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sábado, 5 de janeiro de 2013

Cultura de Periferia Urbana


Frei Tito Figueirôa de Medeiros, O.Carm.
           
            Foi o contato com este tipo de cultura - geralmente chamada de subcultura urbana pelos cientistas sociais - e o “estranhamento” daí resultante, que me “empurraram” para a pós-graduação em Antropologia Cultural e Social. Após vinte anos de ministério junto a movimentos de jovens e adultos de classe média, o mergulho em comunidades da periferia do Recife, que depois se tornariam uma paróquia, constituiu, para mim, um certo choque cultural. A constituição da estrutura familiar, muito diferente da de classe média; o papel da mulher como provedora principal em não poucos lares; o caráter festivo das manifestações dos afro-descendentes; a moçada pobre que descia, todos os domingos à noite, para os bailes nos clubes do bairro - rapazes e moças vestidos com as roupas jovens da última moda, imitando perfeitamente as roupas de griffe, em meio a uma situação de níveis de desemprego maiores do que nestes meses de fevereiro-abril de 1998; a presença maciça dos evangélicos, principalmente os  pentecostais, fazendo os católicos se sentirem - e eram, de fato - minoria, em algumas comunidades em formação... tudo isto eram desafios para a minha compreensão do fenômeno (sub)urbano e para a interlocução com os sujeitos imersos neste contexto..  
            A busca de melhores condições de trabalho, de melhor remuneração, de direitos trabalhistas respeitados - realidade muito falha na atividade econômica agrícola; a necessidade de melhor escolarização para os filhos; o desejo de gozar de mais liberdade individual, de fugir do enorme controle social ainda vigente nos pequenos núcleos populacionais interioranos; a atração exercida pelos MCS, acenando para as vantagens e confortos da vida na cidade grande... são alguns dos principais motivos da  migração em massa, no Brasil e em boa parte dos países do Terceiro Mundo, para as metrópoles e cidades de grande porte, dentro como fora de seus países de origem.
            Sem entrar nas discussões sobre este fenômeno, e sem tocar na questão da cultura urbana como um todo, pretendo destacar apenas o tipo de sub-culturas desenvolvidas pelos migrantes pobres para as periferias suburbanas e bairros centrais que entraram em processo de degradação,  nas médias e grandes cidades brasileiras.
            Tais formações urbanas se caracterizam por uma enorme concentração populacional, verdadeiros aglomerados superlotados, tanto nos “cortiços” e “cabeças de porco” como nas favelas e bairros populares periféricos, produzindo situações de espaço vital reduzido, da privacidade sempre ameaçada, da grande incidência de “doenças dos nervos”, sobretudo nas mulheres, aqui também as vítimas principais destas situações desumanas. O clima de freqüente frustração com a miragem do conforto da grande cidade, o medo da violência, a escassez dos serviços urbanos, a insegurança quanto ao próprio futuro, em termos de trabalho e outras formas de realização pessoal e familiar, sonhadas com a migração, proporcionam outras tantas fontes de sofrimento e conflito. Para escapar destes, recorrem ao clientelismo, depositando nos líderes políticos do bairro suas esperanças. Outro recurso é o ingresso na marginalidade e na prostituição, principalmente entre os jovens, levados pelas promessas  de dinheiro fácil e farto. Para uma parcela destas populações, existe hoje o recurso da mudança de sua religião de origem para as igrejas e seitas salvacionistas, que acenam com milagres, libertações das mazelas pessoais e melhorias de vida repentinas.
            Atenção especial se deve ter, ainda, às relações de gênero, sobretudo nos migrantes provindos do mundo rural e regiões mais tradicionais do Brasil. Estas continuam muito marcadas por um cunho patriarcal/machista, às vezes até violento, como provam as estatísticas levantadas pelas delegacias da mulher. Além disso, o desemprego, afetando sobretudo os homens, sobrecarrega a mulher com a função de provedora principal da família. Como esta  situação não é bem aceita pela mentalidade machista dos maridos ou companheiros, torna-se fonte de  inúmeros conflitos.
            Em face destas situações, o associativismo, liderado pelas Igrejas, ONGs e partidos políticos, cresce cada vez mais nas periferias, despertando vocações para a solidariedade e auxílio mútuos, e para aumentar o número das lideranças comunitárias. Multiplicam-se hoje experiências que dão certo na busca da diversificação de estratégias de sobrevivência. A par disso, há  muita alegria, festa, diversões nesses bairros, práticas de esporte, fins de semana animados, reforços para ajudar a suportar a dureza cotidiana.
            Então, como se lançar à missão inculturada num contexto de uma cultura do utilitarismo, da “lei do mais esperto”, da competição às vezes extremamente agressiva, do cinismo ético dos que caem nas drogas, no narcotráfico e na prostituição,  da busca da relação com o Sagrado de cunho utilitário, marcada pela transferência da relação clientelista, antes mantida principalmente com os políticos locais e agora, também com um Deus provedor das necessidades econômicas e sociais imediatas: Deus que é cultuado, invocado, na expectativa de que essas sejam  atendidas?
            Como, por outro lado, nós, religiosos/as poderemos nos inserir nas e dar nossa contribuição às iniciativas abnegadas de agentes externos e do próprio bairro, que lideram iniciativas tendentes a melhorar a infraestrutura, a convivência social do meio onde vivem, através de camapanhas permanentes de educação popular, cidadania, formação profissional, etc?
Em primeiro lugar, o conhecimento desta realidade conflitual e altamente heterogênena de periferias urbanas é importante para se ter uma base preparatória para a experiência do contato vivencial com a mesma.
Em seguida, uma  grande dose de compaixão, no sentido próprio do termo= “sofrer com”, é muito importante. A compreensão compassiva levará o religioso e a religiosa a não se espantar, a evitar atitudes de estranhamento que afastem a aproximação, a abertura para futuras confidências por parte dos habitantes destas comunidades.
No anúncio de Jesus Libertador não pode estar ausente a perspectiva da salvação individual, no plano da realização econômica (encontro de um trabalho decente, p. ex.) além da sua perspectiva social, que inclui a educação para a solidariedade e a cidadania a nível comunitário entre os vizinhos, parentes, amigos, “que estão no mesmo barco”. 
Deste modo, o processo da evangelização dialogante poderá aos poucos ir valorizando os aspectos positivos da alegria, das festas do bairro, das organizações comunitárias educativas e para o lazer. Destas últimas, os religiosos/as participem na medida do possível, transformando-os paulatinamente em lazer educativo, que atenda às exigências da socialização, do cuidado com a saúde, etc.
Por outro lado, a atitude crítica para com os contra-valores apontados acima, no esforço inculturativo, precisa ser levada em frente com “entranhas de misericórdia” e um compromisso atuante com a libertação em todos os níveis supramencionados.
Embora a índole sectária predomine entre os evangélicos pentecostais, é importante descobrir entre eles os de mentalidade sensível ao ecumenismo e valorizar experiências de oração, leitura da Bíblia e ações solidárias em conjunto.
O mesmo pode valer para os grupos religiosos não-cristãos presentes e atuantes na área - destacando-se os afrobrasileiros, pelo seu número e influência social - que sejam sensíveis a algumas formas de diálogo inter-religioso.
Neste sentido, é importante valorizar e celebrar as pequenas e grandes vitórias alcançadas sobre as “situações de morte” vivenciadas pelos membros da comunidade, assim como os esforços feitos, mas que ainda não lograram  muito êxito.

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