Marcelo Barros
Enquanto Lucas conta que o anjo anunciou a Maria, a comunidade de Mateus
conta que o anjo apareceu em sonhos a José. O fato de ser “em sonhos” se liga à
tradição dos patriarcas: o próprio José, filho de Jacó. Quem aparece não é um
anjo como em Lucas. É o próprio “Anjo do Senhor”, expressão para dizer “a
Palavra do Senhor”, “a Glória do Senhor”, uma visibilidade do próprio Deus.
José é apresentado como um justo que percebe na mulher a obra de Deus e quer se
retirar para não atrapalhar uma obra de Deus que ele não pode compreender.
O sonho não é apenas o momento no qual as frustrações do inconsciente se
soltam. Através do sono, a pessoa convive com uma dimensão interior mais
profunda de si mesma e pode ouvir de modo mais puro a sua vocação.
Na sociedade do tempo de Jesus, havia uma prática cultural chamada do desposório.Através
dela, se dava inicio ao contrato de casamento no qual as famílias ingressavam.
O casal era considerado marido e mulher. Mas,
durante um tempo, ela permanecia na casa de sua família e eles não tinham ainda
relações sexuais. Quando o texto diz: “antes de coabitarem, ela engravidou”,
está dizendo que eles ainda não moravam juntos e nem tinham tido relações
sexuais. Seria, então, compreensível que José concluísse que ela teve relações
com outro homem. Na época, isso seria um adultério, porque eles dois (Maria e
José) já estavam comprometido em casamento. Assim, segundo padrões culturais
convencionais, Maria está exposta à marginalização social, econômica e
religiosa. (Existe na Bíblia maldições para mulheres em situações como esta e
para seus filhos. Ver Eclo 23, 22- 26 e Sb 3, 16- 19 e 4, 3- 6)
“Ao dizer que ela concebeu “através do Espírito Santo” (ou
do sopro divino”, o evangelho fala de uma forma estranha para a sua geração e
para todos os tempos. Seja qual for a interpretação que se dê a esta tradição,
o fato é que, ao falar assim, o evangelho mostra: Deus rompe com a genealogia
patriarcal. (A geração se dá sem ser por um homem macho. Isso naquela cultura
era considerado ainda pior do que seria hoje em dia. Jesus e a comunidade dele
começam rompendo com o patriarcalismo.
José ouve do anjo em seu sonho que tem um papel próprio nesta obra da
salvação. O Senhor lhe pede que assuma essa função. José deve dar a Jesus o seu
nome para que Jesus possa ser reconhecido como “Filho de Davi”. É José que
ligará Jesus à tradição messiânica davídica.
O filho que nascerá de Maria será a realização das mais profundas
promessas de Deus ao seu povo. Será a visibilidade da presença do Senhor que
virá morar com o seu povo (Emanuel). Que forma bonita de falar da ressurreição
de Jesus, o que já lemos no capítulo final do Evangelho.
Seria bom nós cristãos ouvirmos a interpretação que as comunidades
judaicas fazem dessa promessa de Deus em Isaías 7. Historicamente, referia-se a
que o rei Acaz, sem descendente e ameaçado pela Síria e pela Samaria teria como
sinal de Deus o fato de que uma moça engravidou e lhe daria um filho. Seria
Ezequias: um rei justo e bom, sinal da presença de Deus junto ao seu povo. É
claro que, mais tarde, as comunidades judaicas releram esse texto, dando-lhe
sentido messiânico. Mas, o fato de interpretar que essa palavra se referia ao
Messias que virá não nega que ela tenha tido um primeiro cumprimento no
nascimento de Ezequias. Ele não foi o Messias, mas foi uma figura do Cristo.
Cristãos e Judeus esperamos juntos a plenitude dos tempos
Nós, cristãos, cremos que Jesus é o Messias que devia vir. Mas, como ele
mesmo deixou claro: aquela não era ainda a sua vinda na glória. Nesse sentido,
os cristãos também esperam com Israel a vinda do Messias.
No tempo de Jesus, havia muitas correntes messiânicas em Israel. Jesus
sempre se ligou à tradição profética. Ele se revelou como “Servo do Senhor”. Ao
menos, é assim que vocês, comunidade de Mateus, o mostram no batismo, como no
capítulo 12 e no relato da Paixão. Por que, então, nesse primeiro capítulo,
frisar esse título de “Filho de Davi”?
De qualquer maneira, vocês deixam uma luz sobre isso quando encerram o
capítulo dizendo: “José, despertando do sono, fez como o anjo lhe ordenara e
recebeu a sua mulher. E o evangelho salienta que José não a conheceu até que
deu à luz a seu filho, o primogênito, ao qual lhe deu o nome de Jesus” (1, 25).
Uma leitura deste texto a partir da tradição simbólica da Cabala veria
José como aquele que trabalha a madeira ou a obra de suas mãos. Isto significa:
trabalha para desenvolver o mais profundo do seu ser. E essa dimensão mais
profunda de si é fazer aparecer ao Senhor como único esposo. Ele é o único
verdadeiro esposo de Maria, símbolo da comunidade nova. É pela força do
Espírito que ela concebe e dá a luz ao seu filho Jesus.
Como nos livros antigos, o prólogo resume todo o livro. Aqui, vocês
deixam claro: Jesus é o herdeiro verdadeiro das promessas de Deus a Davi, mas
veio ao mundo por obra direta de Deus. Assim ele recebeu o nome que resume sua
missão. É o mesmo nome de Josué, o patriarca que introduz o povo hebreu na
terra prometida. Jesus (ou Ioshuá) é a expressão humana de que Deus é Salvador.
O menino que nasce assim é o verdadeiro Messias de Israel. Vocês não sublinham
o que outros textos cristãos dizem: Que Ele ainda virá como Messias.
De fato, cremos que desde que ressuscitou, Ele está conosco todos os dias até a
consumação dos séculos. Mas, tanto nós, cristãos, como também, de outra forma,
nossos irmãos judeus, esperamos unidos essa “plenitude dos tempos prometida por
Deus”.
Fonte: http://www.cebi.org.br
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