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sábado, 25 de julho de 2015

A PALAVRA... Nº 944. Um olhar sobre a Laudato si'-04.

ORAÇÃO E MEDITAÇÃO

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA: Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo(1ª Parte).
 Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam.

De: Edith Stein (“Na força da Cruz”, São Paulo, 1984)
Será que é impossível dispor de urna horinha de manhã, na qual sem distração se recolhe, na qual, sem consumir-se, procura-se ganhar força para passar o dia inteiro? Sim, exige-se mais do que uma hora. Deve-se viver de uma tal hora para outra de um jeito em que se possa retomar. Não há mais possibilidade para um caminhar sem objetivo, nem por tempo limitado. Não podemos nos esquivar do juízo daqueles com quem nos relacionamos diariamente. Mesmo que nenhuma palavra seja trocada, percebemos a atitude dos outros para conosco. Tentaremos acomodar-nos ao ambiente e, quando isto não é possível, a convivência torna-se então um martírio. Desta forma, sentimos também a convivência diária com o Senhor! A sensibilidade torna-se cada vez mais aguçante para aquilo que Lhe agrada ou não. Se antes eu me encontrava mais ou menos satisfeito comigo mesmo, a situação agora muda. Acha-se tanto o que é mau, e procura-se mudar na medida do possível. Descobre-se algo que se pode achar feio e ruim e também a dificuldade em mudar. Aí então, pouco a pouco, ficamos muito pequenos e humildes, pacientes e indulgentes contra os ciscos em olhos alheios, porque ainda temos muito trabalho com a trave no nosso próprio olho. Aprendemos finalmente também a suportar-nos a nós mesmos na luz inexorável da presença divina e a entregar-nos à misericórdia divina, que poderá sanar tudo isso, que é tão impossível para nossas forças. WS 22
Pode-se mostrar ainda como o domingo deveria ser uma porta larga, pela qual pudesse entrar vida eterna para os dias da semana e força para o trabalho da semana inteira, e como as grandes festas, os tempos de festas e tempos de jejum, vivenciados no espírito da Igreja, fazem amadurecer o homem de ano para ano mais e mais para a eterna paz do Sabbat. Será tarefa essencial de cada um de nós refletir como planejar o decurso do dia e do ano, conforme dotes e estilo de vida de cada um de nós, para preparar os caminhos do Senhor. A distribuição externa deverá ser diferente para cada um e no decorrer dos anos deverá acomodar-se elasticamente à variedade das situações. Também a situação íntima da alma vária na diversidade das pessoas. Os meios ideais para estar em sintonia com o Eterno, para ficar atento ou também para renovar-se — como meditação, leitura espiritual participação litúrgica, devoções populares, etc. — não são todos igualmente de proveito para cada um e em todas as fases e épocas. A meditação, por exemplo, não pode ser exercida por todos e sempre de maneira igual. É importante encontrar, no entanto, o mais eficaz e dele tirar proveito. WS 49
Existem, evidentemente, dois caminhos para a união plena com Deus e com isso para a perfeição do amor: um subir penoso, feito alpinista, por esforço próprio, logicamente com a ajuda divina da graça, e “um ser carregado para o alto, que requer muito estorço próprio, cuja preparação e conseqüência íntima exigem, no entanto, enormes esforços da vontade própria. WP 50
Na infância da vida espiritual, quando iniciamos entregar nos à direção de Deus, aí sentimos a mão que guia bem forte e firme. Claro como o sol, está diante de nós o que devemos fazer ou deixar de fazer. Más isto não fica sempre assim. Quem pertence a Cristo, deve viver total e inteiramente a vida de Cristo. Ele deve crescer na maturidade de Cristo e também galgar o caminho da cruz, indo por Getsêmani e Gólgota. E todos os sofrimentos vindos de fora não são nada em comparação com a noite escura da alma, quando a luz divina não mais ilumina e a voz do Senhor já não fala mais. Deus está aí, mas Ele está escondido e fica em silêncio. WS l8f
E um caminho longo de auto-satisfação de um “bom católico” que “cumpre seus deveres”, lê um “bom jornal”, “vota corretamente”, etc., mas de resto faz o que lhe agrada, até uma vida na mão divina e pela mão divina, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de ônibus. Mas quem percorreu uma vez esse caminho, não dá mais um passo para trás. WS 22 f
Por natureza, nosso interior é plenificado por muitas maneiras. Tanto é que um fato sempre reprime o outro e o mantém em constante movimento, muitas vezes em tempestade e tumulto. Quando pela manhã acordamos, deveres e preocupações do dia já nos querem cercar (caso já não tiverem atrapalhado a tranqüilidade do sono da noite). Aí aparece a inquietante pergunta: Como poderei vencer isso tudo num só dia? Quando poderei fazer isto. quando aquilo? E como poderei resolver isto, como aquilo? A gente gostaria de agitar e começar tempestivamente. Mas significa que devemos tomar as rédeas na mão e dizer: Devagar! Em primeiro lugar, agora nada deverá perturbar-me. Minha primeira hora matutina pertence ao Senhor. “Quero iniciar o trabalho do dia-a-dia que ele me manda fazer. E Ele me dará a força paia executá-lo. Assim desejo caminhar para o altar de Deus. Ali não se trata de minhas pequenas preocupações, mas sim, do grande sacrifício de reconciliação, WS 46f
Agora começa o trabalho do dia: talvez servir na escola quatro ou cinco horas, uma atrás da outra. Significa estar atento e presente ao que se está fazendo, pois cada hora tem sua tarefa diferente. Nessa ou naquela hora (escolar) não se consegue o que se queria, talvez em nenhuma. Cansaço próprio, interrupções imprevistas, algo do que as crianças não entendem, alguns dissabores, algo revoltante, algo angustiante.
Ou serviço burocrático: relacionamento com propostos e colegas desagradáveis, exigências não satisfeitas, censuras injustas, miséria humana, talvez necessidades várias. Vem a hora do almoço. Chega-se em casa exausto e cansado e esperam-se eventualmente novas improcedências. Onde está agora a renovação da alma, vivida na manhã? De novo queremos ferver e estourar; indignação, aborrecimento, arrependimento. E tanto ainda por fazer até a noite: Não devemos ir logo adiante? Não, enquanto não tiver encontrado novamente por um momento a serenidade e a paz. WS 47f
Quando o intelecto alcança o seu máximo, ele chega aos seus próprios limites. Ele tenta encontrar a verdade mais sublime e última, e descobre que todos os nossos conhecimentos são apenas fragmentos. Então, quebra-se o orgulho e enxergamos duas coisas; ou ele cai no desespero ou coloca-se em humildade e temor diante da verdade impenetrável e recebe, humildemente na fé, o que não pode ser conquistado pela” atividade natural do intelecto. Então o intelecto chega, na luz da verdade divina, à correia sintonia para com seu próprio intelecto. Ele enxerga que as verdades mais sublimes e últimas não podem ser desvendadas por intelecto humano e que nas questões mais essenciais, e por isso na forma e comportamento da vida prática, uma simples criança pode estar em situação superior ao maior sábio pela iluminação mais sublime. Por outro lado, ele reconhece a esfera legítima da atividade intelectual natural e cumpre aqui seu trabalho, como o agricultor lavra seu campo, como algo que é bom e útil, mas que é cercado por limites estreitos como toda e qualquer obra humana.
Quem chegar a tal ponto, não olhará mais as pessoas “de cima para baixo”. Ele terá aquele sentimento humano simples e natural, a profunda modéstia sem hipocrisia, que atravessa todas as barreiras livre e desimpedidamente. Ele poderá falar sem medo sua linguagem intelectual em meio do povo, porque lhe é tão natural como a do povo e porque ele manifestadamente não o sobreestima. E ele poderá seguir seus problemas intelectuais, porque faz parte de seu ambiente natural. Ele usará o seu intelecto da mesma forma que o carpinteiro — mão e plaina — e, quando puder ser útil aos outros com seu trabalho, estará sempre pronto para ajudar. E, como todo trabalho honesto, que é feito pela vontade divina e para glória de Deus, também esse pode ser um instrumento de santificação. Assim me imagino Santo Tomás de Aquino: um homem que tinha recebido de Deus como seu tesouro um extraordinário intelecto para com ele pulular; que caminhara silenciosamente e sem exigências o seu caminho e se aprofundara nos seus problemas enquanto o deixava em paz; sempre pronto a quebrar a cabeça, dando as devidas informações, quando lhe faziam perguntas difíceis. Assim ele se toma um dos maiores guias, justamente porque não desejara. WS 74f
