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sexta-feira, 9 de agosto de 2013

O Religioso Frei Tito Brandsma, Mártir Carmelita.

O Religioso Frei Tito Brandsma, Mártir Carmelita.
*Frei Manoel Wermers, O.Carm.

A espiritualidade própria do Carmo, sua vida de oração e a sua dedicação peculiar a Nossa Senhora foram para mim os fatores decisivos da minha vocação carmelitana”, declarou um dia Frei Tito Brandsma. Toda a sua vida religiosa está aí para confirmar essas palavras. A profissão religiosa, feita aos 3 de outubro de 1899, é para ele um motivo a mais da ascensão contínua da alma para Deus pelos caminhos da espiritualidade carmelitana, cuja natureza característica, a vocação para a vida mística, descreve tão maravilhosamente a “Institutio Primorum Monachorum”: “Essa vida tem uma dupla finalidade. A primeira alcançamos pelos nossos trabalhos e esforços, com o auxílio da graça divina. Consiste em oferecermos a Deus um coração generoso, livre de qualquer pecado atual. Alcançamo-la quando somos perfeitos e humildemente ocultos na caridade. A outra finalidade dessa vida só nos é comunicada pela livre ação de Deus, sem a nossa cooperação. Quer dizer que poderemos chegar já nesta vida a saborear no coração e experimentar no espírito as misteriosas forças da Presença Divina e a doçura da glória celeste. É a isso que chamamos: beber nas torrentes das consolações divinas.
Também para a Província Carmelitana da Holanda a profissão de Frei Tito é uma data importante. Depois de um passado glorioso esta Província caíra no olvido. Leis iníquas da primeira metade do século 19 dizimaram as suas fileiras e quase a extinguiram. Na época da entrada de Frei Tito havia apenas três conventos. Fora desses centros os Carmelitas não eram conhecidos. A maravilhosa extensão dos últimos quarenta anos está sob a égide da personalidade cativante de Frei Tito. Ele é o centro animador de um pequeno grupo de religiosos enérgicos e doutos. Nunca nos 40 anos de sua vida religiosa desiste de estudar o espírito carmelitano, de torná-lo mais conhecido dentro e fora da sua pátria, e de investigar a história da sua querida Ordem. Quando uma vez a Província pede a seus membros fazerem um relatório das atividades dentro da Ordem observa-se a Frei Tito que para ele será fácil responder, visto poder dizer simplesmente que fez tudo.
Aos 31 anos exerce as funções de secretário de Capítulo e é eleito membro do Definitório, órgão supremo para o governo de uma Província. Como tal continuou durante a vida toda em várias funções, com uma interrupção de três anos apenas. Durante seis anos foi Assistente do Pe. Provincial. Desde 1930 era continuamente primeiro Definidor. Além disso exerceu durante vários anos o Priorado do Convento do Nimegue. É mui característico do espírito de Frei Tito dar à sua Ordem o melhor das suas forças. Antes de tudo é sempre Carmelita. O trabalho para a Ordem está em primeiro plano, depois segue o resto, por mais brilhante que este resto se possa apresentar. É o filho fiel que não procura ocupação fora, quando dentro da própria casa há tanto que fazer. Numa lembrança distribuída entre o povo encontramos as palavras: “Ornamento da Ordem e também filho fiel”.
Não são dizeres vãos? Ele conquistou, este título por seus méritos reais. Para a Ordem fez literalmente tudo.
A nomeação para Professor da universidade Católica foi o início do Convento do Nimegue. Chegando a essa cidade hospedou-se numa pensão. Pouco depois conseguiu que alguns estudantes carmelitas freqüentassem os cursos da Universidade. Vinham e voltavam de trem, e almoçavam na pensão de Frei Tito. Assim perdiam muito tempo nas viagens. O Professor comprou então uma casa onde instalou provisoriamente a sua comunidade. Em seguida saiu em procura de um lugar apto para a construção de um novo convento. Encontrou um lugar no antigo centro da cidade, afastado das grandes construções; era um hospital abandonado. Com o material desse hospital foi erguido um belo convento carmelitano, desses que inspiram devoção e recolhimento. Nos fins de 1929 a comunidade tomou posse da nova morada. A inauguração foi digna do douto fundador. Não foi uma festa superficial com discursos de ocasião, mas um grandioso Congresso de Estudos, com a presença dos líderes intelectuais católicos mais destacados de quase todas as partes da Holanda, e naturalmente os amigos da Universidade.
