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segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

O EXERCÍCIO DA AUTORIDADE NA REGRA CARMELITA

ENCONTRO DOS SUPERIORES MAIORES DA FAMÍLIA CARMELITA
SANTO DOMINGO - OUTUBRO 2004
Frei Joseph Chalmers, O.Carm. Ex-Prior General


Em obséquio de Jesus Cristo

Os eremitas do Monte Carmelo viveram ali durante algum tempo, antes de evoluir suficientemente e formar um grupo. Eles se dirigiram a Santo Alberto e lhe pediram que escrevesse para eles uma “fórmula de vida”. Eles não pediram uma Regra e isto demonstra que não desejavam ser inscritos numa das formas tradicionais de vida religiosa. Eram um grupo de leigos que desejavam viver uma vida eremítica e de penitência na terra de Jesus Cristo. Alberto baseou o que escreveu no “propósito manifestado” pelos eremitas (Regra 3), isto é, no que eles viviam e no ideal que lhe haviam apresentado. Eles tinham uma certa organização porque Alberto escreve a uma certo "B e demais eremitas, que vivem sob a sua obediência junto à Fonte, no Monte Carmelo” (Regra 1). Com a intervenção do Papa Inocêncio IV, porém, este documento se converteu e foi aceitado oficialmente como Regra da Igreja e os eremitas foram reconhecidos comoreligiosos”. O texto da Regra tal como o temos incorporou as contínuas experiências e evoluções que o grupo realizou desde que eles chegaram pela primeira vez ao Monte Carmelo até que começaram a instalar-se nas distintas partes da Europa e tomaram a decisão de tomar parte do movimento mendicante.
           
            No começo da Regra, Santo Alberto disse que cada um está chamado a “viver no obséquio de Jesus Cristo". Esta é a suprema e fundamental lei para todos. Entretanto, os eremitas tinham uma certa experiência em viver seu caminho particular e eles levaram esta experiência a Santo Alberto pedindo-lhe que lhes desse uma orientação para poder viver mais profundamente seu obséquio a Jesus Cristo. Estudos recentes sobre a Regra demonstram que esta não é uma simples lista de prescrições em que umas são mais importantes que outras. É um documento de valor em forma de carta com uma estrutura lógica. Muitas se devem aos escritos de Cassiano e está cheia de alusões e citações diretas da Escritura. Se comparamos o quadro da comunidade cristã descrita nos Atos dos Apóstolos (At 2,42-47 e 4,32-35) com a Regra, podemos encontrar todo tipo de paralelismos.
           
            Os eremitas tinham vindo de distintas partes da Europa para viver na terra, que se converteu em sagrada pela presença terrena de Jesus e pelo fato de que ali derramou seu sangue pela nossa redenção. Eles desejavam ser uma comunidade de discípulos como a comunidade cristã primitiva dos Atos dos Apóstolos. A fim de ser uma comunidade de discípulos, cada um deveria deixar que a lei do Senhor se apossasse de seu coração. Estar vigilantes em oração é uma atitude essencial (Regra 10) para que possamos estar atentos para quando venha o Senhor e Ele nos encontre despertos. A comunidade pode ser comparada a uma orquestra. A orquestra é composta por instrumentos independentes. Cada instrumento deve estar afinado para que o conjunto forme um som harmonioso. Se um está fora de tom, todo o conjunto se ressente. Por tanto, a saúde espiritual de um indivíduo, afeta toda a comunidade.

Deveis ter um de vós como Prior

            Uma comunidade não é uma coleção de indivíduos, por isso no primeiro capítulo legislativo os eremitas terão que eleger para eles um Prior ao qual devem prometer obediência. A obediência não é um assunto de meras palavras, mas que deve ser provado com as obras. O Prior, porque é um guia, é alguém que serve (Regra 22). Ele deve ser eleito com o consentimento unânime de todos, ou da parte maior e mais madura, a ele prometerão obediência todos os demais (Regra 4 e 23). Junto com os irmãos, o Prior decide onde fixar os lugares dos conventos (Regra 5). Com o consentimento dos outros irmãos ou da parte mais madura, o prior assinala a cada um a cela (Regra 6). A asignação da cela era muito mais importante do que dar uma habitação nas casas modernas. Somente com a permissão do Prior alguém pode mudar-se da cela asignada (Regra 8). Ele é um cuja missão é proteger o direito dos demais ao silêncio e à solidão no trato com os visitantes (Regra 9). O Prior é o responsável pela distribuição do alimento segundo a necessidade de cada qual. Ele exerce esta responsabilidade através de um delegado (Regra 12). Ao Prior se deve respeitar (Regra 23), porém, ele deve ganhar-se este respeito pela sua forma de vida. O papel dum guia numa comunidade não é o de alguém que regula tudo, mas o de quem inspira os outros. O guia deve ser um em quem, acima de tudo, os valores da Regra hão de tomar carne.
           
