Carta Circular dos Superiores Gerais O.Carm. e OCD.
Por ocasião do Centenário da morte de SANTA TERESA DE LISIEUX
Roma, 16 de julho de 1996
Solenidade de Santa Maria do Monte Carmelo
Fr. José Chalmers O.Carm.
Fr. Camilo Maccise OCD
Queridos irmãos e irmãs no Carmelo.
1. Estamos uns meses distantes do início das celebrações do Centenário da morte da nossa irmã, Teresa de Lisieux. Tal aniversário nos fez volver os olhos para esta jovem carmelita, membro do Carmelo Teresiano da França, que soube exprimir nos seus escritos a sua profunda visão das relações entre Deus e a criatura humana, fruto da sua experiência pessoal, guiada pela ação do Espírito Santo.
2. Foi sua missão recordar-nos o essencial da mensagem cristã: que Deus é amor e que Ele se entrega gratuitamente aos que são evangelicamente pobres; que a santidade não é fruto dos nossos esforços, mas da ação de Deus, que nos pede unicamente um amoroso abandono à sua graça salvadora. Por isto os seus ensinamentos não perderam a atualidade e tiveram uma influência tal que mais de trinta Conferências Episcopais e milhares de cristãos solicitaram que ela seja declarada Doutora da Igreja.
Mulher Evangélica e Contemplativa
3. Teresa de Lisieux passou a sua vida religiosa na clausura de um Carmelo e foi, mesmo assim, declarada Padroeira das Missões, porque soube unir a espiritualidade contemplativa com a dimensão apostólica. Igualmente, transmitiu a sua experiência evangélica com uma linguagem simples e vital, capaz de ser compreendida e assimilada pelos cristãos de todos os povos e de todas as culturas. Antecipou-se ao Vaticano II quanto ao retorno ao Evangelho e à Palavra de Deus, ao Jesus da História e ao seu mistério pascal de morte e ressurreição. Salientou a prioridade do amor na Igreja, Corpo de Cristo. Testemunhou a espiritualidade da vida comum e a chamada à santidade.
4. A experiência de Teresa de Lisieux, como mulher, adquire valor especial em nossa época, na qual se vão abrindo novas perspectivas de presença e ação para a mulher na sociedade e na Igreja. A mulher é chamada a ser "um sinal da ternura de Deus para com o gênero humano"[1], e a enriquecer a humanidade com o seu "gênio feminino". Estas duas coisas a nossa irmã realizou na sua vida e nos seus escritos.
Reler a mensagem de Teresa de Lisieux
5. A leitura das obras da nossa irmã Teresa, feita no contexto social e eclesial do nosso tempo e a partir da nossa própria cultura, ajudar-nos-á a nos concentrarmos no essencial: a aber-tura confiante para Deus, Pai amoroso, que nos ama e compreende; o seguimento de Jesus, nosso Irmão, presente e próximo, Caminho, Verdade e Vida; a docilidade ao Espírito Santo, que conduz a História, a história das nossas famílias religiosas e a nossa história pequenina. E tudo isto na aceitação da nossa pobreza e debilidade, com a certeza de que nada e ninguém pode separar-nos do amor de Deus em Cristo Jesus (cf. Rm 8,37-39).
6. Esperamos que as nossas reflexões servir-vos-ão para man-terdes vivo o dinamismo desta celebração, que deve transformar-se num momento de graça para todo o Carmelo: religiosos, religiosas, sacerdotes e leigos.
Atualidade eclesial de Teresa de Lisieux
"Seja-me permitido concluir este relatório recordando aquela mulher que é um testemunho excelente da Vida Consagrada na missão da Igreja: Santa Teresa do Menino Jesus (...). Esta monja do Carmelo de Lisieux distinguiu-se pela sua humildade, sua simpli-cidade evangélica e pela confiança em Deus (...). Nas suas notas autobiográficas ela recorda, entre outras coisas, que «ao desejar intensamente o martírio, fui procurar nas cartas de São Paulo uma resposta. O Apóstolo explica que os mais altos carismas não são nada sem a caridade e que esta mesma caridade é o melhor caminho para se chegar com segurança até Deus. Então eu encontrei a paz (...), eu serei o Amor no coração da Igreja, minha Mãe»".
8. Na audiência do dia 4 de janeiro de 1995, João Paulo, ao falar sobre o compromisso da Vida Consagrada com a oração, fez ver a importância que a oração tem na evangelização, e concluiu desta maneira":
"A este propósito é belo concluir a presente catequese com a lembrança de Santa Teresa do Menino Jesus, que com a sua oração e o seu sacrifício servia à evangelização como se - até mais - se houvesse dedicado à ação missionária, a tal ponto que foi procla-mada Padroeira das Missões"[2].
9. A Exortação Apostólica pós-sinodal Vita Consecrata menciona também nossa irmã, salientando o seu anseio de ser o amor no co-ração da Igreja[3] e o seu ideal de se ver envolvida numa colabo-ração singular com a atividade missionária, repetindo tantas vezes o seu desejo de amar a Jesus e fazê-lo amado [4], a partir da sua comunhão com Ele: "Ser tua esposa, ó Jesus, (...) ser, na minha união contigo, mãe das almas"[5].
