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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

A SANTIDADE REVOLUCIONÁRIA DE SANTA TERESINHA (1873-1897)

Frei Gabriel O.Carm. Convento do Carmo, Mogi das Cruzes-SP.

            Mês de outubro, Mês das Missões. Sem ter saído do Convento, Santa Teresinha foi proclamada Padroeira das Missões pelo Papa Pio XI no dia 14 de dezembro de 1927. Portanto ser missionário não é diretamente uma questão de ultrapassar fronteiras, mas sim uma questão de muito amor.
            A santidade vivida e pregada por Teresinha gerou uma verdadeira revolução na Igreja e não é exagerado afirmar que ela preparou o terreno para a teologia que veio à luz no Concílio Vaticano II. Nem é de estranhar que várias Conferências Episcopais - e entre elas a do Brasil - tenham pedido ao Papa para conceder-lhe o título de Doutora da Igreja.
            Qual é então esta Santidade Revolucionária que cativa tanta gente? Basta lembrar as inúmeras igrejas a ela dedicadas, as pessoas numerosas que trazem o seu nome, as Ordens e Congregações que vivem o seu carisma, os últimos papas com bispos, padres e seminaristas que demonstraram e demonstram singular devoção para com ela.
            Neste artigo quero apresentar três pontos sobre a Santidade Revolucionária proclamada por Teresinha.
             1. A santidade não consiste na ausência total de falhas e pecados, mas na total confiança e entrega nas mãos de Deus. Santa Teresinha discorda resolutamente da idéia: santidade = perfeição.
Não se trata, portanto, de ser mais puro, mais bonito, mais irrepreensível e sim de crescer na confiança.
            Não será problema ter um certo número de falhas e erros, se prevalecer o pensamento de que Deus é Amor Infinito, que nos dá todo o direito de confiarmos nele. Não se acentua mais a pessoa humana, mas o próprio Deus. Não diga: "Eu quero tornar-me santo", mas "Como sois bom, Senhor!" Em vez de exigências, a santidade agora torna-se dom. Não sou Eu quem me devo tornar virtuoso, mas "posso eu confiar em Deus".
            2. Não se exige um aparato especial para se tornar santo. Nenhuma vontade férrea, nenhum bom caráter, nenhuma coragem extraordinária. O objetivo já não é tornar-se grande, mas pequeno; não é tornar-se rico, mas pobre. O fato de que a Igreja  privilegia hoje os pobres provavelmente tem ligação com a descoberta de Santa Teresinha. Quanto a Deus são evidentes esta escolha e opção, pois "Derrubou os poderosos dos seus tronos e no alto colocou os humildes. Cumulou de bens os que passavam fome e mandou embora os ricos com as mãos vazias" (Lc 1,52-53).
            O principal já não é mais ter êxitos, mas sim aceitar as próprias fraquezas e incapacidades que se revelam na frustração, e até alegrar-se com elas. O que antigamente era obstáculo torna-se agora um meio, um impulso para frente. É preciso aceitar a própria miséria e estar aberto para Deus a fim de atrair a sua Misericórdia.
            3. A santidade não exige mais uma ascese extraordinária. Santa Teresinha rompe com a tradicional concepção de ascese: sabe que as penitências não ajudam tanto assim. Santa Teresa de Ávila (1515-1582) escrevia com entusiasmo sobre um dos seus confessores, provavelmente o dominicano Garcia de Toledo, contando que era uma pessoa fraca e doente que recebia do Senhor a necessária força física para fazer penitências. Hoje não dá para pensar que Teresinha poderia escrever tal coisa. Ela sabia que não é importante que se tenha força suficiente para fazer penitências. Ela aponta diretamente para o essencial. Em vez de correr o risco de tornar-se grande através de dura penitência física apresenta-se agora o trabalho de renunciar à vontade própria. E isto se faz de maneira eficiente quando se aproveita das mil ocasiões que a vida de cada dia nos oferece: não é cobrando os seus próprios direitos, mas colocando-se a serviço dos irmãos através de milhares de pequenos gestos. "Pai, Senhor dos céus e da terra, eu vos agradeço porque escondestes estas coisas aos orgulhosos e as revelastes aos pequeninos", disse Jesus (cf. Lc 10,21).

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 172: São Benedito.


A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO, Nº 171: São Francisco de Assis.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

VÍDEO DO DIA: Programa, “A Palavra do Frei Petrônio”, Nº 168. Tema: Santa Teresinha.


SANTA TERESINHA: "MINHA VOCAÇÃO É O AMOR"

Por Frei Gianfranco Maria, Tuveri O.Carm.

            Durante este ano muito se há de falar sobre Santa Teresinha do Menino Jesus. Um pouco por toda parte preparam-se celebrações numerosas, pelo mundo afora, para festejar o Centenário da sua morte acontecida no dia 30 de setembro de 1897. Teresa do Menino Jesus, na história deste século, mas sobretudo no coração de tantas pessoas de todas as classes, é tão importante que seria injusto não celebrar esta Centenário. Tais celebrações e iniciativas procurarão pesquisar toda a riqueza da personalidade e da mensagem da Santa de Lisieux.
            Com muita simplicidade apresento aqui um apanhado da sua vida e da sua mensagem, recorrendo à leitura de um texto redigido há cem anos e que conserva intactas toda a sua força e sua luz, um cimo culminante da literatura cristã de todos os tempos, cuja ponta é a expressão: "A minha vocação é o Amor!"

1. Uma vida sob o signo do Amor

            "A minha vocação é o amor!" Não é o clarão rápido de uma estrela, que desliza pela noite, mas o final lúcido de uma vida inteira, profundamente marcada pelo selo do amor. Com toques rápidos iremos relembrar algumas passagens da vida de Teresa, como a "Subida da Montanha do Amor".
            Desde a sua chegada a este mundo, Teresa foi cercada de um amor assinalado pela maior ternura. Ela própria o reconhece: "Toda a minha vida o Bom Deus teve o prazer de cercar-me de amor: as minhas primeiras lembranças estão repletas de sorrisos e das mais ternas carícias! Mas se colocou junto a mim muito amor, Ele pôs também no meu coração muito amor, fazendo-o amoroso e sensível e, por isso, eu amava demais a Papai e Mamãe e lhes testemunhava a minha ternura de mil maneiras, pois eu era muito expansiva".
            O dia da sua Primeira Comunhão é um dia de inesquecível amor. Sobre este dia escreverá: "Oh! Como foi doce o primeiro beijo de Jesus à minha alma! Foi um beijo de amor: sentia-me amada e dizia por minha vez: «Amo-vos e entrego-me a vós para sempre». Não houve pedidos, não houve lutas, não houve sacrifícios. Há muito tempo Jesus e a pobre Teresa haviam-se entreolhado e se haviam entendido... Naquele dia já não era mais um entreolhar-se e sim uma fusão, não eram mais dois: Teresa desaparecera como a gota d' água que se perde no seio do oceano".
            Pelo Natal de 1886, Teresa experimentou a força transformante do Amor divino. Eis como ela fala a respeito desta graça: "Num instante o trabalho, que não consegui fazer durante dez anos, Jesus o fez, contentando-se com a minha boa vontade, que nunca me faltou. Como os seus Apóstolos eu podia dizer-lhe: «Senhor, pesquei durante toda a noite e não peguei nada». Mostrando-se mais misericordioso para comigo do que para com os seus discípulos, Jesus mesmo apanhou a rede, lançou-a e a retirou cheia de peixes. Ele fez de mim «pescador de almas», senti um grande desejo de trabalhar na conversão dos pecadores, desejo que não tinha sentido antes tão vivamente. Senti, numa palavra, a caridade entrar no meu coração, a necessidade de esquecer-me de mim mesma para dar prazer, e desde esta hora fui feliz!..."
            No Carmelo, é sobretudo ao pé da cruz que Teresa prossegue na "Subida da Montanha do Amor". A sua correspondência com Celina durante o seu tempo de noviciado traz ressonâncias da dolorosa provação da doença do seu pai e, ao mesmo tempo, ressonâncias do crescimento da sua sede de amor. Qualquer uma das passagens das suas cartas estão inflamadas de amor. Citemos um texto apenas, uma passagem da carta de 15 de outubro de 1889: "Façamos da nossa vida um sacrifício contínuo, um martírio de amor, para consolar Jesus; ele não quer senão um olhar, um suspiro, mas um olhar, um suspiro, que sejam somente para ele! Que todos os instantes da nossa vida sejam somente para ele, que as criaturas não toquem em nós a não ser de passagem... Durante a noite não há nada a fazer senão uma só coisa, na única noite da vida que não virá a não ser uma só vez: e é amar, amar Jesus com todas as forças do nosso coração e salvar almas para ele, para que ele seja amado".
            No seu último retiro, de 7 a 18 de setembro de 1896, Teresa escreve o Manuscrito B. A 8 de setembro, ela comemora na solidão o sexto aniversário do dia em que professou. Parece-me importante ler uma passagem da oração que ela compôs no dia da sua profissão  e foi escrita num bilhete que ela trazia sempre sobre o coração: "Ó Jesus, meu Divino Esposo! Que nunca eu perca a segunda veste do meu batismo. Arrebata-me antes que eu cometa a mais leve falta voluntária. Que não procure e não encontre nunca senão a ti somente; que as criaturas não sejam nada para mim e eu não seja nada para elas, mas tu, Jesus, sejas tudo!... Que as coisas da terra nunca possam perturbar a minha alma, nada perturbe a minha paz; Jesus, eu não te peço senão a paz, e também o amor, o amor infinito, sem outro limite além de ti, o amor que já não seja mais eu mesma e sim tu, meu Jesus!"
            Os anos, em que Paulina foi Priora, foram um período de desabrochamento espiritual e humano para Teresa. "Ó minha Mãe! Foi sobretudo desde o dia abençoado da vossa eleição que eu voei pelos caminhos do amor!"
            Em 1893, Teresa escreveu novamente cartas ardentes de amor à sua irmã Celina: "O meu Diretor, que é Jesus, não me ensina a contabilizar os meus atos; ele me ensina a fazer tudo por amor, a não lhe recusar nada, a estar satisfeita quando me oferece uma ocasião de provar-lhe que eu o amo; mas é na paz, no abandono que isto acontece: é Jesus quem faz tudo e por mim eu não faço nada".
            E em 1895, no Manuscrito A, é assim que Teresa fala dos seus desejos: "Agora não tenho mais nenhum desejo, a não ser o de amar Jesus até à loucura..." Foi no Priorato da sua irmã Paulina e com a permissão dela que Teresa pronunciou o "Ato de Consagração ao Amor Misericordioso". É nos seguintes termos que ela fala a respeito, alguns meses mais tarde: "Este ano, no dia 9 de junho, Festa da Santíssima Trindade, recebi a graça de compreender mais do que nuca quanto Jesus deseja ser amado. Eu pensava nas almas, que se oferecem como vítimas à Justiça de Deus, a fim de desviar, atraindo sobre si, os castigos reservados aos culpados; esta oferta parecia-me grande e generosa, mas eu estava longe de me sentir levada a fazê-la. «Ó meu Deus!» - clamei do fundo do meu coração - «não existirá nada mais do que a vossa Justiça para receber almas que se imolem como vítimas? O vosso Amor Misericordioso não tem ele também necessidade delas?... Por todas as partes ele é desconhecido, rejeitado; os corações, dentro dos quais vós quereis derramá-lo prodigamente, voltam-se para as criaturas, mendigando-lhes a felicidade com a sua mísera afeição, em lugar de se lançarem nos vossos braços e aceitarem o vosso Amor infinito... Oh! Meu Deus! O vosso Amor desprezado vai permanecer só no vosso Coração? Acho que se encontrásseis almas que se oferecessem a vós como Vítimas de holocausto ao vosso Amor, haveríeis de consumi-las rapidamente, acho que ficaríeis feliz a ponto de não poderdes absolutamente reprimir as ondas de ternuras infinitas que em vós se encontram. Se a vossa Justiça gosta de descarregar-se, ela que não se estende a não ser sobre a terra, quanto mais o vosso Amor Misericordioso está desejoso de abrasar as almas, visto que a vossa Misericórdia se eleva até os Céus. Oh! Meu Jesus! Seja eu esta vítima feliz, consumi o vosso holocausto com o fogo do vosso Divino Amor!».
            Minha Mãe querida, vós que me haveis concedido a licença de assim oferecer-me ao Bom Deus, sabeis dos rios, ou antes, dos oceanos de graças que vieram inundar a minha alma... Ah! Depois daquele dia feliz, parece-me que o Amor me penetra e me envolve, parece-me que a cada instante este Amor Misericordioso me renova, purifica a minha alma e nela não deixa traço nenhum de pecado de tal modo que não posso ter medo do purgatório. Sei que por mim mesma não mereceria nem sequer entrar neste lugar de expiação, visto que somente as almas santas podem ter acesso a ele, mas também sei que o Fogo do Amor é mais santificador que o do purgatório, sei que Jesus não pode desejar para nós sofrimentos inúteis e me não inspiraria os desejos que sinto, se não quisesse realizá-los".
            O Ato de Consagração ao Amor Misericordioso é uma forma diversa, implícita ainda, mas não menos expressiva, da descoberta do mês de setembro de 1896: "A minha vocação é o Amor". Aí encontramos, de um lado, os mesmos desejos infinitos; de outro lado, o reconhecimento da pequenez e da impotência, o ato de se apropriar de todos os merecimentos de todos os santos do céu e da terra, o ato de esperança em Deus, que o suscita e lhe dá a segurança de que será atendida. Encontramos aí também a coexistência da possibilidade da experiência do pecado junto à confiança de que bastará um só Olhar do Bem-Amado para que seja transformada em Deus.
            Podemos repassar brevemente o itinerário deste Ato. Teresa começa por falar dos seus desejos infinitos, que não são eliminados pela experiência dos seus limites, mas confirmados pela certeza de que é o próprio Deus quem os suscitou. Então já não fala mais de desejos; baseando-se sobre a ação de Deus, ela daí em diante vai falar de esperança. O amor infinito de Deus não é mais um desejo, mas uma esperança: o que é uma virtude teologal, sinal da ação de Deus na alma, antes de ser movimentação da alma para Deus. Da esperança ela passa enfim para o ato de oferecimento, para a ação, para a expressão de uma vontade que se faz inteiro acolhimento da vontade de Amor de Deus, vontade que a ela se manifestou: "«Quero revestir-me de Jesus Cristo», de sua Justiça e de seu Amor. Não quero nada mais além de vós". E enfim o quer para sempre. É a conclusão do seu Ato de Oferecimento: "Quero renovar este Oferecimento um número infinito de vezes", por toda a extensão do tempo e pelo depois do tempo, pela eternidade. Teresa não quer sair mais deste Amor. É verdade que o Ato, ainda que repetido, é limitado no tempo e no espaço. Mas o Amor que ele encerra é eterno; como Oferecimento ao Amor Infinito este Ato é prelúdio e posse da Eternidade.

