Fogo na Televisão: Ofensiva eletrônica da Renovação Carismática Católica
“Foram os carismáticos os que, por qualquer critério que se possa adotar para medir seu empreendimento, lançaram o mais ambicioso projeto de telecomunicações da história da Igreja. Seu principal objetivo não é apenas o de promover os pontos de vista do próprio movimento, e talvez garantir para si mesmos, como fizeram, séculos atrás, Dominicanos e Jesuítas, um lugar central na configuração do perfil do catolicismo mundial, mas consiste sobretudo em ajudar a devolver tanto ao Papado, quanto ao seu magisterium, a proeminência dentro e fora da Igreja.” (DELLA CAVA, R;. MONTEIRO, P; 1994)
Até os anos 60 as Igrejas tinham um espaço muito tímido nas televisões, ao contrário, tinham grande expressão no que diz respeito às rádios. Depois do golpe militar de 1964, apoiado pela cúpula da Igreja Católica, esta cresce em poder e suas missas começam a ser transmitidas, embora em horário bastante tímido e a Igreja passa a ganhar mais e mais concessões de rádio.
Porém, não demora e no fim dos anos 60 e começo dos anos 70 começa a ganhar força as Comunidades Eclesiais de Base CEBs e a Teologia da Libertação que se contrapunham à ditadura e faziam dos meios de comunicação da Igreja (as rádios) seus instrumentos de interlocução.
Porém, nos anos 70 há uma reprodução, no Brasil, dos tele-evangelistas estadunidenses que alugam horários na TV e fazem uma espécie de consultoria religiosa, ou seja, são evangelistas autônomos, que não são ligados a qualquer denominação. Tais programas se apoiavam no carisma de seus líderes que possuíam várias tendências teológicas e ideológicas. Programas como Alguém Ama Você de Rex Humbard, Clube 700 de Pat Robertson, e os cultos do Pastor Jimmy Swaggart eram transmitidos para todo território nacional e duraram até meados da década de 1980, quando a produção nacional de televisão cresceu e tornou-se independente da produção estrangeira. Este modelo de tele-evangelismo faliu por dois motivos, o estilo americanizado encontrava resistências para ganhar o vulto que os sustentava nos Estados Unidos, ademais estes tele-evangelistas tinham de dividir a minguada disponibilidade financeira do povo brasileiro fiel com suas respectivas denominações, não conseguindo, portanto, auferir quantidade o bastante de dinheiro para a reprodução de sua atividade na TV, tendo em vista do alto custo que a atividade exige.
Eis que no fim dos anos 80 a Igreja Universal do Reino de Deus (à semelhança da adventista que também já tivera um programa televisivo no Brasil), copiando uma prática de Igrejas Protestantes estadunidenses, passa a alugar horários nos canais de TV para divulgação de sua igreja e em 1989 compra a Rede Record iniciando a concorrência das Igrejas no mundo televisivo (CAPPARELLI & SANTOS, 2005).
O que se viu na seqüência foi a explosão religiosa na televisão brasileira, com várias Igrejas, sobretudo as pentecostais, alugando espaços nas redes de TV, inclusive em horário nobre e outras concessões de TV dadas a grupos religiosos.
Igreja Eletrônica
O conceito de “Igreja Eletrônica” foi alcunhado às Igrejas que seguem a uma fórmula de atuação que se fundamenta em três pilares: reza, cura e salvação. Normalmente essas “igrejas” têm uma ligação intrincada com a arrecadação financeira e trabalham com a idéia de “teologia da prosperidade”, ou seja, quando se tem fé, esta lhe garantirá prosperidade, um bom emprego ou o sucesso de um empreendimento, mas é claro que a fé pressupõe a doação financeira a essas denominações (CAPPARELLI & SANTOS, 2005), veja um exemplo retirado do sítio eletrônico da Igreja Internacional da Graça de Deus, do Missionário R.R. Soares em que ele reponde a algumas perguntas dos fiéis:
Fiel: Assim que senti o chamado de Deus para patrocinar e depositei a primeira contribuição, perdi o meu emprego. Tento conseguir outro trabalho, mas, infelizmente, não está sendo possível. Missionário, será que eu não tinha o chamado para ser associado?