            O Prior deve viver de acordo com a Regra como os demais. Todos os irmãos se reunirão para distintas ocasiões: para comer (Regra 7); para rezar (Regra 11); para celebrar a Eucaristia cada manhã (Regra 14); cada domingo ou em outros dias, se for necessário, para tratar da observância da vida comum e do bem espiritual das almas e corrigir com caridade as faltas (Regra 15).
           
            A Regra não trata de cobrir qualquer tipo de eventualidade; nem tampouco pretende sufocar a criatividade. A intenção é dar umas linhas guias aos eremitas para ajuda-los a viver em obséquio de Jesus Cristo. Na oração silenciosa, na solidão e por meio do trabalho, eles formarão uma comunidade de discípulos unida em torno do Senhor. Sua quietude e sua vida humilde se elevarão até Deus e será um beneficio para seu próximo. Durante quase cerca de oito siglos, a Regra inspirou um número incontável de carmelitas em seus esforços de ser revestidos pela Palavra de Deus. A espiritualidade Carmelita não está contida completamente no breve texto da Regra, porém, esta é a fonte da qual dimana.
           
            O Prior é o signo da unidade dentro da comunidade, o qual é elegido para servir. Ele deve ser um modelo, em palavras e em obras, para o grupo que se le ha encomendado (1Ped 5,3) como tal, deve estar disposto para prestar a ayudad necessária a cada religioso; para fomentar a vida comunitária; para cuidar de todos, especialmente dos enfermos e anciãos; para supervisar as atividades comunitárias e as iniciativas de tal modo que esta sea signo por o qual os irmãos possam viver autenticamente “em obséquio de Jesus Cristo e servirle fielmente com coração puro e buena consciência”." (Regra 1).
           
            O papel do Prior em nossa Regra e em nossa tradição é o do serviço. Ele guia à comunidade antes de tudo com seu próprio exemplo e seu papel é o de assegurar que a comunidade se organize de tal maneira que os irmãos possam viver em obséquio de Jesus Cristo. Várias vezes se assinala na Regra que o Prior deverá tomar certas decisões com o consentimento dos demais irmãos, ou da parte maior e mais madura. O Prior não é um déspota, ou um pai que decide tudo por seus filhos. É para eles um guia, porém, cada membro da comunidade é responsável da salud de toda a comunidade e de su própria vida. O Prior é alguém  que recorda aos irmãos a nossa vocação comum e constantemente nos chama todos a viver-la. Entretanto, cada um é, em última instância, o responsável ante Deus de como está vivendo atualmente a vocação que Deus lhe deu.


O caminho do grupo

            Um aspecto do papel do guia é esforçar-se em fazer que a realidade, em quanto seja possível, se aproxime do ideal, guiado acima de tudo pelas exigências da caridade. Os ideais os teremos sempre diante de nós ; não podemos alcançar a perfeição até que Cristo venha de novo e leve todas as coisas à sua plenitude. O papel do prior é muito importante como o daquele que convoca os irmãos e que torna possível o diálogo. Se o Prior não faz isto,  quem o fará? Se o Prior não cumpre esta função, criará uma grade tensão dentro da comunidade. Os irmãos não desejam ter alguém que tome decisões por eles, mas desejam ter quem facilite o diálogo e seja um guia.
           
            Creio que uma das grandes dificuldades da vida comunitária é que os membros individualmente se preocupam de coisas diferentes e nunca compartilham suas expectativas. Cada membro da comunidade tem seu próprio modelo de vida religiosa e de Igreja que ele jamais questiona porque formam parte de si mesmo, todas suas expectativas são somente ir adiante com este modo de viver sua vida religiosa. A necessidade de uma profunda purificação da noite escura se faz luminosa, quando começamos a tomar consciência de como eram profundas nossas expectativas e preconceitos, que tínhamos construído inconscientemente e que cresceram conosco desde nossos primeiros anos de carmelitas. Estes estão tanto na autoridade como nos outros membros da comunidade.
           
