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sábado, 28 de fevereiro de 2015

RETIRO DO PAPA FRANCISCO. "Refaz os teus passos''. Frei Bruno Secondin, Carmelita.

Frei Petrônio de Miranda, Jornalista Carmelita, entrevista Frei Bruno Secondin, Pregador do Retiro do Papa. Veja aqui: http://youtu.be/ioEVQ3h_wXs

O que fazes aqui? O que buscas? Deixas-te surpreender por Deus? E ainda: queres entender para onde queres ir? Então, "refaz os teus passos". Foi aberto sob a insígnia de perguntas e convites dirigidos diretamente ao coração dos presentes o quarto dia dos exercícios espirituais quaresmais para o papa e a Cúria Romana, realizados na casa Divin Maestro, dos religiosos paulinos de Ariccia. A reportagem é do jornal L'Osservatore Romano, 25-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O carmelita Bruno Secondin disseminou essas perguntas na primeira meditação dessa quarta-feira, 25 de fevereiro, que, depois das reflexões dedicadas a recuperar a própria verdade interior e a liberdade de adesão à proposta de Deus, abriu o caminho para essa proposta.
A discutida história do profeta Elias, que luta com zelo e sacro furor, mas com um egocentrismo exagerado, para defender a aliança entre o Senhor e o seu povo, e que se encontra exausto, derrotado e assustado em uma caverna do monte Horeb, continuou a oferecer os impulsos para as reflexões do pregador.
Na meditação da tarde da terça-feira, 24, o religioso tinha completado a proposta de "sondagem da consciência", analisando justamente a trágica situação de Elias, que, como narrado no capítulo 19 do Primeiro Livro dos Reis, se encontra em um estado de "depressão mortal", assustado, em fuga, sozinho, exausto, decepcionado com o próprio fracasso.
Um estado de depressão que, disse o padre Secondin, "não é tão raro, mesmo na vida sacerdotal. Muitos desmoronam, mesmo entre os padres". Por isso, é preciso prestar atenção a certos sinais que poderiam desembocar em enormes dificuldades interiores.
Acima de tudo, o "medo". Ele surge quando temos medo do futuro, d assumir responsabilidades. E pode ser acompanhado pela "solidão", pelo sentir-se excluído e diferente, pelo sentimento de "vazio" dado por uma vida ressequida, decepcionada com os insucessos, pelo "colapso psicofísico" e pela "autoacusação" (o próprio Elias diz: "Não sou melhor do que os meus pais").
Tudo isto pode desembocar na "fuga" – que pode ser física ou no imaginário – ou na repetição obsessiva de certos gestos (como o consumo de álcool e de alimentos, ou na evasão no mundo virtual), ou até no "desejo de morte".
Para evitar tudo isso, é importante levar uma vida em que "a relação entre trabalho, repouso, oração e relações sociais" seja "bem equilibrada".
Reconhecer o mais rapidamente possível certas dinâmicas interiores, certos "sinais de estresse" é fundamental para poder encontrar aquela solução que é proposta no relato bíblico através da intervenção do anjo, que conforta Elias e o convida a se dirigir ao Horeb.
"Elias – explicou o carmelita –, precipitado aos infernos, conhece a transformação da fuga assustada que se torna peregrinação." E nós perguntou-se, na dificuldade, "sabemos reconhecer ao nosso redor a mão do anjo?". Assim como o pão serviu de apoio para Elias, "reconhecemos na Eucaristia o viático que nos acompanha?". Assim como a viagem levou Elias de volta para as raízes da aliança, sabemos também nós "voltar às raízes" da nossa fé?