Resposta: A sua provação é realmente grande, o diabo quer lhe convencer de que você não tem o chamado. Não acredite no inimigo, ore a Deus e pegue a primeira oportunidade que se lhe abrir de emprego. Não fique escolhendo serviço, pois, talvez, em outra atividade, você seja bem mais abençoado. (I.I.G.D., 2004)
A Igreja Católica tem uma fatia nada desprezível nas concessões televisivas no Brasil, trataremos somente das três redes de maior vulto; observando, entretanto, que nenhuma delas tem ligação direta com a instituição da Igreja, mas indireta, são elas: Rede Vida, TV Século XXI e Rede Canção Nova.
A Rede Vida foi fundada pelo empenho do empresário João Monteiro de Barros Filho e de sua Família, que já possuíam larga experiência no ramo. Com o aval da CNBB foi organizado o Instituto Brasileiro de Comunicação Cristã – IMBRAC, responsável pelo empreendimento, rede que entrou no ar em 1995 a partir de São José do Rio Preto.
A rede tem audiência bastante baixa, mas deu grande impulso à venda de artigos religiosos, produz sua programação em estúdios próprios e tem relações com os grupos mais tradicionais e com a Renovação Carismática Católia RCC, onde inclusive o Pe. Marcelo Rossi tem um programa diário, no entanto, ela dão dá a tônica da rede, que se caracteriza mais por se caráter informativo.
A TV Século XXI É coordenada pelo Pe. Eduardo Dougherty, religioso que, em 1969 trouxe a RCC dos EUA para o Brasil. Um carismático inconfundível, impregnou a de TV que coordena desta tendência, em semelhança com a Rede Canção Nova - RCN, liderada pelo Pe. Jonas Abib e também absolutamente carismática.
O Pe. Eduardo estudou administração e Marketing nos Estado Unidos e é considerado um administrador competente, é o fundador da Associação do Senhor Jesus- ASJ em 1980, as atividades da ASJ se iniciaram na garagem da paróquia com a venda de livros da RCC, em 1983 a ASJ começou a produzir o programa Anunciamos ao Senhor, gravado na PUC Campinas e inicialmente transmitido nas TVs Gazeta, e que dentro de meses passou a ser transmitido em mais de uma dúzia de redes, incluindo Bandeirantes e Record e em 1995 passou a ser transmitido pela Rede Vida. A ASJ montou um centro de produção áudio-visual, denominado Século XXI, na cidade de Valinhos-SP que já produzia programas antes mesmo da montagem da TV própria, sobretudo para a Rede Vida, incluindo até mesmo novelas, como a Irmã Catarina, com atuação de Mirian Rios, carismática reconhecida que conta, inclusive, com um programa televisivo na Canção Nova.
O plano de Marketing religioso da ASJ foi elaborado por Antônio Kater Filho, em 1983, um dos mais conhecidos nomes do marketing católico no Brasil e autor do livro “O Marketing Aplicado à Igreja Católica”.
A ASJ foi responsável pelo contraste católico no que concerne ao relacionamento da Igreja com a ditadura militar (com a qual as demais redes não tiveram de conviver). Em 1983, a CNBB negou aval à organização para cooptar mais recursos no exterior para servir com seus programas ao conjunto da Igreja, e seu programa “Anunciamos ao Senhor” qualificado como de “linha desencarnada, pentecostal, espiritualista, autoritária e verticalista, contrária à caminhada pastoral da CNBB” A ASJ tinha uma postura diferenciada da caminhada de oposição ao regime, e fundava-se, para tanto, no financiamento de entidades católicas na Holanda, Alemanha e EUA, principalmente da God’s Delight. (DELLA CAVA, R;. MONTEIRO, P; 1994:80)
Hoje, com uma rede de televisão própria, a Século XXI, a ASJ cresce muito nos meios carismáticos em detrimento da rede RCN, por que, segundo me foi informado por um membro da RCC que prefere o sigilo, a RCN não tem uma ligação orgânica com o movimento, não estimula a participação dos telespectadores nos Grupos de Oração, preferindo atuar como comunidade eletrônica com seus membros e telespectadores.