Convite ao essencial
10. Teresa de Lisieux soube exprimir no seu nome de religiosa, "do Menino Jesus e da Sagrada Face", todo o processo da sua vida, que a levou à maturidade espiritual através do aniquilamento da Encarnação (kenósis) e do sofrimento de Jesus, que pelo seu mis-tério pascal nos liberta de toda escravidão. Teresa soube compre-ender e viver o projeto de vida de Jesus, que transforma toda a nossa esfera de relacionamentos e dá uma nova dimensão às nossas relações com Deus, com os outros e com as coisas. Diante do projeto de morte, que nos domina e escraviza em todos os setores, encontramos o projeto de vida do Evangelho, que nos liberta e nos transforma. A missão de Teresa de Lisieux foi precisamente a de nos recordar estas verdades e concentrar-nos novamente no essen-cial.
11. Na perspectiva do projeto de Jesus, que relembraremos com brevidade, nós nos aprofundaremos na mensagem de Santa Teresa de Lisieux: ela nos convida a passar do Deus-Juiz para o Deus Pai-Mãe, da desconfiança para a confiança e abandono a Ele, da procu-ra da perfeição para a procura da comunhão com Deus, da compli-cação para a simplicidade, das leis que escravizam para a lei do amor concreto e eficaz que liberta, da imaturidade para a maturi-dade, do ascetismo exterior para a abnegação evangélica, dos mé-ritos para as mãos vazias, das considerações puramente espiri-tuais para a Palavra de Deus, de uma oração complicada para um olhar simples e contemplativo, da Maria inatingível para a Maria do Evangelho, tão próxima.
I.O PROJETO DE VIDA DE JESUS
12. O Evangelho de Jesus, a Boa Nova que Ele comunica, é a pro-clamação da vida e da liberdade. Uma liberdade, que é símbolo do amor, que se esquece de si mesmo e se entrega pelo bem dos ou-tros.
13. Jesus, durante a sua vida terrena e nas suas pregações, rea-lizou o seu compromisso com a vida, até aceitar um processo de morte, que culminou com a cruz. Ao encarnar-se, Jesus assume a condição humana e a valoriza em toda a sua dignidade. Isto o le-vou a respeitar a vida de cada pessoa e a lutar contra tudo o que a diminui e oprime. Nunca permanece insensível e indiferente di-ante do sofrimento e da morte. Pelas suas atitudes revela o desí-gnio de Deus, que é um projeto de vida. Até mesmo o sofrimento, nos desígnios de Deus, é um caminho de vida e de ressurreição.
14. O Deus da vida se fez presente em Jesus de Nazaré. Jesus, que era a Palavra da vida (Jo 1,4), veio para comunicar-nos a vida em abundância (cf Jo 10,10) e para transformar-nos em filhos de Deus (Jo 1,14). Na sinagoga de Nazaré, ao comentar o anúncio da Boa Nova de vida, Jesus apresentou-a também como libertação (Lc 4,17-21). Neste seu discurso programático apontou algumas escravidões e opressões que dominam o ser humano e o mantêm numa situação de morte.
15. O projeto de vida, que Jesus apresenta e inicia, atinge as três esferas de relacionamento do ser humano: Deus, os outros e as coisas.
1. Do fatalismo à responsabilidade de filhos e filhas de Deus
16. Ao projeto de morte, que considerava Deus como Criador pode-roso e terrível, Jesus opôs o seu projeto de vida, revelando a Deus como Pai-Mãe que, longe de nos impor um destino, ajuda-nos a superar o fatalismo e sentir-nos seus colaboradores livres e res-ponsáveis. As relações com o Deus da vida, segundo Jesus, são re-lações de amor e de confiança.
17. A revelação do rosto do Pai feita por Jesus é o eixo de toda a vida do cristão e se transforma no centro da sua existência. Este Deus de Jesus é um Deus que respeita a nossa liberdade. Um Deus sempre muito grande e fundamento único da nossa existência.
18. É a partir desta imagem do Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo que pode tornar-se realidade o compromisso com a vida em todas as suas dimensões.
2. Da divisão à comunhão na fraternidade
19. No projeto de vida apresentado e iniciado por Jesus, as re-lações com os outros se resumem no mandamento do amor ao próximo, baseado no mandamento do amor a Deus com todo o coração, com toda a alma e todas as forças (cf Mt 27,37-39).
20. Guiado por este amor, Jesus se coloca do lado dos margina-lizados e excluídos, destinados a morrer de muitas maneiras: po-bres, doentes, mulheres, crianças, pecadores, estrangeiros. A todos eles Jesus oferece a vida. Luta contra tudo o que se opõe à vida e, igualmente, contra tudo o que dá origem a divisões entre próximo e não-próximo, entre pagão e judeu, entre homem e mulher.
21. A pessoa humana é uma síntese da criação realizada na Palavra e para ela (cf Jo 1,3; Cl 1,15-16) e, por isso, é dona de uma sa-cralidade que lhe vem de Deus. O ser humano, à luz de Cristo, aparece no universo como aquele que ouve a Palavra de Deus e lhe responde em nome de todas as coisas, como interlocutor de Deus. Pela sua encarnação o Filho de Deus "de certo modo uniu-se a todo homem"[6]. Cristo, vizinho de nós, presente em todo ser humano, "com ternura especial quis identificar-se com os mais débeis e pobres"[7], como o manifesta no texto de Mateus 25,31-46.