            Existem maneiras de ler um texto. Um modo de o ler é perguntar-nos o que Alberto quis dizer e o que os eremitas entenderam do que escreveu. Entretanto, há outro possível significado, que vai mais além do ponto de vista de Alberto e dos primeiros eremitas. Estes significados podem ser descobertos quando nós tiramos fora os nossos próprios problemas, interesses, questões e experiências e nos perguntamos o que é que a Regra tem a nos dizer. Este método de interpretação o usamos inconscientemente quando lemos as Sagradas Escrituras, por exemplo: quando aplicamos algumas coisas do Cântico do Cânticos à Virgem, Nossa Senhora. O autor do Antigo Testamento não tinha em mente à Virgem quando o escreveu, porém, por causa de nossa experiência cristã podemos ver o significado do texto mais além do que quis dizer o autor original.
           
            Eu posso entender um texto, porém, este não pode afetar-me realmente. Também posso aproximar-me de um texto pensando que conheço o que significa. Em tal caso, este não me surpreende; somente diz o que eu poderia ter dito. O mesmo problema existe com as Escrituras. Nossa familiaridade com as palavras de Jesus, por exemplo, pode agir neste momento como barreira ao que Deus nos está dizendo. Nos podemos tornar imunes à mudar o que Deus nos está apresentando através de sua palavra, pensando que conhecemos o que Deus quer dizer-nos.


Ter por companheira a palavra de Deus

            A Regra está imbuída da palavra de Deus. É breve, porém, contém ao redor de uma centena de citações explícitas ou implícitas de textos da Escritura. Santo Alberto foi claramente um homem que meditava longamente a palavra de Deus. Os eremitas desfrutavam meditando a lei do Senhor dia e noite. Esta meditação estava dirigida à transformação individual em Cristo de dentro para fora. Não é simplesmente o caso de tratar de entender com a mente o que a palavra significa, ainda que isto seja importante, mas deixar que a palavra de Deus nos envolva de tal maneira que “tenhamos a palavra de Deus por companheira” (..“e o que devais fazer, fazei-o conforme à palavra do Senhor) (Regra 19).
           
            Está claro que a autoridade, num contexto cristão, deve ser exercida como um humilde serviço. O exercício da autoridade em nossos dias não é fácil e requer o exercício de certas habilidades. A pessoa que está chamada a exercê-lo como guia, deve engendrar respeito pelo teor de sua vida. Ninguém é perfeito, porém, os demais devem ser capazes de ver no guia alguém que se esforça em viver a vida Carmelita do melhor modo que lhe é possível. Não todos admirarão o superior e algumas de suas decisões serão incômodas, porém, deve tomar-las para o bem comum.
           
            A orientação da Regra é a transformação em Cristo. Ser carmelita é estar nesta viagem para ser transformado. O que exerce a autoridade está a caminho e, ao mesmo tempo, tem a missão de inspirar os outros para continuar o caminho e acompanhar os membros mais débeis da comunidade de tal maneira que não sejam rechaçados.
           
            Nós, que estamos no exercício da autoridade por um tempo, devemos ter claro que para exercer a autoridade como um verdadeiro guia e como um serviço real, devemos deixar que os valores da Regra transformem nosso modo de ver as coisas. Alguém disse uma vez que todo poder tende à corrupção e que um poder absoluto tende a uma corrupção absoluta. Devemos examinarmos constantemente de modo que nossa maneira de exercer a autoridade nunca caia no mal uso do poder e alimente nosso próprioego’.
           
            O que nos sucede durante o período em que somos guias é uma parte importante do caminho de transformação. Não creio que Deus seja a causa de tudo o que nos acontece, no sentido que Deus deseja que atualmente soframos, mas que Deus está no meio de todas as situações que encontramos. Deus nos chama desde o coração de cada irmão ou irmã e desde o centro de cada dificuldade que nos vem ao encontro.


