exemplo, na mais são do que o processo de configurar-se em Cristo, a ;respeito do qual nos fala tão eloqüentemente são Paulo.
            São João da Cruz usa o símbolo da montanha que se há de galgar, pelo caminho dos "nadas", a fim de chegar ao "Todo" de Deus.
     O importante é que em todo o transcurso interacionam três elementos indispensáveis e necessários:
            1º) A ação de Deus, sua graça e seu favor, que nos movem a cada momento no roteiro.
            2º) A resposta do homem, que aceita o convite para seguir e o desafio de enobrecer-se.

            3º) A oração humilde e perseverante, que estabelece a forma de comunicação entre ambos, tratamento de confiante amizade Deus-homem.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 921. Coronelismo Midiático

FIRMES NA ESPERANÇA.

*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, In Memoriam.
(Camocim de São Félix, PE. 11 de janeiro-20011)

A esperança é uma das três virtudes teologais. São chamadas teologais porque indicam explicitamente e diretamente a relação com Deus. O que não quer dizer que essas virtudes teologais não tenham raízes antropológicas. Com a palavra esperança indicamos a atitude e a atividade nossa do esperar. Frequentemente, porém, com a palavra esperança nos referimos ao fundamento da nossa esperança nas promessas de Deus ou à pessoa de Jesus, ao objeto ou ao conteúdo da nossa esperança como salvação.
 A esperança, como as duas outras virtudes teologais, é ao mesmo temo dom de Deus e fruto da nossa ação. A perspectiva da nossa ação já aparece no próprio enunciado do tema: firmes na esperança. Através das diversas épocas a literatura teológica e espiritual da Igreja apresentam várias interpretações e perspectivas da esperança.

A esperança na Escritura
Podemos dizer que o tema da esperança é o elemento dinâmico de toda a Sagrada Escritura. Povo de Deus é um título que é penhor de esperança, o que vale também para o mundo e a humanidade como tais porque foram criados por Deus. Neste plano atinge também o indivíduo de acordo com a sua relação, geralmente vocacional, com Deus. É compreensível que o tema da esperança aparece em situações negativas que atingem a vida do povo ou de pessoas individuais mesmo por culpa própria. É o que aparece constantemente nas narrações da história do povo de Israel. Nestes contextos a observância das leis de Deus da parte do povo ou das pessoas entram na própria configuração da esperança cujo horizonte promissor só Deus pode abrir.
No Novo Testamento na presença e pregação de Jesus fazem respirar a esperança: o Reino de Deus está próximo, “Deus não é um Deus de mortos mas de vivos. Ouvindo isso as multidões se extasiavam com seu ensinamento” (Mt 22, 32-33).
As cartas de São Paulo falam muito claro da esperança nas suas várias dimensões: a esperança é obra do Espirito (Gl 5,5) a esperança permeia toda a criação, esperando se libertada da escravidão da corrupção; ela está gemendo como que em dores de parto; também nós que temos as primícias do Espirito gememos em nosso íntimo, esperando a condição filial, a redenção do nosso corpo (Rm 8, 18-26).

A esperança na literatura patrística
Na literatura patrística dos primeiros séculos os textos não podiam deixar de refletir as perseguições quando falam da esperança. As cartas de Inácio de Antioquia sublinham a esperança para suportar a perseguição, mas falam principalmente da celebração da Eucaristia e a harmonia da comunidade em que esta esperança deve se manifestar. Justino na sua Primeira Apologia também se refere ao culto da comunidade mas igualmente à observância da lei numa vida cívica responsável, conduzida com serenidade e sem ressentimentos apesar das calúnias e das perseguições para manifestar e reforçar a esperança dos cristãos. Origines já dá maior importância à contemplação e à renúncia como expressões específicas da esperança enquanto outros insistem na compreensão adequada do plano de Deus.
No entanto, esses primeiros séculos oferecem também outras perspectivas para falar da esperança. Clemente de Roma, e a Didaqué acentuam a espera da Parusia, da volta triunfal de Cristo, da ressurreição dos mortos e do julgamento universal como incentivadores da esperança. Para acentuar a responsabilidade do cristão na prática da esperança, houve várias reações contra o gnosticismo, como da parte de Ireneu. O gnosticismo considerava a salvação como fuga do corpo., do mundo, da história humana, da responsabilidade familiar e social. Esta fuga das responsabilidades facilmente atingiria a vida em comunidade, como espaço em que a esperança é fortalecida e alimentada. Além disto havia também a prática dos visionários que pretendiam indicar concretamente o futuro último ou a Parusia em termos de tempo e espaço. Prática que pode satisfazer a uma curiosidade ociosa, mas esvazia a esperança que se reduziria a uma atitude de especulação e de passividade. Embora Origenes não seguisse essa tendência, ele defendia uma restauração final da história, tão total que a condenação não podia ser eterna e definitiva. Esta tese foi condenada pela Igreja, porque na perspectiva que ela abre parece anular a seriedade da redenção e relativiza o papel atribuída à liberdade na caminhada da esperança.
Com a paz de Constantino o cristianismo encontrou um lugar protegido na cidade secular. Isto não podia deixar de repercutir na teologia e na prática da esperança, Como harmonizar a virtude da esperança, que supõe um que de “desafio” nas situações que lhe parecem contrárias. A esperança parece encaixar-se agora na observância eclesial e na obediência cívica, sem deixar de estimular uma atitude de espera de Cristo que é considerado imperador na realidade histórica já identificada como império cristão. Nas basílicas da época sempre aparece o Cristo que tudo governa (Pantocrator) nos mosaicos da abside. Não que a situação concreta existente esgotava o horizonte da esperança cristã. Uma ulterior redenção da sociedade humana era por assim dizer transferida para um fim longínquo mas improviso. Assim a esperança era ligada mais às expectativas do indivíduo em relação à vida depois da morte. Isto fez com que a esperança perdesse a sua dinâmica na existência humana, concentrando-se mais no cumprimento fiel dos deveres dentro da ordem estabelecida. Uma esperança sem dinâmica e de certa maneira sem entrega “aventureira” ao mistério insondável de Deus, não podia deixar de repercutir na maneira de ler e de interpretar corretamente a linguagem bíblica. Era mais um esforço de interpretar e decifrar o quanto já estava determinado.