Cada um deve conhecer a si mesmo para saber onde e como poderá encontrar a serenidade e a paz. O melhor é jogar todas as preocupações, por curto tempo, diante do Santíssimo, frente ao Sacrário, para quem não é possível, para quem é necessário talvez um repouso corporal, uma pausa em seu próprio quarto. E quando não há possibilidade para um repouso exterior, porque não existe lugar para onde se retirar, quando deveres irrecusáveis impedem a hora silenciosa, pelo menos fecharemos o nosso interior por um momento contra todo resto e nos refugiaremos no Senhor. Ele está aí e nos oferece nesse único momento aquilo de que precisamos. Assim continuará o resto do dia, talvez com muito cansaço e labuta, mas tranqüilo e em paz. E, quando a noite vier e mostrar o retrospecto de que tudo só fora algo em pedaços e muita coisa ficou para fazer do que se pretendia, e (anta coisa nos chama para a vergonha e arrependimento, então, tudo aceitar como é: colocar nas mãos de Deus e entregar-Lho. Assim se poderá repousar nEle, descansar de verdade e começar o novo dia como uma nova vida. WS 48
Ninguém penetrou de uma tal forma nas profundezas da alma como aquelas pessoas que abraçam o mundo com um coração cheio de calor e então, libertadas, pela mão forte de Deus, de todo laço externo, foram atraídas para o próprio íntimo é interior. Ao lado de Teresa de Ávila está aqui, em primeiro lugar, Santo Agostinho que com ela se parece profundamente e por isso tanto a influenciou. Para estes mestres do auto-conhecimento e auto-apresentação iluminaram-se as misteriosas profundezas da alma: não somente os fenômenos, a movimentada superfície da vida da alma constituíram o inegável fato experimentar, mas também as forças, que ativam conscientemente a vida da alma e, finalmente, até a essência de Deus. WS 66f
O caminho para a vida interior é Cristo. Seu sangue é a cortina, pela qual entramos no santíssimo da divina vida. No batismo e no sacramento da penitência Ele nos purifica do pecado, abre-nos os olhos para a luz eterna, torna atentos os ouvidos para colher a palavra divina e os lábios para o louvor, oração de expiação, pedido e agradecimento - todas formas diferentes de adoração; isto é, a criatura presta homenagem diante do Onipotente e do infinitamente Bondoso. No sacramento do crisma, Ele confirma e fortifica o militante de Cristo para a franca e corajosa confissão. Antes de tudo, no entanto, é o sacramento no qual o próprio Cristo está presente e nos torna membros de seu corpo. Compartilhando o sacrifício e a cela, alimentados pela carne e sangue de Jesus, nós mesmos nos tornamos sua própria carne e seu próprio sangue. Na medida em que somos membros de seu corpo, pode animar-nos o espírito de Jesus e em nós reinar. WS43
No diálogo silencioso de pessoas consagradas a Deus antecipam-se os acontecimentos visíveis da história da igreja, os quais renovam a face da terra. A Virgem, que conservava cada palavra em seu coração, é exemplo das pessoas que escutam e nas quais o coração sacerdotal de Jesus se repete sempre de novo. Mulheres, que se esqueciam de si mesmas na imitação da vida e sofrimento de Cristo, o Senhor as escolhia de preferência como instrumento para grandes obras na Igreja: uma Santa Brígida, Catarina de Sena e Santa Teresa, a grande reformadora de sua ordem em tempo de grande perda da fé, a qual, querendo ajudar a Igreja, via como meio eficaz para tal a verdadeira renovação da vida interior. WS 36f
O ponto central da alma é o lugar de onde se escuta a voz da consciência, é o lugar da livre decisão pessoal. Porque a entrega livre e pessoal é assim e porque é essencial para a união amorosa com Deus, por isso o lugar da decisão livre deve ser ao mesmo tempo o lugar da união livre com Deus. Daí se entende também por que Teresa de Ávila vê na entrega da vontade ao Divino o mais fundamental para a união com Ele: a entrega de nossa vontade é o que Deus exige de todos nós e é o que podemos produzir. Ela é a medida de santidade. Ao mesmo tempo, ela é a condição para a união mística, sobre a qual não temos poder, mas é graça pura e livre de Deus. Por isso temos também a possibilidade de fazer da nossa alma o ponto central, de formar a si mesmo e sua vida, sem ter também recebido especificamente a graça da mística. WP 67f
Dentro da Igreja existem experiências comunitárias de formas variadas: devoção, entusiasmo, obras de misericórdia, etc., mas a Igreja não deve a todos eles sua existência. E sim, que cada um de modo singular situa-se diante de Deus na força contrária ou unida da liberdade divina e humana, em que lhe é dada a força de estar ao lado de todos. E esse “cada um por todos e todos por um” faz com que a Igreja seja Igreja. Quanto mais alguém é plenificado pelo amor divino, tanto mais ele estará capacitado a entrar em substituição de cada um. WP 163
Na aridez e no vazio, a alma tornar-se-á humilde. O orgulho anterior desaparece, quando não se encontra mais nada dentro de si, que poderia ser motivo de olhar com certo desprezo para com os outros. Pelo contrário, agora os outros parecem-nos muito mais perfeitos. Amor e estima despertam o coração por eles. Estamos agora por demais preocupados com a nossa própria miséria para olharmos para os outros. Pelo desamparo e abandono, a alma torna-se submissa e obediente; ela anseia por aconselhamento para chegar ao caminho certo. KW 47
O espírito e voto quer dizer não somente o intelecto, mas também o coração está familiarizado por ocupar-se continuamente com Deus, ele O conhece e O ama. Esse conhecimento e amor fazem parte de seu ser, como o relacionamento de duas pessoas que convivem há longo tempo juntas intimamente familiarizadas. Tais pessoas não precisam mais de informações sobre a outra pessoa para se conhecerem mutuamente e convencerem-se de sua amabilidade. Quase não precisam trocar palavras. Cada nova convivência, no entanto, traz para elas um novo despertar e um crescimento de amor, talvez um conhecimento mais profundo de alguns traços novos. Mas isto acontece automaticamente, não precisando de maior esforço. Assim também é a convivência de uma alma com Deus, depois de longo exercício na vida espiritual. Ela não precisa mais de meditar, para conhecer a Deus e aprender a amá-Lo. O caminho já está muito atrás dela, pois ela repousa nEle. Assim que ela começa a orar, está em Deus e permanece, pela entrega amorosa, em sua presença. O silêncio da mesma Lhe agrada mais do que muitas palavras. kw 103
É graça, quando nos alcança o anúncio da fé, a divina verdade revelada. E graça, que nos oferece a força para colher o anúncio da fé — mesmo que seja exigida de nós a decisão livre — e com isso crescer na fé. Sem a ajuda da graça não existe oração e não é possível meditação. Mesmo assim, exige-se a nossa liberdade e opera-se com a ajuda de nossas próprias forças. Depende também de nós, se de que maneira e quanto tempo demoramos em oração. KW103
A poderosa realidade do mundo natural e de graças sobrenaturais deve ser movida por meio de uma realidade mais poderosa ainda. Isto acontece na noite passiva (da alma), pois sem ela a ativa nunca poderia chegar à meta. A mão forte do Deus vivo deve interferir para soltar a alma dos laços de tudo que foi criado e para atraí-la a si. Esse intervir é a escura e mística contemplação, ligada à privação de tudo aquilo que até agora fora luz, sustento e consolo. kw 106
A alma se entrega a Deus para operar nela aquilo que Ele deseja com tais comunicações sobrenaturais. Assim mesmo, permanecerá na escuridão da fé, porque ela não somente aprendeu mas experimentou que tudo isto não é Deus, que ela, no entanto, possui tudo na fé o que lhe é preciso: o próprio Cristo, que é eterna sabedoria, e nEle o Deus incompreensível. Ela estará pronta para tal renúncia e perseverança na fé tanto mais quanto estiver purificada pela noite escura. kw 108
Porque o intelecto natural não pode compreender a luz divina, deve o mesmo ser guiado pela contemplação na escuridão. KW 114
Por isso, a alma pode considerar a aridez e a escuridão quais sinais felizes: sinais que Deus está operando nela, libertando-a de si; Ele tira das mãos suas forças da alma. Certamente ela poderia ter trabalhado muito com isso, mas jamais tão perfeita, segura e firmemente como agora, quando Deus a tomou na mão. Ele a guia como a um cego por caminhos escuros sem e/a saber onde e para onde - por caminhos que e/a mesma no caminhar mais feliz com o uso de seus próprios olhos e pés Jamais poderia ter encontrado. Com isso ela progride muito, sem poder ainda imaginar a si mesma, pois se encontra na convicção de estar perdida. KW 122
Já se tem pronunciado o pensamento de que os sofrimentos da “noite escura” participam do sofrimento de Cristo, em especial do sofrimento mais profundo: o abandono de Deus. “O canto espiritual” (de São João da Cruz) deu sua impressionante confirmação, porque aqui o desejo ardente pelo Deus escondido é o sofrimento que domina integralmente o caminho místico. Nem mesmo acaba na beatitude de união dos noivos; até aumenta com o crescimento do conhecimento e do amor divinos, porque com os mesmos pressentimos cada vez maiores o que a clara contemplação de Deus na glória nos poderá trazer. kw 227
*Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.


