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sábado, 25 de maio de 2013

EVANGELHO DOMINICAL: Santíssima Trindade (JO 16,12-15).


            


A Solenidade  que hoje celebrámos  não é um convite  a decifrar  a mistério  que se esconde por detrás de “um Deus em três pessoas”; mas é um convite a contemplar o Deus que é amor, que é família, que é comunidade e que criou os homens para os fazer comungar nesse mistério de amor.
A primeira leitura sugere-nos a contemplação do Deus criador. A sua bondade e o seu amor estão inscritos e manifestam-se aos homens na beleza e na harmonia das obras criadas (Jesus Cristo é “sabedoria” de Deus e o grande revelador do amor do Pai).
A segunda leitura convida-nos a contemplar o Deus que nos ama e que, por isso, nos, “justifica”, de  forma  gratuita  e  incondicional.  É  através  do  Filho  que  os  dons  de Deus/Pai se derramam sobre nós e nos oferecem a vida em plenitude.
O  Evangelho  convoca-nos,  outra  vez,  para  contemplar  o  amor  do  Pai,  que  se manifesta na doação e na entrega do Filho e que continua a acompanhar a nossa caminhada  histórica  através  do Espírito.  A meta  final  desta  “história  de amor”  é a nossa inserção plena na comunhão com o Deus/amor, com o Deus/família, com o Deus/comunidade.

 
ATUALIZAÇÃO

 
Considerar os seguintes desenvolvimentos:

O Espírito  aparece,  aqui,  como  presença  divina  na  caminhada  da  comunidade cristã, como essa realidade que potencia a fidelidade dinâmica dos crentes às propostas que o Pai, através de Jesus, fez aos homens. A Igreja de que fazemos parte tem sabido estar atenta, na sua caminhada histórica, às interpelações do Espírito? Ela tem procurado, com a ajuda do Espírito, captar a Palavra eterna de Jesus e deixar-se guiar por ela? Tem sabido, com a ajuda do Espírito, continuar em  comunhão  com  Jesus?  Tem-se  esforçado,  com  a  ajuda  do  Espírito,  por responder às interpelações  da história e por actualizar, face aos novos desafios que o mundo lhe coloca, a proposta de Jesus?

Sobretudo, somos convidados a contemplar o mistério de um Deus que é amor e que,  através  do  plano  de  salvação/libertação  do  Pai,  tornado  realidade  viva  e humana em Jesus, e continuado pelo Espírito presente na caminhada dos crentes, nos conduz para a vida plena do amor e da felicidade total – a vida do Homem Novo, a vida da comunhão e do amor em plenitude.

A celebração da Solenidade da Trindade não pode ser a tentativa de compreender e decifrar essa estranha charada de “um em três”. Mas deve ser, sobretudo, a contemplação de um Deus que é amor e que é, portanto, comunidade. Dizer que há três pessoas em Deus, como há três pessoas numa família – pai, mãe e filho – é afirmar três deuses e é negar a fé; inversamente, dizer que o Pai, o Filho e o Espírito são três formas de apresentar o mesmo Deus, como três fotografias do mesmo rosto, é negar a distinção das três pessoas e é, também, negar a fé. A natureza divina de um Deus amor, de um Deus família, de um Deus comunidade, expressa-se  na nossa  linguagem  imperfeita  das  três  pessoas.  O Deus  família torna-se trindade de pessoas distintas, porém unidas. Chegados aqui, temos de parar, porque a nossa linguagem finita e humana não consegue “dizer” o mistério de Deus.

As nossas comunidades  cristãs são, realmente,  a expressão  desse Deus que é amor  e  que  é  comunidade-  onde  a  unidade  significa  amor  verdadeiro,  que respeita a identidade e a especificidade do outro, numa experiência verdadeira de amor, de partilha, de família, de comunidade?

BILHETE DE EVANGELHO.