Uma fez que se assumiu a verdade dentro de si mesmo e se predispôs à escuta, pode-se chegar ao confronto com Deus. E a "manifestação misteriosa" que Elias experimenta no Horeb, aquele "sussurro de uma brisa suave" sobre a qual tantos exegetas se angustiaram, pode sugerir muito à meditação pessoal.
O padre Secondin, na meditação da manhã da quarta-feira, repassou detalhadamente o diálogo entre Deus e Elias. O profeta é caracterizado por um "eu hipertrofiado", que o leva a se considerar "o umbigo do mundo".
Sob essa ótica, "a sua derrota poderia parecer a derrota de Deus". O Senhor "deixa-o discursar no seu solilóquio hipertrofiado", quer que Elias "se deixe decompor" e opere uma "catarse profunda". E o desloca com a pergunta: "O que fazes aqui?". Deus "se apresenta com uma pergunta" e obriga o homem "a se olhar dentro, a dar voz às inquietações que carrega".
Às vezes, avisou o pregador, Deus também se torna para nós uma espécie de "bibelô", e corremos o risco de "manipulá-lo" com a mesma fúria que parece permear o profeta. Mas "Deus é livre diante dos poderosos e também diante da fúria de Elias": o fracasso de Elias não perturba Deus, que já tem um desígnio próprio e tem um povo ao qual ele permaneceu fiel.
Elias é abalado interiormente. O vento impetuoso, o terremoto, o fogo em que o profeta não encontra Deus também poderiam ser – sugeriu o padre Secondin – "projeções de estados interiores" de uma pessoa a quem o mundo inteiro caiu sobre si.
A partir dessa lectio, explicou o pregador, devem brotar perguntas pessoais: "Nós também temos Jezebéis que arruínam a nossa vida? Somos obcecados por problemas com algumas pessoas, ou de trabalho, ou de carreira?". Como nos relacionamos com Deus? Sabemos "estar em adoração temente do Deus que passa?". Como o Senhor é intimidade, "temos o hábito de estar com ele em intimidade?". Ou há rumores ensurdecedores ("sucesso, vaidade, dinheiro, culpas dos outros") que nos distraem?
Por fim – lembrando os sete mil israelitas que permaneceram fiéis ao Senhor –, damo-nos conta de que estes podem representar "a fidelidade silenciosa do povo"? E quem medita também deve se perguntar: sou capaz de compreender e de interceptar essa fidelidade, sou capaz de escutar "os ultrassons dos pobres, dos simples, dos pequenos", que são "dons preciosos e não fragmentos perdidos"?
As respostas podem encontrar um apoio naquela que é a reação de Deus no relato bíblico. Elias queria acabar ali, morrer no Horeb, onde havia iniciado a aliança. Ao contrário, Deus "manda-o de novo a uma nova estação". Também nós somos chamados a "captar sinais de futuro" nas nossas raízes, a "reencontrar frescor", a nos pôr a caminho.
E se, como Elias, "estamos decepcionados, cansados, acreditamos ser os melhores de todos e pensamos que o mundo é habitado apenas por diabos enfurecidos", deixemo-nos "surpreender por Deus" e iniciemos um novo caminho.
Eis, então, o convite com o qual o pregador concluiu a meditação: "Refaz os teus passos!". Um convite que o padre Secondin enriqueceu com uma série de sugestões concretas, convidando a compartilhar os próprios bens materiais com os mais pobres, a "abrir os armários cheios de paramentos inúteis" e a jogá-los fora, a abrir os braços para "fazer a paz sincera com aqueles que não se consegue suportar", a abrir os horizontes "à verdade polifônica, à beleza das culturas e à riqueza das tradições", para admirar aquilo que Deus fez de belo.

O carmelita exortou por fim: "Move os teus passos nas periferias, vai celebrar nos barracos, vai almoçar com quem tem pouco para comer. Vais entender onde Deus te espera". http://www.ihu.unisinos.br

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

A PALAVRA DO FREI PETRÔNO. Nº 810: Teclado é uma Espada?

500 Anos de Santa Teresa: Dom João Costa.

500 Anos de Santa Teresa de Jesus. (2ª Parte)

ASSEMBLEIA DE ESPIRITUALIDADE DOS CARMELITAS
- Província Carmelitana de Santo Elias-
Belo Horizonte- MG. Casa de Retiro São José. De 26 -30 de janeiro-2015.
Tema: 500 Anos de Santa Teresa de Jesus.
Pregador: Professor Francisco Catão, São Paulo.


A pedagogia de Santa Teresa de Jesus vista por um teólogo nos dias de hoje
Por Professor Francisco Catão, São Paulo.


2ª Parte Introdução:  2015, Ano da Graça.
Celebramos este ano, na Igreja, dois marcos históricos: os 50 anos do encerramento do Vaticano II e os 500 anos do nascimento de Teresa de Jesus.  Além disso, o papa Francisco nos convocou para a celebração de um ano dedicado à vida consagrada. Parece-nos impossível falar de Teresa sem nos perguntar que significam esses fatos, para os “eremitas” do Monte Carmelo?

Reforma carmelita e renovação da Igreja
Nas primeiras décadas do século XIII, alguns eremitas, que viviam junto à fonte do Monte Carmelo, pediram a Alberto, então Patriarca da Jerusalém, que lhes propusesse uma “fórmula” pela qual regulassem seu modo de viver, que ainda hoje figura, sob a denominação de REGRA no início das Constituições da ordem dos irmãos da Bem-aventurada virgem Maria do Monte Carmelo (Lisboa, 1996).
Qualquer história, por resumida que seja, da Tradição carmelita de oito séculos, deixa transparecer a grande diversidade de regras, ordenamentos, doutrinas e teologias, ramos e famílias que até hoje se inserem nessa Tradição,
Dentre todas as reformas, porém, a mais importante foi, sem dúvida, a de santa Teresa de Jesus, reconhecida doutora da  Igreja, na expressão de Paulo VI, Mater spiritualium. Eis porque lhe consagramos de maneira especial este ano, celebrando o quingentésimo aniversário de seu nascimento.
Celebramos também, num ano dedicado pelo papa Francisco à vida consagrada, os cinquenta anos do Vaticano II, que anima até hoje, na linguagem de seu promotor, João XXIII, o aggiornamento da Igreja, e que alcança, com o Papa Francisco, as áreas mais profundas da espiritualidade, jamais reformulada de maneira tão radical, por nenhum dos vinte concílios ecumênicos anteriores.
Chama atenção o paralelismo que se observa entre a reforma carmelita do século XVI e a renovação de Igreja no ocaso de segundo milênio: ambas têm como foco, em última análise, a promoção da santidade da vida espiritual, em sua perene atualidade.
A santidade é o coração da Igreja. Ilumina-a Cristo, luz dos povos – Lumen  Gentium. Por isso, a Igreja é o sacramento da união com Deus e de toda a humanidade. A vida da Igreja é, pois, a santidade no Espírito, e sua missão, comunicá-la a todos, participando da alegria e esperança, das tristezas e das angústias – Gaudium et spes, luctus et angor – de todos os homens e mulheres.
Para Teresa também, no centro da vida religiosa está a santidade da vida de intimidade com Jesus – Deus me basta. A união no Espírito com o Cristo que vem a nós na oração – a amizade com Deus no Espírito, que faz habitar a Trindade no mais íntimo de nosso coração (leb), no sentido bíblico do termo.
O Espírito torna a alma a morada luminosa do Castelo e dá sentido à vida.  Confere valor e sentido definitivos a todas as práticas herdadas do monaquismo original e até hoje conservadas, nem sempre, é verdade, com o mesmo empenho e vigor, pelas mais variadas formas de vida consagrada.