22. Trata-se de uma presença sacramental, que revela e oculta ao mesmo tempo. No rosto de cada ser humano podemos encontrar algo do rosto de Jesus, Verbo da Vida. O mistério de Deus se intui em primeiro lugar na experiência irrepetível de cada pessoa. E ainda na realidade autônoma e recíproca do homem e da mulher. João Pau-lo pôs em relevo a dignidade da mulher e a sua "contribuição es-pecífica para a vida e para a ação pastoral e missionária da Igreja (...), que espera (delas) uma contribuição original para promover (...), especialmente, o que se refere à dignidade da mulher e ao respeito pela vida humana (...), assim como a pro-moção dos bens fundamentais da vida e da paz"[8].
23. A descoberta de Deus presente nos outros traz consigo uma transformação no relacionamento humano e leva a viver o compro-misso de uma caridade concreta e eficaz; exige a abertura à fraternidade universal na Igreja e na sociedade e pede um com-promisso com tudo o que implique vida, comunhão e participação, a partir de uma opção preferencial pelos pobres, nos quais a imagem de Deus "está ensombreada e escarnecida"[9].
3. De um uso egoísta dos bens para um uso compartilhado
24. No projeto de vida de Jesus, as relações com as coisas se transformam. Somos convidados a passar de um uso das coisas que nos aliena e escraviza, e leva a oprimir os outros e colocá-los em situações de morte, para o uso delas com liberdade e, sobre-tudo, a compartilhá-las com o próximo numa sociedade justa e hu-mana para todos. Para Jesus as coisas deveriam ser um lugar de encontro com Deus e com os irmãos e irmãs e um meio de comunica-ção e comunhão entre as pessoas.
25. A mensagem religiosa de Jesus tem conseqüências sociais, que desembocam num compromisso com a justiça como fonte de vida. Aí está expressa a dimensão comunitária e social do mandamento do amor. Jesus anunciou o Reino de Deus, seu supremo projeto de vida, e tem isto repercussões nas estruturas da convivência humana. Quando estas estruturas se baseiam na injustiça e na opressão, convertem-se elas em instrumentos da morte. Neste ponto os ensinamentos de Cristo questionam e interpelam fortemente e convidam a um compromisso com a justiça-vida.
II. TERESA DE LISIEUX VIVE E TESTEMUNHA O PROJETO DE JESUS
26. A celebração do Centenário da nossa irmã é uma ocasião para reler a sua vida e os seus escritos sob a perspectiva do projeto de vida de Jesus e desde o nosso meio ambiente sócio-cultural e eclesial. Porém, a consideração da sua experiência espiritual exige de todos, sobretudo, uma renovação em profundidade da nossa vida de carmelitas. Teresinha nos faz lembrar os valores funda-mentais do Evangelho e nos convida a concentrar-nos neles. A par-tir da leitura e meditação da palavra de Deus ela nos descobre o essencial nas relações com Deus, com o próximo e com as coisas; ela vive o essencial com simplicidade, naturalidade e em profun-didade e o transmite com a sua vida e com os seus escritos.
1. Um Deus próximo de nós e que nos ama
Beber na fonte viva da Palavra de Deus
27. Teresa de Lisieux alimentou a sua vida e espiritualidade nas fontes puríssimas da palavra de Deus. Numa época pouco aberta à leitura da Bíblia, ela realizou o que o Concílio pediria mais tarde a todos os cristãos, em especial às pessoas consagradas: adquirir "o sublime conhecimento de Jesus Cristo com a leitura freqüente das divinas Escrituras, «porque ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo»"[10].
28. Fiel ao mandato da Regra, Teresa meditou dia e noite na lei do Senhor e vigiou em oração[11]. Como Teresa de Jesus, sua mãe, ela encontrou em Jesus o livro vivo[12] e, à imitação de São João da Cruz, soube "pôr os olhos em Cristo"[13]. Ela mesma nos diz como, pouco a pouco, da leitura de livros espirituais, que muito a ajudaram no seu caminho, especialmente São João da Cruz, foi passando a concentrar-se na Escritura, particularmente nos Evangelhos:
"mais tarde todos os livros me deixaram na aridez (...). Se abro um livro composto por um autor espiritual (...) sinto logo que o meu coração se fecha e leio sem entender ou, se entendo, o meu espírito se detém, sem poder meditar... Nesta impotência a Escritura Santa e a Imitação vêm em minha ajuda: nelas encontro um alimento sólido e completamente puro. Mas é acima de tudo o Evangelho que me sustenta durante as minhas orações; nele encontro tudo o que é necessário para a minha pobre almazinha. Sempre descubro nele novas luzes, sentidos ocultos e misteriosos... Compreendo e sei por experiência «Que o Reino de Deus está dentro de nós»"[14].
29. A leitura e meditação da Palavra de Deus levou-a a descobrir o essencial da mensagem de Jesus na vida de cada dia. Esta relação entre a Palavra de Deus e a existência concreta faz com que "justamente nos momentos, em que tenho necessidade, descubra luzes, que antes ainda não tinha visto (...); é no meio das ocupações da minha jornada..."[15]. Mais ainda, é através da sua Palavra libertadora que Jesus se faz presente em Teresa de Lisieux: "jamais o ouvi falar, mas sinto que está em mim; a cada instante guia-me e inspira-me o que devo dizer ou fazer"[16].
30. Na sua missão de recordar-nos o essencial, a nossa irmã Teresa coloca-nos diante da Palavra de Deus como lâmpada, que ilumina os nossos passos (cf. Sl 119[118] 105)[17], e lembra-nos que a condição para entender a mensagem de Deus é ter um coração de criança, aberto e disponível ao que o Espirito nos vá descobrindo como exigência da nossa vocação e missão na Igreja.