2-O Manuscrito B

            O Manuscrito B compõe-se de 5 fólios recobertos, na frente e no verso, por uma escrita fina, muito apertada. É à sua irmã Maria do Sagrado Coração que devemos este escrito, como por outro lado o Manuscrito A, coletânea das recordações da infância, foi dedicado à sua irmã Paulina. A Irmã Maria deve muitas vezes ter pedido oralmente a sua irmã (Teresa) para deixar-lhe por escrito algo da seu "pequenino caminho" de confiança e de amor. Quando Teresa está fazendo o seu retiro pessoal, a Irmã Maria lembra-lhe este pedido por meio de um bilhete, que lhe envia no dia 13 de setembro. Nele a Irmã Maria transmite-lhe que alcançou da Madre Priora não somente a licença de lhe escrever, mas também a de Teresa mandar-lhe a resposta. Teresa redige rapidamente o que será chamado Manuscrito B, composto de duas partes: a primeira traz a data de setembro de 1896 (sem o dia), e a segunda foi (pós-) datada de 8 de setembro do mesmo ano (data da profissão).
            Associadas estreitamente a este "tesouro", duas cartas datadas de 17 de setembro seguinte iluminam o Manuscrito B. A primeira apresenta a reação maravilhada de Maria diante da leitura destas páginas, exprimindo a sua alegria, mas também o seu pesar. Do mesmo dia é a resposta de Teresa.

2.1 A Carta de introdução

            Teresa acolhe com alegria este pedido que lhe permite falar sobre o Amor, a Ciência do Amor. Tal expressão, palavra de Nosso Senhor a Santa Margarida Maria, encontra-se num livro da época conservado no Carmelo, do qual Teresa se serviu.
            Esta ciência não se encontra nos livros, encontra-se na sua fonte que é Deus. Somente Jesus comunicou-a à sua esposa. Esta ciência não se adquire por meio de grandes obras, mas unicamente pelo abandono e pela gratidão. Está aí a misteriosa escolha da Misericórdia de Deus, que faz o Coração de Jesus exultar de alegria: "Eu vos bendigo, Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondestes isto aos sábios e entendidos e o revelastes aos pequeninos" (Mt 11,25//Lc 10,21). É neste desígnio divino que Teresa reconhece a sua graça: "Porque eu era pequena e fraca, ele se inclinava sobre mim, instruía-me em segredo sobre coisas do seu amor. Ah! Se os sábios, tendo passado a vida nos estudos, viessem interrogar-me, sem dúvida teriam ficado admirados ao ver uma  criança  de  quatorze  anos  compreender  os  segredos  da perfeição, segredos que toda a ciência deles não lhes foi capaz de  revelar, pois  para  possuí-los  é  necessário ser  pobre de espírito!"
            Teresa vai então responder à pergunta de Maria,  concretamente, falando sobre dois assuntos: o sonho, que Maria já deve conhecer, e a pequena doutrina, da qual Teresa vivia e que, em particular, comunicava às suas noviças, há mais de três anos, estando encarregada do acompanhamento delas.
            Teresa fala do profundo do seu coração estabelecido numa calma e paz profundas, apesar das trevas densas que a rodeiam, às quais faz alusão no início da sua carta: "Não creiais que eu esteja nadando em consolações, - oh não! - a minha consolação é a de não ter nenhuma sobre a terra". Sem dúvida, ela usa de expressões que a Maria poderão parecer exageradas: que Maria não se engane; elas não são exageradas, exprimem a realidade do Amor infinito, que está nela, Amor infinito como o fogo do Espírito Santo.
            Para melhor se expressar sobre estas coisas, Teresa não se dirigirá mais a Maria, vai dirigir-se diretamente a Jesus numa oração ardente. Trata-se de um movimento natural, pois Teresa não vai fazer um discurso abstrato, vai lembrar a Jesus com gratidão o louco amor, do qual pela sua parte é ela o objeto, este amor que arde dentro dela: esta labareda de amor não pode ser nem considerada nem atingida a não ser na oração, que em Teresa nada mais é do que amor. Não há nenhum outro caminho para se chegar ao Amor senão o Amor: é para este caminho que Teresa quer arrastar Maria, sua irmã, e todos nós.

2.2 A oração de 8 de setembro

            Esta longa oração, que é o facho de luz do Manuscrito B, é a obra-prima de Teresa, uma das jóias mais belas da literatura cristã. Compõe-se de duas partes, o sonho de 10 de maio e a doutrina da pequenina via. A passagem de uma para a outra é também a passagem do "vós" para o "tu". Passagem que marca uma intensificação de comunhão com Jesus, um crescendo do amor, que se traduz na materialidade da escrita. Na leitura do autógrafo de Teresa podemos constatar a transformação da escrita, em particular, quanto às letras, que evidentemente se engrandecem quando chegamos ao coração desta prece, onde fala sobre a descoberta da sua vocação: "A minha vocação é o Amor".
            Esta passagem do "vós" para o "tu" é o sinal de que Teresa, mais do que nunca, se sente dona de si nesta oração. O "vós" era obrigatório segundo o uso da época. Mas nas suas poesias e nos seus textos mais pessoais, como o bilhete de sua profissão, é o "tu" que prevalece. De um modo espontâneo Teresa tratava a Jesus de "tu" na sua oração. O uso de "tu" neste texto o diferencia claramente dos outros, onde ela sempre usa o "vós".
            É caracterizada pelo amor esta oração do Manuscrito B, um amor cheio de audácia, um amor que não tem outro objeto senão a Pessoa de Jesus, pois é dele que ela recebe o amor. "Duma parte ela sempre pede a Jesus o dom do seu amor, mas ao mesmo tempo este amor é por ela recebido, por ela possuído, ela o diz muitas vezes apaixonadamente... Ousa declarar seu amor a todo instante, dizendo a Jesus "Eu te amo", "Meu Bem-Amado", "Meu único Amor", "Tu a quem amo unicamente" etc. Este ato de amor, este "Eu te amo" é profundeza de toda a prece de Teresa".
            No seu "Porque te amo, ó Maria" Teresa dirá as razões do seu amor por Maria. "Na sua oração a Jesus, a teologia de Teresa vai além: tudo se detém num puro e simples "Eu te amo", sem que seja necessário descer ao "Porque te amo" nem ao expor as razões do amor".

2.3 O sonho

            Teresa, em sonho, vê três carmelitas. Numa delas Teresa reconhece a Venerável Madre Ana de Jesus, que a toma debaixo do seu véu e lhe mostra o seu rosto celestial iluminado por uma luz inefável. "Vendo-me tão ternamente amada, tive a coragem de pronunciar estas palavras: «Ó minha Mãe! Eu vos suplico, dizei-me se o Bom Deus me deixará por muito tempo na terra!... Ele virá buscar-me logo?...» Sorrindo com ternura, a Santa murmurou: «Sim! logo, logo... Eu vo-lo prometo» - «Minha Mãe - acrescentei eu - dizei-me ainda se o Bom Deus não me está pedindo algo mais do que as minhas pobres açõezinhas e os meus desejos. Ele está contente comigo?» As feições da Santa tomou um expressão incomparavelmente mais carinhosa do que da primeira vez que me havia falado. O seu olhar e as suas carícias eram a mais doce das respostas. Contudo me disse: «o Bom Deus não exige de vós nenhuma outra coisa. Ele está contente, muito contente!...» Após ter-me acariciado com muito amor mais do que o tenha feito alguma vez ao seu filhinho a mais terna das mães, eu a vi afastar-se..."
            No sorriso e no gesto da Madre Ana de Jesus há uma superposição teologicamente exata entre o sorriso de Maria e o sorriso da Igreja do Céu. Nos dias da infância de Teresa, Maria tinha vindo sorrir-lhe e curou-a da sua misteriosa doença. Nos dias da sua paixão, da sua noite na provação de uma nova doença associada às tentações contra a fé, a Igreja do Céu vem sorrir-lhe e encorajá-la na sua caminhada, dando-lhe a consoladora segurança de que Deus está muito contente com ela.
            O Céu, objeto das tenebrosas tentações contra a fé, ilumina-se de amor. Teresa compreende assim que o amor dos habitantes do Céu é muito grande, compreende que é amada mais do que poderia pensar;  a  revelação  deste amor  faz  com que o seu coração se derreta de amor. Vem a conclusão desta primeira parte: "Oh Jesus! A tempestade não trovejava ainda, o céu estava calmo e sereno... Eu cria, sentia que existe um Céu e que este Céu está povoado de almas que me querem bem, que olham para mim como sua filhinha..."