O pintor crente Roublev tentou mostrar, numa troca de olhares, a relação de amor que existe entre o Pai, o Filho e o Espírito: quando o Pai e o Filho se olham, cada um guarda a sua personalidade  e revela ao mesmo tempo a personalidade  do outro, e esta relação  de amor faz existir  o Espírito  que olha o Pai e o Filho, eles próprios deixando-se  olhar,  olhando  ao  mesmo  tempo  o  Espírito  de  Amor  que  faz  a  sua unidade. Muitas vezes basta um olhar para dizer muitas coisas, basta um olhar para dar de novo esperança, confiança e vida, basta um olhar para dizer “amo-te!” e ouvir dizer em eco: “amo-te!”

A Trindade é um intercâmbio de “amo-te!” Há unidade e, ao mesmo tempo, personalidades diferentes: cada um diz “amo-te!” e pode acrescentar “eu sou amado!” Tal é o segredo da sua existência e da sua eternidade. Mistério! Não por ser incompreensível, mas por, sem cessar, merecer ser melhor compreendido. E a Trindade não é o único mistério, a humanidade também o é, porque criada à imagem de Deus, homens e mulheres capazes de dizer “amo-te!” e capazes de dizer “eu sou amado!”

 
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O DOMINGO DA SANTÍSSIMA TRINDADE

(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

 
DAR LUGAR AO SILÊNCIO.

É sempre difícil falar da Trindade, de explicá-la, de descrevê-la… Daí a importância de prever algum (ou alguns) momento forte de interiorização e de adoração durante a celebração: depois da homilia… depois da comunhão… Dar espaço ao silêncio para que a Trindade ecoe em nós.

OLHAR JORNALISTICO ENTREVISTA -01: Frei Marcelo Aqui, 0.Carm.


SANTA MARIA MADALENA DE PAZZI. +1607


Frei Emanuele Boaga, O.Carm.
No século XVII o Mosteiro de Santa Maria dos Anjos em Florença é centro de fervorosa espiritualidade. Entre as várias pessoas que foram sublimes no caminho espiritual encontrados Santa Maria Madalena de’ Pazzi da qual se escreveu que “foi uma contemplativa eminentíssima ainda que não tenha uma doutrina sobre a contemplação e tão pouco sobre a meditação.” Ela vivia a CARIDADE para com Deus e o próximo, basca ler as suas obras. O trecho seguinte constitui uma série inteira de ensinamentos do que ela afirma sobre o “trato e a união com Deus.”
 
 
TRATO E UNIÃO COM DEUS
De: Santa Maria Madalena de Pazzi, “Ensinamentos
 
Mantende a vossa mente ocupada em Deus. “Esta ocupação em Deus me parece ser a bem-aventurança da alma na terra. Realmente e impossível pensar atualmente em Deus... mas estar sempre unida com Deus, tendo sempre a Ele em vista, isto é possível; porque se quando trabalhais para ele, quando vos fatigais, fatigai-vos para ele, para agradar a ele e dar a ele glória e para honrar a ele, isto e estar sempre unida a Deus.” Diz que com o conhecia mento de