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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

500 Anos de Santa Teresa de Jesus. (2ª Parte)

ASSEMBLEIA DE ESPIRITUALIDADE DOS CARMELITAS
- Província Carmelitana de Santo Elias-
Belo Horizonte- MG. Casa de Retiro São José. De 26 -30 de janeiro-2015.
Tema: 500 Anos de Santa Teresa de Jesus.
Pregador: Professor Francisco Catão, São Paulo.


A pedagogia de Santa Teresa de Jesus vista por um teólogo nos dias de hoje
Por Professor Francisco Catão, São Paulo.


2ª Parte Introdução:  2015, Ano da Graça.
Celebramos este ano, na Igreja, dois marcos históricos: os 50 anos do encerramento do Vaticano II e os 500 anos do nascimento de Teresa de Jesus.  Além disso, o papa Francisco nos convocou para a celebração de um ano dedicado à vida consagrada. Parece-nos impossível falar de Teresa sem nos perguntar que significam esses fatos, para os “eremitas” do Monte Carmelo?

Reforma carmelita e renovação da Igreja
Nas primeiras décadas do século XIII, alguns eremitas, que viviam junto à fonte do Monte Carmelo, pediram a Alberto, então Patriarca da Jerusalém, que lhes propusesse uma “fórmula” pela qual regulassem seu modo de viver, que ainda hoje figura, sob a denominação de REGRA no início das Constituições da ordem dos irmãos da Bem-aventurada virgem Maria do Monte Carmelo (Lisboa, 1996).
Qualquer história, por resumida que seja, da Tradição carmelita de oito séculos, deixa transparecer a grande diversidade de regras, ordenamentos, doutrinas e teologias, ramos e famílias que até hoje se inserem nessa Tradição,
Dentre todas as reformas, porém, a mais importante foi, sem dúvida, a de santa Teresa de Jesus, reconhecida doutora da  Igreja, na expressão de Paulo VI, Mater spiritualium. Eis porque lhe consagramos de maneira especial este ano, celebrando o quingentésimo aniversário de seu nascimento.
Celebramos também, num ano dedicado pelo papa Francisco à vida consagrada, os cinquenta anos do Vaticano II, que anima até hoje, na linguagem de seu promotor, João XXIII, o aggiornamento da Igreja, e que alcança, com o Papa Francisco, as áreas mais profundas da espiritualidade, jamais reformulada de maneira tão radical, por nenhum dos vinte concílios ecumênicos anteriores.
Chama atenção o paralelismo que se observa entre a reforma carmelita do século XVI e a renovação de Igreja no ocaso de segundo milênio: ambas têm como foco, em última análise, a promoção da santidade da vida espiritual, em sua perene atualidade.
A santidade é o coração da Igreja. Ilumina-a Cristo, luz dos povos – Lumen  Gentium. Por isso, a Igreja é o sacramento da união com Deus e de toda a humanidade. A vida da Igreja é, pois, a santidade no Espírito, e sua missão, comunicá-la a todos, participando da alegria e esperança, das tristezas e das angústias – Gaudium et spes, luctus et angor – de todos os homens e mulheres.
Para Teresa também, no centro da vida religiosa está a santidade da vida de intimidade com Jesus – Deus me basta. A união no Espírito com o Cristo que vem a nós na oração – a amizade com Deus no Espírito, que faz habitar a Trindade no mais íntimo de nosso coração (leb), no sentido bíblico do termo.
O Espírito torna a alma a morada luminosa do Castelo e dá sentido à vida.  Confere valor e sentido definitivos a todas as práticas herdadas do monaquismo original e até hoje conservadas, nem sempre, é verdade, com o mesmo empenho e vigor, pelas mais variadas formas de vida consagrada.