A esperança na teologia medieval
A teologia na Idade Média dedicou bastante atenção ao tema da esperança. Apoiavam-se os teólogos principalmente nos escritos de santo Agostinho. Este não via muita prospectiva na sociedade humana e na civilização na história e vê a vida cristã como contracorrente. Isto apesar do império romano que se identificava com o cristianismo. Agostinho considera a Cidade de Deus que se realizará plenamente no fim dos tempos e que de alguma maneira é antecipada na Igreja. A esperança, porém, se centraliza essencialmente num futuro celeste transcendente. Na Idade Média essa visão, talvez um tanto pessimista, bate num novo otimismo em relação às possibilidades do mundo provocado pela coroação de Carlos Magno realizada pelo Papa em Roma no ano 800. Acontecimento que dá consciência ao povo cristão de que Deus governa a história. Mesmo assim as expectativas populares pelo menos em certos períodos da Idade Média se concentram mais no medo do que na esperança. O fim do mundo é descrito em termos apocalípticos, desastres cósmicos e  um julgamento que inspira medo. O que explica que na literatura e na arte plástica o purgatório e o inferno aparecem com maior frequência que o paraíso.
Todas essas preocupações populares indicam que na teologia medieval as relações entre Deus e os seres humanos eram vistas mais em perspectivas jurídicas. Olhava-se para a situação provisória da alma que depois da morte do corpo passava no purgatório ou era já condenada ao fogo do inferno. O que se esperava era a visão beatífica completada pela ressurreição do corpo no fim do mundo.
Tomás de Aquino fala mais da esperança na Summa Theologiae. Ele mostra que o objetivo da vida humana consiste na felicidade de ver a Deus. Fala da esperança com segunda virtude teologal. Dá várias definições descritivas do termo virtude que ele vê como uma disposição para agir bem. A esperança é uma disposição que abraça como seu objeto um bem futuro que consiste na vida eterna ou o gozo de Deus. Assim chega a definir a esperança como uma caminhada para a caridade.
Para Tomás a prática da esperança está ligada também às bem-aventuranças e aos dons do Espírito. Entre esses dons o temor de Deus ocupa um lugar importante porque admite a possibilidade da perda ou da separação o que faz com que uma criança se agarre ao pai. Ao mesmo tempo Tomás relaciona a virtude da esperança com a bem-aventurança dos pobres de espírito que consiste numa confiança total em Deus e na renúncia às coisas da terra. Tomás considera dois tipos de pecado contra a esperança: o desespero e a presunção. Podem levar a pessoa a abandonar todo o projeto da vida cristã.
Com os franciscanos espirituais no século XIII surge uma nova corrente de teologia e de espiritualidade, embora iniciada no século anterior por Joaquim de Fiori. A sua esperança se movia em direção a um novo milênio na direção divina da história. Trata-se da terceira era do Espírito Santo que sucedia à era do Pai (no Antigo Testamento) e à era do Filho (no Novo Testamento). Deveria ser uma era gloriosa da Igreja, de santos, principalmente de religiosos vivendo numa perfeita consagração. A prática da esperança como caminhada para essa era do Espírito Santo era a observância rigorosa da pobreza de que Francisco de Assis tinha dado o exemplo. Não podemos negar que nesta corrente encontram-se naquela época pessoas de profunda espiritualidade e de oração. No entanto, a unilateralidade em definir a vocação cristã na história, fez com que essa visão encontrou fortes oposições inclusive dentro da própria Ordem Franciscana.
Outra corrente de pensamento em relação à esperança, alimentava uma preponderância do temor no posicionamento frente ao futuro. Desta corrente a arte e a literatura da época oferecem exemplos bem claros. Basta pensar inclusive em certos textos presentes nas celebrações litúrgicas como o Dies Irae na missa dos defuntos, na devoção mariana, e, de modo especial, no afã de ganhar indulgências. Aparece bem claro que naquela época o ponto de referência seja para o temor como para a esperança era sempre aquilo que aconteceria ao indivíduo depois da morte, fora da história e do mundo da experiência de cada dia.