Neste mesmo período ocorre a luta pelo reconhecimento oficial de dois colégios carmelitanos das cidades de Oss e de Oldenzaal. Esse reconhecimento daria direito a um subsídio anual por parte do governo. Todos os esforços parecem baldados. Nos fins de 1924, imediatamente antes da discussão do orçamento na Câmara, Frei Tito alarma o público com um magnífico artigo no maior diário católico da Holanda, refutando uma repreensão ministerial a cinco colégios católicos. A repreensão do governo citava o exemplo dos Protestantes, bem mais prudentes e moderados nas suas exigências. O imperturbável secretário da Fundação Colégios Carmelitanos ri-se dessa modéstia, mostra a legitimidade das fundações e o direito que têm ao subsídio oficial, garantido pela Constituição. Três dias depois da publicação, o artigo é tratado na Câmara. O ministro confessa que não tem argumentos para uma resposta, mas que também não pode dar o auxílio: “Não tenho dinheiro e não recebo dinheiro”. Por enquanto a questão estava terminada. As conferências de Frei Tito com outros ministro e chefes da educação serviam apenas para enriquecer o cabedal das suas experiências. O orçamento para 1925 não dava nada e tão pouco o para 1926. Mas Frei Tito continuava ativo e vigilante. Estimulava as esperanças definhadas e corria os departamentos. Finalmente o orçamento para 1927 enumerava na sua linguagem seca, tipicamente burocrática, os Colégios do Carmo entre os privilegiados.
Quinze anos mais tarde, quando os super-homens nazistas tentavam civilizar a Holanda com medidas assassinas de toda a cultura, encontraram Frei Tito Brandsma ainda sempre no mesmo posto, defendendo os direitos dos colégios religiosos.
No ano de 1924, duas semanas depois do impasse surgido na luta pelos subsídios, o coração carmelitano de Frei Tito provou uma grande alegria. A Província Carmelitana da Holanda transpôs as fronteiras com a Alemanha e tomou posse do convento de Mainz. O Bispo, poderosamente incentivado pelas autoridades civis locais, há muito estava procurando uma Ordem religiosa que se interessasse pela antiga igreja gótica que pertencera aos Carmelitas. Mas fora tudo em vão. Finalmente se lembrou de convidar os Carmelitas holandeses. O Padre Provincial com o seu Assistente Frei Tito puseram-se em viagem a fim de examinar a situação. Depois de uma recepção extremamente cordial foram visitar o santuário em companhia do Bispo e do Prefeito. Encontraram um caos. As janelas e os soalhos tinham desaparecido. A nave estava transformada num armazém imundo das coisas mais heterogêneas. Uma miséria! Mas desanimar não era próprio de Frei Tito. Seguiram-se conferências e mais conferências cem as autoridades espirituais e militares, pois Mainz era ainda cidade ocupada. Frei Tito viaja do comando francês para o comando alemão e vice-versa. Finalmente consegue um acordo. A restauração iniciou-se e correu admiravelmente. Em poucos meses Mainz viu ressurgir a sua nobre “Liebefrauenkirche” (Igreja de Nossa Senhora) com o antigo esplendor. E no Advento a cidade grata recebeu festivamente um grupo de Carmelitas. Pelas ruas engalanadas foram conduzidos à igreja onde os esperava o Bispo em vestes pontificais cercado dos cônegos. Procedeu-se à nova consagração do templo profanado, após a qual foi celebrada a santa Missa com toda a beleza do Pontifical.
Belos dias para este homem de Deus que, indo de trabalho a trabalho, não tinha tempo de lançar um olhar para trás o só descansava na cela da sua alma sempre perto de Deus. Pois perto de Deus Frei Tito estava em todas as suas numerosas e absorventes ocupações. Podemos estranhar essa afirmação e pensar que a vida interior devia sofrer as conseqüências de uma vida tão ativa. Involuntariamente lembramo-nos das palavras severas do Bem-aventurado Nicolau o Francês, Prior Geral da Ordem: “Dizei-me vós, que correis as cidades, que espírito delas recebestes? Certamente não o espírito do Senhor... Sacrificais a vossa cela e obtendes as perturbações do mundo...” (Ignea Sagitta). Mas a própria doutrina da vida carmelitana dá-nos uma resposta magnífica a esta dúvida. Pois o consagrado autor Pe. Miguel de Sto. Agostinho, no seu livro “Introduotio