Mensagem do Papa aos moradores de rua de São Paulo

Santa Teresa e Nossa Senhora: Mensagem do Provincial.

*A ORAÇÃO NA VIDA CARMELITANA: Reflexões e textos de autores carmelitanos sobre a Comunhão com Deus e a Oração no Carmelo (1ª Parte).

ESCONDE-TE NA TORRENTE DO CARIT
Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam.

Da: “Forma de vida dos primeiros monges” (ano 1370)
Elias, o primeiro monge, institui a vida monástica por inspiração de Deus. Do Retiro de Elias no Deserto. Do duplo fim da vida eremítica e da renúncia aos bens terrenos.

Este Elias, Profeta de Deus, foi o primeiro de todos os monges que existiram e nele teve princípio a santa e gloriosa instituição monacal.
Com a ânsia que sentia pela divina contemplação e o veemente desejo de progredir na virtude, retirou-se para longe das cidades e despojando-se de todos os interesses terrenos e mundanos, se propôs começar a viver a vida eremítica, religiosa e profética, consagrando-se a ela como ninguém até então havia feito, e com a inspiração e o impulso do Espírito Santo, começou a vivê-la e a instituiu.
Porque, aparecendo-lhe o Senhor, lhe ordenou que fugisse dos povoados dos homens e se escondesse no deserto, e vivesse dali em diante a vida monástica da maneira que lhe havia inspirado.
Isto se prova claramente com as palavras da Sagrada Escritura. Referindo-se a isto, lê-se no Livro dos Reis: “E falou o Senhor a Elias, dizendo-lhe: Sai daqui dirija-te para o Oriente e esconde-te na fonte do Carit, que está defronte o Jordão. Ali beberás da fonte e mandei aos corvos que te levem de comer. (III Rs, 3,4).
O Espírito Santo pôs em Elias um veemente desejo de executar tão santo e tão conveniente mandato que lhe havia inspirado, e o escolheu e fortaleceu para que pusesse em prática tão desejadas promessas.
Os Religiosos monges ermitães que somos, devemos meditar sempre mais cada uma destas palavras, não só no sentido literal histórico, mas principalmente no sentido místico, e com tanto maior solicitude, quanto nelas se encerra mais perfeitamente a instituição, isto é: o modo de vida para chegar à perfeição profética e, enfim, à vida religiosa eremítica.
Esta vida de perfeição religiosa encerra dois fins: um podemos consegui-lo com nosso esforço e o exercício das virtudes, ajudados pela graça divina. Este fim consiste em oferecer a Deus o coração santo e limpo de toda mancha atual de pecado.
Conseguimos este fim quando já formos perfeitos e estivermos no Carit. ou seja, quando nos tivermos escondido naquela caridade da qual disse o sábio: “a caridade cobre todas as faltas” (Prov 10,12).
Mostrando o Senhor a Elias que queria que chegasse a este fim de caridade, lhe disse:
te esconderás na torrente do Carit.
O outro fim da santa vida eremítica é dom totalmente gratuito de Deus que Ele comunica à alma. Consiste em que, não só depois da morte, mas ainda nesta vida mortal, possa gozar no afeto do amor e no gozo da luz do entendimento, algo sobrenatural do poder da presença de Deus e o deleite da eterna glória. Isto quer significar beber da torrente da delícia divina.
Deus prometeu este fim a Elias ao dizer-lhe; ali beberás da torrente.
Para conseguir estes dois fins, o monge deve abrasar-se na vida profética e eremítica, como o disse o Profeta; nesta terra deserta, sem caminho e sem água, ponho-me em tua presença como no santuário, para contemplar teu poder e tua glória. (SI 62, 3).
Por isto escolheu viver em terra deserta, sem caminho e sem água, para deste modo apresentar-se como num santuário diante do Senhor, que é o coração limpo de pecado, afirma o primeiro fim da vida solitária escolhida, que é oferecer a Deus o coração santo e limpo de todo pecado atual.
E o que segue para contemplar teu poder e tua glória, expressa claramente o segundo fim da vida eremítica que consiste em experimentar de alguma forma nesta vida ver misticamente dentro da alma algo do poder da divina presença e saborear a doçura da eterna glória.
O Primeiro fim que é o coração limpo se alcança pelo esforço e a prática das virtudes, ajudados pela divina graça. Ao segundo, chega-se pelo amor perfeito e pela pureza do coração; isto é: chega-se a saborear deleitosamente algo de uma alta notícia de Deus e da glória celestial, conforme o que disse o Senhor: “o que me ama, será amado por meu Pai, e eu o amareis e me manifestarei nele” (Jo XIV, 21).
Pois, conforme as palavras que até aqui copiamos. Deus falou a Elias para lhe ensinar como o primeiro e principal de todos os monges e nele persuadir-nos a todos quantos nos propusermos imitá-lo: “que sejamos perfeitos, como nosso Pai celestial é perfeito (Mt III, 48); e, sobretudo, mantende a caridade que é o vínculo da perfeição “ 1° aos Cor, 3, 14).
Para que cheguemos a obter os dons da perfeição aconselhada e a saborear a visão da glória prometida a Elias pelo Senhor nas palavras citadas, esforcemo-nos com atenta diligência por entendê-las com exatidão e logo pô-las em prática.
Quando o Senhor fala a Santo Elias, diz a todo Religioso do Antigo ou do Novo Testamento: “Sai daqui, isto é, das coisas mundanas e passageiras e vai para o oriente, isto é: dirige tua luta contra a natural concupiscência de teu corpo, e esconde-te na torrente do Carit: não vivas nas cidades, entre o povo, mas diante ou melhor, defronte do Jordão, que é o viver separado do pecado pela caridade”.
Subindo por estes quatro degraus, chegarás ao cimo da perfeição profética e ali beberás da torrente. E para que não te falte a perseverança neste modo de viver, mandei aos corvos que te levem de comer.
Compreenderás isto com maior clareza quando eu o explicar-te ordenadamente, expondo-o frase-por-frase.
*Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.


Paróquia Santa Teresa: Mensagem do Padre Provincial.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

*O Bem Morrer: Um olhar sobre a dualidade entre vida e morte na história do Brasil.