2.4 A pequena doutrina: Os desejos infinitos

            A segunda parte desta oração introduz-nos na exposição da sua pequena doutrina, sob o tema dos seus grandes desejos: "Oh meu  Bem-Amado!  Esta graça não era mais do que o prelúdio da graças maiores, com que tu querias cumular-me: deixa-me, meu Amor único, relembrá-las a ti hoje... hoje o sexto aniversário da nossa união. Ah! Perdoa-me, Jesus, se falo desarrazoadamente ao querer redizer os meus desejos, as minhas esperanças, que tocam ao infinito; perdoa-me e cura a minha alma, concedendo-lhe o que ela está esperando!"
            A palavra "infinito", censurada pelo teólogo, no seu Ato de Consagração ao Amor Misericordioso, retorna aqui com toda força. No que vem depois Teresa ainda se esforçará por utilizar outras expressões, como "desejos maiores que o universo"; consideramos como um esforço para exprimir com outras palavras as realidades do seu coração, que somente a palavra "infinito" podia satisfazer.
            O outro termo que Teresa utiliza para exprimir o caráter extremo destas realidades é a palavra "loucura", loucura de Teresa e loucura de Jesus: "Ó meu Jesus! a todas estas minhas loucuras que é que tu vais responder?... Haverá uma alma menor, mais impotente que a minha!... Contudo, por causa mesmo da minha fraqueza, tu te comprouveste, Senhor, em realizar os meus desejinhos infantis, e hoje queres satisfazer a outros desejos maiores do que o universo..." E mais adiante: "Ó Jesus, deixa-me dizer-te que o teu amor vai até à loucura..."
            "Assim os desejos infinitos de Teresa, fundamentalmente, não são nada mais do que o multiforme desejo de amar Jesus totalmente, infinitamente. Nós o vimos, era a oração de Teresa no dia 8 de setembro de 1890, dia da sua Profissão. Seis anos mais tarde, esta louca oração foi atendida ao pé da letra; para darmos conta disto é preciso considerar agora a extraordinária descrição que Teresa faz deste desejo de amar Jesus de todas as maneiras possíveis".
            Leiamos agora este texto admirável que todo mundo conhece: "Ser tua esposa, ó Jesus, ser carmelita, ser pela minha união contigo, mãe das almas, deveria ser suficiente para mim... não é assim, porém... Sem dúvida, estes três privilégios bem que são a minha vocação, Carmelita, Esposa e Mãe, contudo sinto em mim outras vocações, sinto-me a vocação de Guerreiro, de Padre, de Apóstolo, de Doutor, de Mártir, enfim, sinto a necessidade, o desejo de executar por ti, Jesus, todas as obras mais heróicas... Sinto na minha alma a coragem de um Cruzado, de um Zuavo Pontifício, quereria morrer no campo de batalha pela defesa da Igreja. Sinto em mim a vocação de Sacerdote: com que amor, ó Jesus, eu te carregaria nas minhas mãos, quando, à minha voz, tu descesses do Céu. Com que amor dar-te-ia às almas!... Mas - pobre de mim! - por mais que deseje ser Padre, admiro e invejo a humildade de São Francisco de Assis e sinto em mim a vocação de imitá-lo, recusando a sublime dignidade do Sacerdócio.
            Oh!  Jesus!  Meu amor,  minha vida...  como aliar estes contrastes? Como realizar os desejos da minha pobre pequenina alma? Ah! Apesar da minha pequenez, eu gostaria de iluminar as almas como os Profetas, os Doutores, tenho a vocação de ser Apóstolo... gostaria de percorrer a terra, pregar o teu nome e plantar no chão infiel a tua Cruz gloriosa, mas, ó meu Bem-Amado, uma missão sozinha não me seria suficiente, eu quereria num mesmo tempo anunciar o Evangelho nas cinco partes do mundo e até às ilhas mais afastadas. Eu quereria ser missionária não apenas durante alguns anos, mas quereria tê-lo sido desde a criação do mundo e o ser até à consumação dos séculos... Mas eu quereria acima de tudo, ó meu Bem-Amado Salvador, quereria derramar o meu sangue por ti até à última gota... O Martírio, eis o sonho da minha juventude, sonho que veio crescendo comigo sob os claustros do Carmelo...  Mas  ainda    eu  sinto  que  o  meu sonho é uma loucura, pois não conseguiria limitar-me a desejar um gênero único de martírio. Para satisfazer-me precisaria de todos... Como tu, meu Esposo Adorado, eu quereria ser flagelada e crucificada. Quereria morrer esfolada como São Bartolomeu. Como São João (Evangelista) eu quereria ser mergulhada no óleo fervendo, eu quereria sofrer todos os martírios infligidos aos mártires... Com Santa Inês e Santa Cecília eu quereria apresentar o meu pescoço à espada e como Joana d' Arc, minha irmã querida, eu quereria em cima da fogueira murmurar o teu nome, ó Jesus. Ao imaginar os tormentos que serão a sorte dos cristãos no tempo do Anticristo, sinto estremecer o meu coração e eu quereria que estes tormentos fossem reservados para mim... Jesus, Jesus, se eu quisesse escrever todos os meus desejos, seria necessário tomar emprestado o teu Livro da Vida: nele estão relatados todos os atos de todos os Santos e estes atos quereria eu tê-los praticado todos por ti".
            "Os desejos infinitos de Teresa, rigorosamente falando, são impossíveis: como mulher é impossível que ela seja padre; como carmelita enclausurada, é impossível que ela seja missionária no exterior. Mas há também uma impossibilidade metafísica naquilo que ela deseja: é o seu desejo de transcender os limites do espaço e do tempo, de transcender a distinção entre o um e o múltiplo. Teresa não deveria contentar-se com um lugarzinho bem pequenino na História da Salvação, no espaço e no tempo? Estar contente por não ter senão uma parte pequena na santidade de todos os outros Santos? Desejando ser missionária «nas cinco partes do mundo» ao mesmo tempo, tê-lo sido «desde a criação do mundo» até «a consumação dos séculos», Teresa deseja propriamente o infinito tal como se exprime através dos divinos atributos de imensidão e eternidade. Os seus desejos são literalmente «maiores do que o universo», posto que abarcam na dimensão de Deus, para lá do espaço e do tempo, a totalidade do universo, a totalidade do universo da santidade".
            "Ó meu Jesus, que é que vais responder a todas as minhas loucuras? Haverá uma alma mais pequenina, mais impotente do que a minha?!...  Contudo,  por  causa  mesmo  da  minha  fraqueza  te comprouveste, Senhor, em cumprir os meus desejinhos infantis e queres hoje realizar outros desejos maiores do que o universo... Durante a minha oração, quando os meus desejos me faziam sofrer um verdadeiro martírio, abri as epístolas de São Paulo a fim de procurar alguma resposta. Os Capítulos 12 e 13 da primeira Carta aos Coríntios caíram debaixo dos meus olhos. Li aí, no primeiro, que não podem todos ser apóstolos, profetas, doutores etc... que a Igreja se compõe de membros diferentes e que o olho não poderia ser ao mesmo tempo a mão".
            "Se Teresa não tivesse sido animada pela força do seu amor, ter-se-ia contentado com esta primeira resposta da fé; a sua busca não teria ido mais longe. Ora o amor a obriga a continuar na sua busca...  A tensão  extrema  da  busca  é  admiravelmente evocada quando Teresa se compara a Maria Madalena na manhã da Páscoa; Teresa não procura a não ser o próprio Jesus e, nesta primeira fase da sua procura, nada encontrou ainda a não ser o túmulo vazio. Mas, por amor, como Madalena, Teresa insiste na sua procura. Assim como Madalena se inclinava junto ao túmulo, é preciso que Teresa se abaixe totalmente num derradeiro ato de humildade, que é ato supremo de amor, pois «o Amor, para que seja plenamente satisfeito, é necessário que se abaixe, que se abaixe até o nada»".
            "A resposta era clara, mas não satisfazia aos meu desejos, não me dava a paz. Como Madalena, inclinando-se sempre junto ao túmulo vazio, acabou por encontrar aquele que procurava, assim, abaixando-me até às profundezas do meu nada, elevei-me tão alto que consegui alcançar a minha meta... Sem perder a coragem, continuei a minha leitura, e esta frase me deu alívio: «Procurai ardorosamente os dons mais perfeitos, mas vou mostrar-vos ainda um caminho mais excelente». E o Apóstolo explica de que modo  todos os dons, mesmo os mais perfeitos, nada são sem o Amor. Que a Caridade é o caminho excelente que conduz até Deus com segurança. Enfim havia eu encontrado o repouso...
            Contemplando o Corpo Místico da Igreja, não me reconhecera em nenhum dos membros descritos por São Paulo, ou antes, pretendi reconhecer-me em todos... A Caridade entregou-me a chave da minha vocação. Compreendi que, se a Igreja tinha um corpo composto de membros diferentes, o mais necessário, o mais nobre de todos não lhe faltaria, compreendi que a Igreja tinha um Coração e que este Coração era ardente de Amor. Compreendi que somente o Amor fazia agir os membros da Igreja, que se o Amor viesse a se extinguir, os Apóstolos não anunciariam mais o Evangelho, os Mártires se recusariam a derramar o seu sangue. Compreendi que o Amor encerrava todas as Vocações, que o Amor era tudo, que ele abraçava todos os tempos e todos os lugares... numa palavra, que o Amor é eterno!...
            Então, no excesso da minha alegria delirante exclamei dentro de mim mesma: «Ó Jesus, meu Amor, a minha vocação encontrei-a enfim, a minha vocação é o Amor!... Sim, encontrei o meu lugar; ó meu Deus, fostes vós que o destes a mim... no Coração da Igreja, minha Mãe, serei o amor... assim serei tudo... assim o meu sonho será realizado!!!...»"
            Podemos entender agora a profundidade desta expressão de Teresa: "A minha Vocação é o Amor!" Não se trata de um vago sentimento ou de uma atitude de benevolência universal. Este Amor é a Caridade Teologal, como, aliás, no texto de São Paulo, onde Teresa foi haurir. Este Amor é o próprio Deus em nosso coração. Este Amor, que é o próprio Deus em nosso coração, é a vocação de Teresa. É nele que Teresa pode aspirar ao Infinito, ultrapassar todos os limites para deixar transbordar o Amor por todos os tempos e por todos os lugares.

