(Texto defende descentralização da
Igreja e caráter missionário)
Ao
Episcopado, ao clero às pessoas consagradas e aos fiéis leigos. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual -
Evangelii Gaudium
1- A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se
encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado,
da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem
cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a
fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria
e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
1- Alegria que se renova e comunica
2.
O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de
consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e
mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência
isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de
haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de
Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de
fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes.
Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida.
Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus
tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.
3.
Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar
hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a
decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não
há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já
que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído». Quem arrisca, o Senhor
não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em direção a Jesus,
descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento
para dizer a Jesus Cristo: «Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do
vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar a minha aliança convosco.
Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor; aceitai-me mais uma vez nos vossos
braços redentores». Como nos faz bem voltar para Ele, quando nos perdemos!
Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos
cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar «setenta
vezes sete» (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete. Volta
uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a
dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos
levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre
nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos
demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida
que nos impele para diante!
4.
Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia
de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se
ao Messias esperado, saudando-O com regozijo: «Multiplicaste a alegria,
aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo com
cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara no horizonte, o
profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte,
arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9). A criação
inteira participa nesta alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de
alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola
o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13).
Zacarias,
vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega «humilde, montado num
jumento»: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de
Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso» (9, 9). Mas o
convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o
próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer
comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este texto:
«O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de
alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria
por tua causa» (3, 17).
É
a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como
resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê,
trata-te bem (...). Não te prives da felicidade presente» (Sir 14, 11.14).
Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras!
5.
O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida
insistentemente à alegria. Apenas alguns exemplos: «Alegra-te» é a saudação do
anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João salte de
alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico, Maria proclama: «O
meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 47). E, quando Jesus
começa o seu ministério, João exclama: «Esta é a minha alegria! E tornou-se
completa!» (Jo 3, 29). O próprio Jesus «estremeceu de alegria sob a acção do
Espírito Santo» (Lc 10, 21). A sua mensagem é fonte de alegria: «Manifestei-vos
estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja
completa» (Jo 15, 11). A nossa alegria cristã brota da fonte do seu coração
transbordante. Ele promete aos seus discípulos: «Vós haveis de estar tristes,
mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20). E insiste: «Eu
hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos
poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22). Depois, ao verem-No ressuscitado,
«encheram-se de alegria» (Jo 20, 20). O livro dos Actos dos Apóstolos conta
que, na primitiva comunidade, «tomavam o alimento com alegria» (2, 46). Por
onde passaram os discípulos, «houve grande alegria» (8, 8); e eles, no meio da
perseguição, «estavam cheios de alegria» (13, 52). Um eunuco, recém-baptizado,
«seguiu o seu caminho cheio de alegria» (8, 39); e o carcereiro «entregou-se,
com a família, à alegria de ter acreditado em Deus» (16, 34). Porque não
havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?
6.
Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço,
porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e
circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas
sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal
de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as
pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de
suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a
despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores
angústias: «A paz foi desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade
(…). Isto, porém, guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que
a misericórdia do Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã
ela se renova; é grande a tua fidelidade. (...) Bom é esperar em silêncio a
salvação do Senhor» (Lm 3, 17.21-23.26).
7.
A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e queixas, como
se tivesse de haver inúmeras condições para ser possível a alegria.
Habitualmente isto acontece, porque «a sociedade técnica teve a possibilidade
de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela encontra dificuldades
grandes no engendrar também a alegria». Posso dizer que as alegrias mais belas
e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas muito
pobres que têm pouco a que se agarrar. Recordo também a alegria genuína
daqueles que, mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam
conservar um coração crente, generoso e simples. De várias maneiras, estas
alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o de Deus, a nós manifestado em
Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos
levam ao centro do Evangelho: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão
ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa
que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».
8.
Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se
converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada
e da auto-referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos
mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós
mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da
ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o
sentido da vida, como é que pode conter o desejo de comunicar aos outros?
*Divulgado pela Rádio Vaticano, em
Portugal.
(Obs: Leia a próxima parte nos próximos
dias: A doce e reconfortante alegria de Evangelizar). Se desejar, leia na
íntegra. Clique aqui: http://www.4shared.com/download/lonkPLIC/PAPA-_A_Alegria_do_Evangelho__.docx
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