A vida religiosa no mais íntimo da Igreja
Há 50 anos do encerramento do Vaticano II, aparecem com maior nitidez suas linhas mestras. Como dizia João XXIII, no profético discurso de abertura do Concílio, a história, conduzida pelo Espírito, nos ajuda a entender melhor os desígnios de Deus. Vaticano II, visando à renovação da Igreja, nos propõe um consistente tripé de sustentação, em que a fé é vivida através da história: o primado da Palavra de Deus, a natureza espiritual da Igreja e a universalidade da salvação. Três referenciais, cujo alcance entendemos melhor hoje, passados cinquenta anos.
Antes de ser assim, uma organização hierarquizada, a Igreja, na sua vida e na sua missão, é um povo reunido pelo laço da fé, da esperança e do amor, vínculo espiritual, pessoal e livre de cada um de nós com o Pai e o Filho, na unidade do Espírito, segundo a expressão de Cipriano de Cartago, citada na Lumen Gentium (LG 4).
Sabemos que não foi fácil chegar a essa posição, de colocar o capítulo segundo, sobre o povo de Deus, antes do capítulo sobre a hierarquia. Mas constituiu um passo decisivo, um movimento indiscutivelmente provocado pelo Espírito.
Definido o primado da realidade espiritual da Igreja, tudo, em nossa vida cristã, muda de sentido e reclama uma renovação profunda, segundo o Espírito. Passa a ter como princípio e fonte a Palavra de Deus, Jesus Cristo, Verbo encarnado, que vem ao nosso encontro no fundo do coração, comunicando seu Espírito ao nosso espírito.
A Igreja são todos aqueles que, animados pelo Espírito e chamados a ser “evangelizadores com Espírito” (cf. EG, c. V), estão presentes no mundo, embora nem sempre reconhecidos como cristãos: é o primado do espiritual na vida, no ministério,  nos sacramentos, na pastoral. A Igreja existe no mundo e na História, graças ao alcance universal da ação salvadora e santificadora de Jesus, que nos comunica seu Espírito e a envia a todo o mundo, cujas fronteiras, portanto, estendem-se até às periferias aparentemente mais distantes.
Cada uma das realidades da Igreja, das mais visíveis, como o ministério pastoral, às mais interiores, como a vida consagrada, é chamada a obedecer a essa mesma estrutura, que é o DNA da Igreja: o primado do Espírito.
Ora, foi precisamente o que Teresa percebeu com clareza, haurindo a tradição em que se situavam os primeiros carmelitas, e reformulando-a de maneira adequada à sua época, de revoluções e de extremismos.
Teresa sobrepõe a vida pessoal de união com Deus não só às exigências e comodidades de seu tempo, mas até mesmo às práticas habituais da vida claustral então adotada, e convoca, mulheres e homens consagrados, a fazer do recolhimento em Deus o foco inspirador e animador de toda a vida.
Dessa forma, o que há de mais profundo na vida da Igreja, e a define como Igreja, é, para Teresa, o que há de mais precioso na vida consagrada e, em particular carmelita: viver de Deus, por Deus e para Deus.


Redescobrir o caminho
Convidado a assessorar a assembleia anual da Província Santo Elias, me foi pedido que apreciasse os escritos de Teresa, na ótica da reflexão teológica atualizada e evidenciada pelo Espírito, com a eleição do Papa Francisco.
Não posso ter a pretensão de trazer nada de novo a quem conhece e vive a tradição carmelita. Como alguém, porém, que se inspira há mais de setenta anos na tradição monástica, passou pelos bancos de teologia e testemunhou muito de perto os esforços de renovação feitos pela Igreja durante o Concílio, creio poder comunicar o entusiasmo de um neo-convertido ao ensinamento de Teresa.
Nessas circunstâncias, na leitura de seus escritos chama atenção antes de tudo sua pedagogia.
Admira sua história, situada no contexto de seu tempo e vista através das narrativas de sua vida e de sua atividade de reformadora.
Causam vertigem suas experiências místicas, descritas com tal precisão, que surpreendem os psicólogos de toda orientação, inclusive positiva e psicanalítica.
Mas o que chama atenção, antes de tudo, para quem a procura abordar com olhar de noviço, para lhe descobrir o segredo do sucesso de Mater spiritualium, que presidiu seu reconhecimento como Doutora da Igreja, é o caminho que nos propõe para o encontro com Deus no íntimo do coração.
Descreve-o cuidadosamente nas Moradas, cujo ensinamento, porém, pressupõe o itinerário prático por ela traçado no Caminho de Perfeição, legado às suas filhas desejosas de ter acesso a seus escritos sobre a oração, mas entregues aos “letrados” e cuja publicação só foi, de fato autorizada depois de sua morte.
Nos dias de hoje, chamados a viver intensamente a renovação da Igreja e da vida religiosa, a abordagem, que me sinto capaz de fazer, parece corresponder, além disso, a uma flagrante necessidade em nosso meio, sequioso de encontrar o caminho do Espírito.