Deus faremos com ele uma estreita amizade e ele nos trata como seus íntimos; então nos e ele faremos como fazem os amigos Íntimos. “Em primeiro lugar os amigos se contemplam um ao outro com grande amor... assim faz Deus que nos olha continuamente coro grande amor: e nos olhamos a ele... Os amigos costumam contarem-se mutuamente os seus segredos; assim Deus manifesta a eles todos os seus segredos e eles manifestam a Ele os seus por não confiar em outros senão n’Ele.”
O amor também ao próximo e o fim da contemplação e a Santa via nesta chave o fim da Ordem: “Nos somos chamados a cousas maiores, somos chamados a uma vida maior, a qual não é de Marta nem de Maria separadas, porque no amor estão contidas umas e outra juntas.
Para ela o espírito da Ordem é “amar tudo e levar a amar, observando principalmente quanto isto agrada a Deus e quanto importa atender as obras internas e tratar interiormente com Deus”, como é prescrito na Regra Carmelitana, na redação da qual “os santos padres... tiveram mais atenção para a perfeição interior do que para a penitência e cousas externas.” “Eu vejo a meu Deus! ... Ele tem duas línguas... uma das quais é o louvor de Deus e a outra é a caridade e as duas clamam ao mesmo tempo. O que estou a ouvir, meu Senhor? A uma me obriga a minha profissão e a outra tu me a mandas estritamente. Ela procurava observar ambas.
Do seu mosteiro, que ela chama de “habitação de Maria”, nos diz que Deus quer “que assim como Maria foi um meio entre Deus e o homem, nos sejamos meio entre este Deus e o homem pelo zelo e desejo contínuo de ajudar as almas e conduzi-las a Deus”... Estar separadas do mundo, mortas viver em Deus, nada querer a não ser este Deus, em ansioso e contínuo desejo da salvação das almas.
“A alma unida a Deus fica toda amarrada por dentro e por fora o que a faz aparecer com semblante sereno sem jamais perturbar-se por qualquer contingência”. “Em tudo o que tende a fazer, seja interna ou externamente, lembrai-vos de vos voltar para Deus com olhares vivos e amorosos. Com tais olhares amorosos implorai o socorro das suas graças”.
“As obras exteriores devem ser feitas prontamente e com cuidado sem perda de vida interior”. “A oração é o espírito da religião, nas nunca ela deve servir de pretexto para qualquer dispensa, porque todos os exercícios da religião e da obediência, feitos na presença de Deus, são outras tantas orações.” A paz interior e um efeito da oração mental e é uma recompensa da união com Deus. “A verdadeira prudência dum religioso ou duma religiosa depende da íntima união que tem com Deus. E todos os nossos esforços e zelos devem originar-se do Sangue de Jesus Cristo.” Alem disto anota: “Se não gostais do doce silêncio é impossível deleitar-vos nas cousas de Deus”.
 
