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segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Igreja e Mídia

"A análise do desempenho de alguns sites católicos nos permite identificar pelo menos três problemas teológicos sérios: visão deturpada do Deus de Jesus, ausência do senso eclesial e fuga do compromisso com os outros. (...) O que se questiona é a forma como se está utilizando este recurso; forma essa que termina por alimentar uma religiosidade melosa, mágica, egoísta, falsa e não-cristã", escreve José Lisboa Moreira de Oliveira, filósofo, teólogo, escritor, conferencista e professor universitário, publicado no blog O Chamado, 07-11-2013. Segundo ele, "o que se questiona é a forma como se está utilizando a internet; forma essa que termina por alimentar uma religiosidade melosa, mágica, egoísta, falsa e não-cristã".

Eis o artigo.

"Em 2011 o jornalista e pesquisador Moisés Sbardelotto publicava o resultado de uma pesquisa por ele realizada sobre a midiatização do sistema religioso católico. O objetivo da pesquisa era analisar alguns serviços religiosos disponíveis em sites católicos. O resultado foi inicialmente publicado no número 35 da revista eletrônica do Instituto Humanitas Unisinos - IHU, conhecida como Cadernos IHU, com o título: “E o Verbo se fez bit”. Uma análise da experiência religiosa na internet. Posteriormente o autor transformou sua pesquisa em livro, lançado em 2012 pela Editora Santuário de Aparecida (SP) com o título: E o Verbo se fez bit. A comunicação e a experiência religiosas na internet"

Mais do que fazer uma análise crítica dos conteúdos dos sites católicos, o autor pretendeu, com sua pesquisa, apenas registrar o fato de que, no contexto atual, as mídias são o ambiente onde tudo se move. Dentro dessa lógica, “o religioso já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel das mídias” (IHU, p. 5). Sbardelotto conclui, a partir de sua pesquisa, que os sites católicos analisados oferecem, além de informações gerais sobre religião, meios para um vínculo do fiel com Deus e elementos em ambiente online para a prática da fé. Deixa bem claro que os sites analisados não possibilitam um conhecimento racional da fé, mas, muito mais, estratégias para a experiência religiosa e uma modalidade de percepção da presença do sagrado, por parte das pessoas que acessam esses sites.

Nesse sentido, não era intenção do autor da pesquisa fazer uma análise teológica dos conteúdos. Somente na parte final do seu trabalho ele chama rapidamente a atenção do leitor para possíveis “escapes doutrinários”, ou seja, para elementos de crença que se distanciam do universo católico. Acredita que tais “escapes” se dão, antes de tudo, pela inferência dos fiéis que postam suas mensagens e suas preces nos referidos sites. O autor, salvo engano da minha parte, não faz nenhuma análise daquilo que é colocado nos sites pelos “sacerdotes da virtualidade” (Galimberti) e que, de certa forma, a meu ver, induz os fiéis aos deslizes doutrinários.

Seria arrogância da minha parte, pretender, num brevíssimo artigo como esse, fazer uma análise teológica do que aparece nos sites católicos. Porém, com a ajuda dos dados da pesquisa de Sbardelotto, e a partir de minhas próprias pesquisas, ouso fazer algumas considerações que poderão servir de pontapé inicial para uma reflexão maior. Quero aqui avaliar três aspectos que, a meu ver, aparecem nesses sites: a imagem de Deus, o modelo de Igreja apresentado e a compreensão do ser humano na perspectiva cristã, especialmente no que se refere ao compromisso cristão no mundo. Nessa análise sirvo-me de uma excelente reflexão que encontrei sobre o uso da internet e “mística virtual” no livro Rastros do Sagrado de Umberto Galimberti (Paulus, 2003, pp. 280-287). Uma análise bem anterior às pesquisas de Sbardelotto, mas nem por isso menos atual.

A primeira coisa que mais impacta nos sites católicos é a figura de Deus. De um modo geral, salvo algumas raríssimas exceções, é um Deus “pronto-socorro”, feito segundo os gostos dos clientes, sempre pronto a atender às necessidades imediatas e urgentes dos sujeitos. Um Deus mágico que atende prontamente aos pedidos, sob a condição de que esses fiéis acendam uma velinha virtual, acompanhem um terço online, façam uma adoração a um Santíssimo Sacramento que, de fato, não existe e, sobretudo, contribuam mensalmente para a manutenção de toda aquela parafernália virtual. Esse não é o Deus de Jesus, ao qual não precisamos ficar pedindo nada, pois ele já sabe de tudo o que precisamos, antes mesmo de o pedirmos. O multiplicar-se de palavras, de preces, de súplicas, de falatórios desses sites está mais para coisa de pagão, do que para cristão (Mt 6,5-8).

