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sábado, 20 de setembro de 2014

*O silêncio do Carmelo como caminho espiritual

O parágrafo que na Regra trata do silêncio apresenta na sua própria estrutura a imagem do silêncio do Carmelo.  No capítulo há duas partes:. A primeira parte consiste em citações de Isaías, a segunda trata da instituição religiosa do silêncio.
Na primeira parte há dois textos de Isaias que devem sublinhar a exortação de Paulo. Essas duas citações guardam a força fundamental do silêncio eliano. Neste silêncio havia dois eixos essenciais: o silêncio da morte que nos silencia até para dentro da nossa existência insignificante, até o ponto de perder referências de imagens nossas e de ser transformados interiormente em respeito; e a esperança silenciosa, que arde em nosso nada e, libertada da sua reclamação angustiada, nos abre para o Seu Silêncio sem imagem. São precisamente esses dois eixos que juntos formam uma só estrutura dinâmica, que a Regra coloca nas duas citações de Isaias  em primeiro lugar como inspiração fundamental.
            A primeira citação – silêncio fomenta justiça – salienta o primeiro eixo: silêncio é um viveiro para justiça, silêncio permite as sombras da vida, não as exporta para fora, não culpa os outros por elas, não foge delas, mas deixa o seu veneno agir como um fogo que acaba com as nossas referências e formação de imagens, até que, adquirida uma fluidez interior, chegamos ao que nós somos:’ uma sombra que passa’. A partir desta consciência do nosso próprio nada e espoliados das nossas fixações, cresce em nós um respeito a partir de dentro, uma reverência silenciosa pela qual podemos ajudar no amadurecimento de nós mesmos e dos outros. Não será mais necessário deformar a nós mesmos e aos outros conforme a imagem das nossas fixações. O forno do silêncio, aceso pela Voz martelando no silêncio, nos transforma em justiça: ‘O silêncio fomenta a justiça’.
            A segunda citação: ‘No silêncio e na esperança estará a vossa força’ – mostra sobretudo o segundo eixo. O nosso nada aspira com dores ter a vida, até grita por ela. O silêncio liberta esta esperança da sua angústia. Ele muda a correnteza das nossas aspirações, libertando-as da centralidade angustiada do seu ego e transferindo-as para o outro/Outro como este é sem imagem no seu silêncio inexpugnável. É esta a esperança silenciosa que não quer outra consolação que o próprio silêncio, em que o outro como outro se confronta comigo, um silêncio em que eu não tenho mais nada a perde, que assim me fortalece a partir da sua própria fonte. É a esperança silenciosa que Isaias nos deseja: ‘Em silêncio e esperança estará a vossa força’. É importante perceber a conexão entre os dois eixos. O silêncio profético deve sempre de novo abrir-se em receptividade mística à Sua Presença silenciosa. Vice-versa o silêncio místico pede sempre de novo ser aceso pelo silêncio da morte que nos silencia sempre. O dominante é formado neste caso pelo profético silêncio da morte. No Carmelo este dominante se expressa entre outros na atenção à vida de silêncio de Cristo e principalmente no silêncio da morte da sua Cruz. Também o amor preferencial à incognoscibilidade de Deus e à noite escura da fé encontra aqui a sua origem.
Na parte B do capítulo sobre o silêncio o silêncio é institucionalizado na forma de silêncio da noite e do dia. Primeiro o silêncio da noite que, como mediador do encontro com Deus, que nos conduz para fora do mundo das idéias fixas  e dos padrões de conduta, para nos levar para a entrega desnuda a Deus que é inimaginável e inefável. Esse movimento irá aos poucos  atingir todas as ‘ocupações’ da noite: horas litúrgicas e orações, leitura da Escritura e meditações, trabalho manual e sonos. Em seguida é institucionalizado o silêncio do dia que cujo espaço é caracterizado pelo falar com cautela (o menos possível, bem distante do falar-muito) e falar com atenção ( falar sim, mas como cultura de justiça). Silêncio forma desta maneira o dia em duas dimensões: por diminuição e atenção no falar, por sobriedade e pureza, por recolhimento e veneração. ‘O silêncio fomenta a justiça” (Is 32,7). Silêncio é um viveiro para a justiça, silêncio admite as sombras da vida e não as exporta para fora, não foge delas, mas deixa o seu veneno trabalhar como um fogo que acaba com as nossas autodefinições e imagens, até tornar-nos fluidos, chegados à nossa essência: uma sombra que passa. A partir desta consciência do nosso nada e liberados das nossas fixações cresce no nosso interior respeito, veneração silenciosa que nos fazem ver a nós mesmos e aos outros como somos. Não é mais necessário reduzir o outro e a nós mesmos à imagem das nossas fixações: ‘O silêncio fomenta a justiça’
            A segunda citação: ‘No silêncio e na esperança está a vossa força’. A nossa pequenez deseja com dor chegar a vida, até grita. O silêncio liberta esta esperança da sua angústia. Ela muda a direção do seu desejo libertando-o da sua ego-centralidade angustiada e fixando-o no outro/Outro como este é sem imagem no seu silêncio inexpugnável.  Esta é a esperança silenciosa que não quer outro consolo que o próprio silêncio, em que o outro se eleva frente a mim como outro, um silêncio em que não tenho mais nada a perder, que por isto me fortifica da sua própria fonte.  É esta a esperança silenciosa que Isaias deseja para nós: No silêncio e na esperança está a vossa força’. É importante a conexão dinâmica entre as duas partes do parágrafo. O silêncio profético sempre de novo deve ser aberto em receptividade mística referente á usa Presença silenciosa. Vice-versa, o silêncio místico pede constantemente de novo ser aceso pelo silêncio-morte que nos faz silenciar. O dominante Nisto, o dominante é formado pelo silêncio-morte profético. Esse dominante se expressa no Carmelo entre outros na atenção à vida silenciosa de Cristo e principalmente ao silêncio mortal da sua Cruz. Também o amor preferencial pela inefabilidade de Deus e pelo spcto noturno da fé encontra aqui a sua origem.
A Regra faz a diferença entre o silêncio durante a noite e o silêncio do dia. O silêncio da noite que, como mediadora do encontro com Deus, nos conduz para fora do mundo das idéias fixas e dos padrões de comportamentos, para nos conduzir à confiança despojada em Deus que é sem imagem e inefável. Esse movimento passará progressivamente por todas as ‘ocupações’ da noite: horas litúrgicas e orações, leitura da Bíblia e meditações, trabalho manual e sono. Em seguida foi instituída o silêncio do dia que caracterizado pelo falar ponderado (o menos possível, longe do falar muito) e falar com atenção (falar, mas como cultura de justiça).  Silêncio forma dessa maneira a noite de dois lados: por diminuição e atenção no falar, por sobriedade e pureza, por recolhimento e respeito.
            Também aqui é importante prestar atenção à estrutura dinâmica das duas formas de silêncio. O silêncio do dia é uma forma de justiça silenciosa, que na noite se abre ao Inefável como à verdadeira fonte e forma da nossa vida. Vice-versa, a experiência de banir imagens e formas nos prepara interiormente para um respeito acolhedor de nós mesmos e do outro. Neste sentido a repetição do provérbio de Isaias:’o silêncio fomenta a justiça’ diz muita coisa. Ele pode ser entendido em duas maneiras. O silêncio da noite forma a condição para o falar com justiça: o silêncio da noite faz crescer a atitude fundamental em que o silêncio do dia floresce. E vice-versa: a justiça cria a condição para o silêncio da noite. Só uma ‘boa consciência’ pode receber o silêncio da noite. No silêncio da noite que renuncia a tudo e que respeita profundamente o Mistério, floresce o silencioso respeito durante o dia.
A estrutura do capítulo sobre o silêncio conserva a estrutura típica do silêncio do Carmelo. A parte A forma  no  interior de tudo isso a esfera de valores: no  Carmelo trata-se da  encarnação de um silêncio específico. Nele o impulso profético do silêncio-morte em suas numerosas formas é o início e o princípio. Depois disso e a partir disso o caminho do silêncio conduz para o silêncio místico que está fora de si mesmo. Esta esfera de valores forma a essência do silêncio do Carmelo. Ela o orienta e motiva, ela é a sua alma.  Parte B forma dentro dessa totalidade o aspecto institucional do silêncio: a ‘institucionalização’ do silêncio  na forma do silêncio do dia e silêncio da noite. Como uma arquitetura do tempo ela ‘guarda’ o silêncio eliano. Este forma o cristal em que a luz pode quebrar.  ‘A luz, a luz branca de Deus se quebra em cores, cores são os atos da luz que quebra’ (Nijhoff).  Assim podemos dizer do silêncio do Carmelo: ‘O Silêncio, o silêncio Eliano se quebra em justiça e horizonte. Horizonte e justiça são os atos do silêncio que quebra’. Silêncio eliano e silêncio-instituição formam juntos um modelo de transformação, um caminho espiritual que nos convida a caminhar.