VEM, Ó ESPÍRITO SANTO
Das Obras de Santa Maria Madrilena de Pazzi
 
Vem,
Espírito de Verdade, Luz das trevas. Riqueza dos pobres,
Consolação dos Peregrinos.
Oh! Vem, Tu, refrigério, alegria e alimento de nossa alma.
Oh! vem e toma aquilo que e meu e infunde em mim somente aquilo que e teu.
Oh! vem, Tu que és alimento de cada pensamento puro,
plenitude de toda a bondade e cumulo de toda pureza.
Oh! vem, e queima em mim tudo aquilo que impede que eu seja, tomada por Ti
Oh! vem, Espírito que estas sempre com o Pai e com o Esposo, Jesus Cristo!

sexta-feira, 24 de maio de 2013

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 334. Não vou falar de Jesus Cristo.

CARMELITAS DESCALÇOS: Frei Jerônimo Gracián de la Madre de Dios, OCD.


Por Frei Emanuele Boaga, O.Carm. Institutum Carmelitanum. Roma, 27 de junho de 2003.

            

           No cenário das origens do Carmelo Teresiano uma figura tem suscitado, nos últimos anos, um grande interesse em razão do seu papel decisivo na reforma do Carmelo ao lado de Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz. Trata-se de Jerônimo Gracián de la Madre de Dios, nascido em 1545 em Valladolid. Já sacerdote, entrou em 1572 na família teresiana em Pastrana e muito se empenhou em sua difusão.
Sendo uma pessoa gentil, fascinante e cortês, tornou-se pouco a pouco o homem mais importante da reforma, à qual serviu com todo o ardor de sua alma, guiado e sustentado por Santa Teresa de Jesus. A sua vastíssima atividade em Castilha, Andaluzia e Portugal conheceu altos e baixos. Depois da morte de Santa Teresa, sua situação na Ordem mudou rapidamente. Dela foi expulso por divergências surgidas entre ele e o Pe. Nicolau Dória sobre o modo de considerar a vocação carmelitana na fidelidade à reforma teresiana.
Foi aprisionado por piratas turcos e levado para Tunísia; é incrível o quanto fez e sofreu durante os dois anos de sua prisão. Em seus pés foi impresso, com ferro quente, o sinal da cruz para que por toda a vida a pisasse. Inclusive esteve a ponto de ser queimado vivo. Resgatado por alguns amigos espanhóis, recuperou a liberdade. Após provar sua inocência em Roma retornou ao Carmelo, mas na Antiga Observância. Fixou-se em Bruxelas na Bélgica, onde morreu no mesmo ano em que foi beatificada Santa Teresa (1614).
            No passado, a historiografia tratou de modo injusto este grande carmelita, diminuindo a sua verdadeira contribuição para a reforma, e lhe atribuindo defeitos que na realidade não tinha. Cerca de vinte anos atrás começou a desenvolver-se uma ampla revisão de sua vida e das suas atividades, tendo como base uma releitura da abundante documentação de notável valor histórico pesquisada meticulosamente nos arquivos. Mesmo que esta documentação ainda não tenha sido totalmente analisada, as conclusões dos estudos nos últimos anos estão levando, com mais embasamento na realidade histórica, a uma maior valorização da personalidade e da atividade deste filho e discípulo predileto de Santa Teresa de Jesus. Em consequência disto, o Conselho Geral do Carmelo Teresiano no dia 15 de dezembro de 1999 declarou oficialmente a reabilitação do “colaborador fiel e incansável da nossa santa madre Teresa” e revogou a sentença de sua expulsão da Ordem.
            Neste contexto deu-se uma maior atenção aos numerosos escritos, maiores e menores, do Pe. Gracián, com publicações no original e traduções em várias línguas. Entre estas obras gracianas, importantes sobretudo para o conhecimento da origem e dos primeiros desenvolvimentos do Carmelo Teresiano, a mais famosa e conhecida é sem dúvida a Peregrinación de Anastasio. Nesta obra de forte caráter autobiográfico, estão narrados pelo próprio Pe. Gracián, que foi um dos protagonistas, os inícios do caminho da reforma dos Descalços, as primeiras fundações e a sua posterior difusão, que conheceu não só sucessos, mas também lutas e adversidades numa época rica de acontecimentos políticos-religiosos. Nesta obra autobiográfica Gracián redigiu em 1612, sob a forma de uma Carta a um amigo, uma breve síntese, que no presente livrinho é oferecida pela primeira vez em tradução portuguesa, feita com esmero pelo Carmelita Secular o professor José Alberto Pedra, ao qual se deve também as precisas notas ilustrativas e explicativas.
            Quero parabenizar o professor Pedra por este empreendimento, desejando-lhe também que possa em breve completar a tradução portuguesa da Peregrinación de Anastasio. Tenho certeza de que a presente publicação ajudará a admirar sempre mais a figura do Pe. Jerônimo Gracián, o incomparável colaborador de Santa Teresa de Jesus.

terça-feira, 21 de maio de 2013

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 330. Poder e Serviço.

Não tenhais medo! Da dificuldade de construir a ‘nova paróquia’