2.5 As duas parábolas da pequenez

            Este amor propriamente infinito está no coração, não apenas da finitude, mas da pequenez e do nada. Teresa serve-se de duas parábolas para enunciar esta pequenez. A primeira apresenta-nos uma criança que vai lançando flores, expandindo os seus perfumes e com voz argentina cantando o cântico do Amor. Este Amor, que tem um valor infinito, dará valor infinito a todas as coisas pequeninas. É desta maneira que ela pode visualizar que o Amor é a alegria dos eleitos, a consolação dos sofredores, a força dos combatentes.
            A segunda parábola sobre esta desproporçãao entre aquela imensidão do Amor e a pequenez da criatura humana é a imagem da avezinha débil, que tem em si os olhos e o coração da águia, mas não tem as suas asas poderosas. Não consegue impelir o seu vôo até às alturas, mas os seus olhos e o seu coração nem por isso deixam de permanecer fixos no Sol Divino. E se por um instante se esquece de exercer o seu "ofício de amor", pouco depois o retoma e se apressa em contar a sua miséria, pois, graças ao seu abandono e confiança, acha que pode atrair plenamente o Amor daquele, que não veio para os justos e sim para os pecadores. A avezinha sabe que sozinha nunca poderá elevar-se até às regiões das águias, contudo não cessa de esperar por isso. Apaixonada de um louco amor, encontra o meio de chegar até lá: "A minha loucura  consiste em suplicar às Águias, minhas irmãs, que me alcancem o favor de voar até o Sol do Amor com as próprias asas da Águia Divina".
            "Detenhamo-nos nesta última frase: (...) a perfeição do amor que Teresa deseja atingir, a caridade teologal no seu ponto culminante, não será ela quem vai realizá-la, Teresa vai deixar agir as próprias asas da Águia Divina, isto é, as forças, o poder, o amor do próprio Deus. O amor que está em Deus, que é Deus, coloca-se no lugar do amor de Teresa, toma o seu lugar, ama no seu lugar". Mais tarde Teresa usará de uma imagem menos poética, a imagem do elevador, para enunciar a mesma realidade: a poderosa  ação  de  Deus  em  nós.  "As duas imagens concordam no essencial: tentam fazer-nos compreender o que Teresa quer dizer, e que constitui a sua vida: o seu louco amor por Deus, a caridade que deve ser uma amizade entre ela e Jesus, não é Teresa quem a gera, é Deus! Para voar rumo ao Sol do Amor, são as asas da Águia que agem. Teresa não é apenas ajudada; ela, por assim dizer, é substituída, nada mais faz do que deixar-se levar, ela deixa a grande ave agir em seu lugar. Para subir a escada, o elevador não faz mais do que ajudar Teresa a subir os degraus, como outrora pôde fazê-lo a sua mãezinha: o elevador sobe no lugar dela ou, se o quisermos, ela toma lugar nele.
            Em linguagem teológica - se é permitido traduzir os textos de Teresa para ver neles uma "doutrina" - pode-se dizer: "Quando a caridade atinge o seu ponto culminante de perfeição, já não é mais o coração humano que age para amar, é Deus mesmo, e como é Deus mesmo quem é amado, pode-se concluir que numa alma humana, que pratica um ato de caridade perfeita, Deus está amando a Deus. A alma então deixa Deus agir, como se Deus lhe dissesse: «deixa-te agir» ou «deixa-me agir". O ato de caridade não é mais unicamente um ato criado por Deus assim como todos os outros nossos atos, é um ato que participa da divina atividade, é um ato que é Deus quem faz.
            Que pode então a alma fazer? O caminho que permite o amor infinito é o caminho da pequenez. Por isto, "é preciso que eu permaneça pequena, que me torne pequena cada vez mais", escreverá Teresa no Manuscrito C. Mas não nos enganemos!... A pequenina via nada tem de um tranqüilo passeio. "Deixar-se fazer por Deus não se parece em nada com o «deixar ir» dos preguiçosos. Deixar o lugar todo para Deus numa vida representa um «trabalho», de que poucos são capazes. O esforço interior, que se deve fazer para deixar Deus agir, para abandonar-se totalmente em vez de se enrijecer, muitos sabem que não é fácil. Só o amor, com a fé, pode acabar com o orgulho. E só um amor grande pode levar a consentir afinal na pequenez. Teresa um dia confessa: «Não me recordo de lhe ter recusado nada de tudo quanto ele me pediu»".
            A expressão extrema desta pequenez é o holocausto, a hóstia sacrificada e reduzida ao nada: "Sim, para que o Amor se satisfaça inteiramente, é necessário que se rebaixe até o nada e que transforme em fogo este nada". Esta pequenez extrema atrai irresistivelmente o Coração de Jesus, visto que ela reside em criaturas que se abandonam com inteira confiança à infinita misericórdia.
            Teresa termina estas páginas com uma derradeira intercessão; solicita a Jesus uma legião de pequeninas almas, vítimas de amor, com a mesma vocação universal igual à sua. Sendo o Amor a vocação delas, essas pequeninas almas terão elas também de amar o Coração de Jesus sedento de Amor. E assim como Teresa, elas podem encher de alegria as almas do Céu, aliviar o sofrimento das almas do Purgatório e reconfortar no seu combate as almas da terra.
             Entregar-se como vítima de amor é fazer um ato de perfeito amor, pois é um ato de amor a Deus e de amor ao próximo ao mesmo tempo, segundo a medida do Coração de Deus, que nos concede desejar e poder pôr em prática estas diligências sobre o amor. "Suplico-te inclinar os teus olhos divinos sobre um número enorme de pequeninas almas... Eu te suplico que escolhas uma legião de pequeninas vítimas dignas do teu AMOR!..."

3. A objeção da sua irmã Maria e a resposta de Teresa

            Irmã Maria do Sagrado Coração devora admirada estas páginas da sua irmãzinha. Fica seduzida por um tal amor, mas também ainda  distante de compreender e aceitar o seu dinamismo. Sente-se atraída por este fogo, que arde no coração de Teresa. É envolta nestes sentimentos que escreve outra carta à sua irmã, contando-lhe a sua alegria, mas também a sua pena de se ver muito distante destes "desejos infinitos", que habitam no coração de Teresa.
            "Irmãzinha querida, li as vossas páginas ardentes de amor por Jesus; a vossa madrinhazinha está muito feliz por ser dona deste tesouro e muito agradecida à sua filhinha querida, que lhe abriu assim os segredos da sua alma. Oh! Bem que eu teria muito a vos dizer a respeito destas linhas marcadas com o selo do amor. - Uma  palavra  apenas  no  que  me  diz respeito. Como do jovem do Evangelho, um certo sentimento de tristeza apoderou-se de mim diante dos vossos desejos extraordinários de martírio. Eis aí bem clara a prova do vosso amor; sim, vós o possuís, o amor, mas eu! Nunca, de maneira nenhuma; vós não me fareis crer que eu possa atingir a esta meta desejada. Pois eu temo tudo isto que vós amais.
            Eis que está aí uma boa prova de que não amo Jesus como vós. Ah! Vós dizeis que não fazeis nada, que sois uma pobre avezinha mirrada, mas os vossos desejos por que coisa os calculais? O Bom Deus os olha como obras.
            Não posso falar disto convosco mais prolongadamente: comecei estas palavrinhas esta manhã e não tive um minuto para terminá-las; são cinco horas. Gostaria muito que dissésseis por escrito a vossa madrinhazinha se ela pode amar a Jesus como vós. Mas duas palavras somente, pois o que tenho comigo é bastante para a minha felicidade e meu tormento. Para minha felicidade, ao ver a que ponto sois amada e privilegiada; para meu tormento, ao pressentir o desejo que tem Jesus de colher a sua florzinha querida! Oh! Bem que eu tinha vontade de chorar quando li estas linhas que não são da terra, mas um eco do Coração de Deus... Quereis que vos diga? Pois bem! Vós estais possuída pelo Bom Deus, mas possuída como se diz... não absolutamente como os maus são possuídos pelo vilão. Gostaria muito de ser possuída eu também pelo Bom Jesus. Mas eu vos amo tanto que me alegro mais do que tudo vendo-vos mais privilegiada do que eu. Uma pequena palavrinha para a sua madrinhazinha".
            No mesmo dia Teresa responde à sua irmã. Faz-lhe o convite para ler com mais atenção "a história da sua avezinha". Esta carta de Teresa é um dos textos mais potentes sobre a pequenez como pobreza espiritual.
            "Minha Irmã querida, não me sinto embaraçada em vos responder... Como podeis perguntar-me se é possível amar o Bom Deus como eu o amo?... Se tivésseis compreendido a história da minha avezinha, vós não me faríeis esta pergunta. Os meus desejos de martírio não são nada, não são eles que me dão a confiança ilimitada que sinto no meu coração. São as riquezas espirituais, para dizer a verdade, que fazem alguém injusto, quando nelas se repousa complacentemente e quando se crê que elas são alguma coisa de grande... Estes desejos são uma consolação, que Jesus às vezes concede às almas fracas como a minha (e tais almas são numerosas), mas quando ele não dá esta consolação é uma graça de privilégio - lembrai-vos destas palavras do Padre (Pichon): «Os Mártires sofreram com alegria, mas o Rei dos Mártires sofreu com tristeza». Sim! Jesus disse: «Meu Pai, afastai de mim este cálice!» Irmã querida, como podeis falar depois disto que os meus desejos são a marca do meu amor?... Ah! Bem sinto que não é nada disto que na minha alma agrada ao Bom Deus: o que lhe agrada é me ver amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega que deposito na sua misericórdia... Eis aí o meu único tesouro. Madrinha querida, por que não seria vosso também este tesouro?...
            Vós  não  estais  pronta  a  sofrer  tudo  quanto o Bom Deus quiser?  Sei  bem  que  sim: então, se  desejais  sentir  alguma alegria, ter atração pelo sofrimento, é a vossa consolação que estais procurando, pois quando se ama alguma coisa o sofrimento desaparece. Asseguro-vos que se caminhássemos juntas para o martírio com as disposições em que nos encontramos, vós teríeis um grande merecimento e eu não teria nenhum, a menos que praza a Jesus mudar as minhas disposições.
            Ó minha irmã querida, eu vos rogo isto: «Compreendei a vossa filhinha, compreendei que para amar Jesus, ser a sua vítima de amor, quanto mais alguém for fraco, sem desejos nem virtudes, tanto mais estará preparado para as operações deste Amor Devorador e Transformante»... Um único desejo de ser vítima basta, mas é preciso consentir em permanecer sempre pobre e sem forças e aqui está o difícil, pois «O verdadeiro pobre de espírito onde encontrá-lo? É preciso procurá-lo bem longe», disse o salmista... Não disse ser preciso procurá-lo entre as grandes almas, mas «bem longe», quer dizer, na baixeza, no nada... Ah! Fiquemos bem longe de tudo o que brilha, amemos a nossa pequenez, gostemos de não sentir nada, então seremos pobres de espírito e Jesus virá buscar-nos: por mais longe que estejamos transformar-nos-á em chamas de amor... Oh! Como gostaria de poder fazer-vos compreender o que eu sinto!... É a confiança e nada mais do que a confiança que nos deve levar até o Amor..."
            A resposta de Teresa é de uma clareza surpreendente. Não é o desejo do Martírio que faz a grandeza do Amor de Teresa, isto não é senão uma consolação que Jesus concede às almas fracas como a sua. O que faz ser grande o amor é unicamente o abandono, é a confiança cega em Jesus e nada mais, é isto que nos leva ao Amor. Por isso os grandes desejos podem tornar-nos injustos, podem ser um obstáculo, pois próprio do amor é humilhar-se.
            É importante nada ter: quanto mais formos fracos, sem desejos nem virtudes, tanto mais estaremos preparados para as operações do Amor. Tenhamos gosto de permanecer pequenos. Jesus virá buscar-nos e transformar-nos em chamas de amor, por mais distantes que estejamos. Cheios de confiança, não teremos mais do que expor-nos aos seus raios benéficos, deixar-nos dourar pelo seu fogo divino, firmes na confiança, quando não o estamos vendo, quando o sentimos arder e quando em qualquer lugar nos acontece o mal.

Conclusão

            No mês de fevereiro de 1895, Teresa havia escrito uma poesia, que brotou de um só jacto durante os longos momentos de adoração diante do Santíssimo Sacramento, antes da sua entrada na Quaresma. Trata-se de uma declaração de amor, que preludia o seu Ato de Consagração ao Amor Misericordioso, mas contém ainda o anúncio da sua morte próxima. A palavra "Amor" retorna aí 35 vezes, é o estribilho dos 120 versos da poesia. Encontramos aí a sua convicção de ser chamada para o amor e reconhecer no Amor a vocação que Deus lhe deu para a vida como para a morte e, ouso dizer, para depois da morte. Teresa recebeu de Deus a missão de Amar e de fazer amar o Amor, de ensinar isto aos outros por meio do seu pequenino caminho. Devemos-lhe o título de "Doutor do Amor". Desejamos que este título de Doutor lhe seja enfim reconhecido pelo magistério da Igreja, no ano centenário da sua morte. Gostaria de terminar este encontro convosco, lendo os últimos versos da poesia "Viver de Amor". Nela, não somente a vida, mas a morte também é um ato de amor. A morte não escapa à sua Vocação de Amor, a morte é o seu feliz coroamento.

                        "Morrer de Amor, eis a minha esperança:
                        Quando vir quebrados os laços meus
                        Será meu Deus a Grande Recompensa.
                        Outros bens não quero possuir,
                        No seu Amor abrasada quero estar,
                        Quero vê-lo, a ele sempre unir-me.
                        Eis o meu Céu... Eis o meu destino:
                        Viver de Amor!!!..."