O legado conciliar nos indica o caminho.
Antes de entrar, porém, na análise do Caminho de Teresa, convém tomarmos consciência de que vai na direção que nos indicou o Concílio, interpretado pela forma com que vem sendo recebido na Igreja nestes 50 anos
O Vaticano II tratou dos religiosos. A Constituição sobre a Igreja os colocou estrategicamente entre a vocação universal à santidade (cf. LG, c. V) e a perspectiva escatológica em que são chamados a viver os cristãos (ib. c. VII), dando relevo à prática dos conselhos evangélicos, objetos dos votos, e reconhecendo o lugar especial que ocupam na Igreja (ib. c. VI).
Dentro do mesmo quadro doutrinal, colocando em primeiro lugar  a prática evangélica dos conselhos, o Decreto, Perfectae caritatis, promulgado nos últimos dias do Concílio, estabeleceu algumas diretivas sobre a renovação da vida religiosa. Uma grande onda de revisão dos estatutos de cada uma das ordens, congregações e institutos de vida consagrada estendeu-se por décadas.
Trinta anos depois (1994), João Paulo II convocou a IX Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos para tratar da vida religiosa e fazer uma espécie de balanço sobre o lugar que é chamada a ocupar na vida e na missão da Igreja.
Na “Exortação Apostólica sobre a vida consagrada”, Vita consecrata (25.03.1996), duas observações se impõem: a afirmação enfática da origem monástica de toda a vida religiosa e nela, a primazia da vida de união com Deus, que somente dá sentido tanto à prática dos conselhos como à consagração da vida pelos votos (cf. VC, 6).
Depois, à luz desse critério, indica como solução para as dificuldades que hoje enfrentam todas as formas de vida consagrada, sua justificação a partir da total gratuidade do dom de si mesmo a Deus, muito além de qualquer utilidade que possa ter para a Igreja ou para a sociedade (cf. VC, 104).
Propõe  assim a universalização do critério de buscar antes de tudo a Deus, indicado na regra monástica de são Bento (cf. c. 58), por exemplo, como critério de toda vocação autêntica à vida religiosa de um modo geral.
Em continuidade com a Exortação Apostólica de 1996, o Papa Francisco acaba de promulgar o Ano da Vida Consagrada, cuja abertura, no primeiro domingo do Advento deste ano, foi celebrada com uma importante “carta às pessoas consagradas”, em que  destaca dois aspectos, que são características da tradição carmelita, tal qual a interpreta Teresa:
A centralidade de Deus, confessada na base de toda vida cristã e consagrada, entendida a partir de Jesus, da humanidade crucificada do Verbo Encarnado, como se exprimia Teresa, e sustentada pelo encontro pessoal com Jesus, que com o Pai e o Filho “moram” no mais íntimo do coração.
 Para renovar o presente e olhar para futuro, Francisco acentua a necessidade de voltar ao passado e recobrar a atitude de encontro com Jesus que somente explica a vida e a missão dos apóstolos.
Em consequência, a Carta é dirigida a cada uma das pessoas consagradas, onde quer que estejam, posicionamento que corresponde às primeiras palavras da fórmula de vida de Alberto, proposta aos eremitas do Monte Carmelo:
Muitas vezes e de muitos modos os Santos Padres estabeleceram como cada um – qualquer que seja o estado de vida a que pertença ou a forma de vida religiosa que tiver escolhido – deve viver em obséquio de Jesus Cristo e servi-lo fielmente com coração puro e reta consciência.

Nessa direção, tão cara à tradição carmelita, explica-se o Caminho de Teresa. Mais do que a institucionalização de uma forma reformada de vida carmelita, o Caminho é uma pedagogia da intimidade com Deus a que são chamados todos os cristãos e que deve ser a principal característica da vida consagrada.

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