Paulo Suess, Missiólogo e assessor teológico do Cimi

Em sua 51ª Assembleia Geral, realizada de 10 a 19 de abril de 2013, em Aparecida, a CNBB aprovou "um texto de estudo” que lembra tópicos herdados dos documentos de Puebla, Santo Domingo e Aparecida (cf. P 644, SD 58, DAp 99e, 170, 179, 309): "Comunidade de comunidades: uma nova paróquia”. Como herança e imperativo de Puebla, Santo Domingo e Aparecida, a paróquia "comunidade de comunidades” foi genericamente assumida nas "Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, 2011-2015” (DGAE, n.99) que consideram ser "urgente que a paróquia se torne, cada vez mais, comunidade de comunidades vivas e dinâmicas de discípulos missionários de Jesus Cristo”. Agora, a 51ª Assembleia Geral procurou através da assunção contextualizada de um novo comunitarismo, na contramão do individualismo da época, construir "uma nova paróquia”.
O texto discutido na CNBB "tem por finalidade suscitar reflexões, debates e revisões da prática pastoral” no intuito de iniciar um "processo de construção da nova paróquia” (n. 5). O texto não foi pensado como ponto de partida para a construção de um novo documento da CNBB com a participação das bases paroquiais, mas como um modelo que, na prática pastoral, deve ser adaptado "aos diferentes contextos”. Dessa adaptação vai depender, assim reza a Introdução, o "êxito” da construção dessa nova paróquia (n. 5).
Algo semelhante aconteceu no começou do Vaticano II (1962). A Cúria Romana preparou textos e os bispos do mundo inteiro deveriam aceitar esses textos e adaptá-los às suas realidades. Mas os padres conciliares não aceitaram esse método. Provavelmente havia um mal-estar semelhante no setor maioritário da 51ª Assembleia de Aparecida, quando decidiu dar mais um tempo para transformar um "Caderno Amarelo” ou "Verde” em "Documento Azul”. Resta saber se o trabalho das bases é apenas fazer um novo arranjo de flores que já foram cortadas ou se é possível levar cestos de flores do campo ao santuário de Aparecida por ocasião da próxima Assembleia da CNBB.
1. Opção metodológica
Supõe-se que o envio do texto às bases é, em primeiro lugar, um envio ao povo de Deus e não aos assessores do povo de Deus. Segundo, que o texto não foi enviado para ser confirmado, mas para ser discutido e renovado. A partir dessas suposições, a primeira pergunta às comunidades deveria ser: "Vocês querem que se trabalhe as reflexões sobre a nova paróquia na moldura do método indutivo ou dedutivo?” A diferença entre os dois métodos e seu impacto sobre o conteúdo são grandes. Sinteticamente poder-se-ia dizer: O método dedutivo aplica princípios gerais aos contextos e sua realidade concreta. Faz 42 anos, que Paulo VI nos lembrou em sua Carta Apostólica Octogesima adveniens(14.5.1971), que não basta recordar os princípios, afirmar as intenções, fazer notar as injustiças gritantes e proferir denúncias proféticas; estas palavras ficarão sem efeito real, se elas não forem acompanhadas, para cada um em particular, de uma tomada de consciência mais viva da sua própria responsabilidade e de uma ação efetiva (AO 48,2).
O método indutivo procura, a partir da realidade concreta em que o povo vive, a partir da realidade contextual e histórica, a partir das causas de estruturas paroquiais caducadas, construir novos modelos comunitários que serão sempre submetias a novas experiências.
O texto da CNBB tem quatro capítulos: perspectivas bíblica (1), teológica (2), pastoral (4). Só no terceiro capítulo entra a realidade com uma reflexão sobre "novos contextos: desafios à paróquia”. Como as reflexões bíblicas e teológicas precedem os novos contextos e desafios paroquiais, não podem responder a esses contextos e desafios. É uma opção metodológica aquém do DAp. Aparecida traz já na primeira parte o "olhar dos discípulos missionários sobre a realidade” sociocultural, econômica, sociopolítica, étnica, ecológica (33-97) e eclesial diante de desafios novos e herdados [98-100]. Segundo Aparecida, a missão dos discípulos missionários nessa realidade é sempre implícita ou explicitamente uma missão evangelizadora, integral, específica, contextual e universal que nos conduz "ao coração do mundo”, onde abraçamos "a realidade urgente dos grandes problemas econômicos, sociais e políticos da América Latina e do mundo” (148).
