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sábado, 16 de novembro de 2013

33º Domingo do Tempo Comum: Apocalipse. Uma catástrofe ou uma esperança?

O estilo literário chamado apocalipse descreve simplesmente a realidade muitas vezes cruel da existência humana na qual nos encontramos, para lançar um grito de esperança, por causa da nossa fé na Ressurreição. Sim! Nós somos prometidos à Ressurreição, mas devemos passar pelo sofrimento e pela morte, por causa da nossa finitude humana. Não devemos, sobretudo, desesperar, e esses textos apocalípticos existem para nos fazer refletir.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 33º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico (17 de novembro de 2013). A tradução é de André Langer.
Referências bíblicas:
Primeira leitura: Ml 3,19-20a
Segunda leitura: 2 Tm 3,7-12
Evangelho: Lc 21,5-19
Eis o texto.
No domingo passado, nós ouvimos os saduceus colocarem Jesus à prova sobre a Ressurreição dos mortos; hoje, o próprio Jesus começa um discurso sobre o fim dos tempos. Ao invés de ter medo e viver na angústia, o discípulo deve utilizar o tempo que lhe é dado para suportar e testemunhar o Evangelho: “É permanecendo firmes que vocês irão ganhar a vida” (Lc 21,19). Quando chegamos ao fim do ano litúrgico, a cada ano, temos textos do evangelho de sabor apocalíptico. Mas atenção! Alguns gostariam de ver nisso anúncios de catástrofes e de tragédias que precedem o fim dos tempos, por causa das imperfeições e dos limites humanos... mas, não é nada disso. Pelo contrário, esse estilo literário chamado apocalipse descreve simplesmente a realidade muitas vezes cruel da existência humana na qual nos encontramos, para lançar um grito de esperança, por causa da nossa fé na Ressurreição. Sim! Nós somos prometidos à Ressurreição, mas devemos passar pelo sofrimento e pela morte, por causa da nossa finitude humana. Não devemos, sobretudo, desesperar, e esses textos apocalípticos existem para nos fazer refletir.
 1. A realidade de Lucas
No tempo em que Lucas escreve o seu evangelho (80-90 d.C.), estamos em um período de plena perseguição. A guerra judaica de 66, que desembocou na tomada de Jerusalém pelos romanos e na destruição do Templo em 70, poderia ser percebida tanto pelos judeus como pelos cristãos como sinais precursores do fim dos tempos, tanto mais que durante os anos que se seguiram a essas turbulências, os cristãos conheceram tempos muito difíceis, tempos de perseguições. O livro dos Atos dos Apóstolos reúne as provas encontradas pela jovem Igreja: “Os sacerdotes, o chefe dos guardas do Templo e os saduceus prenderam Pedro e João” (At 4,11-3); “Paulo e Silas tiveram suas vestes rasgadas, foram acoitados e lançados na prisão” (At 16,22-24). A fidelidade a Cristo por parte dos discípulos provoca a oposição de todos: dos judeus, dos pagãos, do Estado romano e da sua própria família: “Vocês serão odiados por todos, por causa do meu nome” (Lc 21,17). Por outro lado, apesar dos sofrimentos e das aflições, os discípulos podem continuar a ter esperança: “Isso acontecerá para que vocês deem testemunho. Portanto, tirem da cabeça a ideia de que vocês devem planejar com antecedência a própria defesa; porque eu lhes darei palavras de sabedoria, de tal modo que nenhum dos inimigos poderá resistir ou rebater vocês” (Lc 21-13-15). E mais ainda: “Mas não perderão um só fio de cabelo” (Lc 21,18).
2. Os falsos messias
O que torna o discurso de Lucas original é o anúncio dos falsos messias. Podemos assinalar a atividade dos profetas zelotes durante a guerra judaica (66-70) que, segundo Flávio Josefo, anunciam como iminentes os sinais da salvação. Na ótica de Lucas, trata-se antes de falsos doutores que perturbam as comunidades: “Cuidado para que vocês não sejam enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: ‘Sou eu’. E ainda: ‘o tempo já chegou’. Não sigam esta gente” (Lc 21,8). Esses profetas da desgraça tinham uma influência maior sobre os cristãos à medida que esses eram realmente perseguidos: “Mas, antes que essas coisas aconteçam, vocês serão presos e perseguidos; entregarão vocês às sinagogas, e serão lançados na prisão; serão levados diante de reis e governadores, por causa do meu nome” (Lc 21,12).
Lucas reconhece que sua comunidade vive momentos difíceis e que a Igreja nascente atravessa tempos conturbados, mas esses momentos de prova podem ser encontrados ao longo de toda a história humana. Já o profeta Malaquias, no século V antes de Cristo, anunciava dias melhores, numa época de grandes turbulências, quando sua comunidade vivia um certo desânimo: “Vejam! O dia está para chegar, ardente como forno” (Ml 3,19a). Malaquias critica severamente o culto de seu tempo: faz críticas contra os fiéis que apresentam a Deus animais aleijados (Ml 1,8), críticas contra os sacerdotes negligentes que não ensinam a Lei de Deus (Ml 2,1-9). Por outro lado, o profeta compartilha seu otimismo: “Mas para vocês que temem a Javé brilhará o sol da justiça, que cura com seus raios” (Ml 3,20a).