A esperança na teologia e na espiritualidade moderna
No âmbito católico a teologia de Tomás de Aquino sobre a esperança permaneceu praticamente como fundamento do pensamento da escolástica no âmbito do ensino e da prática da vida espiritual. No século XVI apareceram discussões bem claras introduzidas por Lutero e outros. Não sem influência da própria vida interior movida por dúvidas e angústias, Martinho Luther e seus sequazes tendiam a reconhecer no cristão um papel mais passivo em relação à graça. O conteúdo da esperança foi colocado em discussão também por Calvino que acentuavam a universalidade da vontade salvífica de Deus. Surgiram na mesma época outros agrupamentos religiosos (os anabatistas) que colocavam a esperança em discussão um pouco como já no século XIII tinham feito os franciscanos espirituais. Apregoavam a necessidade de um estilo de vida completamente novo como expressão da esperança cristã, baseada no batismo só de adultos porque só no adulto as virtudes da fé, esperança e caridade podiam tornar-se operantes imediatamente. Mais tarde surgem outras discussões em torno da esperança: os quietistas defendiam a passividade, a renúncia à iniciativa pessoal na vida espiritual e até o abandono de todo interesse pela própria salvação.
Surge assim a individualização da esperança acentuada também pelo Iluminismo. Devemos dizer que a individualização da vida espiritual caracterizava também, até tempos recentes, os retiros e missões populares dirigidos tradicionalmente por Redentoristas e Capuchinhos. E quem sabe através dos catecismos que desde crianças nos indicavam a direção em que devíamos caminhar. Catecismos cujos conteúdos se transmitia através de perguntas e respostas: Porque vivemos nesta terra? Para servir a Deus e chegar assim no céu.
Nos textos teológicos antes do Vaticano II a doutrina sobre a esperança segue o pensamento de Tomás de Aquino mas se dedica pouco espaço a ela. O objeto da esperança é Deus, a visão de Deus e todas as ajudas intermediárias para alcançar tal visão; mas aparecem outros objetos da esperança embora taxados de secundários: a ressurreição do corpo e a própria felicidade para si e para os outros, mas sempre vistos em vista de um escopo além deste mundo. Estamos ainda longe de um interesse direto pela transformação redentora da sociedade humana na história.  Esta tendência é caraterística dos livros de espiritualidade publicados na primeira metade do século passado: Garrigou Lagrange, O.P., Joseph de Guibert, S.J. e Tanquerey. Mas o último já põe no seu Compendio de vida espiritual  acentos em outras dimensões, insistindo assim não só no dom gratuito de Deus mas também na total responsabilidade da liberdade humana.
Chegando aos anos da metade do século XX percebemos no ensino e em textos de espiritualidade um esforço para dar à virtude da esperança uma maior atenção e mostrar nela o horizonte comunitário que desperta a nossa atividade no mundo em que vivemos. Há um recurso maior à Sagrada Escritura do Novo Testamento para penetrar no núcleo central da pregação de Jesus. Assim tornou-se mais clara a promessa de Jesus feita aos seus discípulos que o reino de Deus estava próximo. Chega-se assim a descobrir que o reino de Deus não é só uma realidade do além deste mundo, mas também uma plena redenção da criação de Deus, principalmente da sociedade humana. O que leva a novos horizonte na interpretação dos profetas do Antigo Testamento que se torna uma fonte para a interpretação da pregação do próprio Jesus. Entra assim mais claramente a justiça social com fazendo parte do objeto da esperança. De acordo com o lugar que pessoas e grupos cristãos ocupam na sociedade são descobertos os vários níveis da vida individual e social que na ótica da esperança cristã pedem um trabalho de transformação das relações humanas e das estruturas da sociedade.
Há autores que neste sentido marcaram os estudos da teologia: Jurgen Moltmann, teólogo alemão luterano com seu livro Teologia da esperança que se confronta com a perda de esperança na dimensão política e prática devido às conseqüências da segunda Guerra mundial. Esta quase impotência teológica contrastava com a projeção de um futuro sociopolítico de pensadores marxistas daquela época. O próprio Moltmann e outros teólogos foram influenciados pela filosofia marxista de Ernst Bloch que no seu livro O princípio da esperança não hesita recorrer seja às fontes bíblicas como marxistas para analisar a dinâmica humana social na história. Daí houve um trabalho para reformular o pensamento da doutrina cristã pondo o acento da história da salvação no futuro ainda não realizado, na redenção da comunidade humana e do mundo. Os mais conhecidos teólogos dessa reformulação são além de Moltmann Wolfhart Pannenberg, Johan Baptist Metz com sua “teologia política”. Essa mudança de acento no que diz respeito à esperança, foi sem dúvida facilitada pela influência bastante difusa de Karl Rahner cujos estudos eram marcados por uma análise profunda dos princípios interpretativos que devem reexaminar as afirmações escatológicas, isto é as afirmações que expressam o conteúdo da esperança cristã. Para Rahner, estes princípios derivam da análise existencial da experiência humana, dos seus limites e das suas possibilidades e expressões simbólicas.
Um outro tipo de reflexão teológica que também acentuava uma propriedade mais ativa, comunitária e terrestre da esperança cristã foi desenvolvido pelo paleontólogo jesuíta Pierre Teilhard de Chardin. Apesar da proibição eclesiástica de publicar os seus escritos durante a sua vida, as suas obras, publicadas depois da sua morte, tiveram uma influência bastante vasta. A espiritualidade de Teilhard valorizava o modo em que todo o progresso científico e técnico era integrado no plano de Deus para a história humana e no fim dos tempos na criação em Cristo. Isto unia as esperanças e tentativas humanas em relação ao mundo com a esperança religiosa fundada na fé em Cristo. Seria um caminho para fazer voltar os cientistas e o homem moderno a uma visão de esperança religiosa considerada individualista e totalmente cortada da realidade do mundo. As críticas dirigidas à visão teológica de Teilhard insistem que ela não leva em consideração o pecado presente no mundo cujos efeitos se revelam no campo social: as injustiças, as opressões e diversas situações de sofrimento.
Podemos dizer que as teologias que surgiram depois da II Guerra mundial preparam o terreno para a Teologia de Libertação na América Latina. Não preciso insistir nas contribuições de Gustavo Gutierrez, Juan Luis Segundo, Leonardo Boff e outros. Todos nós sabemos da desconfiança de determinados setores da vida eclesial em relação a estes nomes e aos livros por eles publicados. O que não nos dispensa de reconhecer a validade dos horizontes por eles abertos embora possam surgir dúvidas em relação à autenticidade dos objetos mediadores da esperança.
As teologias que surgiram na segunda metade do século XX não deixam de encontrar uma certa convergência com os documentos (Lumen Gentium e Gaudium et Spes) do Concílio Vaticano II. Também o Vaticano II chamou a atenção dos cristãos para a seriedade do seu empenho na construção de uma sociedade feita de paz, de justiça social e de um adequado bem-estar material para todos os povos e nações. Confesso que a Conferência dos Bispos da América Latina realizada em Medellín (1968) foi para mim pessoalmente uma porta que se abriu para a esperança cristã. A esperança nasce quando a prática cristã pode contar com uma visão antropológica contemporânea que permita a criação de estratégias pastorais adequadas. Todos nós nos lembramos do método de Paulo Freire centrado no desenvolvimento da consciência plena e crítica e de uma responsabilidade no crescimento humano para a maturidade. Faz-se um trabalho de conscientização para que possam ser atores da história e autores de sue próprio destino, ao invés de meros objetos de exploração. Todo processo de transformação traz interrogações e questionamentos. Quando entram na história freqüentemente sofrem uma grande decepção: chegaram tarde demais e nunca poderão ser os donos da história. Também existe o problema da cultura de cada povo. Alguém já observou: “A adoção de vantagens a curto prazo é um cavalo de Tróia que traz consigo a destruição inevitável das estruturas tradicionais. Por outra parte, o isolamento não é resposta nem a maior parte das tradições são capazes de responder por si mesmas às necessidades do homem contemporâneo” (Panikkar, A intuición cosmoteándrica, p. 146, n.43). Sabemos que o perigo de todos os movimentos populares é que facilmente podem abrir espaço a clichês superficiais, atitudes extremas e reações unilaterais (ibidem, p.166).