31. É preciso viver na escuta da palavra de Deus. Ela é "fonte de toda espiritualidade cristã"[18]. A Igreja recomenda a meditação comunitária da Bíblia não apenas às pessoas consagradas, mas também a todos os membros do Povo de Deus. "Do contacto assíduo com a Palavra de Deus alcançaram a luz necessária para o discernimento pessoal e comunitário, que lhes tem servido para buscarem os caminhos do Senhor nos sinais dos tempos"[19].
32. A Teresa de Lisieux, que desejou conhecer as línguas bíblicas para melhor saborear a palavra de Deus, não coube a felicidade de viver o novo abeirar-se da Igreja às Escrituras. Tampouco teve ao seu alcance as possibilidades, que hoje temos, de um melhor conhecimento e assimilação da mensagem bíblica. Apesar disto, fez realidade a prescrição da Regra do Carmelo de ter abundantemente, na boca e no coração, a Palavra de Deus para tudo nela fazer[20]. Como a nossa irmã, leiamos e meditemos a palavra de Deus e ponhamos em prática as suas exigências, empregando os meios novos, que Deus nos oferece neste momento da história da Igreja, para aprofundar e melhor compreender a sua palavra.
Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus
33. Teresa viveu numa época caracterizada por uma espiritualidade jansenista, que deformava o rosto de Deus, apresentando-o, unilateralmente, como juiz severo, que podia pedir, inclusive, o oferecimento como vítima para acalmar a sua justiça.
34. A leitura e a meditação da Escritura colocou Teresa de Lisieux à escuta de Jesus, que lhe revelou o verdadeiro rosto de Deus: Pai-Mãe de misericórdia, que nos convida a viver numa atitude de filhos e filhas, no abandono e na confiança, entregues ao amor divino, assumindo com responsabilidade, como Cristo, a missão de proclamar o projeto de Deus sobre a humanidade. Compreendeu "como Jesus deseja ser amado"[21] e ofereceu-se como vítima ao Amor Misericordioso, que deseja comunicar-se a todos.
A oração como diálogo simples e filial
35. Em consonância com a sua mãe Teresa de Ávila[22], Teresa de Lisieux vive a oração como diálogo confiante e amoroso com um Deus Pai-Mãe[23]. Transforma em experiência vital a força que a oração comunica, e se abre à necessidade da abnegação evangélica, para que a oração seja autêntica: "é a oração, é o sacrifício que constituem toda a minha força; são as armas invencíveis, que Jesus me deu e, bem mais do que as palavras, podem tocar as almas"[24].
Ela viveu um tipo de oração cada vez mais simples, que a colocava sobre a fonte de água viva ou junto ao fogo divino que purifica e transforma: "para mim a oração é um impulso do coração, um olhar simples para o céu, um grito de reconhecimento e de amor, no meio da provação como no meio do gozo; enfim, é algo de grande, de sobrenatural, que dilata a minha alma e me une a Jesus"[25].
Da santidade como "perfeição" à santidade como comunhão
36. Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus foi o ponto de impulso do caminho novo até à santidade, que ela viveu, sobretudo a partir de 1894, na experiência da sua fraqueza. Jesus lhe mostrou, como ela mesma conta, que o caminho é o do abandono e da confiança de uma criança, que se adormece nos braços do seu Pai, sem temor.
"«se alguém é pequeno, que venha até mim», diz o Espírito Santo por boca de Salomão, e este mesmo Espírito de Amor diz também que «a misericórdia se concede aos pequenos». Em seu nome o profeta Isaías nos revela que no último dia (...) «como uma mãe acaricia o seu filhinho, assim eu vos consolarei, carregar-vos-ei junto ao meu seio e vos acariciarei sobre os meus joelhos» (...). Jesus não pede grandes ações, mas somente abandono e gratidão»"[26].
37. Encontra-se aqui a passagem do temor para a confiança. Estamos diante de Deus como filhos e filhas diante de um pai e mãe. Deus faz tudo colaborar para o nosso bem, até mesmo as nossas deficiências e falhas:
"É a confiança, e somente a confiança, que nos deve conduzir ao Amor"; "o que lhe agrada é me ver amar a minha pequenez e a minha pobreza, é a esperança cega, que tenho na sua misericórdia" (...), para amar a Jesus, ser a sua pequena vítima de amor; quando alguém é mais fraco, sem desejos nem virtudes, tanto mais apto está para a ação deste amor, que consome e transforma"[27].
38. Na raiz da nossa vocação à Vida Consagrada no Carmelo está a iniciativa do Senhor. As pessoas chamadas, que respondem ao convite de Deus, entregam-se ao seu amor e realizam a entrega incondicional da sua vida, "consagrando tudo nas suas mãos, o presente e o futuro"[28]. Como Teresa de Lisieux somos chamados a viver em profundidade a experiência do rosto paterno-maternal de Deus, a viver uma oração como diálogo amoroso com Deus e com um olhar contemplativo da realidade, uma escuta de Deus para nos comprometermos com os nossos irmãos e irmãs; a encarar a santidade não como "perfeição", mas como comunhão com Deus por meio da fé, esperança e amor. Uma santidade teologal, como a apresentam a Regra e São João da Cruz, pai e mestre espiritual de Teresa de Lisieux, por meio dos seus escritos.
