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quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Cerca de 11 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos no Brasil

Cerca de 11 mil pessoas morrem por suicídio todos os anos no Brasil. De acordo com o primeiro boletim epidemiológico sobre suicídio, divulgado nesta quinta-feira (21) pelo Ministério da Saúde, entre 2011 e 2016, 62.804 pessoas tiraram suas próprias vidas no país, 79% delas são homens e 21% são mulheres. A divulgação faz parte das ações do Setembro Amarelo, mês dedicado à prevenção ao suicídio.
A taxa de mortalidade por suicídio entre os homens foi quatro vezes maior que a das mulheres, entre 2011 e 2015. São 8,7 suicídios de homens e 2,4 de mulheres por 100 mil habitantes.
Para a diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não-Transmissíveis e Promoção da Saúde, Fátima Marinho, esse número é maior pois há uma perda de diagnóstico dos casos de suicídio. Segundo ela, nas classes sociais mais altas há um tabu sobre o tema, questões relacionadas a seguros de vida e diagnósticos feitos por médicos da família. “As pessoas mais pobres, em geral, captamos a morte porque ele vai pro IML [Instituto Médico Legal]”, explicou.
Das 1,2 milhão de mortes, em 2015, 17% tiveram causa externa. Dessas 40% são registradas por causas não determinadas, segundo Fátima. “Ainda tem 6% de mortes que ainda não conseguimos chegar na causa. São cerca de 10 mil mortes que foram por causa externa, violenta, mas não sabe porquê. Por isso temos esse subdiagnostico do suicídio”, disse.
No Brasil, os idosos, de 70 anos ou mais, apresentaram as maiores taxas, com 8,9 suicídios para cada 100 mil habitantes, mas, segundo Fátima, em números absolutos, a população idosa vem aumentando. Além disso, eles sofrem mais com doenças crônicas, depressão e abandono familiar. Ela explica que esse índice alto de suicídio entre idosos é observado no mundo todo.
Os dados apontam que 62% dos suicídios foram causados por enforcamento. Entre os outros meios utilizados estão intoxicação e arma de fogo. Fátima conta que nos Estados Unidos são registrados mais suicídios por armas de fogo porque o acesso é mais facilitado.
A proporção de óbitos por suicídio também foi maior entre as pessoas que não têm um relacionamento conjugal, 60,4% são solteiras, viúvas ou divorciadas e 31,5% estão casadas ou em união estável. “E os homens casados se suicidam menos. O casamento é um fator de proteção para os homens e de risco para as mulheres”, disse Fátima, explicando que existe uma associação das tentativas de suicídio das mulheres com a violência intradomiciliar. Ela compara que as mulheres tentam mais e, por outro lado, os homens anunciam menos, mas são os que mais morrem por suicídio.
Entre 2011 e 2015, a taxa de mortalidade por suicídio no Brasil foi maior entre a população indígena, sendo que 44,8% dos suicídios indígenas ocorreram na faixa etária de 10 a 19 anos. A cada 100 mil habitantes são registrados 15,2 mortes entre indígenas; 5,9 entre brancos; 4,7 entre negros; e 2,4 morte entre os amarelos.
Para Fátima, o alto risco de suicídio entre jovens indígenas compromete o futuro dessas populações, já que elas também há um alto risco de mortalidade infantil.
Segundo a secretaria especial de Saúde Indígena, Lívia Vitenti, existe um número alto de indígenas em sofrimento por uso álcool, disputas territoriais e conflitos com a família e com a população não indígena. Entre os jovenes, então, há falta de perspectivas de vida. Entretanto, o problema do suicídio indígenas não está distribuído por todo o território, sendo mais frequente entre os Guarani Kaiowá, Carajás e Ticunas.

Tentativas de suicídio
As notificações de lesões autoprovocadas tornaram-se obrigatórias a partir de 2011 e elas seguem aumentando. Entre 2011 e 2016, foram notificadas 176.226 lesões autoprovocadas; 27,4% delas, ou seja, 48.204, foram tentativas de suicídio.