A vida religiosa no mais íntimo da Igreja
Há 50 anos do encerramento do Vaticano II, aparecem com maior nitidez suas linhas mestras. Como dizia João XXIII, no profético discurso de abertura do Concílio, a história, conduzida pelo Espírito, nos ajuda a entender melhor os desígnios de Deus. Vaticano II, visando à renovação da Igreja, nos propõe um consistente tripé de sustentação, em que a fé é vivida através da história: o primado da Palavra de Deus, a natureza espiritual da Igreja e a universalidade da salvação. Três referenciais, cujo alcance entendemos melhor hoje, passados cinquenta anos.
Antes de ser assim, uma organização hierarquizada, a Igreja, na sua vida e na sua missão, é um povo reunido pelo laço da fé, da esperança e do amor, vínculo espiritual, pessoal e livre de cada um de nós com o Pai e o Filho, na unidade do Espírito, segundo a expressão de Cipriano de Cartago, citada na Lumen Gentium (LG 4).
Sabemos que não foi fácil chegar a essa posição, de colocar o capítulo segundo, sobre o povo de Deus, antes do capítulo sobre a hierarquia. Mas constituiu um passo decisivo, um movimento indiscutivelmente provocado pelo Espírito.
Definido o primado da realidade espiritual da Igreja, tudo, em nossa vida cristã, muda de sentido e reclama uma renovação profunda, segundo o Espírito. Passa a ter como princípio e fonte a Palavra de Deus, Jesus Cristo, Verbo encarnado, que vem ao nosso encontro no fundo do coração, comunicando seu Espírito ao nosso espírito.
A Igreja são todos aqueles que, animados pelo Espírito e chamados a ser “evangelizadores com Espírito” (cf. EG, c. V), estão presentes no mundo, embora nem sempre reconhecidos como cristãos: é o primado do espiritual na vida, no ministério,  nos sacramentos, na pastoral. A Igreja existe no mundo e na História, graças ao alcance universal da ação salvadora e santificadora de Jesus, que nos comunica seu Espírito e a envia a todo o mundo, cujas fronteiras, portanto, estendem-se até às periferias aparentemente mais distantes.
Cada uma das realidades da Igreja, das mais visíveis, como o ministério pastoral, às mais interiores, como a vida consagrada, é chamada a obedecer a essa mesma estrutura, que é o DNA da Igreja: o primado do Espírito.
Ora, foi precisamente o que Teresa percebeu com clareza, haurindo a tradição em que se situavam os primeiros carmelitas, e reformulando-a de maneira adequada à sua época, de revoluções e de extremismos.
Teresa sobrepõe a vida pessoal de união com Deus não só às exigências e comodidades de seu tempo, mas até mesmo às práticas habituais da vida claustral então adotada, e convoca, mulheres e homens consagrados, a fazer do recolhimento em Deus o foco inspirador e animador de toda a vida.
Dessa forma, o que há de mais profundo na vida da Igreja, e a define como Igreja, é, para Teresa, o que há de mais precioso na vida consagrada e, em particular carmelita: viver de Deus, por Deus e para Deus.


Redescobrir o caminho
Convidado a assessorar a assembleia anual da Província Santo Elias, me foi pedido que apreciasse os escritos de Teresa, na ótica da reflexão teológica atualizada e evidenciada pelo Espírito, com a eleição do Papa Francisco.
Não posso ter a pretensão de trazer nada de novo a quem conhece e vive a tradição carmelita. Como alguém, porém, que se inspira há mais de setenta anos na tradição monástica, passou pelos bancos de teologia e testemunhou muito de perto os esforços de renovação feitos pela Igreja durante o Concílio, creio poder comunicar o entusiasmo de um neo-convertido ao ensinamento de Teresa.
Nessas circunstâncias, na leitura de seus escritos chama atenção antes de tudo sua pedagogia.
Admira sua história, situada no contexto de seu tempo e vista através das narrativas de sua vida e de sua atividade de reformadora.
Causam vertigem suas experiências místicas, descritas com tal precisão, que surpreendem os psicólogos de toda orientação, inclusive positiva e psicanalítica.
Mas o que chama atenção, antes de tudo, para quem a procura abordar com olhar de noviço, para lhe descobrir o segredo do sucesso de Mater spiritualium, que presidiu seu reconhecimento como Doutora da Igreja, é o caminho que nos propõe para o encontro com Deus no íntimo do coração.
Descreve-o cuidadosamente nas Moradas, cujo ensinamento, porém, pressupõe o itinerário prático por ela traçado no Caminho de Perfeição, legado às suas filhas desejosas de ter acesso a seus escritos sobre a oração, mas entregues aos “letrados” e cuja publicação só foi, de fato autorizada depois de sua morte.
Nos dias de hoje, chamados a viver intensamente a renovação da Igreja e da vida religiosa, a abordagem, que me sinto capaz de fazer, parece corresponder, além disso, a uma flagrante necessidade em nosso meio, sequioso de encontrar o caminho do Espírito.