O segundo elemento é o reforço do individualismo religioso e a destruição da comunidade cristã a qual, necessariamente, deve estar situada em um lugar concreto (1Cor 1,2; Rm 1,7). E ao dizer da necessidade de estar situada num lugar concreto entendo falar não apenas da dominical “assembleia dos convocados” que define a Igreja, mas do encontro das pessoas entre si para conversarem pessoalmente sobre seus problemas e tocarem calorosamente os seus corpos uns nos outros através de um aperto de mão, de um abraço e de um beijo (Rm 16,16). Na “Igreja virtual” a pessoa não precisa mais sair de casa para obter graças e vantagens religiosas para si. As pessoas deixam de tomar parte ativa na vida concreta de uma comunidade e se transformam em meros consumidores de kits de salvação, disponíveis nos sites católicos. A Igreja passa a ser um supermercado virtual.

Com isso há sério risco de esfacelamento da Igreja, a qual se define como comunidade convocada e reunida pela Trindade. É verdade que nesses sites católicos aparecem pedidos e preces por outras pessoas. Mas, nos lembra Galimberti, falta o essencial de uma comunidade cristã que é a capacidade de fazer experiência. Pela maneira como são pensados e organizados, os sites católicos só são “capazes de pôr em comunicação milhões de solidões, que transformarão todos os solitários, privados exatamente pelos meios de comunicação da possibilidade de fazer uma experiência compartilhada, em habitantes de um mundo comum” (Galimberti, p. 287). Na virtualidade não há Igreja, mas massa anônima, consumidora de produtos religiosos virtuais, a qual geralmente só se encontra virtualmente através da degradação da individualidade.

O católico virtual que só acessa a “igreja do computador” não sai mais de casa. E, ao não sair de casa, ele se distancia da realidade, dos outros e dos problemas dos outros. Seu cristianismo ao invés de ser centrífugo (na direção do próximo), como pediu Jesus (Lc 10,29-37), se torna centrípeto (voltado somente para ele mesmo). É o católico “que não está mais com o outro, mas apenas ao lado do outro”, numa “fuga solitária que não compartilha com ninguém, ou no máximo com um milhão de solitários do consumo de massa, que ao mesmo tempo que ele, mas não junto com ele, cravam os olhos na tela” (Galimberti, p. 285).

A análise do desempenho de alguns sites católicos nos permite identificar pelo menos três problemas teológicos sérios: visão deturpada do Deus de Jesus, ausência do senso eclesial e fuga do compromisso com os outros. Não se trata aqui de “demonizar” a internet e a mídia, como, infelizmente, fazem alguns. Hoje o recurso midiático deve ser necessariamente usado na catequese, na evangelização, na informação e na formação da consciência crítica dos cristãos e das cristãs. O que se questiona é a forma como se está utilizando este recurso; forma essa que termina por alimentar uma religiosidade melosa, mágica, egoísta, falsa e não-cristã.

Por último, recordando o que nos diz ainda Galimberti (p. 283), não devemos esquecer que a mídia, em si, não é totalmente neutra. Ela, com seu poder, termina moldando a nossa natureza. Ela nos plasma, a tal ponto que, em vários lugares do mundo, já começam a surgir muitos casos de viciados em internet, precisando de tratamento psicológico e até psiquiátrico.

Na Igreja Católica já temos alguns casos de psicopatia eclesiástica: pessoas que chegam ao delírio de pensar que Jesus, o Verbo do Pai, é uma simples mercadoria, um software, a ser comercializado nas feiras católicas nacionais e internacionais.

Recentemente ouvi da boca de um desses organizadores da Expocatólica algo parecido: Jesus é um “produto” a ser oferecido através de um bom marketing. Com esses midiáticos voltamos a dois mil anos atrás, quando o Filho do Homem irritado com uma religiosidade mercadológica semelhante, pegou um chicote de cordas e botou todo mundo para correr dizendo: “Não façam da casa de meu Pai uma casa de negócios” (Jo 2,16). Não estaria na hora de alguém pegar um chicote não-virtual e expulsar da Igreja os que reduzem Jesus a um mero produto virtual?

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