As tentativas de suicídios são mais frequentes em mulheres. Das 48.204 pessoas que tentaram tirar a própria vida entre 2011 e 2016, 69% era mulheres e 31% homens. A proporção de tentativas de suicídio, de caráter repetitivo também é maior entre as mulheres. Entre 2011 e 2016, daqueles que tentaram suicídio mais de uma vez, 31,3% são mulheres e 26,4 são homens.
O meio mais utilizado nas tentativas de suicídio foi por envenenamento, 58%. Seguido de objeto pérfuro-cortante, 6,5%; enforcamento, 5,8%.

Fatores de risco e proteção
Entre os fatores de risco para o suicídio estão transtornos mentais, como depressão, alcoolismo, esquizofrenia; questões sociodemográficas, como isolamento social; psicológicas, como perdas recentes; e condições incapacitantes, como lesões desfigurantes, dor crônica e neoplasias malignas. No entanto, o Ministério da Saúde ressalta que tais aspectos não podem ser considerados de forma isolada e cada caso deve ser tratado de forma individual.
Segundo o Ministério da Saúde, a existência de um Centro de Atenção Psicossocial (Caps) no município reduz em 14% o risco de suicídio. Na análise feita, é o único fator de proteção ao suicídio. Fátima ressalta, entretanto, que é preciso uma melhor distribuição desses centros, principalmente nas áreas com mais concentração de suicídios. Existem hoje no Brasil 2.463 Caps em funcionamento.
Como a ocorrência de suicídio é grande entre os indígenas, ser indígena por si só já é um fator de risco, explicou Fátima. Pessoas que trabalham na agropecuária, que tem acesso a pesticidas, também são vulneráveis a cometerem suicídio por intoxicação.
Os casos acontecem em quase todo país, mas Região Sul concentrou 23% dos suicídios, entre 2010 e 2015. Segundo Fátima, alto nível de renda, pouca desigualdade social e baixo índices de pobreza são características de municípios que concentram mais suicídios.
Ela explica, entretanto que, no caso da Região Sul, existe a associação dos casos de suicídio com a agricultura, especificamente a cultura da folha do tabaco. Segundo Fátima, a folha verde do fumo pode causar uma intoxicação neurológica em quem mantém um contato muito próximo, “o efeito dessa intoxicação é chamada bebedeira da folha verde do fumo”.
Além disso, o pesticida usado nessa cultura contém manganês, que é absorvido e depositado no sistema nervoso central. Fátima ressalta, entretanto, que esta é uma associação e que ainda não existe o nexo causal entre esse tipo de pesticida e os casos de suicídio.
“Então temos o risco ocupacional e a pressão social e econômica em cima de agricultores familiares. É uma exposição conjunta”, disse a diretora. Ela explicou que as políticas de incentivo para a diversificação das culturas no sul do país não tiveram um impacto importante pois o tabaco ainda é muito lucrativo.
Além da Região Sul e de áreas indígenas, esse levantamento trouxe novas áreas com altas taxas de suicídio, que são a região da divisa de São Paulo e Minas Gerais e o estado do Piauí. Segundo Fátima, esses locais ainda precisam ser mais estudos, mas também há uma associação ao uso de pesticidas e a agricultura.

Agenda global
Mais de 800 mil pessoas tiram a própria vida por ano no mundo. Por isso, em 2013, a Organização Mundial da Saúde desenvolveu um plano de ações em saúde mental que pretende reduzir em 10% da taxa de suicídio até 2020.

O coordenador de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas, Quirino Cordeiro, disse que o governo promovia ações na área de prevenção ao suicídio, mas agora que está começando a fazer uma política focada no tema. Uma das ações estratégicas é a construção do Plano Nacional de Prevenção ao Suicídio, para ampliar as ações para as populações vulneráveis.
Segundo ele, o Ministério da Saúde quer expandir a rede de CAPS, inclusive entre a população indígena, além de outras estratégias de cuidados na saúde mental. É importante ainda cruzar os mapas para identificar possíveis associações de causas de suicídios, como a associação com pesticidas. Outros órgãos e ministérios serão convidados para apoiar futuras ações.
Quirino explica que as políticas de prevenção ao suicídio devem focar em dois fatores, nos transtornos metais e nos meios de suicídio. “Sabemos que entre os vários fatores para o suicídio existe a presença do transtorno mental não tratado de maneira apropriado, então ter políticas públicas focadas nesses transtornos é importante”, disse.
Outra frente de ações é o controle de meios para o suicídio, segundo Quirino, que tem um impacto importante na redução dessas mortes. “Muitas vezes quem comete suicídio está passando por problemas graves e acaba fazendo uma tentativa por desespero. Mas se não tem à mão um método, muitas vezes aquele momento passa e a pessoa não efetiva”, disse, explicando que o controle de armas é importante no Brasil, por exemplo, pois onde se restringe o acesso a armas, se reduz os casos de suicídio.