PROBLEMAS CONTEMPORÂNEOS EM RELAÇÃO À ESPERANÇA
A espiritualidade cristã contemporânea se confronta ainda com o desafio de duas tentações: o desespero e a presunção. Ninguém pode negar a existência desses dois fatores na sociedade hodierna: um vazio ou desespero a respeito do sentido, do objetivo e da satisfação definitiva da existência humana. Basta analisar o uso de drogas, os suicídios, as violências, os acidentes de estrada, a crescente necessidade de ajuda psiquiátrica, um cansaço generalizado nos jovens... Precisamos de pastorais que levam em consideração esse contexto sem futuro transcendente, sem descoberta do dom e convite de Deus. Penso que já temos aqui no Brasil uma riqueza de iniciativas que abrem horizontes: atuação dos leigos, o cultivo de comunidades cristãs e outras. Mas não é só o desespero mas também a presunção que constitui hoje uma forte tentação. Basta pensar nas filosofias e estratégias que promovem o egocentrismo e o egoísmo baseados no bem estar, no individualismo, a idéia de que a liberdade sexual conduz à felicidade humana. Essas concepções vão transformar-se em novas fontes de desespero e presunção. Não podemos negar que hoje o conteúdo da esperança é algo muito frágil nas relações humanas. Existe também uma mentalidade bastante difusa que vê o sofrimento que em tantas maneiras se torna presente, é um mal inevitável. No fundo é uma visão que tende a justificar os que têm vantagens e privilégios.
A fé tem outra visão, visão centrada no Reino de Deus que pode levar a uma renúncia de privilégios. É um caminho que leva à paz. O desafio para a espiritualidade cristã e a estratégia pastoral para o nosso tempo é descobrir em profundidade as dimensões pessoais e comunitárias da virtude teologal da esperança. O que deve levar-nos como carmelitas e como Província, firmes na esperança, a uma liberdade situada em nível profundo para poder buscar e acolher o Reino de Deus que vem entre nós.
*Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo.