Beatriz de Vasconcellos Dias Miranda

Este texto toma como fontes para estudo os testamentos que estão registrados no Livro dos Defuntos da Freguesia de Nossa Senhora da Conceyção de Ibitipoca (1750/1779). Os testamentos são importantes fontes documentais, ricos em informações sobre a preparação da boa morte, da organização social e das vivências religiosas.  Para este trabalho escolhemos especificamente três testamentos: o de Diogo Gomes Pereira (1771), de João Gomes da Silva (1772) e de Manoel Gomes da Costa (1771)
No final do século XVII os paulistas encontraram ouro em Minas, em função disso o eixo da vida da Colônia deslocou-se para o centro sul, especialmente para o Rio de Janeiro. A economia mineradora gerou uma certa articulação entre áreas distantes da colônia , na medida em que se expandiu nas regiões de Minas, de Mato Grosso e Goiás.
            Para alcançar Minas Gerais e permitir mais fácil acesso às minas criaram-se estradas: o Caminho dos Currais do Sertão para a Bahia, o Caminho Velho que ligava o rio das Mortes e o arraial da Vila Rica aos portos de Santos e Parati, e o Caminho Novo para o Rio de Janeiro, passando pelos rios Paraibuna, Irajá e Iguaçu.Esta última acabou se tornando a estrada mais importante e mais utilizada na medida em que o Rio de Janeiro era a capital do Vice-Reino e por ser o caminho por onde entravam escravos e suprimentos e por onde saía o ouro das minas.
            Diferentemente do resto da colônia, Minas se distinguiu pela formação urbana: a proibição de lavouras que concorressem com a extração mineradora fez da região um extenso mercado consumidor, isso associado à possibilidade de negócios internos com ouro em pó resultaram na proliferação de mercadores, negociantes, artesãos, boticários, taberneiros, estalajeiros, advogados, barbeiros, e tropeiros.A vida social concentrou-se nas cidades, centro de residência, de negócios, de festas, nelas se formou uma sociedade diferenciada.
            A vila de Nossa Senhora da Conceição de Ibitipoca foi criada ainda no século XVII e fazia parte deste circuito de vilas de Minas Gerais que surgiram no roteiro do ouro que partia de Taubaté. Em agosto de 1750 foi criado o curato de N. Sra da Conceição de Ibitipoca desmembrado da freguesia de Borba do Campo. A sua igreja matriz é de 1768.
            Nessa sociedade colonial morrer era tão natural quanto viver. A morte espreitava o dia a dia: em função das precárias condições de higiene, das dificuldades da vida e dos poucos recursos da medicina a expectativa de vida era baixa, de aproximadamente 45 anos. Além disso, a mortalidade infantil era muito alta: metade das crianças morria antes de completar 10 anos de idade e dessas 68% morriam antes de 1 ano.
            Assim, a morte fazia parte do cotidiano das pessoas, convivia-se com ela e não era possível esquecê-la. Os homens sentiam sua própria limitação diante das dificuldades da vida: a chuva, a seca, o fogo, os animais, as epidemias, as doenças. Diante desses desafios, entre todas as respostas, a explicação religiosa era a que ocupava posição de destaque.  Os homens de então acreditavam que as dificuldades e desafios da vida aconteciam por vontade divina, assim, o melhor era rezar, fazer jejuns, procissões e outras manifestações de temor e adoração a Deus e aos santos para garantir proteção. Por tudo isso, as pessoas se preocupavam com o bem morrer, ou seja, em ter uma boa morte.
            A cultura funerária da época mesclava tradições portuguesas e africanas. Nessas culturas era recorrente a idéia de que o indivíduo devia preparar-se para morrer, arrumando bem a sua vida, acertando contas com os santos de sua devoção ou fazendo sacrifícios para os seus deuses ancestrais.  Nesse processo de preparação para o bem morrer um momento importante era o da elaboração do testamento.
            Morrer subitamente era uma lástima, “a boa morte era a esperada, a vagarosa, de modo a permitir que a pessoa colocasse em ordem os assuntos terrenos, se arrependesse de seus pecados e tomasse providências para que a alma ficasse pouco tempo no purgatório e se encaminhasse ao paraíso.”  Escrever o próprio testamento era um procedimento importante, nele o testador estabelecia suas últimas vontades, acertava a vida, dizia como desejava ser enterrado.
            Os testamentos eram registrados nos Livros dos Defuntos das igrejas, o mesmo no qual se registravam os óbitos. Até a República, todos os registros da vida civil eram feitos pela Igreja: o nascimento era registrado pela certidão de batismo, casamento era o religioso e a morte era registrada pelo recebimento dos últimos sacramentos e pelo testamento.Era a celebração religiosa, com o devido registro, que dava legitimidade a esses atos.
Os testamentos eram redigidos segundo uma forma comum, obedecendo a certa padronização: uma parte dedicada às questões religiosas e outra às materiais, constituía um instrumento legal. Começavam com um preâmbulo no qual se especificava a data, o nome do testador, a razão de ser do testamento e o local no qual era registrado:
“Saibam quantos este instrumento de testamento, e ultima vontade virem como anno do Nascimento de Nosso senhor Jesus Christo de mil sete sentos, e sententa e dois aos des dias do mês de janeiro do dito anno navizinhança da Capella de Sta Rita felial da Borda do campo eu João Gomes da Silva estando em meu perfeito Juizo e entendimento q’ Nosso senhor medeo doente de enfermidade q’o mesmo senhor foi servido darme tendome da morte e desejando pôr minha alma no caminho da salvação por não saber o q’o Nosso senhor demim disporá, e quando será servido levarme para si faço este testamento na forma seguinte...”
            Pelo texto acima podemos verificar que a razão de se fazer o testamento é o fato de que, em função da doença, a morte se tornou uma possibilidade concreta. Como dissemos anteriormente, em função das precárias condições da medicina da época, a certeza da morte era muito maior do que a da cura.Assim era preciso estar pronto para a morte, caso ela chegasse. Tanto quanto o tempo pertencia a Deus (... anno do nascimento de Nosso senhor...), assim também a vida de cada homem. Todas as coisas eram compreendidas como parte da vontade divina: a morte, mas também a doença e até a possível cura.A doença era vista, em geral, como um castigo de Deus para o pecador e, portanto, a cura só aconteceria se fosse vontade divina. Por isso era preciso rezar, fazer penitência, mas estar atento para a possibilidade da morte.
            A morte era entendida como uma passagem a caminho do céu, o paraíso. Mas em função dos pecados o espírito logo depois da morte do corpo, ia para o purgatório, situação intermediária entre o céu e o inferno, onde o espírito sofreria ardendo no fogo purificador, pagando suas penas pelos pecados veniais cometidos em vida e que tornaria possível a sua passagem para o paraíso.
A provação do purgatório poderia ser abreviada pela ajuda dos vivos através dos sufrágios  que supõem a formação de longas solidariedades de um lado e de outro da morte, relações estreitas entre vivos e defuntos.  Instituições de ligação entre vivos e mortos foram estabelecidas para garantir a prática dos sufrágios, entre essas estava o testamento.
O moribundo se preocupava em “pôr a alma a caminho da salvação” por isso, fazer o testamento, e nele especificar todas as providências a serem tomadas depois da sua morte, era um ato da maior importância.
            O homem sozinho, por si próprio, não poderia garantir a sua salvação. Sentindo-se impotente diante do poder julgador de Deus solicitava a intercessão dos anjos e dos santos para agirem como seus advogados na hora do julgamento divino. A esses intercessores as pessoas encomendavam a própria alma:
            “Primeiramente encomendo a minha alma a santíssima trindade q’(sic) eterno Padre pela morte e paixão de seu unigênito filho aqueira receber e a Virgem Maria senhora nossa e ao Arcanjo São Miguel ea todo os santos e ao Sto de meu nome q’he de João sejão meus intercesores qdo minha alma deste mundo partir para q foi creada, porq como verdadeiro Christão protest viver, e morrer na Sta fé catholica e crer tudo o q tem, ecre a Sta Madre Igreja Catholica Romana.”
            Assim, já no testamento o fiel encomendava a alma aos santos da sua devoção e reafirmava a sua fé na Igreja Católica e nos seus ensinamentos doutrinários. Isso era importante porque a concepção de Igreja vigente desde o Concílio de Trento era a de Igreja sociedade perfeita e único sinal de salvação presente no mundo. Por isso, afirmar a fé na Igreja era também garantir a própria salvação.
Entre todos os santos gostaríamos aqui de destacar a devoção a São Miguel Arcanjo que foi muito difundida na América portuguesa porque era visto como o árbitro das almas no purgatório, personificando a luta entre as forças do mal e as do bem. Encomendar a alma a este santo era importante porque poderia diminuir o tempo que a alma passaria no purgatório, dirigindo-se mais rapidamente ao céu.
Outra devoção popular era a Nossa Senhora, de tal forma que estava presente no imaginário, nos sermões, nas preces, como titular das igrejas e capelas. A intercessão da Santa era pedida em todos os momentos da vida e na hora de encomendar a alma. Assim encontramos as devoções a N. Sra do Bom Parto, N. Sra do Leite, N. Sra das Graças, N Sra dos Remédios, N Sra da Ajuda e N. Sra da Boa Morte.
O ardor da fé é perceptível também nas determinações do testamentário quanto ao seu enterro: o local, o tipo e a cor da mortalha, o lugar do sepultamento, as missas para a própria alma. Muitas vezes determinavam até o padre e as pessoas que acompanhariam o cortejo fúnebre: “Meu corpo será sepultado dentro da Igreja Matriz desta Fregª, ou emoutra qualquer Capela mais visinha onde eu faleser, amortalhado em abito de S. Francisco, avendo-o, e não se podendo axar em um lensol, acompanhado plo Rdo Pároco, e os clérigos, q’na Fregª sepoderem ajuntar, a qm se dará a esmola costumada e todos dirão por mª alma Missa de Corpo prese, a qm se dará a esmola costumada e me farão um oficio de nove lisoins de corpo presente, e caso pr algum empedimento se não posa fazer de corpo presente, se fará logo no outro dia, ou terceiro, e caso eu falesa em outra pe onde aja maior Nº de clérigos, não exederá o nº de dês.”
            Na preocupação com o bem partir o fiel, no testamento, fazia a parte que lhe cabia garantindo os procedimentos necessários para a salvação da sua alma. No entanto, como tudo deveria ser providenciado após a sua morte contava para isso com a ajuda dos parentes e outras pessoas de confiança que fizessem cumprir suas últimas vontades. Pessoa importante era o testamenteiro, deveria ser de toda confiança para administrar honestamente a herança deixada pelo morto e para fazer cumprir as suas derradeiras vontades. Aquele que aceitasse ser testamenteiro era recompensado com um pagamento em rendas ou em espécie no valor que era antecipadamente estabelecido pelo moribundo. “Declaro q’nomeio pormeos Testamenteiros emprimo lugar ameu Irmão Manoel Gomes da Silva, em segundo lugar a Antonio Rodrigues da Costa, em terceiro lugar a João da Cunha e Souza (...)Declaro q’o testamenteiro q’aceitar onde eu falecer o constituo administrador dos meus bens em geral para administrar dispor cobrar, erremeter obrando tudo o que for precizo com todos os poderes gerais, e especiaes como baste procurador (...) e lhe deixo de premio pello seu trabalho sincoenta mil reis ...”