Fidelidade à missão e purificação da fé
39. A experiência gratuita do rosto paterno-maternal de Deus revelado em Jesus e a fidelidade à própria vocação e missão assumidas com responsabilidade, como filhos e filhas de Deus, entram na dinâmica do mistério pascal de morte e ressurreição; estão abertas à purificação e à provação da fé. Teresa de Lisieux soube exprimi-lo ao acrescentar ao seu nome, numa unidade inseparável, o Menino Jesus e a Sagrada Face. O Verbo Encarnado que, no mistério da sua infância, convida à confiança, ao amor, ao abandono, é o mesmo "servo sofredor", que nos introduz no mistério do sofrimento, que Ele passou antes de nós. Um sofrimento que parte da fidelidade à missão do seu "Abbá".
40. É no processo de purificação da sua fé que ela descobre e compreende a sua vocação. Os seus anseios apostólicos de proclamar a Boa Nova de Salvação transformam-se num martírio de amor, não vendo como poderá reajuntar tudo o que deseja e como poderá realizá-lo. Foi neste momento que Deus a fez compreender, sob a luz dos capítulos 12 e 13 da primeira Carta aos Coríntios, que a Igreja é como um corpo, e que neste corpo o amor é o coração, que põe em movimento os outros membros e que pelo amor ela abrange todas as vocações e abarca todos os tempos e todos os lugares, e exclama: "encontrei enfim a minha vocação... A MINHA VOCAÇÃO É O AMOR! (...) Assim serei tudo... assim o meu sonho se realizará !!![29]
41. Nas suas "Últimas Conversações" aparece fortemente o que foi chamado a "Paixão de Teresa de Lisieux"[30]. Trata-se das noites de purificação feitas de doenças, trevas, dúvidas, angústias mortais. No seu esforço de fidelidade à sua vocação contemplativa ela percorreu o caminho do Calvário: "Eu tinha então grandes provações interiores de toda espécie (até o ponto de me perguntar às vezes se existia um céu)"[31]. De modo particular, a noite purificadora torna-se mais densa nos últimos meses da sua vida. Nestes meses ela bebe o cálice da dor até à borra. Como Jesus ela entrega a sua vida pelo seu próximo.
42. A dimensão pascal da Vida Consagrada inclui também a cruz e o sofrimento na fidelidade ao cumprimento do compromisso para com a missão da Igreja[32], já que "a missão é essencial para cada Instituto, não somente nos de vida apostólica ativa, mas também nos de vida contemplativa. Com efeito, mais do que nas obras exteriores, a missão se realiza pelo fazer presente a Cristo no mundo mediante o testemunho pessoal"[33].
No cumprimento da nossa missão somos chamados, como Teresa de Lisieux, a viver a purificação da fé, que é o escudo que nos defende das tentações do mal[34], abraçando a cruz como "superabundância do amor de Deus que se derrama sobre este mundo, como o grande sinal da presença salvífica de Cristo. E isto especialmente nas dificuldades e provações"[35], nas situações difíceis, inclusive de perseguições e martírio.
2. Um Deus que cria nossa fraternidade
As dimensões evangélicas do amor fraterno
43. O segundo aspecto do projeto de Jesus é o da superação do ódio e da divisão, para se conseguir o encontro de amor e de comunhão com todos, para o qual Ele nos convoca. Esta exigência está intimamente ligada à descoberta do rosto paterno-maternal de Deus que, em Cristo, nos transformou em irmãos e irmãs. Trata-se da segunda parte do único mandamento do amor: amar o próximo como a nós mesmos.
44. Na experiência e na doutrina de Teresa de Lisieux encontramos a convicção de que a autenticidade do nosso amor a Deus se manifesta na qualidade do nosso amor aos outros. Como em círculos concêntricos a dimensão do amor fraterno vai-se abrindo a horizontes cada vez mais amplos, todos eles como uma expansão que parte do amor a Deus. O primeiro círculo é o dos mais próximos, o mais aberto é o de toda a humanidade. A confiança e o abandono nas mãos de Deus Pai-Mãe e o sentir-se por Ele amada são em Teresa de Lisieux a fonte do amor fraterno e do apostolado, expressão de amor a todos, ao querer comunicar-lhes a boa nova da salvação.
Amor fraterno e vida em comunidade
45. As dimensões evangélicas do amor fraterno vivem-se nas realidades concretas onde se desenvolve a nossa existência humana: família, comunidade religiosa, comunidades cristãs, Igreja, grupos humanos, sociedade. Aí encontramos luzes e sombras, aspectos positivos e negativos. A nossa irmã Teresa nos ensina a vivermos encarnados na realidade e a começarmos a viver o amor evangélico ali onde Deus nos colocou.
46. O Carmelo de Lisieux, quando Teresa ali entrou, era pequeno e pobre, no dizer de Maria, sua irmã. Contava com 26 religiosas. A média da idade da comunidade era de 47 anos. Humanamente era uma comunidade pobre e, espiritualmente, estava influenciada pelo rigorismo da época, pelo medo de um Deus justiceiro inculcado pelo jansenismo. Tudo isto não deixava de pôr obstáculos ao dinamismo do amor e ao equilíbrio, que Santa Teresa de Jesus tinha procurado proteger com realismo humano e espiritual. Nesse ambiente, com pessoas concretas com nome e sobrenome, qualidades e defeitos, Teresa de Lisieux vive o amor fraterno e as suas exigências.