Vigiar em oração

            Necessitamos escutar atentamente de modo que sejamos capazes de ouvir a voz de Deus em meio a outras vozes e poder discernir o que Deus quer nos dizer. Nossos sentidos espirituais necessitam afinar-se constantemente e isto acontece através do nosso modo de viver com os valores da Regra meditando na lei do Senhor dia e noite e velando em oração (Regra 10). Este é um elemento essencial do exercício da autoridade na Regra. Sem este cuidado e vigilância, corremos o rico de seguir nosso falso eu ao tomar as decisões e responder às necessidades dos irmãos e irmãs. O ‘falso eu’ é a parte falsa de cada ser humano que necessita morrer de modo que possamos ter vida e vida em abundância. O ‘falso eunão quer morrer e se reveste de distintos disfarces de modo que não possamos reconhecer o que é em realidade, trata de influenciar cada aspecto de nossas vidas. Vejamos o que sucede quando nossos planos e decisões não são levadas a cabo. Freqüentemente nos enfadamos e desconfiamos dos que, a nosso parecer, pensamos que sabotaram nossas idéias. Entretanto,  o que é que Deus nos está dizendo nesta situação? Talvez nossas idéias não eram tão boas, inclusive quando aos nossos olhos pareciam brilhantes e claras. Quiçá exista um outro modo de ver as coisas. O profeta Elias teve que fazer um reajuste do conceito de Deus que tinha depois de da sua experiência no Monte Horeb. Talvez necessitamos reajustar nossas idéias e planos.
           
            A viagem contemplativa é uma viagem de transformação que, pouco a pouco, purifica o nosso modo de ver, de comportarmos e de amar de sorte que se converta em modos divinos. Nossos modos humanos devem ser purificados e transformados porque são limitados e limitam o que vemos e amamos. Para que possamos ver com os olhos de Deus e amar com o coração de Deus, devemos mudar profundamente, e isto não é fácil. Recordo que um teólogo dizia que as pessoas mais difíceis a quem se podia falar eram os superiores, porque eles se criam superiores. Normalmente eles tem muitos dons e podem começar a pensar que têm resposta para todos os problemas que podem existir e que somente conhecem o caminho que têm adiante. Nós, somos membros de comunidades e, como nossos irmãos e irmãs, estamos no mesmo caminho de transformação. Ainda não chegamos e até que cheguemos, nosso modo de ver será limitado e nossas idéias estarão longe de ser perfeitas. Devemos permanecer abertos para ser corrigidos com caridade pelos outros membros da comunidade. Esta correção pode vir de diferentes modos, através da crítica de algumas de nossas decisões ou a falta de aceitação de algumas de nossas idéias…etc. É claro, nosso falso ego estará pronto para garantir-nos que nós temos razão e que os demais são estúpidos o retrógrados.
           
            O exercício da autoridade na Regra de Santo Alberto requer uma constante abertura à palavra de Deus. Devemos revestir-nos da armadura de Deus porque o caminho espiritual supõe a batalha. Não é contra os agentes externos, mas contra os demônios que existem dentro de nós , por exemplo, o egoísmo que está sempre disposto a aparecer. O capítulo 18 da Regra nos diz que devemos ter cuidado e ser diligentes para revestir-nos da armadura de Deus de modo que possamos resistir as insídias do diabo. Uma insídia ou um ataque de surpresa. O inimigo ataca quando crê que somos mais vulneráveis. Nós sabemos que o superior deve sofrer muito. Existem momentos felizes do cargo, porém, também está presente a cruz. Nossos momentos vulneráveis podem ser quando sofremos e talvez nos sentimos infelizes ou pode acontecer quando tudo vai bem e nos sentimos orgulhosos dos nossos logros. Estes momentos, entretanto, vêm e devemos estar prontos e somente o poderemos enfrentar quando estamos vigilantes em oração e abertos à palavra de Deus (Regra 10). A palavra de Deus nos vêm através da Liturgia, de nossas leituras particulares o da meditação, porém, também vêm através dos acontecimentos de cada dia.  O que Deus quer dizer no que está ocorrendo em minha vida?  Deus diz: “Vai adiante. Tens razão”, o Deus diz: “Olha o que está acontecendo. Deves mudar de atitude”?

Deveis estar em silêncio

            Nossas decisões, nossas idéias, nossos planos, devem brotar dum lugar de silêncio. O silêncio é um valor muito importante da Regra e é o caminho da justiça (Regra 21). O preceito de observar o silêncio exterior é para animar-nos a liberar o silêncio interior. Como é difícil permanecer em silêncio! Creio que é especialmente difícil para os superiores. Temos tantas coisas que dizer! Temos tanta sabedoria que partilhar! O ‘falso eu’ é ruidoso e continuamente está falando, fazendo comentários sobre a gente e os acontecimentos, sempre presente em tuas necessidades e teus diretos. Se todas nossas decisões, nossas idéias e nossos planos provierem desta algazarra, o resultado será a injustiça. Por o tanto, devemos fazer silêncio com respeito a este ruído interior, de modo que nossas palavras emerjam do silêncio e assim seremos sábios realmente, não devemos juntar palavras vazias ao nível de ruído em nosso mundo.
           