Acordo com o CVV
O Ministério da Saúde, desde 2015, tem uma parceria com o Centro de Valorização da Vida (CVV), que começou com um projeto-piloto no Rio Grande do Sul. O CVV realiza apoio emocional e prevenção do suicídio, atendendo voluntária e gratuitamente todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo por telefone, e-mail, chat e voip 24 horas todos os dias.
O objetivo da parceria é ampliar gradualmente a gratuidade de ligações para o CVV, mesmo que por celular, por meio do número 188. Além do Rio Grande do Sul, a partir de 1º de outubro, pessoas de mais oito estados poderão ligar gratuitamente para o serviço: Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Piauí, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Rondônia e Roraima.
De acordo com o Ministério da Saúde, 21% da população brasileira reside nos nove estados a serem atendidos gratuitamente pelo CVV, o que garante uma ampla cobertura. O acordo já ampliou o número de atendimentos, de 4,5 mil em setembro de 2015, para 58,8 mil em agosto de 2017. Até 2020 todo o território nacional poderá contar com o atendimento pelo 188.
No restante dos estados, o CVV ainda atende pelo número 141 ou diretamente no posto regional. Em cidades sem posto de atendimento do CVV, as pessoas podem utilizar o atendimento por chat, skype e e-mail disponíveis na página do CVV.
O boletim epidemiológico sobre suicídio está disponível na página do Ministério da Saúde. A pasta também disponibiliza materiais de orientação para jornalistas, profissionais de saúde e população geral. Fonte: www.metrojornal.com.br


quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Comunicação e evangelização, de Jesus às redes

“Com o Papa Francisco, a Igreja é desafiada a promover uma 'comunicação encarnada', que passa justamente pela 'via da atração', ou seja, pelo testemunho, que não depende de grandes discursos dogmáticos ou teológicos, mas exige concretude e coerência: fazer o que se diz e dizer o que se faz. (...) Uma comunicação católica deve se explicitar tanto na sua abrangência (uma comunicação 'universal', que dialoga realmente com todos e todas) quanto na sua unidade (não uniformidade) de pensamento e prática em questões religiosas ou não.”
O Master em Evangelização do Instituto Teológico Franciscano (ITF), de Petrópolis, recebeu o jornalista Moisés Sbardelotto, que lecionou a disciplina “Comunicação e Linguagem”. Moisés é graduado em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e também é doutor e mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), na linha de pesquisa Midiatização e Processos Sociais.
Nesta entrevista ele nos conta sobre a comunicação na Igreja, a sua opinião sobre os padres midiáticos, e a influência das mídias na relação interpessoal. A reportagem é de Neuci Lopes e Igor Fernandes, publicada no sítio do ITF, 14-09-2017.

Eis a entrevista.

Deus dialoga com a humanidade desde a sua criação. Se o ser humano foi criado à imagem e semelhança de Deus, qual seria, então, a causa da dificuldade de diálogo entre as pessoas?
Creio que a causa é justamente o fato de sermos humanos, e não deuses. Trazemos a “imagem e semelhança” de Deus no nosso DNA, de um Deus que sai ao encontro do “outro”, de um Deus que se “faz Palavra”, que se comunica. O Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (Doc. 99 da CNBB) afirma: “Criado à imagem e semelhança de Deus, o ser humano se comunica não por uma exigência, mas por um dom natural; não por uma ordem, mas por uma vocação. No ato da criação, Deus o constitui comunicador, dotando-o de imaginação, talento, inteligência e criatividade artística” (n. 36).
Mas, ao mesmo tempo, por sermos humanos, e não deuses, somos seres limitados, inclusive em nossas capacidades de comunicação. E o “ruído” (aquilo que dificulta o diálogo) faz parte de todo e qualquer processo de comunicação humana. Antes de tentar eliminá-lo, o importante é reconhecê-lo como algo que constitui o próprio ato da comunicação, e esse reconhecimento nos leva a agir com mais consciência dos limites e das possibilidades de todo diálogo.
Por outro lado, é paradoxal: a dificuldade de diálogo, muitas vezes, se deve justamente ao fato de acharmos que somos “semideuses”, seres autossuficientes, autônomos, independentes. E o “outro” acaba sendo visto apenas como um “apêndice”, como um “objeto” inerte e passivo da minha comunicação. Contudo, dessa forma, agimos “diabolicamente” (dia-bolos, aquilo que divide, que separa), ignorando e negando o “tu” que deveria nos interpelar na sua diferença radical. Um verdadeiro diálogo demanda o reconhecimento desse “outro”, desse “tu”, que não sou eu, não pensa como eu (é outro “logos”), não tem as mesmas experiências e vivências que eu e, portanto, tem também suas verdades próprias. Há uma frase do Papa Francisco que sintetiza muito bem essa ideia: “Dialogar não significa renunciar às próprias ideias e tradições, mas à pretensão de que sejam únicas e absolutas”.

