ORDEM TERCEIRA DA
LAPA/RJ.
Encontro
sobre a Espiritualidade Carmelitana.
Dia 18 de
janeiro- 2015.
Com Frei
Petrônio de Miranda, O.Carm
(E-mail do
Frei: missaodomgabriel@bol.com.br)
Tema: Um coração desejoso: Nosso desejo de Deus.
Texto de Frei John Welch, O. Carm. Whitefriars Hall, Washington.
Adaptação para Ordem Terceira: Frei Petrônio de Miranda, O. Carm.
Queremos tudo
“Nossos
corações estão inquietos”, escreveu Santo Agostinho, e esta verdade permanece
como algo fundamental à condição humana. A inquietude, o desejo humano parece
que nunca serão completamente satisfeitos.
Podemos ver a inquietude humana expressa na imagem de um bebê que começa
a engatinhar e a explorar seu ambiente.
A viagem dos primeiros carmelitas que deixaram suas casas para congregar-se num
Vale do Monte Carmelo foi movida por este mesmo desejo. Somos verdadeiramente
peregrinos.
Nós, os humanos, nunca estamos satisfeitos com o que temos pois, como
diz Santa Tereza de Lisieux, queremos tudo. E não descansaremos até
consegui-lo. A tradição carmelitana
reconhece esta fome do coração humano e diz que fomos feitos desta maneira.
Fomos feitos para procurar e explorar, desejar e sofrer até que o coração
finalmente encontre algo ou alguém que possa harmonizar ou estar em consonância
com a profundidade do seu desejo, até que o coração possa encontrar alimento
suficiente para satisfazer sua fome. Chamamos a este alimento, a esta
realização, a esta meta do desejo humano, Deus. Durante oitocentos anos os
carmelitas têm intencionalmente perseguindo esta realização misteriosa e
difícil de encontrar. “desejava viver” escreveu Santa Teresa de Ávila, “e não
tinha quem me desse vida...”
Acreditamos,
ainda que todo ser humano está nesta procura.
Podemos afirmar isto: cada irmão e irmã da Ordem Terceira, cada membro
de nossa comunidade do Carmo da Lapa, cada devoto de Nossa Senhora do Carmo
está aberto ao mistério transcendente a que chamamos Deus. Por algum tempo o
desejo pode ser negado, a fome temporariamente satisfeita, o desejo afogado,
atordoado, debilitado. Mas sabemos que está aí e que de um momento a outro
aparecerá. Nossa tradição tem a força, a linguagem, as imagens que nos ajudam a
iluminar o que as pessoas estão experimentando no profundo do seu ser.
A
tradição carmelitana tenta dar nome a esta fome, dar palavras ao desejo e
expressar que o final da viagem está em Deus. O Carmelo sempre tem desejado o
mesmo e está disposto a caminhar e acompanhar aqueles com os quais se encontrar
neste caminho.
Desejos dos Carmelitas
Este
dilema encontrará sua compreensão nos santos do Carmelo. No encontro com esta
chama profunda os santos se deixaram queimar e purificar por ela. Teresa de
Ávila a entende como a água que Jesus ofereceu à samaritana. Mais fogo que água, esta chama inflama o
desejo. “Mas com que sede se deseja ter
esta sede!” João da Cruz começa seu
poema do Cântico Espiritual com uma
queixa: “Onde é que te escondeste, Amado, e me deixaste com gemido?
Como o cervo fugistes, Havendo-me ferido; Saí, por ti clamando, e eras já ido.” João da
Cruz compreende nossa humanidade como o despertar no meio de
uma história de amor. Alguém tocou
nossos corações ferindo-os e fazendo-os penar por causa disto. Quem tem nos fez tal coisa e para onde foi? Estas perguntas perseguem a cada ser humano ao
longo de sua viagem e o impulsionam a cada passo, desde o engatinhar do bebê à
peregrinação do papa à Terra Santa, incluindo todo o esforço humano que é feito
nesta busca.