            O ser guia deve ser exercido como um serviço, tendo como modelo mesmo o Senhor Jesus (Regra 22).  Como saberemos que nosso falso ego não estropia a nossa guia? Com humildade, devemos reconhecer que não somos perfeitos e que nosso falso ego pode influir em nossas decisões ou planos. Não devemos esquecer que estamos envoltos em uma batalha espiritual contra nosso próprio egoísmo. Isto  nos faria humildes, por exemplo, conhecendo e aceitando a verdade acerca de nós mesmos e, contudo, aprendendo cada vez mais de Cristo sem o qual nada podemos fazer. Devemos esforçar-nos da melhor maneira que possamos, recordando que nosso falso ego está ansioso de garantir-nos que estamos fazendo as coisas muito bem e não escutar nenhuma crítica ou idéias de outros. Recordemos o final da Regra “Se algum está disposto a dar mais, o Senhor mesmo, quando votar, o recompensará” (Regra 24). Como o hospedeiro na parábola do Bom Samaritano, vamos a trabalhar com , porém, também tendo um olhar para o horizonte distante à espera da volta do Senhor.

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PERGUNTAS PARA REFLEXÃO

1.         Que deve fazer um guia efetivo de acordo com a tradição Carmelita?

2.         Quais são os problemas particulares de América Latina para que um guia seja realmente efetivo?

3.         Como se introduz o falso ego dentro do serviço da autoridade?


4.         Que podemos fazer para melhorar nosso exercício de autoridade?

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

Dia Mundial do Pobres: Mensagem do Papa Francisco.