As redes sociais têm sido benéficas para a comunicação interpessoal? Elas aproximam ou afastam os indivíduos?
Aquilo que costumamos chamar de “redes sociais” não são nem boas, nem más, mas também não são neutras. Facebook, Twitter, Instagram e outras plataformas são sistemas muito complexos, que envolvem aspectos sociais (o modo como os brasileiros interagem, por exemplo, é diferente do modo como outros povos interagem nessas plataformas, além de algumas plataformas terem um uso muito mais disseminado em alguns países e não em outros etc.), aspectos tecnológicos (o Facebook apresenta uma determinada interface e determinados protocolos de interação que são diferentes do Twitter, e uma coisa é usar essas plataformas no computador fixo, outra é usá-las no celular etc.) e ainda aspectos simbólicos (como as temáticas que mais gostamos, as páginas e contas que “curtimos”, o tipo de postagens que publicamos etc.), entre outros.
Dentro desse panorama complexo, é difícil dar uma resposta “sim” ou “não”, pois não é apenas o uso pessoal que vai determinar o benefício ou malefício das “redes sociais”, pois há outros aspectos em jogo, que não controlamos. Sendo redes, são as interconexões, as inter-relações, as interações entre as diversas pessoas e os diversos elementos tecnológicos e simbólicos que vão dar um sentido positivo ou negativo ao que circula nesses ambientes. Por isso, prefiro falar em “redes comunicacionais”, porque elas só existem e se mantêm a partir de um esforço comunicacional ativo e constante por parte das pessoas – e é esse processo, na sua indeterminação, que vai ordenando (ou desordenando…) os sentidos em jogo.
Em poucas palavras, as plataformas que conhecemos, sem dúvida, facilitam a aproximação entre as pessoas, conhecidas ou desconhecidas, encurtando distâncias e reduzindo tempos. Mas é só no momento específico e concreto da interação entre essas pessoas que podemos perceber se esse ambiente que chamamos de “rede social” está sendo benéfico ou não para essa relação. É todo o processo de comunicação que vai indicar isso, e não apenas o “local” onde ele ocorre.