quarta-feira, 1 de julho de 2015

Francisco abriu uma brecha no divórcio?

Passo a passo, pedra a pedra, o Papa vai fazendo sua revolução na Igreja, dando primazia à realidade da vida e a seus dramas humanos
O papa Francisco lançou dias atrás, conversando com os fiéis na praça São Pedro, uma nova provocação à Igreja conservadora ao afirmar que “há casos em que a separação (matrimonial) é inevitável”. Estava abrindo uma brecha no dogma do divórcio?
Os cristãos começam a acostumar-se às provocações do papa Francisco, que continua lançando pedras para remover as posições atávicas de retrocesso da Igreja, que não se coadunam com as necessidades de um mundo que mudou.
Francisco parece lançar essas pedras no lado da imobilidade religiosa com a maior das inocências e acaba surpreendendo pelo que contêm de revolucionário. Começou a fazer isso ao abordar o tema dos homossexuais, tabu para a Igreja, quando disse que quem é ele para julgá-los se Deus não o fazia.
Voltou com tudo ao recordar aos bispos que no mundo de hoje “existem formas diferentes de família”, dando a entender que a Igreja não pode deixar de lado o drama de milhões de casais que um dia decidiram separar-se e até formar um novo lar, e que acabaram sendo execrados pela Igreja, que lhes negou os sacramentos.
Até no tema mais delicado do aborto Francisco recordou que os sacerdotes precisam saber interpretar com misericórdia a dor de algumas mulheres que decidem desfazer-se da maternidade vitimadas por profundos dramas pessoais.
Francisco conhece o drama de milhões de divorciados católicos que desejariam poder continuar participando dos sacramentos sem serem proscritos nem condenados pela Igreja. Ou que atormentados por uma crise matrimonial desejariam romper seu compromisso. Conhece também a hipocrisia de certas sentenças do Tribunal da Rota Romana, que possui o poder de anular casamentos. Sabe muito bem Francisco que muitas pessoas importantes, ricas e famosas conseguiram de forma discutível a anulação do casamento por parte do tribunal eclesiástico. A Igreja afirma que não se trata de uma separação, mas de demonstrar que para aquele matrimônio, às vezes de anos, faltou algum requisito na hora de ser contraído e, portanto, era inválido.
Os cristãos começam a acostumar-se às provocações do papa Francisco, que continua lançando pedras para remover as posições atávicas de retrocesso da Igreja
Francisco sabe, porém, que a casuística da Igreja ao longo do tempo foi sendo enriquecida de motivos que foram facilitando a anulação, como a “falta de discernimento” de um dos cônjuges ou a “dificuldade de ser fiel no matrimônio”. As crônicas incluem até casos de separação de casais por não ter sido consumado o casamento, apesar de terem tido vários filhos.
Francisco sabe que a Igreja nunca admitirá o divórcio civil, pois considera o matrimônio religioso indissolúvel. Não ignora ao mesmo tempo que hoje quase a metade dos casamentos já se romperam pelo menos uma vez, inclusive entre os católicos.
O que o Papa fez? Lançar uma de suas provocações. Sem pronunciar a palavra “divórcio”, que causa horror à Igreja conservadora, falou de “separação”. E justificou um possível divórcio dos cristãos com estas palavras: “Há casos em que a separação é inevitável, às vezes até moralmente necessária, para afastar os filhos da violência e da exploração”.
Francisco se referiu às “feridas produzidas na convivência familiar”. Segundo ele, que gosta de ressaltar a realidade da vida e das coisas sem petrificá-las com fórmulas dogmáticas, trata-se daqueles casos nos quais a relação, “em vez de expressar amor, fere os afetos mais queridos, provocando profundas feridas entre o marido e a mulher”.
Quem acaba pagando o preço mais alto por essas violências familiares? Os filhos, diz Francisco. Por tudo isso, segundo o Papa, às vezes essa separação conjugal, chame-se ou não divórcio, pode ser “inevitável e moralmente necessária”.
Já é objeto de estudo na Igreja e fora dela a forma escolhida pelo jesuíta para abordar e revisar algumas verdades impostas pela Igreja ao longo dos séculos. Francisco não ataca diretamente verdades consideradas dogmas de fé ou de moral. Ele o faz de forma oblíqua, olhando não para a lei escrita, mas para a realidade de cada caso concreto da vida.
Francisco não ataca diretamente verdades consideradas dogmas de fé ou de moral. Ele o faz de forma oblíqua, olhando não para a lei escrita, mas para a realidade de cada caso concreto da vida
Nisso ele se parece com o profeta de Nazaré quando provocado pelos fariseus, que levaram até ele uma mulher surpreendida em adultério e o lembraram de que a lei judaica mandava lapidá-la. Jesus não nega a lei nem diz que precisa ser abolida. Ele se concentra naquele caso concreto, chama a atenção para a hipocrisia dos acusadores, muitos deles provavelmente mais adúlteros do que aquela mulher, e os provoca dizendo que aquele que “estiver livre de pecado” pode começar a apedrejá-la. O Evangelho conta que “todos se foram, a começar pelos mais velhos”. Jesus salvou a vida da mulher adúltera sem condená-la e sem atacar a lei.
Passo a passo, pedra a pedra, Francisco vai criando sua revolução na Igreja, dando primazia ao Evangelho da misericórdia e da compreensão da realidade humana, em vez das frias condenações e anátemas.
Tudo isso no estilo do Evangelho que proclama a primazia do perdão sobre a severidade da lei e que recorda que Jesus, de quem a Igreja não poderá nunca se separar sem trair suas origens, veio “para os doentes e não para os sãos”, para “os pecadores e não para os justos”.