O texto da CNBB, que propõe para a construção da nova paróquia "ter diante de nós [...] o próprio Jesus e sua maneira de suscitar, organizar e orientar a vida em comunidade” (n. 3), comete um equívoco histórico e mostra como o método dedutivo, por vezes, se aproxima ao fundamentalismo. Nesse caso, a reflexão bíblica não responde aos desafios posteriormente apontados nem apoia a "conversão pastoral” (DAp 370) almejada. A cristologia das entrelinhas se tornar jesulogia.
2. A tradição metodológica recente
A cura do cego, nos evangelhos sinóticos, é o último e mais significativo sinal de Jesus. Antes de aderir ao Caminho precisa vê-lo. O papa João XXIII autorizou e assumiu o método indutivo em sua Carta Encíclica Mater et magista (1961), onde escreve: "Para levar a realizações concretas os princípios e as diretrizes sociais, passa-se ordinariamente por três fases [...]. São os três momentos que habitualmente se exprimem com as palavras seguintes: ver, julgar e agir” (MM 232). É o método do aggiornamento, das portas abertas, do serviço à humanidade. A Constituição Pastoral Gaudium et spes assumiu o discurso indutivo, partindo da vida concreta da humanidade, de suas alegrias e esperanças, tristezas e angústias (cf. GS 1). A transformação da paróquia tem que levar em conta essa "vida concreta da humanidade”, seus horários e itinerários, seu lazer e trabalho, seus espaços de vida e suas redes de comunicação.
Em sua Encíclica Ecclesiam suam (n. 27), Paulo VI assume o discurso do aggiornamentode João XXIII "como orientação programática”. Na última sessão do Concílio, o papa respondeu ao setor que acusou o método indutivo do Concílio de ter desviado o foco teológico das matérias tratadas para um foco antropológico:
Desviado, não; voltado, sim. Mas quem observa honestamente este interesse prevalente do Concílio pelos valores humanos e temporais, não pode negar que tal interesse se deve ao carácter pastoral que o Concílio escolheu como programa, e deverá reconhecer que esse mesmo interesse jamais está separado do interesse religioso mais autêntico, devido à caridade que é a única a inspirá-lo (7.12.1965).
Sem análise da realidade da paróquia contemporânea e da vida das pessoas que vivem nos condicionamentos dessa realidade, a reflexão bíblica e teológica representam justaposições, oferecendo o verniz de ideais e princípios passado por cima das estruturas obsoletas. Aliás, o método indutivo é inclusive uma alternativa evangélica ao sistema capitalista, que impõe regras e metas a partir de uma matriz central para facilitar a criação de uma monocultura colonizadora supervisionada por capatazes que administram filiais.
O pensamento indutivo dá voz de intervenção à realidade concreta. Não teríamos que assim interpretar o gesto do papa Francisco na Jornada Mundial da Juventude, no Rio, que, antes de falar aos jovens, visita o Hospital São Francisco de Assis que se dedica à recuperação de dependentes químicos e indigentes. Antes de dar orientações programáticas, o papa se reúne com a Comunidade da Varginha que faz parte de uma grande favela e com cinco jovens detentos. A "conversão pastoral” vai depender dessa voz da realidade que interfere sobre nosso discurso.
Na construção de um texto sobre a "nova paróquia” precisamos não só permitir, mas pedir e incentivar a participação das comunidades. Como transformar as estruturas comunitárias que existem nas igrejas, nos diferentes conselhos e nos sínodos, por exemplo, de instâncias consultivas em instâncias deliberativas? Como transformar estruturas de supervisão, de visitas rápidas e horas marcadas em estruturas de presença inculturada? O povo prefere, às vezes, um pastor tocável a um padre Fórmula 1. Essas perguntas configuram projetos e a metodologia do próprio texto poderia ser um exemplo para a construção da "nova paróquia” que será participativa, decentralizada e missionária.
3. A paróquia missionária
O método dedutivo do texto debatido na Assembleia da CNBB não corresponde às exigências da "nova paróquia” que precisa tomar as suas decisões a partir da realidade concreta e não a partir de princípios abstratos que não funcionaram. Se tivessem funcionado não refletiríamos, nesse momento, sobre a "nova paróquia”. A "conversão pastoral” é exatamente a transformação de uma pastoral dedutiva, concentrada na mão do pároco que considera as comunidades suas filiais com franquias padronizadas, em pastoral indutiva.