Podemos afirmar que Jesus foi um grande comunicador? Por quê?
Sem dúvida. Deixo a palavra ao Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil, que é muito rico a esse respeito:
“A imagem de Jesus é a imagem viva do amor de Deus e de seu desejo de relacionar-se com o ser humano, expresso nos gestos, nas emoções e nos comportamentos que caracterizam Jesus: o amor misericordioso e primoroso para com os rejeitados, os pobres, os marginalizados, os sofredores, o que não é uma mera representação do amor de Deus, mas sua atualização. Revelando-nos a perfeição do amor, Jesus põe-se também como perfeito comunicador” (nn. 41-43).
Em sua comunicação, Jesus não recorria aos mais elevados padrões da estilística retórica nem às mais aprimoradas técnicas de expressão da época, mas falava a linguagem do povo, com o gênero discursivo mais simples, as parábolas, usando como referência elementos do cotidiano daquelas pessoas, como as próprias relações humanas, as festas, as ovelhas, o campo, a pérola, o fermento, a moeda, a videira, a figueira… E não só “discursava”, mas comunicava com a própria vida, com gestos, com lágrimas, suor, saliva (ou, melhor, “cuspe”, cf. Jo 9, 6), barro, sangue, vinho, pães, peixes… Não era uma comunicação “desencarnada”, mas, ao contrário, muito encarnada nos costumes e na cultura do seu povo, com grande riqueza de sabores, cheiros, cores.
Jesus também foi um comunicador paradoxal: seu único “texto” escrito de próprio punho perdeu-se com o vento, por ter sido escrito na areia… (cf. Jo 8, 6). Assim, não temos nenhum vestígio ou registro direto de Jesus, apenas o relato oral e escrito daqueles e daquelas que o conheceram pessoalmente e o comunicaram. A Igreja e a experiência de fé dos cristãos são fruto dessa comunicação, que surge a partir do amor de um Deus que se comunica. Trata-se de um “fluxo comunicacional” que só foi possível porque uma menina, Maria, soube inserir-se nele, ouvindo e tendo a audácia de dialogar com o anjo Gabriel; e que, por sua vez, só continuou depois da crucificação de Jesus porque outra mulher, Madalena, teve a coragem de anunciar a “loucura” da ressurreição, sendo reconhecida hoje como “apóstola dos apóstolos”.
Além disso, para os que creem, Jesus não apenas “foi” um grande comunicador, mas continua se comunicando com a humanidade no hoje da história. Jesus segue “fazendo-se carne” nas realidades mais humanas que existem. Tudo o que é humano nos revela Jesus, e é aí que temos que buscá-Lo. E Jesus nos revela o que há de divino no humano, e é isso que devemos encontrar nas pessoas com quem nos comunicamos.

A Igreja católica, hoje, estabelece uma comunicação atraente e efetiva?
Para uma resposta mais precisa, seria necessário especificar sobre que nível da Igreja Católica estamos falando. De um modo geral, a Igreja só se manteve e se mantém viva ao longo da história porque se comunica com as diversas culturas e sociedades, entre acertos e erros, entre gestos de grande “atração e efetividade” (mesmo que realizados com muita singeleza e pobreza, como em grande parte da ação missionária da Igreja), e gestos menos edificantes e até mesmo pouco cristãos.
Com o Papa Francisco, a Igreja é desafiada a promover uma “comunicação encarnada”, que passa justamente pela “via da atração”, ou seja, pelo testemunho, que não depende de grandes discursos dogmáticos ou teológicos, mas exige concretude e coerência: fazer o que se diz e dizer o que se faz.

As TVs católicas, no Brasil, atingem o objetivo de “chegar” aos fiéis?
Como meios de comunicação massivos, certamente elas chegam a muitos milhões de fiéis. E essa é uma grande riqueza e, ao mesmo tempo, um grande limitador. Riqueza porque é um alcance impressionante, com um poder simbólico gigantesco. Mas é também um limitador porque, para poder falar numa linguagem que um público grande e diverso como esse possa entender, é preciso simplificar e “padronizar” a fé cristã em uma “média”, que possa ser recebida por um “cristão médio”. “Dilui-se” a mensagem cristã para atender ao grande público. Isso pode empobrecer a ação evangelizadora desses canais, que, muitas vezes, acabam oferecendo aos telespectadores apenas “leite” e não “alimento sólido” sobre a fé (cf. Hb 5, 11-14). Ou, então, certos modelos pastorais e litúrgicos ou estilos de “ser católico” podem passam a se constituir como norma, o que pode levar ao esquecimento ou até ao menosprezo de outros modelos e estilos que enriquecem a diversidade característica do catolicismo, especialmente em um país como o Brasil.
Mas as aspas da sua pergunta apontam para outro “chegar”, que vai além do aspecto numérico da quantidade de telespectadores. E aqui eu acho que ainda estamos engatinhando, como Igreja. Alguns canais já alcançaram um excelente nível técnico nas suas produções, sem dúvida. Mas isso não basta. Assim como não basta um “bom conteúdo” de um programa específico se a grade de programação do canal como um todo denuncia uma ênfase em aspectos que se distanciam da fé cristã. Insere-se aí a presença de “intervalos” excessivamente voltados ao puro negócio, à venda não mais de “indulgências”, mas de “acessórios cristãos”, de “penduricalhos da fé”, quando não de produtos que beiram até mesmo o engodo (cintas de emagrecimento, gotas para parar de beber que podem ser misturadas na própria bebida alcoólica, cremes rejuvenescedores etc.). É claro, manter um canal em TV aberta não é barato. Mas até que ponto vale a pena investir milhões de reais obtidos mediante parcerias publicitárias com certas empresas e produtos que desmentem a simplicidade e a veracidade daquele Galileu a quem seguimos? Para que e, mais importante, para quem busca-se manter um canal de TV católico no ar?
Às vezes, também é perceptível um certo proselitismo na linguagem televisiva católica, que só sabe falar “catoliquês”. Isso, no fundo, desrespeita a própria Constituição, que, no seu artigo 221, determina que a produção e a programação das emissoras de televisão devem atender também a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, promovendo especialmente a cultura regional. Uma programação 100% religiosa e centrada no eixo Rio-São Paulo desrespeita esses princípios, além de ir contra aquilo que Bento XVI já afirmava: “A Igreja não faz proselitismo. Ela cresce muito mais por ‘atração’”.
E, por fim, dentro desse proselitismo, muitas vezes, há também um certo “sectarismo católico”, em que se fala “sempre o mesmo para os mesmos”. Cada movimento, cada congregação, cada diocese deseja “traduzir” o catolicismo à sua maneira, segundo o seu linguajar, gerando uma dispersão (senão até uma divergência) que pode ser contraproducente. Por exemplo, sobre questões-chave no contexto nacional, como a situação política, a Amazônia, os desempregados e empobrecidos, expressa-se uma sintonia entre os canais católicos, em termos de posicionamento editorial? Segue-se o magistério do Papa Francisco e da CNBB, quando esta toma uma posição como colégio episcopal?
Em suma, uma comunicação católica deve se explicitar tanto na sua abrangência (uma comunicação “universal”, que dialoga realmente com todos e todas) quanto na sua unidade (não uniformidade) de pensamento e prática em questões religiosas ou não.