Entre as importantes recomendações deixadas pelos que estavam à morte estava a especificação do local a ser enterrado. Para nós hoje isso parece óbvio, mas naquele momento não, porque os cemitérios ainda não eram popularizados como hoje. As pessoas eram enterradas dentro das igrejas ou no terreno em volta destas. Em seu testamento Diogo Gomes Pereira pede para ser enterrado dentro da igreja matriz da freguesia em que mora o que evidencia que era uma pessoa de posição social privilegiada, uma vez que apenas as pessoas mais ricas eram enterradas dentro das igrejas  porque era preciso pagar por este direito, ou porque para ser enterrado na igreja matriz era necessário ser membro da Irmandade ligada aquela igreja e sendo a mais importante da cidade, estava restrita apenas às pessoas de melhor condição social. Os mais pobres e os escravos eram enterrados do lado de fora das igrejas, no adro.
Essa proximidade física entre mortos e vivos era desejada, pois quando os vivos fossem à igreja rezar, o cheiro dos mortos faria com que lembrassem que deveriam também orar para os que do mundo terreno partiam. Alguns achavam mesmo que o cheiro dos mortos era bom para os vivos, pois faria com que lembrassem também que o destino de todos era a morte.
Segundo os costumes do Brasil colonial a pessoa era enterrada diretamente na terra, embrulhada em um lençol e usando uma roupa própria para o momento da morte, a mortalha. Ainda nesse gesto deixava-se evidenciar a fé e o desejo de ser mais facilmente aceito no céu, já que era comum as pessoas pedirem para serem enterradas com o hábito de uma Ordem religiosa, com o hábito usado pelo santo de sua devoção ou com o da Irmandade religiosa a que pertencia. Os hábitos mais valorizados eram os de S. Francisco de Assis e de Nossa Senhora do Carmo, irmandades mais importantes da época. Acreditava-se que com esse gesto o santo intercederia pelo morto: “Meu corpo sera emvolto emhabito de Nossa Senhora do Carmo, e em falta delle em hú lençol, e sepultado onde mais comodamente no adro da Igreja, ou capella mais vizinha donde for meu falecimento.”
E ainda: “Meu corpo sera sepultado dentro da Igreja Matriz desta fregª, ou emoutra qualquer capela mais visinha onde eu faleser, amortalhado em abito de S. Farncisco, avendo-o, e não se podendo axar em um lensol, acompanhado plo Rdo Pároco, e os clérigos, q’na Fregª sepoderem ajuntar, a qm se dará a esmola costumada e todos dirão por mª alma Misa de Corpo prese, a qm se dará a esmola costumada e me farão um oficio de nove lisoins (...)
Na hora da morte a presença do padre era importante, vista como uma graça, para garantir que o doente receberia os últimos sacramentos: penitência, comunhão e a extrema-unção. Arrependido de seus pecados e em dia com os sacramentos o fiel aumentava as suas chances de salvação, estava preparado para o momento final.A morte e o seu cerimonial traduzem bem a idéia corrente na época, de que ninguém poderia esperar obter a salvação sozinho: além do padre faziam-se presentes a família, os amigos mais próximos e os confrades da Irmandade. Essas eram presenças ativas, rezavam “com fervor para que o moribundo se saísse vitorioso nos últimos embates com o demônio.”
Cabia também ao padre celebrar a missa de corpo presente e tantas outras que seriam celebradas em memória do morto nos dias seguintes ao enterro. O bem da alma estaria assegurado pelo número de missas encomendadas, cantadas, com vésperas e ladainhas e outras com oficio de nove lições .
Depois de rezar a missa de corpo presente o padre, juntamente com a família, acompanharia o cortejo até o local do enterro, sempre rezando e pedindo pela salvação do morto. A presença do padre, como representante oficial do sagrado aumentava a possibilidade da salvação, por isso, um maior número de sacerdotes era desejável.
Assim como encomendar missas, dar esmola também era garantia de boa partida. A esmola para os pobres e para a Igreja era demonstração de caridade, generosidade, mas também de gratidão porque ao dar o fiel estava reconhecendo e retribuindo a gratuidade e as bênçãos recebidas de Deus em sua vida. A boa ação fazia o homem justo e digno da salvação oferecida por Deus. Dava-se esmolas aos pobres e fazia-se doações à Igreja e às Irmandades: “Declaro q’ sou irmão da irmande do Ssmo desta Fregª a qm rogo me acompanhem meu corpo a sepultura, e lhe fasaó os sufrágios do compromisso. Declaro, q’ meu corpo será conduzido na tumba da Irmande das Almas, acompanhada da mma Irmande, a qm se dará a Esmola de Compromisso. Declaro, q’taóbem devo para as obras da Capela de N. Sra do Rosário, q’se faz no Arral desta Fregª a qtia de vinte mil reis ...”
Vemos, portanto, que os testamentos exprimem os vínculos com o grupo social e o papel que tinha o morto no seio da sua comunidade . Praticamente todas as pessoas, pobres e ricas, livres e escravas pertenciam a uma irmandade. Em Minas Gerais as irmandades tiveram singular importância, nelas é que se manifestava o espírito religioso da população já que tinha nas cerimônias do culto sua ocupação predileta. A religião era divertimento, através das grandes festividades que se multiplicavam o ano todo e era também convívio.Promotoras da vida religiosa as irmandades também se ocupavam de papéis originalmente destinados ao Estado, tais como a construção de templos e cemitérios.
As irmandades tinham ainda como objetivo a prestação de assistência social e securitária a seus filiados através de diversos tipos de benefícios: auxílio à velhice, doença, sepultamento, celebração de missas.Isso era importante porque as despesas com todas essas coisas eram altas e podiam ser quase impossíveis para as pessoas pobres.
As irmandades, de modo geral, estavam identificadas com os grupos étnicos e sociais: Irmandade do Santíssimo Sacramento, Almas, Ordens Terceiras do Carmo e São Francisco eram dos homens brancos e em geral ricos. Irmandade de N. Sra do Rosário, São Benedito, Santa Efigênia dos negros. Irmandade de N. Sra das Mercês dos mulatos.Assim somos levados a acreditar que o nosso testamentário Diogo era pessoa de boa situação porque era membro das Irmandades do Santíssimo Sacramento e das Santas Almas. Ao fazer doações à Irmandade de N. Sra do Rosário parece que estava não apenas fazendo uma boa ação, mas também mantendo, mesmo depois de morto, o seu lugar de prestígio na sociedade em que vivia.
