O "poder da comunicação" é a
"proximidade". A proximidade desencadeia uma tensão bipolar de
aproximação e de afastamento e, em seu interior, apresenta uma oposição
qualitativa: aproximar-se bem e aproximar-se mal. Essa é a tarefa daqueles que
hoje estão comprometidos na comunicação. A opinião é do jesuíta italiano Antonio Spadaro,
diretor da revista La Civiltà Cattolica,
em artigo publicado no seu blog Cyberteologia, 23-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Com a sua Mensagem para o 50º Dia Mundial
das Comunicações Sociais, o Papa Francisco quis conectar o tema da
"Comunicação" ao da "Misericórdia". A aproximação não é
óbvia. O que significa comunicar de maneira misericordiosa? Como se faz para
comunicar a misericórdia?
Assinalo em
seguida cinco pontos a meu ver centrais na mensagem do papa.
1) A comunicação é "credível" se é
"confiável"
O pressuposto de
base dessa mensagem é que tudo o que fazemos é comunicação. O amor é comunicação:
quando é amor verdadeiro, não pode se isolar. Se fosse isolado, seria uma forma
espiritualista de egoísmo. Portanto, justamente no modo em que tentamos viver
com todo o nosso ser o que estamos comunicando, contribuiremos para restituir
credibilidade à comunicação humana. Esse é o sentido do início da mensagem. A
comunicação é "credível" não só se objetivamente corresponde à
verdade, mas se é "confiável", isto é, expressão de uma relação de
confiança, de um compromisso do comunicador de viver bem a sua relação com quem
ouve ou com quem participa do evento comunicativo.
2) A comunicação da Igreja não é
"exclusiva"
Francisco começa logo a falar da comunicação eclesial. E diz
que ela deve ser inclusiva, de Mãe, capaz de "tocar os corações das
pessoas e sustentá-las no caminho". Devemos comunicar como filhos de Deus
com outros filhos de Deus, sem distinção de credo, ideia, visão de mundo.
Portanto, devemos parar o processo de degradação das palavras, o nominalismo da
nossa cultura. As pessoas estão cansadas de palavras sem peso próprio, que não
se fazem carne, que, na nossa pregação, fazem com que Cristo não
se manifesta mais como pessoa, mas como ideia, conceito, teoria doutrinal
abstrata. Restitua-se à palavra – especialmente a da pregação – a sua
"centelha" que a torna viva e que dá calor e odor humano às palavras
da fé.
3) A comunicação não excomunga
"A
comunicação tem o poder de criar pontes, de favorecer o encontro e a inclusão,
enriquecendo assim a sociedade", escreve o papa. E "as palavras podem
construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os
povos". Até mesmo quando "deve condenar com firmeza o mal, procura
não romper jamais a relação e a comunicação". A comunicação, justamente
por estimular a criatividade, sempre deve criar pontes, favorecer a
acessibilidade, enriquecer a sociedade. Devemos nos alegrar com o poder de
palavras e ações escolhidas com cuidado para superar as incompreensões, curar
as recordações e construir paz e harmonia. As palavras constroem pontes, são
"pontífices" entre as pessoas. E isso em toda a parte: tanto no
ambiente físico quanto no digital. Palavras e ações devem nos ajudar a fugir do
círculo vicioso da condenação e da vingança que continua enjaulando os
indivíduos, as pessoas e as nações, e que, depois, se exprime com mensagens de
ódio.
A palavra do
cristão, em particular, deve tender à comunhão e, portanto, livrar-se da atitude
de "excomunhão". Recordamos que "a memória das mútuas sentenças
de excomunhão, junto com as palavras ofensivas e as reprimendas infundadas por
muitos séculos, representou um obstáculo à reaproximação", mesmo entre os
cristãos. "A lógica do antagonismo, da desconfiança e da hostilidade,
simbolizada pelas excomunhões recíprocas", deve ser "substituída pela
lógica do amor e da fraternidade", escrevera o Papa Francisco na
sua Mensagem à Sua Santidade
Bartolomeu I, Patriarca Ecumênico, para a festa de Santo André, em
2015.
Para não romper
a comunhão, é importante saber ouvir, isto é, "ser capaz de compartilhar
perguntas e dúvidas, de percorrer um caminho lado a lado, de se livrar de
qualquer presunção de onipotência e colocar humildemente as próprias habilidades
e os próprios dons a serviço do bem comum".
4) A misericórdia é política
"Gostaria,
portanto, de convidar todas as pessoas de boa vontade a redescobrirem o poder
da misericórdia de curar as relações dilaceradas e de restaurar a paz e a
harmonia", escreve o Papa Francisco, salientando que "isso também
vale para as relações entre os povos". Assim, "é desejável que também
a linguagem da política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia,
que nunca dá nada por perdido" Esse é o sentido da "diplomacia da
misericórdia" para Francisco: não considerar jamais nada por perdido na
relação entre povos e nações. Para isso deve servir a comunicação política,
portanto.
O papa convida
aqueles que estão presos em velhas hostilidades a tomarem o caminho da misericórdia;
a reconhecer as próprias responsabilidades; e a pedir perdão e mostrar
misericórdia para com aqueles que lhe fizeram mal. Vamos além da distinção
entre "vítimas" e "carrascos".
Mas também
devemos superar outra lógica: a que contrapõe "vencedores" e
"vencidos". Vivemos em um mundo onde estamos acostumados a ter que
provar o quanto valemos, a ter que conquistar o respeito e a admiração dos
outros. Muitas vezes, tal reconhecimento é reservado para aqueles que
alcançaram o sucesso através do bem estar, do poder e da fama. Como resultado,
podemos notar um fosso crescente entre aqueles que são vistos como vencedores e
aqueles que são julgados como perdedores. Na sociedade, as pessoas competem
para impor o seu próprio valor e dignidade, e quem está no topo quer manter os
outros embaixo. Tal visão enfraquece a dignidade das pessoas e, em particular,
tem como resultado que aqueles que fracassaram ou que são julgados como não à
altura das expectativas são marginalizados e rejeitados. O nosso modo de
comunicar, portanto, nunca deve expressar o orgulho soberbo do triunfo sobre um
inimigo, nem humilhar aqueles que são descartados, que são considerados
"perdedores" e são abandonados. A misericórdia pode ajudar a mitigar
as adversidades da vida e oferecer calor para aqueles que só conheceram a
frieza do juízo. Um homem pode olhar para outro homem de cima para baixo apenas
para ajudá-lo a se levantar.
Por fim – lemos
– "o estilo da nossa comunicação capaz de superar a lógica que separa
nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar situações de
pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as
pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas". De fato,
"palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda
mais aqueles que queríamos levar à conversão e à liberdade, reforçando o seu
sentido de negação e defesa".
5) A rede constrói cidadania
Se a comunicação
tem uma relevância política, ela também tem um peso cada vez mais forte no fato
de nos sentirmos cidadãos, na construção da cidadania. Reconhecendo a rede como
lugar para uma "comunicação plenamente humana", o papa afirma que,
"em rede, também se constrói uma verdadeira cidadania. O acesso às redes
digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não vemos mas é real, tem
a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede pode ser bem utilizada para
fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à partilha".
O "poder da
comunicação" é a "proximidade". A proximidade desencadeia uma
tensão bipolar de aproximação e de afastamento e, em seu interior, apresenta
uma oposição qualitativa: aproximar-se bem e aproximar-se mal. Essa é a tarefa
daqueles que hoje estão comprometidos na comunicação: "Em um mundo
dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa
contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e
irmãos em humanidade".
Fonte:
http://www.ihu.unisinos.br