47. Num bom número de páginas do manuscrito C dirigido à Madre Maria de Gonzaga, Priora do Mosteiro, Teresa descreve como foi compreendendo e vivendo o mandamento de Jesus de amar ao próximo como Ele nos amou. Isto levou-a a suportar os defeitos das outras, a não estranhar as suas fraquezas, a edificar-se com os seus pequenos atos de virtude, a julgar a todas com benignidade e compreensão. Descreve ainda pequenos fatos concretos, que desafiaram o seu exercício de amor ao próximo e dificultaram o crescimento na comunhão[36]. Nos pequenos esforços, serviços e sacrifícios da vida fraterna em comunidade a nossa irmã viveu o mandamento do amor.
48. A dimensão de comunhão, que a vocação à vida consagrada tem em si e que vem assinalada na nossa Regra, foi posta em relevo novamente pelo documento Vita Consecrata na sua segunda parte, que tem como título: "Signum Fraternitatis. A Vida Consagrada, Sinal de Comunhão na Igreja"[37].
O mistério pascal ajuda a compreender que sem renúncia, sem cruz, sem entrega generosa, abertura e perdão, não é possível viver o amor ao próximo no estilo de Jesus. Teresa de Lisieux é para nós estímulo e mestra para, no meio das dificuldades, nas circunstâncias concretas das nossas comunidades, vivermos com realismo espiritual a nova comunhão e fraternidade em Cristo.
3. Um Deus que nos pede para anunciar a Boa Nova
Dimensão missionária: amar a Jesus e fazê-lo amado
49. O compromisso da evangelização é uma expressão de amor universal. Testemunhar e anunciar aos outros a nova vida em Cristo e a sua mensagem de esperança é amá-los. Teresa, monja contemplativa, não deixou de viver o dinamismo missionário e apostólico da vocação cristã. A partir da sua vocação particular no Carmelo, ela quis colaborar com Jesus na redenção do mundo, não apenas até o final da sua vida, mas até o fim do mundo[38].
Nas suas correspondências epistolares com os seus irmãos missionários ela repete de muitas maneiras a dimensão apostólica e missionária da carmelita contemplativa. Entre outras coisas afirma: "Você sabe disto, uma carmelita que não fosse apóstolo estaria distante da meta da sua vocação e deixaria de ser filha da seráfica Santa Teresa, que desejava dar mil vidas para salvar uma só alma"[39]. Por isso quer viver todas as vocações[40]. A eficácia da evangelização estabeleceu-a no amor. Pede aos Santos que lhe dêem em dobro o seu amor[41].
50. Chamados ao Carmelo, fomos consagrados para a missão. Temos, "a missão profética de recordar e servir o desígnio de Deus a respeito dos homens, tal como foi anunciado pelas Escrituras e como se depreende de uma atenta leitura dos sinais da ação providencial de Deus na História. É o projeto de uma humanidade salva e reconciliada"[42]. Com a nossa irmã Teresa devemos aprender a orientação apostólica do nosso amor cristão; a convicção da força evangelizadora da oração e a necessidade de uma espiritualidade encarnada na realidade de cada dia. A evangelização não é simples informação.
É a manifestação da nossa filiação divina que nos faz crescer no amor e na solidariedade. Exige-se viver a experiência dos sofrimentos e angústias dos nossos irmãos e irmãs e assumi-los a partir desta perspectiva. Assim o fez Teresa, aceitando a provação das dúvidas dos sem-fé para lhes alcançar a graça de superá-las. Senta-se à mesa dos pecadores e dos que rechaçam a fé e sofre com eles o vazio e a obscuridade: vossa filha "vos pede perdão pelos seus irmãos: ela aceita comer, por todo o tempo que vós queirais, o pão da dor, e não quer, antes do dia que tenhais marcado, levantar-se desta mesa cheia de amargura, onde comem os pobres pecadores"[43]. É este também um modo de oferecer uma resposta de espiritualidade à busca do sagrado e à nostalgia de Deus, que sempre pairam sobre o coração das pessoas[44].
51. Tem este amor uma dimensão social também que, com os matizes peculiares de cada vocação no Carmelo, nos empenha num serviço de promoção integral em favor da justiça e da paz no mundo, através de uma verdadeira humanização das pessoas. O amor ao próximo, para ser eficaz, deve exprimir-se de acordo com as exigências do mundo de hoje. Nele se nos pede ter uma perspectiva social do amor, porque os recursos do amor individual são cada vez mais limitados. O próximo necessitado não são indivíduos isolados, e sim massas oprimidas por estruturas humanas injustas e desumanizadoras.
A presença do amor cristão se manifesta urgente e necessária no trabalho de mudança e transformação das estruturas. A caridade é mais forte do que as divisões, e ajuda, na luta por um mundo mais justo, a vencer o ódio, que terminaria fazendo do oprimido um opressor. Só o amor a Jesus e o testemunho da sua vida e da sua doutrina permitem a verdadeira reconciliação fraterna. A doutrina do Caminho da Infância Espiritual é uma força incrível de transformação social frente aos abusos do poder no seio da sociedade.
Juntos a Maria de Nazaré
52. A Virgem Maria é para nós modelo da consagração e do seguimento, que nos recorda a primazia da iniciativa de Deus e nos ensina a acolher a sua graça. Ela é "mestra de seguimento incondicional e de serviço assíduo"[45]. Na mais pura tradição do Carmelo, Teresa de Lisieux viveu a presença e proximidade da Mãe de Jesus. Antecipando-se ao Vaticano II, descobriu a mulher simples de Nazaré, peregrina da fé e da esperança, Mãe e Modelo. Pode-se dizer que vive pertinho dela.