No testamento a pessoa enumerava os bens que possuía, algumas vezes especificava a origem desses bens, ou seja, se eram herdados ou adquiridos com o próprio trabalho e ainda a atividade que desempenhava. “Declaro, q’ao fazer deste me tttº mandei o meu camarada da Tropa pª as geraes dispor uma carregam de molhados, o q’se xama José Rodrigues Santarém, e tenho no caminho do Mato do Rio de Janiero outro carregam de sal, e molhados, q’o mesmo camarada dirá o q’é.Declaro q’ devo varias dividas por créditos, assim nestas Minas, como no Rio de Janº  “
            Diogo Pereira era comerciante tropeiro, proprietário de uma tropa de mulas para o transporte de mercadorias. Esta se tornou a principal forma de transporte terrestre com a descoberta do ouro em Minas Gerais. Esses comerciantes traziam as mercadorias do litoral (Rio de Janeiro) para o interior, pelo Caminho Novo. As mercadorias eram adquiridas dos grandes comerciantes na capital, conhecidos também como “negociantes de grosso trato”, que importavam os produtos da Europa e com os quais o tropeiro, muitas vezes contraía dívidas para pagar depois da venda dos produtos no interior.
            Comerciantes volantes, os tropeiros transportavam nos lombos das mulas os secos e molhados, esses últimos eram os produtos comestíveis que vinham de Portugal para Minas, tais como: vinagre, vinho, azeite, bacalhau, queijo flamengo, manteiga de Flandres, sal, pêra seca, passas, nozes, etc.
            Pouco se sabe sobre as origens social e econômica dos tropeiros, mas há indícios de que o comércio de mulas proporcionou para alguns rendimentos de vulto, transformando tropeiros em “homens bons” ou “principais da terra”. 
            A vida do tropeiro era cercada de aventura já que passavam a vida percorrendo os caminhos montanhosos entre Minas e Rio de Janeiro que eram, na maioria das vezes, perigosos. Esses homens estavam constantemente expostos a assaltos, animais selvagens e outros imprevistos, por isso, havia entre eles o temor de morrerem longe de casa e não estarem sob a proteção de alguma instituição que lhes permitissem os ritos necessários à elevação da alma na hora da sua morte. 
            Arrumar a vida antes de morrer era sinal de dignidade, assim reconhecer as dívidas era relevante num testamento. Além disso, acreditava-se que se o morto estivesse devendo dinheiro a alguém  e não providenciasse o pagamento antes de morrer, o credor iria amaldiçoá-lo, o que faria com que sua alma demorasse mais no purgatório.
            Aliviar a consciência e evitar ir para o inferno implicava em pagar as dívidas, reconhecer as faltas cometidas, reparar erros e injustiças ou ainda reconhecer a gratidão. Buscando praticar o derradeiro ato de justiça antes de morrer, muitos garantiam no testamento a alforria de seus escravos. Não a todos, mas aquele ao qual se devia algum agradecimento ou reconhecimento, como podemos ver, por exemplo, no testamento de Manoel Gomes da Costa: “Declaro que deixo ao meu escravo por nome Manoel Mina, forro, em atenção aos bons serviços que me tem feito, Declaro que deixo ao meu escravo Manoel Mina Barbeiro cortado em trinta mil reis pelo tempo de quatro annos epeço ao meu testamenteiro vide algum favor p’may comodamente poder satisfazer a referida quantia.”
            O momento de preparar-se para morrer permitia ainda um retrospecto da vida em que se desnudavam as relações sociais e familiares que a tinham marcado  e por isso os testamentos refletem essa necessidade de repartir corretamente os bens, reconhecer publicamente os herdeiros e a legitimidade do direito de herança.“Declaro q’tenho meu Irmão Manoel Gomes da Silva nestas minas, e em Portugal na freguesia onde nasci hua Irmã Por nome Custodia da Silva cazada com Domingos Martins estes dous Irmãos instituo p’meus erdeiros.”
            Algumas vezes o testamento era também o momento de reconhecer parentescos e relações não assumidos ou não legalizados: “Declaro q’sou casado por carta d’ametade com Maria Mora, de quem tenho uma filha por nome Francisca, e como foi tida antes do meu resebimento se lhes fes o asento do bautismo por engeitada, mas na realidade é ma filha, e como tal minha legitima erdeira.”
            Antes de morrer Diogo Pereira se preocupa em reconhecer publicamente o seu casamento e a paternidade de sua filha Francisca  que foi registrada como enjeitada por ocasião do seu batismo, ou seja, nasceu antes do casamento e naquele momento não foi reconhecida pelo pai. Estava, portanto, numa situação de ilegitimidade.
            O casamento considerado legítimo era aquele realizado na Igreja, dava respeitabilidade e prestígio e por isso mesmo, entre as pessoas ricas era um acordo entre famílias. No entanto, os acordos matrimoniais nem sempre correspondiam aos desejos dos noivos, que às vezes tinham feito outras escolhas.  Nesses casos “se o casal conseguisse provar que a honra da mulher tinha sido atingida então a única solução para remediar a situação era a autorização para casar apesar da oposição paterna”
            A situação de ilegitimidade da filha e o fato de Diogo ter se casado por carta d’ametade  com Maria Moreira nos faz pensar  que possivelmente não havia o desejo por parte de uma das famílias com o casamento. Viver maritalmente antes do casamento, inclusive com o nascimento de uma filha, dava conhecimento público à relação. Essa foi muitas vezes uma estratégia utilizada pelos casais cujos esforços para casar tinham encontrado a oposição familiar.
            Nessas situações a Igreja, na maioria das vezes, tomava a posição de obrigar o casamento para salvar a honra da moça e embora tenha insistido sempre na moralização e respeito ao sacramento do matrimônio o concubinato era muito comum, em especial nos meios populares.