Artigo publicado em Près de la Source  Les Grands Carmes en France  Bourges  Janvier - Février - Mars   1997  /  nº 4

RETORNAR AO EVANGELHO: A MENSAGEM DE TERESA DE LISIEUX

Carta Circular dos Superiores Gerais O.Carm. e OCD.
Por ocasião do Centenário da morte de SANTA TERESA DE LISIEUX
Roma, 16 de julho de 1996
Solenidade de Santa Maria do Monte Carmelo

Fr. José Chalmers O.Carm.             
Fr. Camilo Maccise OCD

Queridos irmãos e irmãs no Carmelo.

1.  Estamos uns meses distantes do início das celebrações do Centenário da morte da nossa irmã, Teresa de Lisieux. Tal aniversário nos fez volver os olhos para esta jovem carmelita, membro do Carmelo Teresiano da França, que soube exprimir nos seus escritos a sua profunda visão das relações entre Deus e a  criatura humana, fruto da sua experiência pessoal, guiada pela ação do Espírito Santo.

2.  Foi sua missão recordar-nos o essencial da mensagem cristã: que Deus é amor e que Ele se entrega gratuitamente aos que são evangelicamente pobres; que a santidade não é fruto dos nossos esforços, mas da ação de Deus, que nos pede unicamente um amoroso abandono à sua graça salvadora. Por isto os seus ensinamentos não perderam a atualidade e tiveram uma influência tal que mais de trinta Conferências Episcopais e milhares de cristãos solicitaram que ela seja declarada Doutora da Igreja.

Mulher Evangélica e Contemplativa

3.  Teresa de Lisieux passou a sua vida religiosa na clausura de um Carmelo e foi, mesmo assim, declarada Padroeira das Missões, porque soube unir a espiritualidade contemplativa com a dimensão apostólica. Igualmente, transmitiu a sua experiência evangélica com uma linguagem simples e vital, capaz de ser compreendida e assimilada pelos cristãos de todos os povos e de todas as culturas. Antecipou-se ao Vaticano II quanto ao retorno ao Evangelho e à Palavra de Deus, ao Jesus da História e ao seu mistério pascal de morte e ressurreição. Salientou a prioridade do amor na Igreja, Corpo de Cristo. Testemunhou a espiritualidade da vida comum e a chamada à santidade.

4.  A experiência de Teresa de Lisieux, como mulher, adquire valor especial em nossa época, na qual se vão abrindo novas perspectivas de presença e ação para a mulher na sociedade e na Igreja. A mulher é chamada a ser "um sinal da ternura de Deus para com o gênero humano"[1], e a enriquecer a humanidade com o seu "gênio feminino". Estas duas coisas a nossa irmã realizou na sua vida e nos seus escritos.

Reler a mensagem de Teresa de Lisieux

5.  A leitura das obras da nossa irmã Teresa, feita no contexto social e eclesial do nosso tempo e a partir da nossa própria cultura, ajudar-nos-á a nos concentrarmos no essencial: a aber-tura confiante para Deus, Pai amoroso, que nos ama e compreende; o seguimento de Jesus, nosso Irmão, presente e próximo, Caminho, Verdade e Vida; a docilidade ao Espírito Santo, que conduz a História, a história das nossas famílias religiosas e a nossa história pequenina. E tudo isto na aceitação da nossa pobreza e debilidade, com a certeza de que nada e ninguém pode separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus (cf. Rm 8,37-39).

6.  Esperamos que as nossas reflexões servir-vos-ão para man-terdes vivo o dinamismo desta celebração, que deve transformar-se num momento de graça para todo o Carmelo: religiosos, religiosas, sacerdotes e leigos.
Atualidade eclesial de Teresa de Lisieux
 7.  Durante o Sínodo sobre a Vida Consagrada, a nossa irmã foi citada em várias ocasiões pelos sinodais como alguém que tem uma mensagem atual para a Igreja nos limiares do Terceiro Milênio. Entre as intervenções, que a mencionaram, destaca-se a do Secre-tário Geral, o Cardeal Schotte, que concluiu a sua informação trienal com estas palavras:

            "Seja-me permitido concluir este relatório recordando aquela mulher que é um testemunho excelente da Vida Consagrada na missão da Igreja: Santa Teresa do Menino Jesus (...). Esta monja do Carmelo de Lisieux distinguiu-se pela sua humildade, sua simpli-cidade evangélica e pela confiança em Deus (...). Nas suas notas autobiográficas ela recorda, entre outras coisas, que «ao desejar intensamente o martírio, fui procurar nas cartas de São Paulo uma resposta. O Apóstolo explica que os mais altos carismas não são nada sem a caridade e que esta mesma caridade é o melhor caminho para se chegar com segurança até Deus. Então eu encontrei a paz (...), eu serei o Amor no coração da Igreja, minha Mãe»".

8.  Na audiência do dia 4 de janeiro de 1995, João Paulo, ao falar sobre o compromisso da Vida Consagrada com a oração, fez ver a importância que a oração tem na evangelização, e concluiu desta maneira":

            "A este propósito é belo concluir a presente catequese com a lembrança de Santa Teresa do Menino Jesus, que com a sua oração e o seu sacrifício servia à evangelização como se - até mais - se houvesse dedicado à ação missionária, a tal ponto que foi procla-mada Padroeira das Missões"[2].


9.  A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata menciona também nossa irmã, salientando o seu anseio de ser o amor no co-ração da Igreja[3] e o seu ideal de se ver envolvida numa colabo-ração singular com a atividade missionária, repetindo tantas vezes o seu desejo de amar a Jesus e fazê-lo amado [4], a partir da sua comunhão com Ele: "Ser tua esposa, ó Jesus, (...) ser, na minha união contigo, mãe das almas"[5].

Convite ao essencial

10. Teresa de Lisieux soube exprimir no seu nome de religiosa, "do Menino Jesus e da Sagrada Face", todo o processo da sua vida, que a levou à maturidade espiritual através do aniquilamento da Encarnação (kenósis) e do sofrimento de Jesus, que pelo seu mis-tério pascal nos liberta de toda escravidão. Teresa soube compre-ender e viver o projeto de vida de Jesus, que transforma toda a nossa esfera de relacionamentos e dá uma nova dimensão às nossas relações com Deus, com os outros e com as coisas. Diante do projeto de morte, que nos domina e escraviza em todos os setores, encontramos o projeto de vida do Evangelho, que nos liberta e nos transforma. A missão de Teresa de Lisieux foi precisamente a de nos recordar estas verdades e concentrar-nos novamente no essen-cial.

11. Na perspectiva do projeto de Jesus, que relembraremos com brevidade, nós nos aprofundaremos na mensagem de Santa Teresa de Lisieux: ela nos convida a passar do Deus-Juiz para o Deus Pai-Mãe, da desconfiança para a confiança e abandono a Ele, da procu-ra da perfeição para a procura da comunhão com Deus, da compli-cação para a simplicidade, das leis que escravizam para a lei do amor concreto e eficaz que liberta, da imaturidade para a maturi-dade, do ascetismo exterior para a abnegação evangélica, dos mé-ritos para as mãos vazias, das considerações puramente espiri-tuais para a Palavra de Deus, de uma oração complicada para um olhar simples e contemplativo, da Maria inatingível para a Maria do Evangelho, tão próxima.

I.O PROJETO DE VIDA DE JESUS

12. O Evangelho de Jesus, a Boa Nova que Ele comunica, é a pro-clamação da vida e da liberdade. Uma liberdade, que é símbolo do amor, que se esquece de si mesmo e se entrega pelo bem dos ou-tros.

13. Jesus, durante a sua vida terrena e nas suas pregações, rea-lizou o seu compromisso com a vida, até aceitar um processo de morte, que culminou com a cruz. Ao encarnar-se, Jesus assume a condição humana e a valoriza em toda a sua dignidade. Isto o le-vou a respeitar a vida de cada pessoa e a lutar contra tudo o que a diminui e oprime. Nunca permanece insensível e indiferente di-ante do sofrimento e da morte. Pelas suas atitudes revela o desí-gnio de Deus, que é um projeto de vida. Até mesmo o sofrimento, nos desígnios de Deus, é um caminho de vida e de ressurreição.

14. O Deus da vida se fez presente em Jesus de Nazaré. Jesus, que era a Palavra da vida (Jo 1,4), veio para comunicar-nos a vida em abundância (cf Jo 10,10) e para transformar-nos em filhos de Deus (Jo 1,14). Na sinagoga de Nazaré, ao comentar o anúncio da Boa Nova de vida, Jesus apresentou-a também como libertação (Lc 4,17-21). Neste seu discurso programático apontou algumas escravidões e opressões que dominam o ser humano e o mantêm numa situação de morte.

15. O projeto de vida, que Jesus apresenta e inicia, atinge as três esferas de relacionamento do ser humano: Deus, os outros e as coisas.

1. Do fatalismo à responsabilidade de filhos e filhas de   Deus

16. Ao projeto de morte, que considerava Deus como Criador pode-roso e terrível, Jesus opôs o seu projeto de vida, revelando a Deus como Pai-Mãe que, longe de nos impor um destino, ajuda-nos a superar o fatalismo e sentir-nos seus colaboradores livres e res-ponsáveis. As relações com o Deus da vida, segundo Jesus, são re-lações de amor e de confiança.

17. A revelação do rosto do Pai feita por Jesus é o eixo de toda a vida do cristão e se transforma no centro da sua existência. Este Deus de Jesus é um Deus que respeita a nossa liberdade. Um Deus sempre muito grande e fundamento único da nossa existência.

18. É a partir desta imagem do Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo que pode tornar-se realidade o compromisso com a vida em todas as suas dimensões.

2. Da divisão à comunhão na fraternidade

19. No projeto de vida apresentado e iniciado por Jesus, as re-lações com os outros se resumem no mandamento do amor ao próximo, baseado no mandamento do amor a Deus com todo o coração, com toda a alma e todas as forças (cf Mt 27,37-39).

20. Guiado por este amor, Jesus se coloca do lado dos margina-lizados e excluídos, destinados a morrer de muitas maneiras: po-bres, doentes, mulheres, crianças, pecadores, estrangeiros. A todos eles Jesus oferece a vida. Luta contra tudo o que se opõe à vida e, igualmente, contra tudo o que dá origem a divisões entre próximo e não-próximo, entre pagão e judeu, entre homem e mulher.

21. A pessoa humana é uma síntese da criação realizada na Palavra e para ela (cf Jo 1,3; Cl 1,15-16) e, por isso, é dona de uma sa-cralidade que lhe vem de Deus. O ser humano, à luz de Cristo, aparece no universo como aquele que ouve a Palavra de Deus e lhe responde em nome de todas as coisas, como interlocutor de Deus. Pela sua encarnação o Filho de Deus "de certo modo uniu-se a todo homem"[6]. Cristo, vizinho de nós, presente em todo ser humano, "com ternura especial quis identificar-se com os mais débeis e pobres"[7], como o manifesta no texto de Mateus 25,31-46.

22. Trata-se de uma presença sacramental, que revela e oculta ao mesmo tempo. No rosto de cada ser humano podemos encontrar algo do rosto de Jesus, Verbo da Vida. O mistério de Deus se intui em primeiro lugar na experiência irrepetível de cada pessoa. E ainda na realidade autônoma e recíproca do homem e da mulher. João Pau-lo pôs em relevo a dignidade da mulher e a sua "contribuição es-pecífica para a vida e para a ação pastoral e missionária da Igreja (...), que espera (delas) uma contribuição original para promover (...), especialmente, o que se refere à dignidade da mulher e ao respeito pela vida humana (...), assim como a pro-moção dos bens fundamentais da vida e da paz"[8].