A RCN é a TV mais assistida das três e projetou vários sucessos nacionais como o próprio Pe. Jonas, mas também o Pe. Leo e Dunga, ex-drogado que virou cantor e apresentador da Canção Nova.
A Comunidade de Aliança e Vida Canção Nova começou a desenvolver seu trabalho na mídia através de uma rádio em Cachoeira Paulista em 1980 e em 1989 foi montada a Televisão Canção Nova, que retransmitia a Rede Educativa do Brasil (TVE) e que em 1997 passou a operar em canal aberto com programação própria, 100% religiosa e produzida dentro dos limites das instalações da Comunidade. (SOUZA, 2001)
As redes ligadas à Igreja Católica não têm o cunho de arrecadadoras de dinheiro ainda que não deixem de arrecadar, porém, de maneira diferente, sem se utilizarem da Teologia da Prosperidade. Mas também são enquadradas como “Igreja Eletrônica” por trabalharem com a tríade: reza, cura e salvação, num tom mágico de cura instantânea por Deus. Seu tom emocionalista também não as deixa fugir da regra estabelecida pelas outras redes de TV de orientação protestante (CAPPARELLI & SANTOS, 2005).
Muito embora não seja adepta da teologia da prosperidade e não tenha o cunho de arrecadadora de dinheiro como articulação religiosa, a TV precisa se manter e o faz às custas dos fiéis (uma vez que não veicula comerciais. A maneira de arrecadação tem como base o associativismo, uma espécie de sócio simbólico, colaborador que pode depositar o dinheiro todo mês ou aderir ao plano de pagamento automático, o que é bastante estimulado. Outra forma é a venda de artigos religiosos, como a “Cruz da Terra Santa” vendida na Rede Vida ou adquirir, no Disk Shop, da TV Século XXI uma fita de VHS, DVC ou CD – ROM de palestras que a TV reproduz, entre outros.
Essas redes ligadas à RCC têm demonstrado grande capacidade de atrair o público e começa a surgir um grupo considerável que assiste a essas redes diuturnamente, que embora pequeno, é uma tendência interessante e demonstra a eficácia com que essas redes têm se projetado. Nos meios carismáticos as informações acerca da programação dessas TVs demonstram uma naturalidade e apontam para um fechamento que esses fiéis engendram de sua vida por sobre a Igreja e o conjunto da vida religiosa e por uma vivência de gueto incomum na prática religiosa católica convencional e já praticada por alguns grupos religiosos protestantes e correntes do islamismo.
A questão da eficiência comercial dessas redes tem alcançado sua meta, a rede que mais se projeta é a Canção Nova que, em 2001, contratou o publicitário Nizan Guanaes, famoso em todo o meio comercial como publicitário de sucesso, para dirigir a TV. Nizam “comercializou” a Canção Nova, adaptou-a de modo a otimizar sua audiência e está tendo bastante sucesso nesta empreitada. Ele reformou a estética da Rede aproximando-a das TVs comerciais, repetindo na empreitada televisiva a estratégia usada nos mais variados ramos pela RCC, a de absorver o que há de mais dinâmico na vida mundana, como a música pop, os espaços de encontro da juventude como as discotecas e imprimir-lhes uma pitada do sagrado. (CAPPARELLI & SANTOS, 2005)
Conclusão
A incursão da RCC na televisão reflete sucesso do movimento na adaptação de instrumentos mundanos na tarefa da evangelização. Essa adaptação é uma novidade no mundo da religião trazida pelas igrejas Neopentecostais, as mesmas que trouxeram à baila a Teologia da Prosperidade. Isso ratifica a posição de Mariano de que há uma tendência das várias correntes pentecostais de se aproximarem da corrente mais dinâmica, o Neopentecostalismo (MARIANO, 1999)
Também é sintomático e merecedor de um aprofundado estudo a formação dessas comunidades eletrônicas, a participação litúrgico/ritual de seus membros pela via eletrônica bem como o sentimento de pertença desses fiéis associados a essas redes, que pagam fielmente seus boletos e acompanham diuturnamente a programação dessas TVs.