O legado conciliar nos indica o caminho.
Antes de entrar, porém, na análise do Caminho de Teresa, convém tomarmos consciência de que vai na direção que nos indicou o Concílio, interpretado pela forma com que vem sendo recebido na Igreja nestes 50 anos
O Vaticano II tratou dos religiosos. A Constituição sobre a Igreja os colocou estrategicamente entre a vocação universal à santidade (cf. LG, c. V) e a perspectiva escatológica em que são chamados a viver os cristãos (ib. c. VII), dando relevo à prática dos conselhos evangélicos, objetos dos votos, e reconhecendo o lugar especial que ocupam na Igreja (ib. c. VI).
Dentro do mesmo quadro doutrinal, colocando em primeiro lugar  a prática evangélica dos conselhos, o Decreto, Perfectae caritatis, promulgado nos últimos dias do Concílio, estabeleceu algumas diretivas sobre a renovação da vida religiosa. Uma grande onda de revisão dos estatutos de cada uma das ordens, congregações e institutos de vida consagrada estendeu-se por décadas.
Trinta anos depois (1994), João Paulo II convocou a IX Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos para tratar da vida religiosa e fazer uma espécie de balanço sobre o lugar que é chamada a ocupar na vida e na missão da Igreja.
Na “Exortação Apostólica sobre a vida consagrada”, Vita consecrata (25.03.1996), duas observações se impõem: a afirmação enfática da origem monástica de toda a vida religiosa e nela, a primazia da vida de união com Deus, que somente dá sentido tanto à prática dos conselhos como à consagração da vida pelos votos (cf. VC, 6).
Depois, à luz desse critério, indica como solução para as dificuldades que hoje enfrentam todas as formas de vida consagrada, sua justificação a partir da total gratuidade do dom de si mesmo a Deus, muito além de qualquer utilidade que possa ter para a Igreja ou para a sociedade (cf. VC, 104).
Propõe  assim a universalização do critério de buscar antes de tudo a Deus, indicado na regra monástica de são Bento (cf. c. 58), por exemplo, como critério de toda vocação autêntica à vida religiosa de um modo geral.
Em continuidade com a Exortação Apostólica de 1996, o Papa Francisco acaba de promulgar o Ano da Vida Consagrada, cuja abertura, no primeiro domingo do Advento deste ano, foi celebrada com uma importante “carta às pessoas consagradas”, em que  destaca dois aspectos, que são características da tradição carmelita, tal qual a interpreta Teresa:
A centralidade de Deus, confessada na base de toda vida cristã e consagrada, entendida a partir de Jesus, da humanidade crucificada do Verbo Encarnado, como se exprimia Teresa, e sustentada pelo encontro pessoal com Jesus, que com o Pai e o Filho “moram” no mais íntimo do coração.
 Para renovar o presente e olhar para futuro, Francisco acentua a necessidade de voltar ao passado e recobrar a atitude de encontro com Jesus que somente explica a vida e a missão dos apóstolos.
Em consequência, a Carta é dirigida a cada uma das pessoas consagradas, onde quer que estejam, posicionamento que corresponde às primeiras palavras da fórmula de vida de Alberto, proposta aos eremitas do Monte Carmelo:
Muitas vezes e de muitos modos os Santos Padres estabeleceram como cada um – qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou a forma de vida religiosa que tiver escolhido – deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e reta consciência.

Nessa direção, tão cara à tradição carmelita, explica-se o Caminho de Teresa. Mais do que a institucionalização de uma forma reformada de vida carmelita, o Caminho é uma pedagogia da intimidade com Deus a que são chamados todos os cristãos e que deve ser a principal característica da vida consagrada.

RETIRO DO PAPA: “Às vezes, também o teclado mata mais que a espada!”. Frei Bruno Secondin, Carmelita,

Cidade do Vaticano (RV) – Prosseguem os Exercícios Espirituais do Papa e da Cúria Romana na Casa de retiros Divino Mestre, em Ariccia, a cerca de 30 km de Roma.
O pregador é o carmelita Bruno Secondin, que na meditação desta terça-feira exortou os presentes a empreenderem o caminho quaresmal deixando de lado todas as máscaras e toda ambiguidade.
“Quanto sofrimento nos provocaram alguns temas sensíveis”, afirmou o sacerdote, acrescentando que “não devemos esconder os nossos escândalos” e é importante que “as vítimas da injustiça sejam levadas à cura com a nossa humildade de reconhecer os erros”.
O reconhecimento das culpas da Igreja emergiu na referência ao gesto de Elias, que mandou justiçar os profetas de Baal. O pregador carmelita convidou a recordar que a Igreja, em sua história, foi capaz de atos violentos. E destacou que hoje essa mesma violência pode se expressar de outras formas, “mesmo sem a espada”, utilizando por exemplo a força da linguagem e até mesmo os novos meios de comunicação. “Às vezes, também o teclado mata mais que a espada!”
Para a conversão, destacou Pe. Secondin, depois da coragem de se expor, de falar a verdade sobre si mesmo, de tirar a máscara que adormece as nossas consciências, há a necessidade de encaminhar-se em “sendas de liberdade” e eliminar essas atitudes que nos fazem “oscilar de uma parte a outra” e deixar espaço ao Senhor. “Deus é sempre um abraço de misericórdia”, ressaltou o pregador.
O Papa e seus colaboradores encerram os Exercícios Espirituais na sexta-feira, 27 de fevereiro, regressando ao Vaticano no mesmo dia. Fonte: http://br.radiovaticana.va

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 250: A Espiritualidade da Quaresma.