Guerras, terremotos, fomes, epidemias e intempéries de todo tipo, sempre houve e sempre haverá. Este ano, houve terremotos em muitos países, um tufão acaba de destruir uma parte das Filipinas, a guerra continua a castigar na Síria e em outras partes do mundo; a aids continua a fazer vítimas nos países pobres e os cientistas temem catástrofes por causa do aquecimento climático. A partir destas duras realidades ainda existem profetas da desgraça e falsos messias para assustar as pessoas e para anunciar-lhes que é o fim do mundo. Chegam inclusive a anunciar que será em breve. Lucas nos reiterou: “Não sigam essa gente” (Lc 21,8b); “Não será logo o fim” (Lc 21,9b); “Isso acontecerá para que vocês deem testemunho” (Lc 21,13); “É permanecendo firmes que vocês irão ganhar a vida” (Lc 21,19).
3. Atualização
Ao atualizar a Palavra de hoje me dou conta de que sempre temos necessidade desses relatos de apocalipse para nos recordar que somos, em primeiro lugar, seres de finitude, isto é, seres materiais, frágeis, limitados, submissos às leis naturais e às regras muitas vezes cruéis da natureza humana, mas nós somos também seres espirituais, prometidos à Vida com V maiúsculo, porque salvos gratuitamente pelo Cristo ressuscitado. Como acontece, então, que na própria Igreja, ainda existem homens que ocupam funções importantes e que agem como profetas da desgraça e falsos messias? Quando se começou a falar de laicidade, o ex-arcebispo de Quebec, o cardeal Ouellet afirmou em alto e bom tom que em Quebec perdemos todos os nossos pontos de referência e que a sociedade laica na qual estamos dirigia-se para um beco sem saída. Felizmente, o bispo de Trois-Rivières da época disse exatamente o contrário. Ele optou por uma laicidade aberta; reconheceu que Quebec havia sofrido durante muito tempo um casamento às vezes fechado entre a religião e os governos, o que deixou um gosto amargo em muitos dos nossos contemporâneos.
Temos, pois, duas aproximações completamente diferentes: de um lado, o tom pessimista de um cardeal que fala de vazio espiritual, de ruptura religiosa e cultural, de crise da família e da educação, de cidadãos desorientados, desmotivados, sujeitos à instabilidade e apegados a valores passageiros e superficiais, ao relativismo religioso e ao fundamentalismo laicista... e de outro lado, o tom otimista de um bispo que, embora reconhecendo os limites da sociedade quebecoense atual, fala de esperança e de uma visão positiva sobre o futuro. Infelizmente, com o projeto de lei 60 do governo atual sobre os valores da laicidade, estamos em vias de dar razão ao cardeal Ouellet. E, assim mesmo, o bispo Vaillette escreveu coisas tão bonitas... Disse: “Eu defendo uma laicidade aberta... Eu não sou nostálgico da sociedade eclesial de antes de 1960 e, sobretudo, não quero restabelecê-la. O aumento da laicidade foi salutar para a sociedade e para a religião católica. Uma depuração. Um apelo que nos foi lançado, a nós católicos, para reencontrar as raízes profundas da nossa fé, para nos aproximarmos da humildade dos evangelhos e para continuar a trabalhar por um mundo melhor e mais justo numa economia de meios, mas animados pelo mesmo sopro. Eu faço um apelo por um diálogo com os defensores de todas as formas de laicidade. Um diálogo construtivo inspirado em nossos valores comuns e respeitosos da verdade da história”. Mas quando um governo quer proibir os seus funcionários de usar sinais religiosos, não estamos mais em uma laicidade aberta, mas numa espécie de perseguição daquelas e daqueles que tem fé e que querem simplesmente expressá-la.
Para terminar, gostaria de citar o exegeta francês Jean Debruynne, em seu comentário sobre o evangelho de hoje. Ele escreve: “... Virão dias em que não ficará pedra sobre pedra... É com estas palavras que Lucas anuncia a ruína do Templo de Jerusalém. Jesus, provavelmente, não se refere à demolição do prédio. Jesus não é um promotor que sonha em substituir uma velha igreja por uma nova, mais na moda e mais moderna. Jesus não quer mais o Templo porque não quer mais a religião. Chegou o momento em que seu Evangelho corre o risco de transformar-se rapidamente em religião: Muitos virão dizendo em meu nome: sou eu! Não sigam essa gente. Jesus não veio para anunciar uma religião, mas a fé”. E eu acrescentaria, a fé pode se expressar por um sinal e ninguém tem o direito de proibi-lo...

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