23. A descoberta de Deus presente nos outros traz consigo uma transformação no relacionamento humano e leva a viver o compro-misso de uma caridade concreta e eficaz; exige a abertura à fraternidade universal na Igreja e na sociedade e pede um com-promisso com tudo o que implique vida, comunhão e participação, a partir de uma opção preferencial pelos pobres, nos quais a imagem de Deus "está ensombreada e escarnecida"[9].

3. De um uso egoísta dos bens para um uso compartilhado

24. No projeto de vida de Jesus, as relações com as coisas se transformam. Somos convidados a passar de um uso das coisas que nos aliena e escraviza, e leva a oprimir os outros e colocá-los em situações de morte, para o uso delas com liberdade e, sobre-tudo, a compartilhá-las com o próximo numa sociedade justa e hu-mana para todos. Para Jesus as coisas deveriam ser um lugar de encontro com Deus e com os irmãos e irmãs e um meio de comunica-ção e comunhão entre as pessoas.

25. A mensagem religiosa de Jesus tem conseqüências sociais, que desembocam num compromisso com a justiça como fonte de vida.  Aí está expressa a dimensão comunitária e social do mandamento do amor. Jesus anunciou o Reino de Deus, seu supremo projeto de vida, e tem isto repercussões nas estruturas da convivência humana. Quando estas estruturas se baseiam na injustiça e na opressão, convertem-se elas em instrumentos da morte. Neste ponto os ensinamentos de Cristo questionam e interpelam fortemente e convidam a um compromisso com a justiça-vida.

II. TERESA DE LISIEUX VIVE E TESTEMUNHA O PROJETO DE JESUS

26. A celebração do Centenário da nossa irmã é uma ocasião para reler a sua vida e os seus escritos sob a perspectiva do projeto de vida de Jesus e desde o nosso meio ambiente sócio-cultural e eclesial. Porém, a consideração da sua experiência espiritual exige de todos, sobretudo, uma renovação em profundidade da nossa vida de carmelitas. Teresinha nos faz lembrar os valores funda-mentais do Evangelho e nos convida a concentrar-nos neles. A par-tir da leitura e meditação da palavra de Deus ela nos descobre o essencial nas relações com Deus, com o próximo e com as coisas; ela vive o essencial com simplicidade, naturalidade e em profun-didade e o transmite com a sua vida e com os seus escritos.

1. Um Deus próximo de nós e que nos ama

Beber na fonte viva da Palavra de Deus

27. Teresa de Lisieux alimentou a sua vida e espiritualidade nas fontes puríssimas da palavra de Deus. Numa época pouco aberta à leitura da Bíblia, ela realizou o que o Concílio pediria mais tarde a todos os cristãos, em especial às pessoas consagradas: adquirir "o sublime conhecimento de Jesus Cristo com a leitura freqüente das divinas Escrituras, «porque ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo»"[10].

28. Fiel ao mandato da Regra, Teresa meditou dia e noite na lei do Senhor e vigiou em oração[11]. Como Teresa de Jesus, sua mãe, ela encontrou em Jesus o livro vivo[12] e, à imitação de São João da Cruz, soube "pôr os olhos em Cristo"[13]. Ela mesma nos diz como, pouco a pouco, da leitura de livros espirituais, que muito a ajudaram no seu caminho, especialmente São João da Cruz, foi passando a concentrar-se na Escritura, particularmente nos Evangelhos:
            "mais tarde todos os livros me deixaram na aridez (...). Se  abro um livro composto por um autor espiritual (...) sinto logo que o meu coração se fecha e leio sem entender ou, se entendo, o  meu espírito se detém, sem poder meditar... Nesta impotência a Escritura Santa e a Imitação vêm em minha ajuda: nelas encontro   um alimento sólido e completamente puro. Mas é acima de tudo o Evangelho que me sustenta durante as minhas orações; nele  encontro tudo o que é necessário para a minha pobre almazinha. Sempre descubro nele novas luzes, sentidos ocultos e misteriosos... Compreendo e sei por experiência «Que o Reino de Deus está dentro de nós»"[14].

29. A leitura e meditação da Palavra de Deus levou-a a descobrir o essencial da mensagem de Jesus na vida de cada dia. Esta relação entre a Palavra de Deus e a existência concreta faz com que "justamente nos momentos, em que tenho necessidade, descubra luzes, que antes ainda não tinha visto (...); é no meio das ocupações da minha jornada..."[15]. Mais ainda, é através da sua Palavra libertadora que Jesus se faz presente em Teresa de Lisieux: "jamais o ouvi falar, mas sinto que está em mim; a cada instante guia-me e inspira-me o que devo dizer ou fazer"[16].

30. Na sua missão de recordar-nos o essencial, a nossa irmã Teresa coloca-nos diante da Palavra de Deus como lâmpada, que ilumina os nossos passos (cf. Sl 119[118] 105)[17], e lembra-nos que a condição para entender a mensagem de Deus é ter um coração de criança, aberto e disponível ao que o Espirito nos vá descobrindo como exigência da nossa vocação e missão na Igreja.

31. É preciso viver na escuta da palavra de Deus. Ela é "fonte de toda espiritualidade cristã"[18]. A Igreja recomenda a meditação comunitária da Bíblia não apenas às pessoas consagradas, mas também a todos os membros do Povo de Deus. "Do contacto assíduo com a Palavra de Deus alcançaram a luz necessária para o discernimento pessoal e comunitário, que lhes tem servido para buscarem os caminhos do Senhor nos sinais dos tempos"[19].

32. A Teresa de Lisieux, que desejou conhecer as línguas bíblicas para melhor saborear a palavra de Deus, não coube a felicidade de viver o novo abeirar-se da Igreja às Escrituras. Tampouco teve ao seu alcance as possibilidades, que hoje temos, de um melhor conhecimento e assimilação da mensagem bíblica. Apesar disto, fez realidade a prescrição da Regra do Carmelo de ter abundantemente, na boca e no coração, a Palavra de Deus para tudo nela fazer[20]. Como a nossa irmã, leiamos e meditemos a palavra de Deus e ponhamos em prática as suas exigências, empregando os meios novos, que Deus nos oferece neste momento da história da Igreja, para aprofundar e melhor compreender a sua palavra.

Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus

33. Teresa viveu numa época caracterizada por uma espiritualidade jansenista, que deformava o rosto de Deus, apresentando-o, unilateralmente, como juiz severo, que podia pedir, inclusive, o oferecimento como vítima para acalmar a sua justiça.

34. A leitura e a meditação da Escritura colocou Teresa de Lisieux à escuta de Jesus, que lhe revelou o verdadeiro rosto de Deus: Pai-Mãe de misericórdia, que nos convida a viver numa atitude de filhos e filhas, no abandono e na confiança, entregues ao amor divino, assumindo com responsabilidade, como Cristo, a missão de proclamar o projeto de Deus sobre a humanidade. Compreendeu "como Jesus deseja ser amado"[21] e ofereceu-se como vítima ao Amor Misericordioso, que deseja comunicar-se a todos.

A oração como diálogo simples e filial

35. Em consonância com a sua mãe Teresa de Ávila[22], Teresa de Lisieux vive a oração como diálogo confiante e amoroso com um Deus Pai-Mãe[23]. Transforma em experiência vital a força que a oração comunica, e se abre à necessidade da abnegação evangélica, para que a oração seja autêntica: "é a oração, é o sacrifício que constituem toda a minha força; são as armas invencíveis, que Jesus me deu e, bem mais do que as palavras, podem tocar as almas"[24].
            Ela viveu um tipo de oração cada vez mais simples, que a colocava sobre a fonte de água viva ou junto ao fogo divino que purifica e transforma: "para mim a oração é um impulso do coração, um olhar simples para o céu, um grito de reconhecimento e de amor, no meio da provação como no meio do gozo; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que dilata a minha alma e me une a Jesus"[25].

Da santidade como "perfeição" à santidade como comunhão

36. Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus foi o ponto de impulso do caminho novo até à santidade, que ela viveu, sobretudo a partir de 1894, na experiência da sua fraqueza. Jesus lhe mostrou, como ela mesma conta, que o caminho é o do abandono e da confiança de uma criança, que se adormece nos braços do seu Pai, sem temor.

            "«se alguém é pequeno, que venha até mim», diz o Espírito Santo por boca de Salomão, e este mesmo Espírito de Amor diz   também que «a misericórdia se concede aos pequenos». Em seu nome  o profeta Isaías nos revela que no último dia (...) «como uma  mãe acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei, carregar-vos-ei junto ao meu seio e vos acariciarei sobre os meus joelhos»  (...). Jesus não pede grandes ações, mas somente abandono e gratidão»"[26].

37. Encontra-se aqui a passagem do temor para a confiança. Estamos diante de Deus como filhos e filhas diante de um pai e mãe. Deus faz tudo colaborar para o nosso bem, até mesmo as nossas deficiências e falhas:

            "É a confiança, e somente a confiança, que nos deve conduzir ao Amor"; "o que lhe agrada é me ver amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega, que tenho na sua misericórdia" (...), para amar a Jesus, ser a sua pequena vítima de amor; quando alguém é mais fraco, sem desejos nem virtudes, tanto mais apto está para a ação deste amor, que consome e transforma"[27].


38. Na raiz da nossa vocação à Vida Consagrada no Carmelo está a iniciativa do Senhor. As pessoas chamadas, que respondem ao convite de Deus, entregam-se ao seu amor e realizam a entrega incondicional da sua vida, "consagrando tudo nas suas mãos, o presente e o futuro"[28]. Como Teresa de Lisieux somos chamados a viver em profundidade a experiência do rosto paterno-maternal de Deus, a viver uma oração como diálogo amoroso com Deus e com um olhar contemplativo da realidade, uma escuta de Deus para nos comprometermos com os nossos irmãos e irmãs; a encarar a santidade não como "perfeição", mas como comunhão com Deus por meio da fé, esperança e amor. Uma santidade teologal, como a apresentam a Regra e São João da Cruz, pai e mestre espiritual de Teresa de Lisieux, por meio dos seus escritos.

Fidelidade à missão e purificação da fé

39. A experiência gratuita do rosto paterno-maternal de Deus revelado em Jesus e a fidelidade à própria vocação e missão assumidas com responsabilidade, como filhos e filhas de Deus, entram na dinâmica do mistério pascal de morte e ressurreição; estão abertas à purificação e à provação da fé. Teresa de Lisieux soube exprimi-lo ao acrescentar ao seu nome, numa unidade inseparável, o Menino Jesus e a Sagrada Face. O Verbo Encarnado que, no mistério da sua infância, convida à confiança, ao amor, ao abandono, é o mesmo "servo sofredor", que nos introduz no mistério do sofrimento, que Ele passou antes de nós. Um sofrimento que parte da fidelidade à missão do seu "Abbá".

40. É no processo de purificação da sua fé que ela descobre e compreende a sua vocação. Os seus anseios apostólicos de proclamar a Boa Nova de Salvação transformam-se num martírio de amor, não vendo como poderá reajuntar tudo o que deseja e como poderá realizá-lo. Foi neste momento que Deus a fez compreender, sob a luz dos capítulos 12 e 13 da primeira Carta aos Coríntios, que a Igreja é como um corpo, e que neste corpo o amor é o coração, que põe em movimento os outros membros e que pelo amor ela abrange todas as vocações e abarca todos os tempos e todos os lugares, e exclama: "encontrei enfim a minha vocação... A MINHA VOCAÇÃO É O AMOR! (...) Assim serei tudo... assim o meu sonho se realizará !!![29]

41. Nas suas "Últimas Conversações" aparece fortemente o que foi chamado a "Paixão de Teresa de Lisieux"[30]. Trata-se das noites de purificação feitas de doenças, trevas, dúvidas, angústias mortais. No seu esforço de fidelidade à sua vocação contemplativa ela percorreu o caminho do Calvário: "Eu tinha então grandes provações interiores de toda espécie (até o ponto de me perguntar às vezes se existia um céu)"[31]. De modo particular, a noite purificadora torna-se mais densa nos últimos meses da sua vida. Nestes meses ela bebe o cálice da dor até à borra. Como Jesus ela entrega a sua vida pelo seu próximo.