A PALAVRA... Nº 809: O Profeta Elias e o Papa Francisco.

RETIRO DO PAPA FRANCISCO: Reflexões do Pregador, Frei Bruno Secondin, Carmelita.

Neste segundo dia de Retiro Espiritual, o pregador carmelita, Padre Bruno Secondin, propôs uma reflexão bíblica, baseada na leitura pastoral do profeta Elias, que teve como tema: “Servidores e profetas do Deus vivo”.
Na sua introdução, o pregador recomendou a “sair da própria aldeia” e a frequentar a “escola da misericórdia” como o profeta Elias. Praticamente uma continuação do tema que refletiu, ontem, sob o exemplo do profeta, ou seja, viver uma “vida de periferia”.
O acontecimento de Elias, narrado no livro dos Reis (17, 1-17), sugeriu ao Padre carmelita um sério exame de consciência pessoal, com base na “Palavra de Deus”, que busca levar o discípulo do Senhor a imergir nesta grande fonte de riqueza.
Padre Secondin explicou que suas meditações não pretendem seguir uma ordem cronológica, mas os grandes cenários da Escritura, propondo uma “leitura pastoral e sapiencial” das vicissitudes de Elias. Este é um profeta que caminha e não se detém em um lugar fixo; é um homem em contínuo movimento, um ótimo companheiro de viagem, que passa por tantas experiências de purificação pessoal.
Com efeito, ele se põe a caminho rumo a muitos centros de poder, mas, sobretudo, às “periferias e as fronteiras geográficas existenciais”, colocando-nos diante de tantos problemas, até os mais interiores. Aqui, o pregador coloca em realce a “fragilidade e a vulnerabilidade” de Elias.
Para compreende melhor a missão do profeta é preciso inseri-lo no seu contexto histórico. Ele era originário de uma região periférica, de pouco bem-estar e religiosidade tradicional. Desta forma, ele tem uma reação diante de uma nova realidade de “depravação religiosa e social”: comercial, militar e agrícola, que produziam bem-estar, a ponto de causar vertigem. Aqui, pode-se acrescentar a presença de novos deuses, que causavam transtorno na vida do povo.
Neste estado de confusão moral, de depravação e de perda de identidade, o verdadeiro Deus era considerado bom apenas pelas pessoas ignorantes. Por isso, Elias reage duramente e as ameaça, por conta própria e não por ordem de Deus.
Nestas alturas, Deus faz ouvir a sua voz e pede a Elias para ir embora, ou seja, devia “ouvir, obedecer e deixar que Deus fosse seu Deus”. Deus pediu-lhe para “tomar distância, ir contracorrente, viver em solidão”, afim de “purificar-se, reencontrar as próprias raízes e a razão da sua fidelidade”. O próprio encontro do profeta com a viúva de Sarepta nos recorda que também os “pobres nos evangelizam”.
Logo, o objetivo das vicissitudes de Elias era fazer do amor de Deus o centro da sua existência, confiar em Deus. Desta maneira, Deus pede ao profeta certo desapego dos seus planos pessoais, para aprender a obedecer e a ouvir a Deus, deixando-o atuar livremente.
Ao término da sua meditação, o pregador carmelita convidou os presentes a um sério exame de consciência, com base no comportamento de Elias: será que, algumas vezes, perdi a paciência? Falei claro ou atrás dos bastidores, murmurando e alimentando conversas fiadas? Comporto-me com sobriedade sã e serena? Deixo-me arrastar pelo meu consumo desenfreado na vida, pelas coisas que me circundam, pelo modo de me vestir?
O pregador acrescentou ainda: mantenho a alegria e o frescor pelo meu primeiro amor ou desanimei? Mantenho uma vida de periferia ou gosto de estar ao centro da atenção e das honras? Tenho confiança na Providência ou sou fanático em programar tudo e a esperar os resultados?

Enfim, entre tais idolatrias, o pregador do Retiro chamou a atenção dos presentes para não cair na tentação de querer misturar tudo, criando uma religiosidade “confusa e sincretista”. (MT) Fonte: http://br.radiovaticana.va

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

500 Anos de Santa Teresa de Jesus. (1ª Parte)

ASSEMBLEIA DE ESPIRITUALIDADE DOS CARMELITAS
- Província Carmelitana de Santo Elias-
Belo Horizonte- MG. Casa de Retiro São José. De 26 -30 de janeiro-2015.
Tema: 500 Anos de Santa Teresa de Jesus.
Pregador: Professor Francisco Catão, São Paulo.


A pedagogia de Santa Teresa de Jesus vista por um teólogo nos dias de hoje
Por Professor Francisco Catão, São Paulo.