Tomara esteja enganado. A Igreja e o mundo necessitam com urgência das provocações e do exemplo de vida pobre e despojada desse Papa compassivo em um mundo no qual os poderes – tanto o político como o religioso –apodrecem enfermos de corrupção com sede de castigos e vinganças. Fonte: http://brasil.elpais.com

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 920. Arapiraca e o Carmelo.

AO VIVO- EDIÇÃO: A Terra natal do Frei Petrônio de Miranda.

Coronelismo, antena e voto: a apropriação política das emissoras de rádio e TV

Por Carlos Gustavo Yoda*

Como a prática, recorrente no Brasil, de políticos eleitos se tornarem proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão ou de radiodifusores serem eleitos para cargos do poder público e passarem a legislar em causa própria é prejudicial à democracia  “Coronel” é patente militar em quase todos os exércitos do mundo. O mais alto posto antes de “general” dentro das Forças Armadas do Brasil, figura responsável pelo regimento de uma ou mais tropas ou companhias. No Nordeste brasileiro, “coronel” também é sinônimo de grandes proprietários de terra, “os coroné”, quem manda, aquele que dita as regras. Daí o termo “coronelismo”, cunhado, em 1948, no clássico da ciência política moderna Coronelismo, Enxada e Voto, do jurista Victor Nunes Leal, para dar nome ao sistema político que sustentou a República Velha (1889-1930). Entre as interpretações de documentos, legislações e dados estatísticos, o livro explica como o mandonismo local se misturava aos altos escalões das estruturas de poder.
Mais de 60 anos se passaram desde a publicação de Victor Nunes Leal. E o coronelismo de outrora ganhou novos contornos, entre eles, o chamado coronelismo eletrônico. Em período eleitoral, nada mais importante do que revisitar essa história e analisar como o controle de emissoras de rádio e televisão por políticos segue influenciando os rumos da política brasileira.
Para provocar essa reflexão, a partir desta semana, o Intervozes, com o apoio da Fundação Friedrich Ebert, publica uma série de reportagens sobre o fenômeno da concentração dos meios sob o controle de grupos políticos. Daqui até o final da campanha eleitoral vamos mostrar por que e como esta prática é prejudicial à democracia, o que diz a legislação e a quem cabe fiscalizar e punir os abusos, quem são os principais partidos e grupos econômicos que violam a Constituição e se aproveitam desta ilegalidade. Por fim, buscaremos conhecer como funcionam as regras em outros países que desenvolveram mecanismos eficazes de combate ao coronelismo eletrônico.
A publicação das reportagens é uma contribuição do Intervozes à campanha Fora Coronéis da Mídia, lançada em julho deste ano pela Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação Social (ENECOS), com o objetivo de mobilizar os mais diversos movimentos sociais e sensibilizar a sociedade e as esferas de poder sobre o tema.