Qual a sua opinião sobre os “padres midiáticos”?
Muito do que eu falei na resposta anterior pode ser dito aqui. Os “padres midiáticos” cumprem um papel na cultura católica brasileira (em outros países, esse “sujeito social” seria inconcebível). Eles ajudam a anunciar a fé católica e a traduzi-la para o grande público de uma forma mais próxima da vida comum do cidadão médio, alguém que “fala e canta aos corações”, como se costuma dizer.
O problema, novamente, é quando um certo estilo de “ser padre” começa a se impor como norma em toda a Igreja, tornando quase obrigatório que os demais sacerdotes assumam esse estilo, ou ainda obstaculizando que outros estilos sejam bem aceitos nas comunidades locais. Essa padronização é extremamente empobrecedora para a Igreja.
Há ainda o problema da fama e do clericalismo. Porque o fato de “aparecer na TV” – que, para o senso comum, já indica uma certa “aura” de extraordinariedade – reforça o imaginário popular do padre como “autoridade” em si mesmo, para além de suas verdadeiras qualidades pessoais. O “padre-estrela” também é constantemente cercado pela tentação do exibicionismo. O risco é anunciar apenas a si mesmo (os gostos pessoais e a própria imagem, roupas, cortes de cabelo…), em uma “eu-vangelização” pouco cristã. Evangelizar é outra coisa, porque é inserir-se na ação comunicacional de um Outro, que nos precede e nos supera.
A relação padre-fiel – na mídia e fora dela – não deveria ser de “fanatismo”, “idolatria” ou “veneração”, pois é uma relação de fraternidade, de um “caminhar juntos” entre irmãos na fé, compartilhando o mesmo batismo e a mesma vocação de discípulos-missionários, na expressão do Documento de Aparecida. Somos todos “servos inúteis”.

Que qualidade do diálogo está mais em falta, atualmente: clareza, mansidão, confiança ou prudência?
Estamos vivendo tempos de extrema polarização. Por isso, embora as quatro qualidades sejam essenciais, parece-me que a prudência e a mansidão são mais do que nunca fundamentais. Prudência para não “sair falando o que der na telha” – inclusive porque as nossas próprias “telhas”, muitas vezes, são de vidro… e de um vidro muito frágil. E mansidão para saber falar apenas o necessário e quando necessário. E que seja um falar manso, pacífico, sem o peso excessivo dos preconceitos, dos apriorismos, das generalizações, da agressividade. Como diz a canção, “aprende-se mais ouvindo”. O silêncio é sempre mais comunicativo e significativo do que qualquer palavra vã.