1ª Parte: Premissa

Princípios diretores
Ver Teresa de Jesus, a partir da teologia de hoje, pode parecer estranho. Não seria mais correto, tanto do ponto de vista teológico como histórico, partir do ensinamento de Teresa, Doutora da Igreja, para aprendermos com ela como proceder nos caminhos da oração, traçados com tanta precisão no relato de suas experiências (Vida), nos escritos que deixou para suas filhas (Caminho de perfeição, Moradas)  e na abundante correspondência trocada com ilustres contemporâneos?
Relatos e escritos, aliás, rigorosamente fiéis à doutrina da Igreja e, ao mesmo tempo, tão ricos de observações psicológicas, que encantam ainda hoje a grande maioria dos psicanalistas, quer freudianos (Julia Kristeva, Thérese mon amour. Paris, Fayard, 2010), quer junguianos (Léon Bonaventure, Psicologia e vida mística. Petrópolis: Vozes, 1996²)!
Mas é justamente a preocupação de melhor conhecer Teresa, que nos leva a colocar seu ensinamento no contexto da Tradição espiritual cristã, como deve fazer sempre o teólogo. Assim como o pensamento de todo autor só se revela, de fato, quando situado no contexto histórico-cultural em que viveu, a teologia cristã só se elabora corretamente, tendo presente a fé, que, por sua vez nos é transmitida pelos profetas e pelos santos, trazendo sempre, por isso, as marcas das exigências espirituais e da cultura de sua época. É o que denominamos “a historicidade da fé”.
O trabalho teológico do Vaticano II foi todo feito à luz de um princípio fundamental, necessário para explicar ao mesmo tempo, a continuidade da fé cristã pregada pelos Apóstolos e formulada nos símbolos da fé desde as origens do cristianismo e a evolução da doutrina cristã, sempre renovada no tempo, nesses dois mil anos, e na grande diversidade cultural do mundo hoje globalizado.
Na época do Concílio o Pe. Congar repetia sempre: estamos vivendo em um tempo de mudança e muitas vezes nos falta uma Teologia da Mudança.
Coube a João XXIII formular lhe o princípio, no importante discurso de abertura do Vaticano II. Reinterpretando a famosa sentença do Commonitorium de  Vicente de Lérins (†445) num sentido, porém, complementar ao do Vaticano I (Dz 3026), mas teologicamente justificado (como o demonstrara Congar no seu estudo de 1954, Vraie et fausse reforme dans l’Église, sublinhar a continuidade do “depósito” ou “substância” da fé através da contínua mudança de suas expressões, de acordo com a evolução dos tempos e a dversidade das culturas.
Eis  famosa a passagem de Vicente de Lérins:
Crescat igiur et multum vehementerque proficiat, tan singulorum quam omnium, tan unius hominis quam totius Ecclesiae, aetatum ac saeculorum gradibus, intelligentia, scientia, sapientia: sed in suo dumtaxat genere, in eodem  scilicet dogmate, eode sensu eademque sententia
“Cresça, pois o conhecimento, tanto em cada indivíduo como de todos os homens, tanto pessoal quanto de toda a Igreja, através dos anos e dos séculos, desde que se mantenha a mesma  compreensão, o mesmo saber e a mesma   sabedoria da doutrina, do sentido e da linguagem empregada” (Commonitorium  primum. 23, nº 3, citado em DZ 3026)

João XXIII, no discurso de abertura do Vaticano II, Gaudet mater Ecclesia, distinguindo o “depósito” ou “substância” da fé, de suas expressões, ao mesmo tempo em que professava a permanência da substância, como todos os seus antecessores, acentuada, apenas cem anos antes por Pio IX (†1878), sustentou a constante necessidade de ajustar as expressões da fé aos tempos e às culturas. Dessa forma, não só removia o principal obstáculo teológico à renovação do pensamento cristão, como possibilitava o aggiornamento da Igreja, principal objetivo do Concilio.
O Concílio, veremos mais tarde, esboçou a elaboração da nova doutrina sobre a renovação da Igreja nos tempos atuais (Cf. Gaudium  et spes, nº 62), doutrina que cresceu e amadureceu nestes últimos cinquenta anos, através da obra reformadora de Paulo VI e de João Paulo II, da agudeza teológica de Bento XVI e da orientação pastoral de Francisco.
Visando analisar o ensinamento de Teresa, em particular sua pedagogia de iniciação à vida espiritual, de grande relevância para todos os cristãos que buscam a Deus nos dias atuais, apoiamo-nos principalmente nesses dois documentos.
Essa Teologia da Mudança, que distingue a substância da fé das suas expressões”, alimenta-se, a seu modo, do velho principio filosófico de Jacques Maritain, “distinguir para unir”, largamente estabelecido em Les Degrés du Savoir. Distinguer pour unir. (passim)   