Origens do problema
De acordo com Victor Nunes Leal, durante a Velha República, a milícia imperial estava a serviço dos grandes proprietários de terras e escravos. Esta articulação entre quem comandava as instituições públicas e os grandes fazendeiros passou a influenciar os processos eleitorais. Sucessivos governos locais, estaduais e federais se elegeram com o chamado “voto de cabresto”, a partir da relação estabelecida em locais pobres. O coronelismo se sustentava, assim, em um sistema político de troca de favores recíprocos, onde o voto é moeda de troca por benefícios pessoais, em detrimento do interesse público e do bem comum, também interpretados como clientelismo e fisiologismo.
Mesmo em meio a uma lavoura economicamente decadente, os coronéis continuaram a manter uma moeda de valor inestimável: a influência absoluta sobre a vontade e os destinos de empregados, meeiros e todos aqueles envolvidos em torno do grande latifúndio. O valor dessa moeda aumentou com a democratização formal do País, sobretudo no período republicano quando se universaliza o direito ao voto: o “coronel” passa a ser então o elo de ligação entre o poder estadual e os eleitores. Aos governos cabia, como contrapartida, o reconhecimento da autoridade local e a alimentação desse poder, através da cessão de alguns recursos: empréstimos, empregos e, sobretudo, os favores das forças policiais. A liderança do coronel exige o sistema representativo, e essa é a preocupação central de Victor Nunes ao longo de seu livro. Ele destaca ainda que o sistema coronelista depende sobretudo de um ambiente baseado na estrutura arcaica de concentração de propriedade do latifúndio.
Com indicadores censitários da década de 1940, Victor Nunes aponta que os grandes latifúndios ocupavam mais de 75% em área das terras disponíveis no País e que 70% da população ativa pertenciam à categoria dos não-proprietários, cifra que chegava a 90%, somados os pequenos proprietários, cuja situação era de total precariedade, na maior parte dos lugares.
Apesar do coronelismo ser um episódio histórico, consequências e processos culturais do sistema coronelista ainda se fazem sentir na arcaica distribuição fundiária, de renda e de poder no Brasil.

Coronelismo eletrônico
“Mais sofisticado, sutil e ainda mais perverso”, na opinião do cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Francisco Fonseca é o “moderno” fenômeno do coronelismo eletrônico, ou seja, o uso de canais de comunicação de radiodifusão para atender a interesses políticos – prática que perdura nos tempos digitais. Suas origens estão no autoritarismo coronelista de décadas passadas e a prática política traz inúmeras semelhanças com seus modelos de concentração de propriedade. Só que, em vez do poder sobre as terras, o controle agora também alcança as ondas do rádio e da TV.
No início da década de 1980, um repórter da Rádio Rural, de Concórdia (SC), abria espaço para o depoimento do ex-senador Atílio Fontana: “Senador, o microfone é todo seu”. O senador, ciente de suas propriedades, disse a quem quisesse ouvir: “Não só o microfone, meu rapaz, mas a rádio toda”. Este episódio foi narrado em matéria do Jornal do Brasil que, naquela época, já denunciava o uso eleitoreiro de 104 estações de rádio e televisão, espalhadas por 16 estados, de propriedade de deputados, governadores, senadores ou ministros.
O cenário da época foi analisado pela professora de comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Suzy dos Santos, no artigo “o Coronelismo Eletrônico como herança do coronelismo nas comunicações brasileiras”. Nos anos 80, o processo de abertura política do regime militar dava seus primeiros passos. Depois de 15 anos de bipartidarismo, em novembro de 1979, a Reforma Partidária foi aprovada. Os novos partidos começavam a ser articulados.
“Também naquele ano, foram liberadas as eleições diretas para governos estaduais. A concentração partidária, através dos governadores, senadores e prefeitos ‘biônicos’ e da maioria do Congresso com representantes da Arena, deu o tom da distribuição das outorgas de radiodifusão para as elites políticas. Na reportagem do Jornal do Brasil, 81,73% das estações de rádio e televisão mencionadas eram controladas por afiliados do PDS”, partido de remanescentes da Arena, explica Suzy.
Desde a denúncia no Jornal do Brasil, a expressão “coronelismo eletrônico” tem sido usada com frequência na mídia e em artigos acadêmicos para se referir ao cenário brasileiro no qual políticos eleitos se tornam proprietários de empresas concessionárias de rádio e televisão – ou, então, tão comum quanto, radiodifusores são eleitos para cargos do poder público e passam, no caso dos eleitos para o Congresso Nacional, a participar das comissões legislativas que outorgam os serviços e regulam os meios de comunicação no país, legislando em causa própria. Não foram poucos os casos na história. Todos passaram impunes.
Neste cenário, alerta Francisco Fonseca, da FGV, as instituições políticas acabam cooptadas pelo poder econômico dos grupos de comunicação. “O coronelismo midiático provoca o fim da diversidade. É antidemocrático. Estimula as estruturas de oligopólios e as pautas [jornalísticas] em nome de uma elite. É uma censura de mercado, econômica”, afirma.
O impacto desta prática nos processos eleitorais e na configuração das representações das instituições também é significativo. O rádio e, principalmente, a televisão continuam sendo os meios de comunicação de massa de maior alcance na população. A última PNAD (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios) mostrou que 97,2% das residências possuem pelo menos um aparelho de televisão e 75,7%, um de rádio.
A esses meios de comunicação cabe o papel de dar expressão às demandas e à diversidade da sociedade em todos os seus aspectos, mas também de fiscalizar os poderes públicos e a iniciativa privada. É também por meio de uma mídia livre que se estabelece a ligação e o controle entre representantes e representados, como princípio fundamental para o ambiente democrático. Por isso, a Constituição Federal garante o direito de acesso à informação aos cidadãos e, em conjunto, a liberdade de imprensa.
Num quadro em que um meio de comunicação de massa, que deveria cumprir uma função pública, é controlado por um político, que pode influenciar sua linha editorial, a autonomia e independência deste veículo para exercer o controle sobre o poder público estão totalmente comprometidas. Ao mesmo tempo, o proprietário do veículo passa a ter o poder de filtrar e restringir informações e conteúdos a serem divulgados, na medida de seus interesses e de seus correligionários, numa prática de autopromoção.
Fica caracterizado, assim, um claro desequilíbrio nos princípios de igualdade dos processos eleitorais, numa situação que pode configurar até mesmo a violação de eleições livres, com candidatos e partidos em condições totalmente desiguais de disputa.
Compreendendo o risco para a democracia brasileira do controle de serviços públicos, como a radiodifusão, por políticos, a Constituição Federal, em seu artigo 54, proíbe que deputados e senadores sejam proprietários ou diretores de empresas concessionárias de serviço público ou exerçam cargo ou emprego remunerado nesses espaços privados. A medida vem sendo respeitada para diversos serviços, mas segue ignorada no caso do rádio e da televisão (como veremos nas demais reportagens desta série).
No próximo artigo, você vai saber o que pensam o Ministério das Comunicações, o Ministério Público e a Justiça Eleitoral sobre esta prática. E saber como a sociedade civil e partidos políticos contrários a este uso das concessões de rádio e TV estão lutando contra o problema.
* Carlos Gustavo Yoda é jornalista e integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social.