            Esse pequeno estudo quis destacar a riqueza dos testamentos registrados nos livros de óbitos que enquanto fontes eclesiásticas desvelam para nós não apenas as formas da organização institucional mas também a vivência religiosa, os ritos da vida privada, e ainda as relações familiares e sociais. A partir deles percebemos que a ordem das coisas visíveis partia também de compreensões do mundo invisível.  

CASAMENTO DO PLÍNIO E FERNANDA-01.

FREI PETRÔNIO, CARMELITA: Pensamento do dia.

FREI PETRÔNIO, CARMELITA: Pensamento do dia.

terça-feira, 21 de julho de 2015

A PALAVRA... Nº 940. As novas viúvas de Sarepta.

A EVANGELIZAÇÃO DO BRASIL COLONIAL[1]

(Primeira época)
   
            Oficialmente os primeiros portugueses chegaram no Brasil em 22 de abril de 1500 com a frota naval comandada por Pedro Álvares Cabral, que seguia para a Índia. O primeiro nome dado à terra encontrada foi: Ilha de Vera Cruz. Como viram que era muito maior do que uma ilha, rebatizaram com o nome de Terra de Santa Cruz. Só posteriormente passou a se chamar Brasil.
            Para a colonização, D. João III decidiu aplicar no Brasil o sistema de capitanias hereditárias, que era então a melhor forma de colonizar sem gastar e assegurar o território recém encontrado. Este sistema, se foi um sucesso na ilhas dos Açores e Cabo Verde, foi em geral um fracasso no Brasil. Por isso foi tomada a decisão de se criar um governo-geral com poderes centralizados em 1548. No ano seguinte chegou o primeiro governador, Tomé de Sousa, fundou a cidade de Salvador da Bahia e ali instalou a primeira capital brasileira em 1549.

            Devido ao Padroado, a Igreja no Brasil não tinha independência e autonomia durante o período colonial[2]. Após a independência (1822) o Padroado continuou em vigor até a proclamação da República (1889), quando se estabeleceu a separação definitiva entre Igreja e Estado no Brasil.
            Na prática o chefe da Igreja no Brasil não era o Papa e sim o rei de Portugal. Por isso “a implantação da Igreja no Brasil foi feita numa dependência direta da Coroa lusitana”[3]. Esta administrava a Igreja através da chamada “Mesa de Consciência e Ordens”[4].

            A primeira missa no Brasil foi celebrada em 26 de abril de 1500 pelo franciscano frei Henrique de Coimbra, mas efetivamente a catequese e a evangelização dos índios na Terra de Santa Cruz começou com a chegada de 6 jesuítas chefiados pelo Pe. Manuel da Nóbrega em 1549. Antes havia alguns padres e religiosos espalhados pelas povoações dando assistência aos colonos.
            Os jesuítas foram os mais dinâmicos e entusiasmados missionários do Brasil colonial. “No início, seu apostolado não divergia do que fizeram anteriormente outros padres e frades, isto é, batizavam crianças em perigo de morte e mesmo alguns adultos nas mesmas condições. Aos poucos prepararam, por meio de intérpretes, alguns adultos para o batismo. Usavam o mesmo sistema seguido pelos missionários do tempo, que consistia numa breve catequização, em que eram expostas as verdades fundamentais da fé: um Deus Criador e Senhor de todas as coisas, a queda do homem, a redenção por Jesus Cristo, a instituição da Igreja com os Sacramentos da salvação da nova aliança, a vida dos filhos de Deus, finalmente o Juízo universal, com o castigo dos maus e recompensa dos bons”[5].

            Os jesuítas logo se empenharam na evangelização dos índios utilizando todos os meios possíveis. “Começaram por aprender a língua do gentio, e em poucos meses já a falavam tão bem como o português. O padre Navarro principalmente pregava com tal desembaraço que aos próprios índios fazia maravilhas.
            E desde os primeiros tempos, no entusiasmo da sua temeridade, metendo-se pela aldeias, acariciando as crianças, fazendo brindes às mulheres, agradando aos velhos, socorrendo os enfermos, mostrando-se com todos invariavelmente afetuosos e leais, de modo a desmentir a fama de refalsados que os colonos tinham feito”[6]. O jesuíta Leonardo do Vale, grande conhecedor da língua tupi, escreveu o primeiro Vocabulário na Língua Tupi e depois Doutrina Cristã na Língua do Brasil.
            Em 1553 os jesuítas começaram com os aldeamentos dos índios em torno de um colégio. Foi assim que fundaram a cidade de São Paulo em 1554.
            O Pe. Luís da Grã, “como provincial promoveu os estudos da língua brasílica nos colégios, a catequese e os aldeamentos no Recôncavo baiano e em Piratininga (São Paulo)”[7]. “Aos poucos a estrutura colégio-aldeamento foi perdendo seu dinamismo e o colégio começou a atuar junto aos filhos dos moradores nas vilas e cidades, abandonando seu caráter missionário”[8].

            A catequese dos índios teve um lugar de destaque para os jesuítas. Foram muito criativos neste campo. Utilizaram cantos, teatro, escreveram catecismos adaptados à realidade e na língua dos indígenas. “Reproduziam os gestos e a música dos índios; e para industriar e animar os meninos, tocavam e até alguma vez dançavam com eles”[9].
            Não se esqueceram dos africanos. Por isso enviaram aos portos brasileiros jesuítas nascidos em Angola, portanto conhecedores da língua angola, para aí catequizarem os escravos que chegavam da África. O principal catequista de africanos foi o Pe. Pedro Dias. Ele aprendeu bem a língua angola e escreveu a obra Arte da Língua de Angola Oferecida à Virgem Senhora Nossa do Rosário, Mãe e Senhora dos Mesmos Pretos. É chamado de o “São Pedro Cláver do Brasil”.

            Foi entre os jesuítas que surgiram as primeiras vozes proféticas em defesa dos escravos. Os padres Miguel Garcia e Gonçalo Leite, professores do Colégio da Bahia, sustentaram a opinião de que nenhum escravo da África ou Brasil era justamente cativo. Recusavam-se a atender a confissão das pessoas que possuiam escravos, incluindo os próprios padres jesuítas do Colégio[10]. Os dois foram taxados de “inquietos” e mandados de volta para a Europa.

OUTROS RELIGIOSOS

CARMELITAS[11]. Chegaram no Brasil em 1580, fixando-se em Olinda. Depois fundaram conventos em: Salvador da Bahia (1586), Santos (1588), Rio de Janeiro (1590), São Paulo (1594), Paraíba (1606), São Cristóvão (1607), Angra dos Reis (1608), São Luís (1615), Belém do Pará (1624), Mogi das Cruzes (1629), Gurupá (1639), Alcântara (1647), Recife (1654), Goiana (1666), Rio Real (1680), Vitória (1680), Cabo de Santo Agostinho (1687), Cachoeira (1688). Em 1606 havia 99 carmelitas no Brasil; em 1635, perto de 200; em 1675, 246; e 466 em 1715.
            Inicialmente dedicaram-se ao trabalho com o povo das cidades. Só em 1694 foram encarregados de missionar os índios da Amazônia, mais precisamente nos rios Negro e Solimões. Naquelas regiões foram não só anunciadores do evangelho mas também defensores das fronteiras portuguesas, como demonstram os incidentes com o jesuíta Padre Samuel Fritz[12].

BENEDITINOS[13]. Chegaram em Salvador da Bahia em 1581. Depois fundaram  mosteiros no Rio de Janeiro (1585), Olinda (1590), Paraíba (1596) e São Paulo (1598). Por ser uma Ordem monástica, pouco fizeram em relação à evangelização dos índios.

FRANCISCANOS[14]. Estabeleceram-se definitivamente no Brasil em 1585. Antes disso alguns franciscanos trabalharam em terras brasileiras, mas individualmente e sem fazer uma verdadeira fundação. A primeira fundação de Olinda foi seguida pelas de: Salvador da Bahia (1587), Paraíba (1589) e Vila Velha (1591). Muito trabalharam na evangelização dos indígenas.

CARMELITAS DESCALÇOS. Chegaram no Brasil em 1615 e fixaram-se na Bahia e depois fundaram outro convento em Olinda. Tiveram algumas missões no rio São Francisco.

MERCEDÁRIOS. “Estabelecidos no Pará em 1640 e no Maranhão em 1664, pouco se deram à catequização dos índios. Fizeram algumas entradas entre os índios da Amazônia”[15].

CAPUCHINHOS FRANCESES. Chegaram no Brasil, pode-se dizer por acaso, porque em 1642 dirigiam-se para as missões de Guiné, mas foram aprisionados pelos holandeses e levados para Pernambuco. Após a expulsão dos holandeses[16], foram autorizados a permanecerem no país. “Foram os primeiros missionários no Brasil dependentes da S.C. de Propaganda Fide, chamados, por isso, missionários apostólicos”[17]. Além das missões populares entre os colonos, dedicaram-se com entusiasmo à evangelização dos indígenas, sobretudo no rio São Francisco.
            Em 1700 foram expulsos do Brasil por problemas políticos entre Portugal e França.