Metodologia de análise
Com esse objetivo, adotamos uma metodologia de análise que comporta um alicerce, um pilar que lhe dá continuidade no tempo e dois painéis, que o manifestam através das mutações da História: No fundamento, Jesus Cristo. No pilar central, a Tradição da fé, orientada para a Visão, na eternidade. Dos lados, um painel voltado para as expressões passadas da Tradição e do outro, um segundo painel em que se projeta o enriquecimento progressivo da Tradição ao longo dos anos.
O alicerce, sobre o qual se apoia todo o edifício é o encontro com Jesus, Palavra de Deus que é Deus e vem habitar entre nós (cf. Jo,1,1-14) tal como o experienciaram os Apóstolos,  segundo os relatos evangélicos e dos demais escritos apostólicos.
A experiência dos seguidores imediatos de Jesus e das primeiras comunidades, que vieram a ser conhecidas como cristãs, ainda no seio do judaísmo (cf. At 11, 26), é de ordem espiritual. Corresponde ao ensinamento de Teresa: relacionamento interpessoal de ns com os outros no seio da comunidade presidido pela fidelidade à Palavra transmitida pelos Apóstolos.
Teresa, porém, descreve essa mesma experiência, denomnmada mística ou “sobrenatural”, em termos de encontro com Jesus e vivência interpessoal com Deus, segundo a imagem bíblica corrente na tradição medieval das núpcias espirituais, que remonta a Bernardo de Claraval (1091-1153). Esquematicamente, tem como fundamento a íntima união com Deus baseada no encontro com Jesus e  construída em torno do pilar central da busca de Deus em nossa vida, cujo ápice Teresa qualifica matrimônio espiritual e está claramente expressa nas palavras de Jesus.
Experiência que foi diferentemente expressa através dos tempos, desde a dedicação das comunidades primitivas, descritas por Lucas e a que se referem os primeiros “filósofos” cristãos, como Orígenes (±185-±254), por exemplo.
Experiência vivida nos movimentos surgidos no século IV, dos Pais do deserto, revivida no monaquismo, em suas formas ocidentais, institucionalizadas por Bento de Nursia (±480-±547), através dos votos, orginalmente de estabilidade obediência e conversação dos costumes, e difundida no Ocidente por Gregório Magno (±540-604).
No decorrer da Idade Média, com a crescente atenção aos aspectos estruturais da religião cristã, elaborou-se uma teologia dos estados de vida na Igreja. Passa-se então a encarar o monaquismo menos como uma filosofia de vida, centrada na tradição e na experiência, do que como vida religiosa, baseada na instituição e chamada a desempenhar um papel específico no cumprimento da missão apostólica de dar testemunho do Evangelho no seio da cristandade, primeiro, pela vida, quer do culto público, quer da misericórdia, e pela palavra, da pregação e do ensino. A vida religiosa, entendida como estado de perfeição, tem por objetivo final, manifestar, dentro de um determinado contexto histórico, a perfeição da caridade. Teresa vai traçar seu Caminho de perfeição baseada nessa teologia, mas voltando à perspectiva do monaquismo primitivo, dada à percepção que tinha das necessidades da Igreja de seu tempo!
O estado de perfeição se funda no empenho de toda a vida – totalidade e radicalidade – a serviço do Reino. É constituído pelos bispos, que se consagram inteiramente ao serviço da Igreja, e pelos religiosos, que se consagram ao Senhor, na Igreja, pelos votos públicos de pobreza, virgindade e obediência. Na disciplina latina atual, também só são ordenados presbíteros os cristãos que se consagram ao serviço da Igreja pelo celibato, a que se comprometem na ordenação diaconal.
Aos poucos, porém, as exigências dos estados de perfeição se difundem na Igreja, seja na esfera do ministério, como se observa no caso do celibato sacerdotal, seja no surgimento das congregações e associações, regulares ou seculares, em graus variados, num conjunto canonicamente heterogêneo, sob a designação de vida consagrada.
No tempo de Teresa, a grande novidade era a articulação entre as observâncias vinculadas à oração e ao afastamento do século e o testemunho e empenho apostólicos. Novidade introduzida pela Companhia de Jesus, com seu voto de especial obediência ao Papa, que vai estender a vida consagrada a todas as formas de “apostolado” e vinculá-la mais estreitamente ao minstério hierárquico. Dedicada, por isso, a todos os gêneros de apostolado, desde o “apostolado da oração” até o mais secularizado “apostolado da inserção” nos mais diferentes “meios” sociais, tanto da educação como das camadas mais carentes da sociedade.
Esse pilar central, na obra de Teresa como escritora, reformadora e fundadora, desdobra-se em dois painéis laterais: o primeiro painel, olhando para o passado, traz a marca indelével da tradição carmelita, inserida na tradição monástica.
Teresa viveu quarenta anos num mosteiro em que prevalecia a tradição monástica institucionalizada nos votos solenes de observância dos conselhos evangélicos de pobreza, virgindade e obediência. Sobre eles, se estruturava uma vida religiosa, considerada institucionalmente estado de perfeição, na qual, porém, corria-se o risco de se faltar de dinamismo, do frescor do Espirito. Disciplinavam-se os corpos, regulavam-se, sem maior rigor, ao modo da lei, as relações interpessoais, mas não se falava ao coração, deixando, em geral, as pessoas presas às suas idiossincrasias nem sempre santas, quando não contribuía para aquela espécie de monges que são Bento apelidava de sarabaítas, “porque, pelo seu modo de viver se conservam fieis ao século e mentem a Deus pela tonsura” (Regra, c. 1º).
Teresa não o suportou. Influenciada pela tradição mística dos alumbrados, cujas raízes se inserem da Tradição da mística renana (Ekhart, Kempis etc.), entra pessoalmente em choque com o modo de viver do Mosteiro da Encarnação, onde havia professado. Sua saúde espiritual, a intimidade com Jesus a que todas as irmãs, tendendo a perfeição, deviam visar, requeria um engajamento mais pessoal e concreto.
Fosse varão, iria lutar pela Igreja, ameaçada em diversas frentes, a exemplo de seus irmãos, que partiram para as Américas. Sendo mulher confinada, na época, ao ambiente doméstico, sem ceder a uma eventual vocação feminista, o que seria um anacronismo, tudo que lhe restava fazer, parecia-lhe, seria seguir outro caminho. visar pessoalmente à perfeição da caridade, como os primeiros eremitas do Carmelo, pela prática dos votos, de forma efetiva, radical e total.
Dadas as circunstâncias de viver numa sociedade em que se valorizava antes de tudo a honra, pensou num mosteiro em que se favorecesse o contato pessoal entre as irmãs, umas com as outras, na prática efetiva de uma caridade heroica, na pobreza e no despojamento de tudo, inclusive de si mesmo, pela total dedicação de umas às outras. Que antes de tudo as irmãs se amem umas às outas “até o fim”, a exemplo de Jesus (Jo 13,1). Eis o verdadeiro caminho para o encontro com Ele!
Jesus vem a nós no outro. O “mistério” da vida cristã é a vinda de Deus a nós, na intimidade do coração, vivida no encontro com Jesus, realizado:
efetivamente, na relação interpessoal de uns com os outros; sacramentalmente na Eucaristia e
misticamente na união esponsal com o Pai e o Filho no Espírito, que nos é dada no mais íntimo de nós mesmos, na oração.
Com base nesse conteúdo da fé, elaborado pela teologia de seu tempo, Teresa firmou o fundamento  do que hoje conhecemos sob o nome de vida contemplativa, que está na base de toda vida consagrada segundo a doutrina que se começou a elaborar no Concílio (Decreto Perfectae caritatis), aperfeiçoou-se no Sínodo sobre o tema (Exortação Vita consecrata, 1996) e prevalece nos dias de hoje na Carta Apostólica às pessoas consagradas, para a celebração em curso, do Ano da Vida Consagrada (2014 – 2015). Do ponto de vista de teologia da vida religiosa, Teresa é a grande doutora da Igreja, Mãe dos espirituais, tal como a classificou Paulo VI, quando lhe reconheceu o título (1970), conferindo-o pela primeira vez a uma mulher.