terça-feira, 30 de junho de 2015

AO VIVO- Comunidade Capim, Lagoa da Canoa-AL.

Medjugorje, as dúvidas do Santo Ofício: “Não há nada de sobrenatural”.

As aparições de Medjugorje não teriam nada de sobrenatural. Proibição aos seis videntes de participarem das reuniões. Imposição aos bispos de não fazer que sejam convidados, nem de acolhê-los. São estas as orientações mais importantes que emergiram da reunião de quarta-feira passada na Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo cardeal Gerhard Ludwig Mueller, no Vaticano. Um encontro muito esperado, sobretudo após a consignação, da parta da Comissão de inquérito presidida pelo cardeal Camillo Ruini, da documentação coletada e posta à disposição do Papa. A reportagem é de Marco Ansaldo, publicado pelo jornal La Repubblica, 26-06-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Um aniversário amargo (o 34°) para as aparições no santuário em Herzegovina, visitado a cada ano por milhões de peregrinos. Na reunião o lugar sagrado não foi posto em discussão, nem muito menos a relação entre os fiéis e o santuário. O caso controverso se refere quando muito às visões e o giro periodicamente realizado pelos seis videntes. Após as palavras críticas pronunciadas pelo Papa Francisco sobre a genuinidade das aparições aos 6 de junho passado no voo de retorno de Sarajevo, anteontem foi a vez da plenária do ex Santo Ofício. Diversos pontos foram tocados.
Segundo as orientações emersas as aparições de Medjugorje não teriam nada de sobrenatural e sua mensagem seria realmente considerada como inconsistente sob o perfil teológico. Os seis videntes têm agora a proibição expressa de participar em reuniões e de divulgar mensagens que eles sustentem provir de Nossa Senhora. Além disso, os bispos são convidados a não acolhê-los para assembleias dos fiéis.
Mas, o que realmente impressionou os membros da Congregação é um dos elementos fortes da investigação conduzida por Ruini. Ou seja, a consistente circulação de dinheiro em torno do fenômeno Medjugorje. A suspeita é que possa haver operações de lucro sobre os peregrinos que se reúnem em grande número nas reuniões dos videntes no exterior, mas também fortes interesses econômicos locais em jogo para hotel e agências de viagem. Um dado que, chegado aos ouvidos de um Pontífice que prega a sobriedade como Jorge Bergoglio, não escapou do novo curso no Vaticano.

Algumas fontes próximas a Medjugorje falam agora de “cordão sanitário erguido em torno dos videntes”, mas convidam a distinguir a sacralidade do lugar mariano das presumidas aparições. A reunião de quarta-feira passada não será, em todo caso, a última reunião dedicada ao caso. Haverá de fato mais uma, provavelmente após o verão. Depois disso chegará o pronunciamento do Papa. Mas o seu pensamento sobre o caso já é muito preciso. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br