MENSAGEM DO SANTO PADRE FRANCISCO 
PARA O I DIA MUNDIAL DOS POBRES
XXXIII DOMINGO DO TEMPO COMUM. (19 DE NOVEMBRO DE 2017)
«Não amemos com palavras, m
as com obras»
1. «Meus filhinhos, não amemos com palavras nem com a boca, mas com obras e com verdade» (1 Jo 3, 18). Estas palavras do apóstolo João exprimem um imperativo de que nenhum cristão pode prescindir. A importância do mandamento de Jesus, transmitido pelo «discípulo amado» até aos nossos dias, aparece ainda mais acentuada ao contrapor as palavras vazias, que frequentemente se encontram na nossa boca, às obras concretas, as únicas capazes de medir verdadeiramente o que valemos. O amor não admite álibis: quem pretende amar como Jesus amou, deve assumir o seu exemplo, sobretudo quando somos chamados a amar os pobres. Aliás, é bem conhecida a forma de amar do Filho de Deus, e João recorda-a com clareza. Assenta sobre duas colunas mestras: o primeiro a amar foi Deus (cf. 1 Jo 4, 10.19); e amou dando-Se totalmente, incluindo a própria vida (cf. 1 Jo 3, 16).Um amor assim não pode ficar sem resposta. Apesar de ser dado de maneira unilateral, isto é, sem pedir nada em troca, ele abrasa de tal forma o coração, que toda e qualquer pessoa se sente levada a retribuí-lo não obstante as suas limitações e pecados. Isto é possível, se a graça de Deus, a sua caridade misericordiosa, for acolhida no nosso coração a pontos de mover a nossa vontade e os nossos afetos para o amor ao próprio Deus e ao próximo. Deste modo a misericórdia, que brota por assim dizer do coração da Trindade, pode chegar a pôr em movimento a nossa vida e gerar compaixão e obras de misericórdia em prol dos irmãos e irmãs que se encontram em necessidade.
2. «Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o» (Sl 34/33, 7). A Igreja compreendeu, desde sempre, a importância de tal invocação. Possuímos um grande testemunho já nas primeiras páginas do Atos dos Apóstolos, quando Pedro pede para se escolher sete homens «cheios do Espírito e de sabedoria» (6, 3), que assumam o serviço de assistência aos pobres. Este é, sem dúvida, um dos primeiros sinais com que a comunidade cristã se apresentou no palco do mundo: o serviço aos mais pobres. Tudo isto foi possível, por ela ter compreendido que a vida dos discípulos de Jesus se devia exprimir numa fraternidade e numa solidariedade tais, que correspondesse ao ensinamento principal do Mestre que tinha proclamado os pobres bem-aventurados herdeiros do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3).
«Vendiam terras e outros bens e distribuíam o dinheiro por todos, de acordo com as necessidades de cada um» (At 2, 45). Esta frase mostra, com clareza, como estava viva nos primeiros cristãos tal preocupação. O evangelista Lucas – o autor sagrado que deu mais espaço à misericórdia do que qualquer outro – não está a fazer retórica, quando descreve a prática da partilha na primeira comunidade. Antes pelo contrário, com a sua narração, pretende falar aos fiéis de todas as gerações (e, por conseguinte, também à nossa), procurando sustentá-los no seu testemunho e incentivá-los à ação concreta a favor dos mais necessitados. E o mesmo ensinamento é dado, com igual convicção, pelo apóstolo Tiago, usando expressões fortes e incisivas na sua Carta: «Ouvi, meus amados irmãos: porventura não escolheu Deus os pobres segundo o mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que O amam? Mas vós desonrais o pobre. Porventura não são os ricos que vos oprimem e vos arrastam aos tribunais? (…) De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo? Se um irmão ou uma irmã estiverem nus e precisarem de alimento quotidiano, e um de vós lhes disser: “Ide em paz, tratai de vos aquecer e matar a fome”, mas não lhes dais o que é necessário ao corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se ela não tiver obras, está completamente morta» (2, 5-6.14-17).
3. Contudo, houve momentos em que os cristãos não escutaram profundamente este apelo, deixando-se contagiar pela mentalidade mundana. Mas o Espírito Santo não deixou de os chamar a manterem o olhar fixo no essencial. Com efeito, fez surgir homens e mulheres que, de vários modos, ofereceram a sua vida ao serviço dos pobres. Nestes dois mil anos, quantas páginas de história foram escritas por cristãos que, com toda a simplicidade e humildade, serviram os seus irmãos mais pobres, animados por uma generosa fantasia da caridade!
Dentre todos, destaca-se o exemplo de Francisco de Assis, que foi seguido por tantos outros homens e mulheres santos, ao longo dos séculos. Não se contentou com abraçar e dar esmola aos leprosos, mas decidiu ir a Gúbio para estar junto com eles. Ele mesmo identificou neste encontro a viragem da sua conversão: «Quando estava nos meus pecados, parecia-me deveras insuportável ver os leprosos. E o próprio Senhor levou-me para o meio deles e usei de misericórdia para com eles. E, ao afastar-me deles, aquilo que antes me parecia amargo converteu-se para mim em doçura da alma e do corpo» (Test 1-3: FF 110). Este testemunho mostra a força transformadora da caridade e o estilo de vida dos cristãos.