O outro painel lateral é o futuro da tradição carmelita. É preciso levar em conta como Teresa ecoou na história nesses últimos 500 anos, para esboçar as direções em que se vai desenvolver a tradição carmelita. A tarefa nos ultrapassa. Procuraremos, no decurso de nossas reflexões, nunca perder de vista a necessidade de sintonizar todo e qualquer eventual enriquecimento da tradição, com a renovação da Igreja, tal como está em progresso  nesses últimos 50 anos.
Trata-se de um dado fundamental para responder ao que os cristãos e, de certo modo todos os homens e mulheres que aspiram pela Verdade, pela Justiça e pela Paz e esperam da Igreja e do Carmelo: que nos empenhemos, de coração, a começar pela família e por nossas relações pessoais, em nos amarmos uns aos outros,  encontrando  assim Deus em nossa vida, para clamar até as periferias da terra, o que disse Jesus aos discípulos de João que o procuraram logo no início de seu ministério: “venham e vejam” (cf. Jo 1,39).

Desenvolvimento
 Dentro dos limites impostos pela vida que levamos, tocados pela vocação monástica na juventude e secularizados depois de um quarto de século, mas tendo mantido, por graça de Deus, até hoje, interiormente, o empenho na busca de Deus, faremos o possível para ecoar com a maior precisão que me é possível, as palavras de Teresa junto a seus filhos.
Ela mesma, ao abordar o discurso sobre o caminho das virtudes para alcançar a perfeição da oração, desculpa-se, de maneira meio canhestra, de falar das virtudes de que não tem sequer o princípio:
Pediram-me que lhes explicasse o princípio da oração: eu, filhas, embora não tenha sido levada por Deus por este princípio, o dessas virtudes, não sei outro (Caminho 16,1).
Como aprendizes da última hora, não nos foi possível nem mesmo abarcar todos os escritos de Tereza. Ajudados pela experiência em campos conexos da Teologia Sistemática e Espiritual, tivemos que optar pela análise de alguns capítulos iniciais do Caminho de Perfeição, em que Teresa expõe o caminho que conhece para chegar à perfeição da oração. Esperamos haver conseguido apontar algumas das principais características de sua pedagogia, enraizada na primitiva tradição carmelita e que nos permitirá, quem sabe, descobrir a direção a seguir em face dos desafios do tempo presente, para que o Espírito do Carmelo não falte ao insistente apelo pela renovação da Igreja em nossos dias.

Assim, depois de lembrar o tempo de Deus que somos chamados a viver nesse ano de graça (01), abramos o Caminho de Teresa (02), situando-o no amplo contexto da tradição monástica historicamente histórica e espiritualmente falando (03). Compreenderemos então o eixo central da tradição teresiana: a caridade fraterna (04) e o caminho das virtudes (05), voltando-nos, enfim, para o presente e encarando o futuro (06), para concluir.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 808: Igreja do Carmo da Antiga Sé.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 707. Frei Bruno Secondin.