E é ilustrativo que o primeiro programa semanal católico, o “Anunciamos Jesus” apresentava uma linha condescendente com a ditadura militar em oposição à linha da CNBB, parece importante perceber que era produzido sobretudo a partir de financiamento americano e, portanto, a presença católica na Televisão não participa necessariamente da linha pastoral adotada pela igreja oficial.
Ademais muito parece há de vir neste campo, tendo em vista que há um movimento de ascendência da importância dos Meios de Comunicação Social de Massa na vida da sociedade bem como do reconhecimento dessa ascendência por parte das Igrejas e em especial da Católica e a RCC.
Referência Bibliográfica
ASSMAN; Hugo; O impacto da Igreja Eletrônica na América Latina; Petrópolis; Vozes; 1986
CAPPARELLI, Sérgio; e SANTOS, Suzy dos; Crescei e multiplicai-vos: a explosão religiosa na televisão brasileira; 2005; pág. 7
DELLA CAVA, R; MONTEIRO, P; E o verbo se faz imagem: Igreja Católica e os meios de comunicação do Brasil; São Paulo; Paulinas; 1994; Pág. 88.
IGREJA INTERNACIONAL DA GRAÇA DE DEUS; Home Page patrocinadores; seção perguntas e respostas; acesso em 03 de fevereiro de 2004 .
MARIANO, Ricardo; São Paulo; Loyola; 1999.
SOUZA, André Ricardo de; Padres Cantores, Missas Dançantes: A opção da Igreja Católica pelo espetáculo com mídia e Marketing; Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento e Sociologia da FFLCH DA USP, sob orientação do Prof. Dr. Reginaldo Prandi; São Paulo; 2001.
Revista Espaço Acadêmico – Nº 58 – Março de 2006.
Olá Frei Petrônio, li a matéria, no refletir sobre ela, tirei a seguinte conclusão.
ResponderExcluirOs movimentos como a RCC, surgiram ou estão crescendo porque talvez deixamos de vivenciar a fé, e procuramos atender nossas expectativas através das lutas sociais e justiça por nossas próprias mãos.
Nos anos 70 e 80 a teologia da libertação através da CEB´s inflava a luta por direitos mas esquecia que nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus. Essa linguagem libertadora se tornou perigosa a partir do momento em que deixou de ser uma visão da Igreja e se tornou uma luta de partidos de esquerda que se aproximaram com a intenção de se camuflarem para não sofrerem as perseguições do militarismo do país. Os membros destes partidos, não tinham ligações pastorais e religiosas, apenas conseguiam aumentar suas filiações e se tornarem mais fortes nacionalmente a custa da Igreja.
O Papa João Paulo II, foi o grande responsável pelo enfraquecimento da teologia da libertação na América Latina, sua preocupação foi exatamente os partidos de esquerda que se aproximaram da Igreja para infundir suas ideologias. A Igreja viu que a Teologia da Libertação era um carro sem freios que poderiam causar graves conflitos e resolveu dar um basta.
Neste ponto vimos que houve grande afastamento de lideres e até sacerdotes, isso mostra que tínhamos problemas com a obediência em relação ao Vaticano e que a vocação, o chamado não era para uma liberdade pela fé e testemunho e sim pela vontade libertadora sem ação de Deus.
O movimento RCC surgiu porque a Igreja aí incluindo os padre, religiosos e leigos em sua boa parte não expressava o sentimento e a intimidade de Deus com as pessoas. Esse movimento é liderado em sua grande maioria por leigos, isso reflete que a linguagem e os anseios surgiram e se enquadraram na necessidade popular de se falar como Deus está próximo de nós. As RCN, liderada pelo Monsenhor Jonas Abib, conseguiu um interessante linguagem, atingindo, o jovem, a criança e o adulto. Não fazendo apelos a participarem de movimentos mas de sermos Igreja e talvez isso explique o crescimento e também o sucesso de suas ações. Talvez precisamos mudar nossa linguagem e nos aproximarmos mais dos anseios, das dores e sonhos de um povo que com sede de serem escutados por leigos participante e sacerdotes. Enquanto não fizermos isso temos que assistir aqueles que o fazem.