53. Teresa rechaça as apresentações de Maria, que se dedicam a exaltar a sua grandeza, sem ter em conta a sua vida terrena: "para que um sermão sobre a Virgem me agrade e me faça bem é necessário que eu veja a sua vida real, não a sua vida imaginada; e eu estou segura de que a sua vida real devia ter sido completamente simples. A nós apresentam-na como inatingível, e teriam que apresentá-la imitável, pôr em relevo as suas virtudes, dizer que ela vivia de fé como nós todos (...). Ela é mais Mãe do que Rainha"[46].
A sua última poesia, dedicada à Virgem, tem como título: "Porque te amo, ó Maria!" É um recurso às páginas do Evangelho, onde se vão descobrindo o seu amor a Deus e ao próximo, a sua pobreza, o seu silêncio contemplativo, a sua simplicidade, a sua fé, a sua esperança, a sua disponibilidade e obediência em aceitar a vontade de Deus. O Evangelho descobre-lhe quem é Maria, e o seu coração, na experiência de cada dia em comunhão com a Virgem, lhe revela a sua verdadeira personalidade[47].
54. Nos ensinamentos de Teresa encontramos um caminho para aprofundar e renovar a nossa vida mariana sob a luz do Evangelho e da intimidade com Maria. A nossa devoção, testemunhos e pregações encontrarão uma base sólida na redescoberta de Maria dentro do mistério de Cristo e da Igreja. A Virgem Maria, com a sua presença, preenche toda a história da Ordem, desde as suas origens no Monte Carmelo.
Ela é, sobretudo, modelo do seguimento de Jesus na fé e na contemplação. De modo especial ela nos ensina - e esta foi também a vivência de Teresa de Lisieux - as atitudes do orante: discernimento e disponibilidade (Anunciação), louvor e ação de graças pelo que na história Deus faz em favor dos pobres e humildes (Magníficat), confiança (Caná da Galiléia), olhar contemplativo e paciente até se fazer a luz, guardando tudo no coração, sem compreender muitas coisas (Encontro de Jesus no Templo), fidelidade nas provações (ao pé da Cruz), comunhão e eclesialidade (orando com os discípulos).
Testemunho profético perante os desafios
55. A Vida Cristã e, em particular, a Vida Consagrada são chamadas a dar o testemunho profético do anúncio dos valores do Evangelho e da denúncia de tudo o que se lhes opõe. Ao destacar o caráter profético das pessoas consagradas "como uma forma de especial participação na função profética de Cristo comunicada pelo Espírito Santo a todo o Povo de Deus", João Paulo II recordou a figura de Elias, "profeta audaz e amigo de Deus", como modelo do autêntico profetismo. Na descrição, que faz de Elias, diz que vivia na presença do Senhor "e contemplava em silêncio a sua passagem, intercedia pelo povo e proclamava com valentia a sua vontade, levantando-se em defesa dos pobres contra os poderosos do mundo"[48].
56. Sob esta perspectiva, Teresa de Lisieux pode ser chamada profeta dos novos tempos. Foi com razão qualificada como "profeta da juventude", como "sinal de esperança", "profeta da santidade", que ela propõe como vocação de todos, "profeta da atualidade da Redenção", ao salientar a força invisível do amor[49]. Mulher de grandes desejos, que sinalizam a sua caminhada pascal, tem ela muito a dizer a uma humanidade, que anda à procura e vive insatisfeita.
Na mais pura linha da tradição do Carmelo, Teresa de Lisieux contempla a Elias Profeta como modelo de vida. Sente-se atraída pela experiência de Deus, que o profeta teve na "brisa suave"[50], mas também pela sua luta contra os profetas de Baal: "depois de ter-nos mostrado as origens ilustres da nossa santa Ordem, depois de nos ter comparado ao profeta Elias a lutar contra os sacerdotes de Baal, ele declarou «que tempos semelhantes aos da perseguição de Acab iam recomeçar». Parecia-nos já estar voando para o martírio"[51].
57. Na fidelidade à nossa vocação carmelitana estamos chamados a viver a dimensão profética pelo testemunho de uma vida que ponha em relevo a primazia de Deus por meio de uma experiência da sua presença no coração do mundo, numa abertura, que descubra esta presença de um modo sempre novo e surpreendente como o que teve Elias na brisa suave, e que depois nos leve a entregar-nos ao serviço dos irmãos e das irmãs para ajudá-los na sua libertação integral. A vida fraterna, com efeito, "é um ato profético numa sociedade, onde, sem se dar conta, se esconde às vezes um anseio profundo de fraternidade sem fronteiras". Além disto, "da coerência entre o anúncio e a vida deriva-se uma força especial da profecia"[52].
Presença viva e orientadora
58. O caráter evangélico da experiência e doutrina de Teresa de Lisieux dá-lhe permanente atualidade. A simplicidade, a confiança e o abandono em Deus, experimentados e proclamados por Teresa de Lisieux, são capazes de inspirar um compromisso pela justiça e pela paz no mundo[53].
59. A influência da nossa irmã Teresa de Lisieux na Igreja e no mundo de hoje é indiscutível. Disto teve ela intuição quando, antes de morrer, afirmou: "Sinto mais do que tudo que a minha missão vai começar, a minha missão de fazer amar a Deus como eu O amo, de oferecer o meu pequeno caminho às almas. Se Deus escutar os meus desejos, o meu Céu se passará sobre a terra até o fim do mundo. Sim! Eu quero passar o meu Céu fazendo o bem sobre a terra"[54].