SILÊNCIO ELIANO---SILÊNCIO DO CARMELO --INSTITUCIONALIZAÇÃO

O silêncio fomenta -----------------esfera de valores----------------Silêncio da noite
a justiça (Is 32,17)                            orientação                       mediadora de encontro
                                                                                                         com Deus
Mística profética ---------------------transformação --------------- viveiro de justiça
No silêncio e na esperança--------- dar forma---------------------Silêncio do dia, falar
está a vossa força (Is 30,15)        trabalho manual                 ponderado e com atenção

O silêncio eliano encontra seu dominante no impulso profético para o silêncio. A ordem é: a) justiça e b) mística. É também desta maneira que as citações de Isaias estão conectadas: ‘Silêncio fomenta justiça’ é seguido por ‘No silêncio e na esperança está a vossa força’. Na institucionalização do silêncio a ordem é em sentido oposto: primeiro (b) o silêncio místico da noite depois (a) o silenciar do dia da justiça. Não somente em relação à ordem, mas também em relação à importância o silêncio da noite (com suas poucas palavras!) parece ser o ponto de referência. Pois após a institucionalização do silêncio da noite, a Regra continua com o silêncio do dia assim: ‘Fora deste tempo, porém, ----não é tão rigorosa a observância’. Assim mantêm-se em equilíbrio a esfera do silêncio eliano e a arquitetura do silêncio do dia e da noite.

*Tradução incompleta de um artigo de Kees Waaijman O.Carm.: De Karmelstilte, Oorspronkelijke tekst van de Engestalige bijdrage in: Carmelus 40 (1993) 11-42.
Eremitério Fonte de Elias, 22 de outubro de 2011.
+fr. Vital Wilderink O.Carm.

( Dom Frei Vital Wilderink, O Carm, foi vítima de um acidente de automóvel quando retornava para o Eremitério, “Fonte de Elias”, no alto do Rio das Pedras, nas montanhas de Lídice, distrito do município de Rio Claro, no estado do Rio de Janeiro. O acidente ocorreu no dia 11 de junho de 2014. O sepultamento foi na cidade de Itaguaí/RJ, no dia 12, na Catedral de São Francisco Xavier, Diocese esta onde ele foi o primeiro Bispo)

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