RELIGIOSAS. “Cedo tentou-se a fundação de mosteiros femininos no Brasil, mas houve resistência da Corte. Já nos inícios do século a Câmara do Salvador enviou uma petição ao Rei, para que autorizasse a fundação de mosteiros femininos na Bahia e Pernambuco. Examinado o pedido na Mesa de Consciência e Ordens, a 22/9/1603 foi indeferida a dita petição, alegando falta de mulheres suficientes no Brasil, sendo necessário mandar donzelas do Reino para aqui casarem e povoarem a terra. É sugerido que se providenciem Recolhimentos para donzelas órfãs e outras, a fim de prepará-las para o matrimônio. Nova tentativa da Câmara da Bahia em 1633, encontrou parecida resposta”[18]. Somente em 1669 foi autorizada a fundação de um mosteiro de franciscanas clarissas na Bahia.

            ESTRUTURA ECLESIÁSTICA

            A primeira diocese do Brasil foi a de São Salvador da Bahia, criada em 25 de fevereiro de 1551 pela bula Super specula militantis Ecclesiae de Júlio III[19]. Dom Pedro (ou Pero) Fernandes Sardinha foi o primeiro bispo.
            Novas dioceses só foram criadas 125 anos depois, ou seja, em 1676 quando o Papa Inocêncio XI criou as dioceses de Olinda e do Rio de Janeiro. No ano seguinte foi criada a diocese do Maranhão.
            Até a independência (1822) só foram criadas mais 3 dioceses: Belém do Pará (1719), Mariana e São Paulo (1745).




[1] R. AZZI, A Cristandade Colonial: um projeto autoritário, Paulinas, São Paulo 1987; CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, Paulinas-Vozes, São Paulo-Petrópolis 41992; A.L. FARINHA, A expansão da Fé na África e no Brasil, vol. I, Lisboa 1942; E. HOORNAERT, A Igreja no Brasil, in E. DUSSEL (org.), Historia liberationis: 500 anos de História da Igreja na América Latina, Ed. Paulinas, São Paulo 1992, pp. 297-317; ID., A Igreja no Brasil-Colônia [1550-1800], Brasiliense, São Paulo1982; S. LEITE, História da Companhia de Jesus no Brasil, 10 volumes, Livraria Portugalia e Civilização Brasileira, Lisboa-Rio de Janeiro 1938-1950; ID., Monumenta Brasiliae, Roma 1956; J. MARIA, O Catolicismo no Brasil, AGIR, Rio de Janeiro 1950; H. PIRES, Temas de História Eclesiástica do Brasil, São Paulo 1946; F. ROCHA POMBO, História do Brasil,  Melhoramentos, São Paulo 81958; A. RUBERT, A Igreja no Brasil, em 4 volumes, Ed. Pallotti, Santa Maria 1981-1993; P. F. da SILVEIRA CAMARGO, História Eclesiástica do Brasil, Vozes, Petrópolis 1955.
[2] Devido ao Padroado os soberanos de Portugal e Espanha tinham “plena autoridade sobre a Igreja no território das missões. Os direitos do Estado podem ser resumidos nestes pontos: 1) Nomeação para todos os benefícios. 2) Admissão ou exclusão de missionários confiada ao arbítrio soberano, e com a condição, de qualquer modo, de que eles partissem sobretudo de Lisboa, de Sevilha e de Cádiz. Os missionários, portanto, não podiam partir sem a autorização régia; ora, os portugueses não viam com muito boa vontade a afluência de missionários estrangeiros, tolerados mais facilmente pelos espanhóis (na América Latina, no séc. XVIII, os missionários jesuítas eram 75 por cento alemães). 3) Controle sobre todos os negócios eclesiásticos, com exclusão de qualquer outra autoridade: os missionários podiam se dirigir a Roma somente por meio do governo, e a congregação de Propaganda jamais teve autoridade alguma nas colônias portuguesas e espanholas. A esses direitos correspondiam, evidentemente, deveres, ou seja: 1) Escolha e envio dos missionários. ... 2) Prover a todas as despesas do culto, ao sustento e às viagens dos missionários, do bispo ao último sacristão; cuidar da ereção, da manutenção e da restauração dos edifícios de culto” (G. MARTINA, História da Igreja de Lutero aos nossos dias, vol. 1, São Paulo 1996, 310) Sobre o Padroado: R. AZZI, A instituição eclesiástica durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 160-169; J. DORNAS FILHO, O Padroado e a Igreja no Brasil, São Paulo 1938; C. MENDES DE ALMEIDA, Direito do Padroado no Brasil, Rio de Janeiro 1858.
[3] R. AZZI, A Cristandade Colonial: um projeto autoritário, São Paulo 1987, 24.
[4] A Mesa da Consciência e Ordens foi a instituição portuguesa dos assuntos religiosos. Era uma espécie de ministério do culto. Começou a funcionar em 1532. Tinha um tribunal próprio e dava parecer ao rei sobre resgates de cativos, paróquias, capelas, hospitais, ordens religiosas, cargos eclesiásticos, universidades, etc. As questões coloniais eram da competência do Conselho Ultramarino.
[5] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. I, Santa Maria 1983, 154.
[6] F. ROCHA POMBO, História do Brasil,  São Paulo 1958, 81.
[7] E. HOORNAERT, A Evangelização do Brasil durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 51.
[8] E. HOORNAERT, A Evangelização do Brasil durante a primeira época colonial, in CEHILA, História da Igreja no Brasil, tomo II/1, 51.
[9] S. LEITE, História da Companhia, vol. II, 102.
[10] Em 1583 o P. Miguel escrevia ao seu superior geral Pe. Aquaviva: A multidão dos escravos, que tem a Companhia nesta Província, particularmente neste Colégio [da Baía], é coisa que de maneira nenhuma posso tragar, maxime, por não poder entrar no meu entendimento serem licitamente havidos. ... E dos da terra, entre certos e duvidosos, é tão grande o número, que a mim me enfada; e com estas coisas e com ver os perigos da consciência in multis, nesta terra, alguma vez me passou por pensamento que seguramente serviria a Deus e me salvaria in saeculo que em Província, onde vejo as coisas que vejo (Citado por S. LEITE, História da Companhia, vol. II, 227-228).
[11] Sobre as missões carmelitas no Brasil, ver: A. PRAT, Notas históricas sobre as missões carmelitas no extremo norte do Brasil (séculos XVII-XVIII), 2 vol., Recife 1941-1942; M. WERMERS, O Estabelecimento das Missões Carmelitas no Rio Negro e no Solimões (1695-1711), in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. II, Coimbra 1965, E. HOORNAERT, As missões carmelitanas na Amazônia, in E. HOORNAERT (org.), Das reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, São Paulo 1982, 161-174; J.R.F. de CARVALHO, Presença e permanência da Ordem do Carmo no Solimões e no Rio Negro no século XVIII, in E. HOORNAERT (org.), Das reduções latino-americanas às lutas indígenas atuais, São Paulo 1982, 175-190.
[12] Cf. M. WERMERS, O Estabelecimento das Missões Carmelitas no Rio Negro e no Solimões (1695-1711), in Actas do V Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, vol. II, Coimbra 1965.
[13] Sobre os beneditinos: J.G. LUNA, Os monges beneditinos no Brasil, Rio de Janeiro 1947.
[14] Sobre os franciscanos: V. WILLEKE, Missões Franciscanas no Brasil (1500-1975), Petrópolis 1974; B. RÖWER, Páginas de história fanciscana no Brasil, Petrópolis 21957; ID., A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, Petrópolis 1922.
[15] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 141.
[16] Os holandeses fizeram algumas tentativas de se estabelecerem no Brasil. A primeira foi em 1624 na Bahia. Só durou um ano. A segunda e a mais importante foi a realizada em Pernambuco em1630. Foram expulsos em 1654. É deste período (1645) o gupo de mártires brasileiros beatificados por João Paulo II em 5/3/2000. O martírio foi provocado pelos calvinistas holandeses.
[17] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 269.
[18] A. RUBERT A Igreja no Brasil, vol. II, Santa Maria 1983, 272.
[19] America Pontificia primi saeculi evangelizationis  (1493-1592), Città del Vaticano 1991, 635.