42. A dimensão pascal da Vida Consagrada inclui também a cruz e o sofrimento na fidelidade ao cumprimento do compromisso para com a missão da Igreja[32], já que "a missão é essencial para cada Instituto, não somente nos de vida apostólica ativa, mas também nos de vida contemplativa. Com efeito, mais do que nas obras exteriores, a missão se realiza pelo fazer presente a Cristo no mundo mediante o testemunho pessoal"[33].
            No cumprimento da nossa missão somos chamados, como Teresa de Lisieux, a viver a purificação da fé, que é o escudo que nos defende das tentações do mal[34], abraçando a cruz como "superabundância do amor de Deus que se derrama sobre este mundo, como o grande sinal da presença salvífica de Cristo. E isto especialmente nas dificuldades e provações"[35], nas situações difíceis, inclusive de perseguições e martírio.

2. Um Deus que cria nossa fraternidade

As dimensões evangélicas do amor fraterno

43. O segundo aspecto do projeto de Jesus é o da superação do ódio e da divisão, para se conseguir o encontro de amor e de comunhão com todos, para o qual Ele nos convoca. Esta exigência está intimamente ligada à descoberta do rosto paterno-maternal de Deus que, em Cristo, nos transformou em irmãos e irmãs. Trata-se da segunda parte do único mandamento do amor: amar o próximo como a nós mesmos.

44. Na experiência e na doutrina de Teresa de Lisieux encontramos a convicção de que a autenticidade do nosso amor a Deus se manifesta na qualidade do nosso amor aos outros. Como em círculos concêntricos a dimensão do amor fraterno vai-se abrindo a horizontes cada vez mais amplos, todos eles como uma expansão que parte do amor a Deus. O primeiro círculo é o dos mais próximos, o mais aberto é o de toda a humanidade. A confiança e o abandono nas mãos de Deus Pai-Mãe e o sentir-se por Ele amada são em Teresa de Lisieux a fonte do amor fraterno e do apostolado, expressão de amor a todos, ao querer comunicar-lhes a boa nova da salvação.

Amor fraterno e vida em comunidade

45. As dimensões evangélicas do amor fraterno vivem-se nas realidades concretas onde se desenvolve a nossa existência humana: família, comunidade religiosa, comunidades cristãs, Igreja, grupos humanos, sociedade. Aí encontramos luzes e sombras, aspectos positivos e negativos. A nossa irmã Teresa nos ensina a vivermos encarnados na realidade e a começarmos a viver o amor evangélico ali onde Deus nos colocou.

46. O Carmelo de Lisieux, quando Teresa ali entrou, era pequeno e pobre, no dizer de Maria, sua irmã. Contava com 26 religiosas. A média da idade da comunidade era de 47 anos. Humanamente era uma comunidade pobre e, espiritualmente, estava influenciada pelo rigorismo da época, pelo medo de um Deus justiceiro inculcado pelo jansenismo. Tudo isto não deixava de pôr obstáculos ao dinamismo do amor e ao equilíbrio, que Santa Teresa de Jesus tinha procurado proteger com realismo humano e espiritual. Nesse ambiente, com pessoas concretas com nome e sobrenome, qualidades e defeitos, Teresa de Lisieux vive o amor fraterno e as suas exigências.

47. Num bom número de páginas do manuscrito C dirigido à Madre Maria de Gonzaga, Priora do Mosteiro, Teresa descreve como foi compreendendo e vivendo o mandamento de Jesus de amar ao próximo como Ele nos amou. Isto levou-a a suportar os defeitos das outras, a não estranhar as suas fraquezas, a edificar-se com os seus pequenos atos de virtude, a julgar a todas com benignidade e compreensão. Descreve ainda pequenos fatos concretos, que desafiaram o seu exercício de amor ao próximo e dificultaram o crescimento na comunhão[36]. Nos pequenos esforços, serviços e sacrifícios da vida fraterna em comunidade a nossa irmã viveu o mandamento do amor.

48. A dimensão de comunhão, que a vocação à vida consagrada tem em si e que vem assinalada na nossa Regra, foi posta em relevo novamente pelo documento Vita Consecrata na sua segunda parte, que tem como título: "Signum Fraternitatis. A Vida Consagrada, Sinal de Comunhão na Igreja"[37].
            O mistério pascal ajuda a compreender que sem renúncia, sem cruz, sem entrega generosa, abertura e perdão, não é possível viver o amor ao próximo no estilo de Jesus. Teresa de Lisieux é para nós estímulo e mestra para, no meio das dificuldades, nas circunstâncias concretas das nossas comunidades, vivermos com realismo espiritual a nova comunhão e fraternidade em Cristo.

3. Um Deus que nos pede para anunciar a Boa Nova

Dimensão missionária: amar a Jesus e fazê-lo amado

49. O compromisso da evangelização é uma expressão de amor universal. Testemunhar e anunciar aos outros a nova vida em Cristo e a sua mensagem de esperança é amá-los. Teresa, monja contemplativa, não deixou de viver o dinamismo missionário e apostólico da vocação cristã. A partir da sua vocação particular no Carmelo, ela quis colaborar com Jesus na redenção do mundo, não apenas até o final da sua vida, mas até o fim do mundo[38].
            Nas suas correspondências epistolares com os seus irmãos missionários ela repete de muitas maneiras a dimensão apostólica e missionária da carmelita contemplativa. Entre outras coisas afirma: "Você sabe disto, uma carmelita que não fosse apóstolo estaria distante da meta da sua vocação e deixaria de ser filha da seráfica Santa Teresa, que desejava dar mil vidas para salvar uma só alma"[39]. Por isso quer viver todas as vocações[40]. A eficácia da evangelização estabeleceu-a no amor. Pede aos Santos que lhe dêem em dobro o seu amor[41].

50. Chamados ao Carmelo, fomos consagrados para a missão. Temos, "a missão profética de recordar e servir o desígnio de Deus a respeito dos homens, tal como foi anunciado pelas Escrituras e como se depreende de uma atenta leitura dos sinais da ação providencial de Deus na História. É o projeto de uma humanidade salva e reconciliada"[42]. Com a nossa irmã Teresa devemos aprender a orientação apostólica do nosso amor cristão; a convicção da força evangelizadora da oração e a necessidade de uma espiritualidade encarnada na realidade de cada dia. A evangelização não é simples informação.
            É a manifestação da nossa filiação divina que nos faz crescer no amor e na solidariedade. Exige-se viver a experiência dos sofrimentos e angústias dos nossos irmãos e irmãs e assumi-los a partir desta perspectiva. Assim o fez Teresa, aceitando a provação das dúvidas dos sem-fé para lhes alcançar a graça de superá-las. Senta-se à mesa dos pecadores e dos que rechaçam a fé e sofre com eles o vazio e a obscuridade: vossa filha "vos pede perdão pelos seus irmãos: ela aceita comer, por todo o tempo que vós queirais, o pão da dor, e não quer, antes do dia que tenhais marcado, levantar-se desta mesa cheia de amargura, onde comem os pobres pecadores"[43]. É este também um modo de oferecer uma resposta de espiritualidade à busca do sagrado e à nostalgia de Deus, que sempre pairam sobre o coração das pessoas[44].

51. Tem este amor uma dimensão social também que, com os matizes peculiares de cada vocação no Carmelo, nos empenha num serviço de promoção integral em favor da justiça e da paz no mundo, através de uma verdadeira humanização das pessoas. O amor ao próximo, para ser eficaz, deve exprimir-se de acordo com as exigências do mundo de hoje. Nele se nos pede ter uma perspectiva social do amor, porque os recursos do amor individual são cada vez mais limitados. O próximo necessitado não são indivíduos isolados, e sim massas oprimidas por estruturas humanas injustas e desumanizadoras.
            A presença do amor cristão se manifesta urgente e necessária no trabalho de mudança e transformação das estruturas. A caridade é mais forte do que as divisões, e ajuda, na luta por um mundo mais justo, a vencer o ódio, que terminaria fazendo do oprimido um opressor. Só o amor a Jesus e o testemunho da sua vida e da sua doutrina permitem a verdadeira reconciliação fraterna. A doutrina do Caminho da Infância Espiritual é uma força incrível de transformação social frente aos abusos do poder no seio da sociedade.

Juntos a Maria de Nazaré

52. A Virgem Maria é para nós modelo da consagração e do seguimento, que nos recorda a primazia da iniciativa de Deus e nos ensina a acolher a sua graça. Ela é "mestra de seguimento incondicional e de serviço assíduo"[45]. Na mais pura tradição do Carmelo, Teresa de Lisieux viveu a presença e proximidade da Mãe de Jesus. Antecipando-se ao Vaticano II, descobriu a mulher simples de Nazaré, peregrina da fé e da esperança, Mãe e Modelo. Pode-se dizer que vive pertinho dela.

53. Teresa rechaça as apresentações de Maria, que se dedicam a exaltar a sua grandeza, sem ter em conta a sua vida terrena: "para que um sermão sobre a Virgem me agrade e me faça bem é necessário que eu veja a sua vida real, não a sua vida imaginada; e eu estou segura de que a sua vida real devia ter sido completamente simples. A nós apresentam-na como inatingível, e teriam que apresentá-la imitável, pôr em relevo as suas virtudes, dizer que ela vivia de fé como nós todos (...). Ela é mais Mãe do que Rainha"[46].
            A sua última poesia, dedicada à Virgem, tem como título: "Porque te amo, ó Maria!" É um recurso às páginas do Evangelho, onde se vão descobrindo o seu amor a Deus e ao próximo, a sua pobreza, o seu silêncio contemplativo, a sua simplicidade, a sua fé, a sua esperança, a sua disponibilidade e obediência em aceitar a vontade de Deus. O Evangelho descobre-lhe quem é Maria, e o seu coração, na experiência de cada dia em comunhão com a Virgem, lhe revela a sua verdadeira personalidade[47].

54. Nos ensinamentos de Teresa encontramos um caminho para aprofundar e renovar a nossa vida mariana sob a luz do Evangelho e da intimidade com Maria. A nossa devoção, testemunhos e pregações encontrarão uma base sólida na redescoberta de Maria dentro do mistério de Cristo e da Igreja. A Virgem Maria, com a sua presença, preenche toda a história da Ordem, desde as suas origens no Monte Carmelo.
            Ela é, sobretudo, modelo do seguimento de Jesus na fé e na contemplação. De modo especial ela nos ensina - e esta foi também a vivência de Teresa de Lisieux - as atitudes do orante: discernimento e disponibilidade (Anunciação), louvor e ação de graças pelo que na história Deus faz em favor dos pobres e humildes (Magníficat), confiança (Caná da Galiléia), olhar contemplativo e paciente até se fazer a luz, guardando tudo no coração, sem compreender muitas coisas (Encontro de Jesus no Templo), fidelidade nas provações (ao pé da Cruz), comunhão e eclesialidade (orando com os discípulos).

Testemunho profético perante os desafios

55. A Vida Cristã e, em particular, a Vida Consagrada são chamadas a dar o testemunho profético do anúncio dos valores do Evangelho e da denúncia de tudo o que se lhes opõe. Ao destacar    o caráter profético das pessoas consagradas "como uma forma de especial participação na função profética de Cristo comunicada pelo Espírito Santo a todo o Povo de Deus", João Paulo II recordou a figura de Elias, "profeta audaz e amigo de Deus", como modelo do autêntico profetismo. Na descrição, que faz de Elias, diz que vivia na presença do Senhor "e contemplava em silêncio a sua passagem, intercedia pelo povo e proclamava com valentia a sua vontade, levantando-se em defesa dos pobres contra os poderosos do mundo"[48].