João da
Cruz diz que nossos desejos são como meninos. Se lhes damos atenção, acalmam-se
por algum tempo. Mas logo despertam e rompem com seu barulho a paz do lar.
Nossos desejos são também como um dia longamente desejado de estar com o amado;
mas esse dia termina numa grande desilusão. Nossa humanidade tem uma fome que
somente Deus pode satisfazer.
Teresa de
Lisieux procurou explicar seus profundos desejos com a imagem do céu: o céu
como o Domingo sem fim, o retiro eterno, a fonte eterna. A ribeira eterna é uma
expressão particularmente evocadora do desejo do seu coração. Ela queria tudo
na sua vida, e esta imagem é expressão de todos os seus desejos. Mas não há imagem ou conceito que possa
expressar seus desejos:
“Sinto o quanto sou
impotente para expressar em linguagem humana os segredos do céu, e depois de
escrever página após página vejo que ainda não comecei . Há tantos horizontes
diferentes, tantos nuances de infinita variedade”...
Saímos ao
encontro disto ou daquilo seduzidos por uma promessa de realização, mas
terminamos por ser decepcionados mais uma vez. Usando a imagem de
Terezinha, chegamos a muitas fontes, mas não percebemos que não é a fonte eterna .
O que
desejam os homens e mulheres da Ordem Terceira aqui do Rio de Janeiro, aqueles e aquelas que buscam a
espiritualidade carmelitana através da devoção a Nossa Senhora do Carmo? Tudo! Contem com isto e isto lhes deem. Nós
dizemos a nós mesmos e dizemos a eles que a fome dentro de nós é tão profunda e
poderosa que, reconhecida ou não, só Deus é o alimento que a pode saciar.
Quando Jesus pregou sobre o Reino de Deus presente e vindouro, se referia
precisamente aos desejos profundos, ao santo desejo que aninhava o coração de
seus ouvintes. Jesus e a Samaritana. (JO 4, 5-30)
Em 24 de
março de 2000 foi celebrado o vigésimo aniversário do assassinato do Arcebispo Oscar
Romero em El Salvado. Foi assassinado durante a celebração da Eucaristia em uma
capela carmelita. Enquanto celebrava os
funerais daqueles que tinham sido assassinados pelos poderosos e lia os nomes
dos desaparecidos, percebeu que era seu
dever emprestar sua voz aos sem voz. E assim se produziu sua conversação de um
padre tradicional, profissional e piedoso se converte num pastor valente e
defensor de seu povo. Entregou-se à tarefa de denunciar os desejos oprimidos do
povo e assim com sua presença valiosa dar vida ao desejo santo que viu
refletido nos rostos das pessoas do povo salvadorenho.
A
tradição carmelitana reconhece que há uma fome de Deus muito profunda no
coração do homem. Este desejo e esta ânsia nos impulsiona ao longo de toda
nossa vida enquanto buscamos a realização do desejo de nosso coração. Este
desejo profundo de Deus em nossas vidas é o fruto do seu amor primeiro, do seu
desejo anterior por nós. Deus, o primeiro contemplativo, nos olhou e nos fez
encantadores e atraentes para Ele. A tradição carmelitana não fala do
aniquilamento do desejo, mas sim da transformação dos desejos para que mais e
mais desejemos o que Deus deseja, numa consonância de desejo. Como Teresa de
Ávila disse simplesmente, Eu quero o que Você quer .
Perguntas para reflexão:
1º- Como experimento esse desejo, esta ânsia, esta fome
que no fundo é de Deus? Estou consciente dessa inquietude fundamental?
2- Como expresso os meus desejos mais profundos? Que
atividades os incluem e me deixam desejando sua realização profunda?
3- Como as pessoas com as quais trabalho expressam os
desejos profundos do seu coração? Como
eu, junto com elas, encontro a linguagem para este desejo e o celebro como um
dom que eleva até Deus?