Desde os anos 60, essa "conversão pastoral” já está em andamento. Não precisamos inventar a roda, mas dar uma força institucional para fazer girá-la "em comunhão e participação”. Quantos de nós, leig@s, religios@s e sacerdotes não conhecem essas comunidades de comunidades nas quais aprofundamos a nossa fé com a fé do povo de Deus, ampliamos nosso horizonte de vida com o sofrimento dos pequenos e fortalecemos nossa esperança ao consolar os desesperados! À maioria dos agentes pastorais não faltam virtudes. Às vezes faltam e faltaram critérios na avaliação de sua vocação, faltam tempo e paciência para viver seu ministério no meio do povo, falta compreensão na administração de conflitos e mudanças.
Temos que fazer ressoar a mensagem do Ressuscitado: "Alegrai-vos! Não tenhais medo!” (Mt 28,9.10). Não tenhais medo de dizer às comunidades: "Vocês são Igreja plena e nós, agentes de pastoral, sobretudo os bispos, nos empenhamos que essa plenitude não seja apenas espiritual ou virtual, mas também sacramental”. As comunidades querem uma pastoral integral, nem "uma pastoral de conservação, baseada numa sacramentalização com pouca ênfase na prévia evangelização” (Medellín, 6,1.2), nem uma pastoral sem "a participação plena na Eucaristia dominical” (DAp 253, cf. 149), já que "a Eucaristia é o lugar privilegiado do encontro do discípulo com Jesus Cristo” (DAp 251) e o viático do missionário peregrino.
"Não tenhais medo” de dizer ao povo: para que essa plena participação na Eucaristia aconteça, existem, na Igreja Católica, dificuldades na compreensão da competência sacramental. Mas existe também o imperativo da lei suprema que representa o último Artigo (cf. Cân. 1752) do Direito Canônico: "A salvação das almas deve sempre ser a lei suprema”. Em função dessa "lei suprema” e da "comunidade de comunidades” precisamos repensar o tratado sacramental que se formou, basicamente, no tempo pós-apostólico e medieval. Ao menos precisamos explicar onde estão as dificuldades, as possibilidades e impossibilidades de avançar na discussão sobre os "viri probati” que parou logo depois do concílio.
Desde as origens da cristandade, o grande desafio pastoral, que é o pivô da "comunidade de comunidades missionárias” foi transformar os cristãos culturais e tradicionais em discípulos missionários. O processo de urbanização, a volatilidade religiosa pós-moderna e a estrutura ministerial inadequada à realidade pastoral, associados a muitos outros fatores, produziram, na América Latina e no Caribe, uma redução dos católicos e presbíteros em números absolutos (DAp 100a).
A precariedade numérica faz repensar a riqueza da "natureza missionária” do povo de Deus. Como deixar aflorar essa "natureza missionária”, aprisionada por estruturas institucionais? Como abrir os olhos dos batizados para a realidade do continente e do mundo, e chamá-los à sua responsabilidade (DAp 14, 33)? A realidade interpela aos cristãos e seus pastores; cobra coerência com as promessas e os imperativos do Evangelho e "um compromisso com a realidade” (DAp 491).
A análise foi feita por Aparecida. O texto sobre a "nova paróquia” não precisa repetir as análises, mas coloca-las no chão concreto das comunidades. Não tenhais medo de receber respostas ou propostas inesperadas das comunidades! Onde encontram-se exemplos dessa missionariedade? Não vamos dar respostas à perguntas que não existem! Não vamos proibir temas sobre os quais não se pode falar! Deixemos as comunidades falar sobre as estruturas paroquiais caducadas e sonhar com a "nova paróquia”! A novidade da paróquia será a sua missionariedade como paróquia samaritana e advogada da justiça dos pobres. Essa missionariedade perpassa todos os planos pastorais, o livro de caixa, a formação dos agentes. Ela é vivida a partir de pequenas comunidades que aprofundam sua fé na leitura da palavra de Deus, celebram sua vida na Eucaristia e, ao anunciar a proximidade do Reino, procuram seguir Jesus, na responsabilidade para com o mundo além de qualquer fronteira (urbi et orbi), capaz de se converter, de perdoar e de curar as feridas da humanidade (cf. Mc 1,15; RMi 14,2).
4. Horizonte metodológicos – Quatro passos
1.VISÃO: levantamento da realidade da paróquia e do povo com o povo.
2.PARTICIPAÇÃO: estruturar e discutir esse levantamento com lideranças que estão em processo de formação permanente.
3.COMUNHÃO: construção das comunidades com as lideranças bem esclarecidas sobre metodologia e objetivos.
4.MISSÃO: anúncio do Reino aos pobres, conversão, perdão, cura real e/ou simbólica das feridas da humanidade. Da MISSÃO, o discípulo missionário traz sempre uma VISÃO mais profunda da realidade. O processo metodológico é de uma espiral, não de um círculo.