56. Sob esta perspectiva, Teresa de Lisieux pode ser chamada profeta dos novos tempos. Foi com razão qualificada como "profeta da juventude", como "sinal de esperança", "profeta da santidade", que ela propõe como vocação de todos, "profeta da atualidade da Redenção", ao salientar a força invisível do amor[49]. Mulher de grandes desejos, que sinalizam a sua caminhada pascal, tem ela muito a dizer a uma humanidade, que anda à procura e vive insatisfeita.
            Na mais pura linha da tradição do Carmelo, Teresa de Lisieux contempla a Elias Profeta como modelo de vida. Sente-se atraída pela experiência de Deus, que o profeta teve na "brisa suave"[50], mas também pela sua luta contra os profetas de Baal: "depois de ter-nos mostrado as origens ilustres da nossa santa Ordem, depois de nos ter comparado ao profeta Elias a lutar contra os sacerdotes de Baal, ele declarou «que tempos semelhantes aos da perseguição de Acab iam recomeçar». Parecia-nos já estar voando para o martírio"[51].

57. Na fidelidade à nossa vocação carmelitana estamos chamados a viver a dimensão profética pelo testemunho de uma vida que ponha em relevo a primazia de Deus por meio de uma experiência da sua presença no coração do mundo, numa abertura, que descubra esta presença de um modo sempre novo e surpreendente como o que teve Elias na brisa suave, e que depois nos leve a entregar-nos ao serviço dos irmãos e das irmãs para ajudá-los na sua libertação integral. A vida fraterna, com efeito, "é um ato profético numa sociedade, onde, sem se dar conta, se esconde às vezes um anseio profundo de fraternidade sem fronteiras". Além disto, "da coerência entre o anúncio e a vida deriva-se uma força especial da profecia"[52].

Presença viva e orientadora

58. O caráter evangélico da experiência e doutrina de Teresa de Lisieux dá-lhe permanente atualidade. A simplicidade, a confiança e o abandono em Deus, experimentados e proclamados por Teresa de Lisieux, são capazes de inspirar um compromisso pela justiça e pela paz no mundo[53].

59. A influência da nossa irmã Teresa de Lisieux na Igreja e no mundo de hoje é indiscutível. Disto teve ela intuição quando, antes de morrer, afirmou: "Sinto mais do que tudo que a minha missão vai começar, a minha missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de oferecer o meu pequeno caminho às almas. Se Deus escutar os meus desejos, o meu Céu se passará sobre a terra até o fim do mundo. Sim! Eu quero passar o meu Céu fazendo o bem sobre a terra"[54].

C0NCLUSÃO

            Com a nossa irmã Teresa renovar a nossa vida contemplativa e       apostólica

60. O Centenário da morte de Teresa de Lisieux, nossa irmã, é um convite de Deus para renovar-nos sob a luz da sua experiência e da sua doutrina. Como disse João Paulo II aos consagrados e consagradas, não temos apenas "uma história gloriosa para recordar e contar, mas uma grande história para construir"[55]. Temos que lançar os olhos rumo ao futuro, "até onde o Espírito nos impelir para continuar fazendo conosco grandes coisas".
            Teresa, nossa irmã, indica-nos o caminho do retorno ao Evangelho como a única maneira de tornar realidade a fidelidade criativa ao nosso carisma.

61. Ela nos ensina a centralidade do amor, que simplifica e comunica a verdadeira liberdade e libertação, que conduzem à maturidade da identidade cristã, religiosa e carmelita. Num mundo de angústias e temores, ela nos orienta à confiança e ao abandono no Senhor, que superam todos os medos. Diante dos nossos idealismos desencarnados, ela nos oferece um realismo espiritual e evangélico para sermos profetas de um Deus presente, próximo e libertador.
            A sua mensagem é um desafio para a espiritualidade de hoje na Igreja, como o perceberam, não só as pessoas consagradas à contemplação, mas também aqueles que trabalham no campo de uma evangelização comprometida com a promoção humana, o desenvolvimento e a libertação[56]. A infância espiritual é conceito evangélico, que implica na consciência do dom que temos recebido de sermos filhos e filhas de Deus, e é a resposta, que nos orienta para a fraternidade.

62. Irmãos e irmãs no Carmelo, demos graças ao Senhor pelo dom da nossa irmã, Teresa de Lisieux, à Igreja, ao mundo e ao Carmelo. Experimentemos a sua presença e proximidade na celebração do Centenário da sua morte e continuemos, pela nossa vida de oração, fraternidade e compromisso apostólico, a testemunhar o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo com a força do seu Espírito.

PARA REFLEXÃO PESSOAL E COMUNITÁRIA         
                                                             
1. Que aspectos da experiência e  da doutrina  de Teresa de Lisieux você considera mais importante no seu contexto sócio-cultural e eclesial?  Por quê?                      
                                                             
2. Qual é o principal ensinamento de Teresa de Lisieux para a nossa renovação criativa, espiritual e apostólica? 
                                                             
3. Como reler hoje os ensinamentos de Teresa de Lisieux? 

Í N D I C E

RETORNAR AO EVANGELHO

A mensagem de Teresa de Lisieux----------------------1
Mulher Evangélica e Contemplativa--------------------1
Reler a mensagem de Teresa de Lisieux----------------2
Atualidade eclesial de Teresa de Lisieux-------------2
Convite ao essencial---------------------------------3

I. O PROJETO DE VIDA DE JESUS
1. Do fatalismo à responsabilidade de filhos e filhasde Deus-------------------------------------4
2. Da divisão à comunhão na fraternidade-------------5
3. De um  uso  egoísta para um  uso compartilhado dos       bens------------------------------------6

II.TERESA DE LISIEUX VIVE E TESTEMUNHA O PROJETO DE JESUS
1. Um Deus próximo de nós e que nos ama--------------7
Beber na fonte viva da Palavra de Deus----------7
Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus----9
A oração como diálogo simples e filial----------9
Da santidade como  "perfeição"  à santidade como comunhão-------------------------10
Fidelidade à missão e purificação da fé---------11
2. Um Deus que cria nossa fraternidade---------------12
As dimensões evangélicas do amor fraterno-------12
Amor fraterno e vida em comunidade--------------13
3. Um Deus que nos pede para anunciar a Boa Nova-----14
Dimensão  missionária: amar  a  Jesus e  fazê-lo       amado------------------------14
Juntos a Maria de Nazaré------------------------15
Testemunho profético perante os desafios--------17
Presença viva e orientadora---------------------18

CONCLUSÃO
 Com a  nossa  irmã  Teresa renovar  a  nossa  vida   contemplativa e apostólica-------19
PARA REFLEXÃO PESSOAL E COMUNITÁRIA - 20

ÍNDICE - 21





    [1]. VC 57. São as seguintes as siglas que usaremos: VC = "Vita Consecrata"; GS = "Gaudium et Spes"; DV = "Dei Verbum"; EN = "Evangelii Nuntiandi"; R = Regra do Carmo (o número citado primeiro é do modo de numerar da O.Carm., e entre parênteses vem a numeração usada pela OCD).
    [2]. L'Osservatore Romano  5 de janeiro de 1995  p.4.
    [3]. VC 46.
    [4]. Ibid 77.
    [5]. Ibid  nota 72.
    [6]. GS 22.
    [7]. Documento de Puebla 196.
    [8]. VC 57-58.
    [9]. Puebla  1142.
    [10]. DV 25.
    [11]. Cf R 7(8).
    [12]. Cf Vida 26,5.
    [13]. Subida  III, 22.
    [14]. História de uma alma VIII  (Manuscrito A  83v - p. 225 da tradução das carmelitas de Cotia[SP]  1958 = MAC). Cf Catecismo da Igreja Católica  n.127.
    [15]. Ibid.
    [16]. Ibid.
    [17]. Cf História de uma alma X (Manuscrito C 4r.- p. 265 da MAC).
    [18]. VC 94.
    [19]. Ibid. 94.
    [20]. Cf R 14(16).
    [21]. História de uma alma VIII (manuscrito A  83r. - p.226 da MAC).
    [22]. Cf Santa Teresa Vida 8,5: "que oração mental não é outra coisa, no meu parecer, senão tratar de amizade, estando muitas vezes tratando a sós com quem sabemos que nos ama".
    [23]. Santa Teresa  Vida 8,5 e Caminho 31,9.
    [24]. História de uma alma  XI (Manuscrito C 24v - p.302 da MAC).
    [25]. História de um alma  XI (Manuscrito C 25r e v. - p.304 da MAC). Com esta definição da oração começa no Catecismo da Igreja Católica  n.2559 a seção dedicada à Oração.
    [26]. História de uma alma  IX (Manuscrito B 1r. e v. - p.237 da MAC).
    [27]. Carta 197 (176) a Sóror Maria do Sagrado Coração - 17 de setembro de 1896.
    [28]. VC 19.
    [29]. História de uma Alma  IX (manuscrito B  3v. - p.247 da tradução da MAC).
    [30]. Título do Livro de GUY GAUCHER.
    [31]. História de uma alma  VIII  (Manuscrito A 80v. - p.217-218 da tradução da MAC).
    [32]. Cf VC 24.
    [33]. Ibid. 72.
    [34]. Cf R 14(16).
    [35]. VC 24.
    [36]. Cf História de uma alma  X-XI (Manuscrito C 11v-22v - p.278-300 da MAC).
    [37]. Já antes, em fevereiro de 1994, a Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica publicou um documento: A vida fraterna em comunidade, com orientações concretas e realistas para se ir crescendo como famílias reunidas em nome do Senhor.
    [38]. Cf História de uma alma  IX (Manuscrito B 3r. - p.245 da MAC.
    [39]. Carta 198 (177), ao Padre Maurício Bellière; 21 de outubro de 1896.
    [40]. Cf História de uma alma IX (Manuscrito B 2v. - p. 244 da MAC).
    [41]. Cf História de uma alma IX  (Manuscrito B 4r. - p.248 da MAC).
    [42]. VC 73.
    [43]. História de uma alma  X  (Manuscrito C 6r. - p.268 da MAC).
    [44]. Cf VC 103.
    [45]. VC 28.
    [46]. Últimas Conversações  - 21 de agosto de 1897.
    [47]. Poesia  54,15.
    [48]. VC 84.
    [49]. Cf J.M.LUSTIGER em La petite Thérèse, "la plus grande sainte des temps modernes" - Homilia em Lisieux por ocasião da festa de Santa Teresinha em 25 de setembro de 1983.
    [50]. Cf História de uma alma IV e VIII (Manuscrito A 36v. e 76v. - p.110 e 209 da MAC.
    [51]. Carta 192 à Sra. Guérin em 6 de setembro de 1896.
    [52]. VC 85.
    [53]. A este propósito há um testemunho de um sacerdote norte-americano, que foi encarcerado por ter protestado contra o fato de que as tropas de El Salvador tinham sido treinadas nos Estados Unidos para matar os seus irmãos e irmãs. Da cela da sua prisão escrevia em 1985: "Como alma moderna a lutar pela união com Deus, sinto que a espiritualidade de Santa Teresa (de Lisieux) é tão válida hoje como era em 1897. É uma espiritualidade para todos os tempos e para todas as idades. Eu me pergunto que transformação haveria no meu próprio coração e no coração do mundo, se a simplicidade, a confiança e o abandono em Deus fossem tomados a sério. Quanto mais esta alma «moderna» (refere-se a si mesmo) vê claramente a realidade do mundo moderno, onde está vivendo, tanto mais se lhe aparece convincente a forma como Santa Teresa busca a união com Deus, a justiça e a paz no mundo" [ROY BOURGEOISE (sacerdote de Maryknoll) em Letter from a Federal Cell 1985. Citado por CACKERMAN-J.HALEY em Reinterpreting Thérèse of Lisieux for Today - Cf "Spiritual Life" v.35 n.2 (Summer 1989) p.96].
54]. Últimas conversações - 17 de setembro de 1897. Cf. Catecismo da Igreja Católica n.956.
[55]. VC 110.
[56]. Cf EN 31.