ad vitam internam”, que se tornou clássico para a espiritualidade carmelitana, expõe magistralmente a obrigação da vida ativa, e, como uni-la à contemplativa pelo exercício da presença de Deus. Considerando Deus nos Superiores, devemos aceitar tudo por Obediência. Nas atividades devemos guardar a pureza da intenção, trabalhando sempre para Deus. Como, assim diz ele graciosamente, os muitos tijolos pelo cimento são unidos em um edifício só, assim também as nossas múltiplas atividades exteriores pela presença amorosa de Deus são unidas em uma contínua ascensão para Deus. As atividades não afastam de Deus, pois podemos exercê-las em Deus, com Deus e para Deus.
Foi assim que Frei Tito viveu a sua vida carmelitana. Com zelo ardente velava pela observância. A sua amabilidade não tinha nada de melífluo, mas sabia encontrar uma severidade paternal. Os seus conselhos e avisos, quando necessários, não deixavam nada a desejar em clareza e força. Sabia ser muito rigoroso. Fundador e, durante muitos anos, superior do convento de Nimegue, não permitia nele nenhuma irregularidade.
Também a sua vida particular estava toda impregnada da presença de Deus, era uma contínua procura de união com Deus. Só uma proibição expressa poderia fazê-lo perder a meditação da manhã, a que não faltava nem nos anos da mais expansiva atividade científica e social. O Sacrifício da Missa transformava o trabalhador em um monge contemplativo. Todo compenetrado e absorvido neste augusto mistério parecia esquecer tudo em redor. Saía das suas ocupações, concentrando-se em Cristo a quem tanto se une o sacerdote na celebração da Santa Missa. Grande número de pessoas guarda uma comovida lembrança da “Missa de Frei Tito”, a que procuravam assistir de preferência.
A sua união com Deus tinha ainda um caráter nitidamente mariano, como convinha a um coração tão carmelitano como o de Frei Tito. A direção espiritual dada nas confissões tinha duas linhas-mestras: a presença de Deus e o amor à Mãe de Deus. Em um belíssimo retiro: “Para Jesus com Maria”, expõe como devemos subir até Jesus pela mão de Maria Santíssima. Cristo tornou-se nosso irmão na natureza humana. Essa natureza humana unindo-nos com Jesus, faz-nos filhos de Maria, junto com Ele. Devemos ver Maria, antes de tudo, como a Mãe de Deus que uniu a si. Por isso devemos-lhe um respeito amoroso todo especial. Daí passa à tarefa maternal de Nossa Senhora. Como Jesus quis crescer em graça diante de Deus e dos homens sob a direção de sua Mãe Santíssima, assim devemos nós também pôr toda a nossa formação sob a proteção de Maria. Devemos viver sob os olhares maternais de Nossa Senhora, devemos viver na sua presença, para chegar a viver na presença de Deus. Por Maria a Jesus!
Frei Tito fizera-se Carmelita, atraído pelos elementos contemplativo e mariano da vida carmelitana. E a obediência fez dele um viajante incansável, um homem dinâmico e zeloso pela glória de Deus e de Maria, até os dias da sua prisão. Somente então encontrou a solidão tão almejada: “Renata solitudo”, como ele escrevia alguns dias depois. O amor a Deus, que o tinha impelido a tantas atividades sociais, isola-o agora das criaturas, fazendo-o abismar-se em Deus: “Deixai-me a sós convosco... afastai de mim os homens”. O amor a Deus absorve o amor social. Vê-se agora ainda mais claramente que toda a vida social de Frei Tito era inspirada e guiada unicamente pelo amor a Deus. Por isso terminada a sua vida ativa, ele se recolhe espontaneamente em Deus. O monge contemplativo encontrou a felicidade e jubiloso prorrompe numa poesia que se tornou célebre:
Meu Jesus, contemplando-vos,
Revivo meu amor a Vós.
E vejo que também Vós me quereis.
com ternura especial.

Isso pede mais generosidade.
Mas todo o sofrer me é doce:
Torna-me mais semelhante a Vós;
É o caminho para Vós.

Sou feliz no meu sofrimento,
Que já não é mais dor,
E sim sorte sem igual,
Pois une a Vós, meu Deus.

Ó, deixa-me aqui bem sozinho
Entre o frio que me cerca.
Afastai de mim os homens,
A solidão não me cansa.

Pois Vós, Jesus, estais comigo,
Nunca estive tão perto de Vós.
Ficai Jesus, ficai comigo,
Vossa presença tudo recompensa.


*Artigo publicado no Mensageiro do Carmelo em 1948. Ano 36, Fev. 1948, pág. 24 e seg.

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