Não pensemos nos pobres apenas como destinatários duma boa obra de voluntariado, que se pratica uma vez por semana, ou, menos ainda, de gestos improvisados de boa vontade para pôr a consciência em paz. Estas experiências, embora válidas e úteis a fim de sensibilizar para as necessidades de tantos irmãos e para as injustiças que frequentemente são a sua causa, deveriam abrir a um verdadeiro encontro com os pobres e dar lugar a uma partilha que se torne estilo de vida. Na verdade, a oração, o caminho do discipulado e a conversão encontram, na caridade que se torna partilha, a prova da sua autenticidade evangélica. E deste modo de viver derivam alegria e serenidade de espírito, porque se toca com as mãos a carne de Cristo. Se realmente queremos encontrar Cristo, é preciso que toquemos o seu corpo no corpo chagado dos pobres, como resposta à comunhão sacramental recebida na Eucaristia. O Corpo de Cristo, partido na sagrada liturgia, deixa-se encontrar pela caridade partilhada no rosto e na pessoa dos irmãos e irmãs mais frágeis. Continuam a ressoar de grande atualidade estas palavras do santo bispo Crisóstomo: «Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja desprezado nos seus membros, isto é, nos pobres que não têm que vestir, nem O honres aqui no tempo com vestes de seda, enquanto lá fora O abandonas ao frio e à nudez» (Hom. in Matthaeum, 50, 3: PG 58).
Portanto somos chamados a estender a mão aos pobres, a encontrá-los, fixá-los nos olhos, abraçá-los, para lhes fazer sentir o calor do amor que rompe o círculo da solidão. A sua mão estendida para nós é também um convite a sairmos das nossas certezas e comodidades e a reconhecermos o valor que a pobreza encerra em si mesma.
4. Não esqueçamos que, para os discípulos de Cristo, a pobreza é, antes de mais, uma vocação a seguir Jesus pobre. É um caminho atrás d’Ele e com Ele: um caminho que conduz à bem-aventurança do Reino dos céus (cf. Mt 5, 3; Lc 6, 20). Pobreza significa um coração humilde, que sabe acolher a sua condição de criatura limitada e pecadora, vencendo a tentação de omnipotência que cria em nós a ilusão de ser imortal. A pobreza é uma atitude do coração que impede de conceber como objetivo de vida e condição para a felicidade o dinheiro, a carreira e o luxo. Mais, é a pobreza que cria as condições para assumir livremente as responsabilidades pessoais e sociais, não obstante as próprias limitações, confiando na proximidade de Deus e vivendo apoiados pela sua graça. Assim entendida, a pobreza é o metro que permite avaliar o uso correto dos bens materiais e também viver de modo não egoísta nem possessivo os laços e os afetos (cf. Catecismo da Igreja Católica, n. 25-45).
Assumamos, pois, o exemplo de São Francisco, testemunha da pobreza genuína. Ele, precisamente por ter os olhos fixos em Cristo, soube reconhecê-Lo e servi-Lo nos pobres. Por conseguinte, se desejamos dar o nosso contributo eficaz para a mudança da história, gerando verdadeiro desenvolvimento, é necessário escutar o grito dos pobres e comprometermo-nos a erguê-los do seu estado de marginalização. Ao mesmo tempo recordo, aos pobres que vivem nas nossas cidades e nas nossas comunidades, para não perderem o sentido da pobreza evangélica que trazem impresso na sua vida.
5. Conhecemos a grande dificuldade que há, no mundo contemporâneo, de poder identificar claramente a pobreza. E todavia esta interpela-nos todos os dias com os seus inúmeros rostos marcados pelo sofrimento, pela marginalização, pela opressão, pela violência, pelas torturas e a prisão, pela guerra, pela privação da liberdade e da dignidade, pela ignorância e pelo analfabetismo, pela emergência sanitária e pela falta de trabalho, pelo tráfico de pessoas e pela escravidão, pelo exílio e a miséria, pela migração forçada. A pobreza tem o rosto de mulheres, homens e crianças explorados para vis interesses, espezinhados pelas lógicas perversas do poder e do dinheiro. Como é impiedoso e nunca completo o elenco que se é constrangido a elaborar à vista da pobreza, fruto da injustiça social, da miséria moral, da avidez de poucos e da indiferença generalizada!
Infelizmente, nos nossos dias, enquanto sobressai cada vez mais a riqueza descarada que se acumula nas mãos de poucos privilegiados, frequentemente acompanhada pela ilegalidade e a exploração ofensiva da dignidade humana, causa escândalo a extensão da pobreza a grandes sectores da sociedade no mundo inteiro. Perante este cenário, não se pode permanecer inerte e, menos ainda, resignado. À pobreza que inibe o espírito de iniciativa de tantos jovens, impedindo-os de encontrar um trabalho, à pobreza que anestesia o sentido de responsabilidade, induzindo a preferir a abdicação e a busca de favoritismos, à pobreza que envenena os poços da participação e restringe os espaços do profissionalismo, humilhando assim o mérito de quem trabalha e produz: a tudo isso é preciso responder com uma nova visão da vida e da sociedade.