C0NCLUSÃO
Com a nossa irmã Teresa renovar a nossa vida contemplativa e apostólica
60. O Centenário da morte de Teresa de Lisieux, nossa irmã, é um convite de Deus para renovar-nos sob a luz da sua experiência e da sua doutrina. Como disse João Paulo II aos consagrados e consagradas, não temos apenas "uma história gloriosa para recordar e contar, mas uma grande história para construir"[55]. Temos que lançar os olhos rumo ao futuro, "até onde o Espírito nos impelir para continuar fazendo conosco grandes coisas".
Teresa, nossa irmã, indica-nos o caminho do retorno ao Evangelho como a única maneira de tornar realidade a fidelidade criativa ao nosso carisma.
61. Ela nos ensina a centralidade do amor, que simplifica e comunica a verdadeira liberdade e libertação, que conduzem à maturidade da identidade cristã, religiosa e carmelita. Num mundo de angústias e temores, ela nos orienta à confiança e ao abandono no Senhor, que superam todos os medos. Diante dos nossos idealismos desencarnados, ela nos oferece um realismo espiritual e evangélico para sermos profetas de um Deus presente, próximo e libertador.
A sua mensagem é um desafio para a espiritualidade de hoje na Igreja, como o perceberam, não só as pessoas consagradas à contemplação, mas também aqueles que trabalham no campo de uma evangelização comprometida com a promoção humana, o desenvolvimento e a libertação[56]. A infância espiritual é conceito evangélico, que implica na consciência do dom que temos recebido de sermos filhos e filhas de Deus, e é a resposta, que nos orienta para a fraternidade.
62. Irmãos e irmãs no Carmelo, demos graças ao Senhor pelo dom da nossa irmã, Teresa de Lisieux, à Igreja, ao mundo e ao Carmelo. Experimentemos a sua presença e proximidade na celebração do Centenário da sua morte e continuemos, pela nossa vida de oração, fraternidade e compromisso apostólico, a testemunhar o Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo com a força do seu Espírito.
PARA REFLEXÃO PESSOAL E COMUNITÁRIA
1. Que aspectos da experiência e da doutrina de Teresa de Lisieux você considera mais importante no seu contexto sócio-cultural e eclesial? Por quê?
2. Qual é o principal ensinamento de Teresa de Lisieux para a nossa renovação criativa, espiritual e apostólica?
3. Como reler hoje os ensinamentos de Teresa de Lisieux?
Í N D I C E
RETORNAR AO EVANGELHO
A mensagem de Teresa de Lisieux----------------------1
Mulher Evangélica e Contemplativa--------------------1
Reler a mensagem de Teresa de Lisieux----------------2
Atualidade eclesial de Teresa de Lisieux-------------2
Convite ao essencial---------------------------------3
I. O PROJETO DE VIDA DE JESUS
1. Do fatalismo à responsabilidade de filhos e filhasde Deus-------------------------------------4
2. Da divisão à comunhão na fraternidade-------------5
3. De um uso egoísta para um uso compartilhado dos bens------------------------------------6
II.TERESA DE LISIEUX VIVE E TESTEMUNHA O PROJETO DE JESUS
1. Um Deus próximo de nós e que nos ama--------------7
Beber na fonte viva da Palavra de Deus----------7
Redescobrir o rosto paterno-maternal de Deus----9
A oração como diálogo simples e filial----------9
Da santidade como "perfeição" à santidade como comunhão-------------------------10
Fidelidade à missão e purificação da fé---------11
2. Um Deus que cria nossa fraternidade---------------12
As dimensões evangélicas do amor fraterno-------12
Amor fraterno e vida em comunidade--------------13
3. Um Deus que nos pede para anunciar a Boa Nova-----14
Dimensão missionária: amar a Jesus e fazê-lo amado------------------------14
Juntos a Maria de Nazaré------------------------15
Testemunho profético perante os desafios--------17
Presença viva e orientadora---------------------18
CONCLUSÃO
Com a nossa irmã Teresa renovar a nossa vida contemplativa e apostólica-------19
PARA REFLEXÃO PESSOAL E COMUNITÁRIA - 20
ÍNDICE - 21
[53]. A este propósito há um testemunho de um sacerdote norte-americano, que foi encarcerado por ter protestado contra o fato de que as tropas de El Salvador tinham sido treinadas nos Estados Unidos para matar os seus irmãos e irmãs. Da cela da sua prisão escrevia em 1985: "Como alma moderna a lutar pela união com Deus, sinto que a espiritualidade de Santa Teresa (de Lisieux) é tão válida hoje como era em 1897. É uma espiritualidade para todos os tempos e para todas as idades. Eu me pergunto que transformação haveria no meu próprio coração e no coração do mundo, se a simplicidade, a confiança e o abandono em Deus fossem tomados a sério. Quanto mais esta alma «moderna» (refere-se a si mesmo) vê claramente a realidade do mundo moderno, onde está vivendo, tanto mais se lhe aparece convincente a forma como Santa Teresa busca a união com Deus, a justiça e a paz no mundo" [ROY BOURGEOISE (sacerdote de Maryknoll) em Letter from a Federal Cell 1985. Citado por CACKERMAN-J.HALEY em Reinterpreting Thérèse of Lisieux for Today - Cf "Spiritual Life" v.35 n.2 (Summer 1989) p.96].
54]. Últimas conversações - 17 de setembro de 1897. Cf. Catecismo da Igreja Católica n.956.
[55]. VC 110.
[56]. Cf EN 31.
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