A mídia exerce grande poder sobre a sociedade. O senhor acredita que ela tenha influência na “migração” de fiéis para outras denominações religiosas?
Primeiramente, é preciso ponderar esse “grande poder”. Sem dúvida, a “grande mídia” tem um poder de disseminar informações em larga escala, “pautando” o dia a dia sociedade. Mas, no caso específico da TV, cada telespectador também tem um “grande poder” sobre a TV, seja trocando de canal, desligando o televisor ou ainda “vendo” aquilo que não é mostrado, isto é, indo além do conteúdo que é exibido e tentando ler os interesses que estão em jogo no modo como a notícia é construída.
Porque toda informação passa por uma “fôrma” que “dá forma” à notícia. Mudando de fôrma, a notícia já não é mais a mesma. Por isso, para além daquilo que a TV “in-forma”, o telespectador – que não é passivo – pode “re-formar” a informação. E aqui é preciso lembrar o papel pedagógico da Igreja, mediante seus vários ministros e pastorais, de formar os fiéis para que saibam “ler” criticamente o que a mídia faz e produz, a partir das “lentes” oferecidas pela tradição cristã.
Quanto à “migração” de fiéis, é importante perceber que ela tem inúmeras influências, seja no âmbito das Igrejas ou religiões que “perdem” fiéis (pois esse não é um fenômeno que ocorre apenas na Igreja Católica), seja no âmbito das denominações que os acolhem. E aqui está um detalhe importante: a acolhida feita por essas denominações. Ninguém troca o certo pelo duvidoso. Há algo de bom que o fiel encontra nessas denominações, algo que realmente preenche o vazio ou que satisfaz alguma necessidade. Na outra denominação, há uma capacidade positiva que nós abandonamos, ou menosprezamos, ou ainda não desenvolvemos o suficiente, mas que foi eficaz na atração desse fiel. É claro que há também abusos e distorções em todo trânsito religioso, mas certamente há uma busca real de “algo mais” por parte desses fiéis, que não é encontrado nas Igrejas de origem.
Por isso, antes de qualquer crítica a essa “substituição”, é necessário fazer um mea culpa sincero como Igreja, reconhecendo “onde foi que erramos” ou onde fomos indiferentes na relação com esse fiel, a ponto de fazê-lo optar por outra denominação. É importante não alienar o problema, isto é, não jogar a culpa dessa migração sobre o outro (o fiel ou a nova denominação).
A mídia entra nesse “pacote”. Embora algumas denominações religiosas apostem muito na ação midiática, aprimorando o uso das diversas linguagens, desde o púlpito até as redes, creio que o aspecto midiático não tem um papel fundamental nem acessório, não é causa nem consequência. A questão em jogo é toda a rede comunicacional (para além das mídias) envolvida nessa “migração”. E essa rede começa antes do abandono da Igreja de origem, quando esta já não dá mais conta de reconhecer e de responder às necessidades do fiel nos seus vários processos de comunicação (por exemplo, promovendo celebrações meramente formais e pouco abertas ao Mistério, com ministros distantes, indisponíveis ou com discurso maçante, conteúdos alheios à realidade de vida das pessoas, comunidades “frias” ou preconceituosas, locais de culto desleixados ou “pirotécnicos” demais etc.).
Essa rede comunicacional se estende e se complexifica, depois, na atração do fiel pela nova denominação, mediante uma boa comunicação realmente “em rede”, chegando ao fiel pelas mais diversas mídias, desde um simples panfleto até um moderno aplicativo de celular, mas que também passa pela boa acolhida no templo, por ministros dispostos, acessíveis e com boa retórica, locais de culto bem cuidados, celebrações envolventes, comunidades vivas e festivas etc. Tudo isso é comunicação, para além de uma mídia propriamente dita.
A Igreja, nesse sentido, é em si mesma uma “mídia” complexa, pois tudo o que ela faz (ou deixa de fazer) é comunicação, seja no âmbito midiático ou fora dele. De nada adianta uma paróquia ter um meio de comunicação excelente (rádio, TV, jornal, site), se, na primeira visita de um fiel, este não recebe nem um “bom dia” do pároco ou dos agentes de pastoral. Esse “furo” na rede comunicacional pode ser sintomático de um tecido paroquial prestes a romper – o que, muito provavelmente, levará esse fiel a buscar “outra comunicação”. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br