Todos estes pobres – como gostava de dizer o Beato Paulo VI – pertencem à Igreja por «direito evangélico» (Discurso de aberturana II Sessão do Concílio Ecuménico Vaticano II, 29/IX/1963) e obrigam à opção fundamental por eles. Por isso, benditas as mãos que se abrem para acolher os pobres e socorrê-los: são mãos que levam esperança. Benditas as mãos que superam toda a barreira de cultura, religião e nacionalidade, derramando óleo de consolação nas chagas da humanidade. Benditas as mãos que se abrem sem pedir nada em troca, sem «se» nem «mas», nem «talvez»: são mãos que fazem descer sobre os irmãos a bênção de Deus.
6. No termo do Jubileu da Misericórdia, quis oferecer à Igreja o Dia Mundial dos Pobres, para que as comunidades cristãs se tornem, em todo o mundo, cada vez mais e melhor sinal concreto da caridade de Cristo pelos últimos e os mais carenciados. Quero que, aos outros Dias Mundiais instituídos pelos meus Predecessores e sendo já tradição na vida das nossas comunidades, se acrescente este, que completa o conjunto de tais Dias com um elemento requintadamente evangélico, isto é, a predileção de Jesus pelos pobres.
Convido a Igreja inteira e os homens e mulheres de boa vontade a fixar o olhar, neste dia, em todos aqueles que estendem as suas mãos invocando ajuda e pedindo a nossa solidariedade. São nossos irmãos e irmãs, criados e amados pelo único Pai celeste. Este Dia pretende estimular, em primeiro lugar, os crentes, para que reajam à cultura do descarte e do desperdício, assumindo a cultura do encontro. Ao mesmo tempo, o convite é dirigido a todos, independentemente da sua pertença religiosa, para que se abram à partilha com os pobres em todas as formas de solidariedade, como sinal concreto de fraternidade. Deus criou o céu e a terra para todos; foram os homens que, infelizmente, ergueram fronteiras, muros e recintos, traindo o dom originário destinado à humanidade sem qualquer exclusão.
7. Desejo que, na semana anterior ao Dia Mundial dos Pobres – que este ano será no dia 19 de novembro, XXXIII domingo do Tempo Comum –, as comunidades cristãs se empenhem na criação de muitos momentos de encontro e amizade, de solidariedade e ajuda concreta. Poderão ainda convidar os pobres e os voluntários para participarem, juntos, na Eucaristia deste domingo, de modo que, no domingo seguinte, a celebração da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo resulte ainda mais autêntica. Na verdade, a realeza de Cristo aparece em todo o seu significado precisamente no Gólgota, quando o Inocente, pregado na cruz, pobre, nu e privado de tudo, encarna e revela a plenitude do amor de Deus. O seu completo abandono ao Pai, ao mesmo tempo que exprime a sua pobreza total, torna evidente a força deste Amor, que O ressuscita para uma vida nova no dia de Páscoa.
Neste domingo, se viverem no nosso bairro pobres que buscam proteção e ajuda, aproximemo-nos deles: será um momento propício para encontrar o Deus que buscamos. Como ensina a Sagrada Escritura (cf. Gn 18, 3-5; Heb 13, 2), acolhamo-los como hóspedes privilegiados à nossa mesa; poderão ser mestres, que nos ajudam a viver de maneira mais coerente a fé. Com a sua confiança e a disponibilidade para aceitar ajuda, mostram-nos, de forma sóbria e muitas vezes feliz, como é decisivo vivermos do essencial e abandonarmo-nos à providência do Pai.
8. Na base das múltiplas iniciativas concretas que se poderão realizar neste Dia, esteja sempre a oração. Não esqueçamos que o Pai Nosso é a oração dos pobres. De facto, o pedido do pão exprime o abandono a Deus nas necessidades primárias da nossa vida. Tudo o que Jesus nos ensinou com esta oração exprime e recolhe o grito de quem sofre pela precariedade da existência e a falta do necessário. Aos discípulos que Lhe pediam para os ensinar a rezar, Jesus respondeu com as palavras dos pobres que se dirigem ao único Pai, em quem todos se reconhecem como irmãos. O Pai Nosso é uma oração que se exprime no plural: o pão que se pede é «nosso», e isto implica partilha, comparticipação e responsabilidade comum. Nesta oração, todos reconhecemos a exigência de superar qualquer forma de egoísmo, para termos acesso à alegria do acolhimento recíproco.
9. Aos irmãos bispos, aos sacerdotes, aos diáconos – que, por vocação, têm a missão de apoiar os pobres –, às pessoas consagradas, às associações, aos movimentos e ao vasto mundo do voluntariado, peço que se comprometam para que, com este Dia Mundial dos Pobres, se instaure uma tradição que seja contribuição concreta para a evangelização no mundo contemporâneo.
Que este novo Dia Mundial se torne, pois, um forte apelo à nossa consciência crente, para ficarmos cada vez mais convictos de que partilhar com os pobres permite-nos compreender o Evangelho na sua verdade mais profunda. Os pobres não são um problema: são um recurso de que lançar mão para acolher e viver a essência do Evangelho.
Vaticano, Memória de Santo António de Lisboa, 13 de junho de 2017.
Franciscus