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segunda-feira, 3 de julho de 2017

O QUE RESTA DO PADRE?


Padre Armando Matteo, padre da diocese de Catanzaro-Squillace, Itália, é docente de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana.

“Será que isso que estamos vivendo ainda é um tempo para nós? Para nós, que abraçamos a vocação sacerdotal? Não são, na verdade, muitos os sinais indicativos de que nesta época em que temos que viver lentamente, mas com bastante seriedade, esteja como que perdendo valor e significado o ministério sacerdotal ao qual decidimos dedicar nossas vidas? Será que isso que estamos vivendo ainda é um tempo para nós? Para nós, que abraçamos a vocação sacerdotal? Não são, na verdade, muitos os sinais indicativos de que nesta época em que temos que viver lentamente, mas com bastante seriedade, esteja como que perdendo valor e significado o ministério sacerdotal ao qual decidimos dedicar nossas “vidas?”, pergunta Armando Matteo, padre da diocese de Catanzaro-Squillace, é docente de Teologia Fundamental na Pontifícia Universidade Urbaniana. De 2005 a 2011 foi assistente nacional da Federação Universitária Católica Italiana (FUCI), em artigo publicado na revista Presbyteri, e reproduzida por Settimana News, nos dias 04, 10 e 13 de junho de 2017. A tradução é de Ramiro Mincato.

Eis o artigo.

Premissa

Será que isso que estamos vivendo ainda é um tempo para nós? Para nós, que abraçamos a vocação sacerdotal? Não são, na verdade, muitos os sinais indicativos de que nesta época em que temos que viver lentamente, mas com bastante seriedade, esteja como que perdendo valor e significado o ministério sacerdotal ao qual decidimos dedicar nossas vidas?
Os dados estatísticos acerca das novas vocações ao sacerdócio, ao menos no Ocidente desenvolvido, não requerem muitos comentários: são cada vez menos os jovens que entram nas fileiras do clero, que já é medianamente velho, e, para não poucos casos, muito velho. Será que ainda teremos padres italianos, franceses e europeus, em geral, daqui a algumas décadas? Difícil não perguntar-se.
Mesmo quando ainda não tomados pelos cuidados de saúde do próprio corpo, que se enferma e envelhece, os padres maduros parecem estar sempre preocupados, em reserva: literalmente, nunca têm tempo, tantas as tarefas que lhes competem, incluindo sagradas e profanas, a que dedicam seu tempo. Há quem nem consiga preparar a homilia como o Papa Francisco recomenda.
Mais ainda: não é verdade também que muitos padres não imprimem um mínimo de entusiasmo ao seu trabalho pastoral e que, ao contrário, vivem o ministério num ciclo de produção ininterrupta, quase insignificante para sua própria existência? O que sobrou dos anos de seminário, do impulso da primeira hora, da prontidão com que deram seu sim ao Senhor Jesus?
E o que dizer diante daqueles que pelas razões mais desesperadas - mas que sempre tem a ver com sexo e dinheiro - acabam nas páginas dos jornais, ou sob o holofote daquele tipo de jornalismo popular que tanto ama entreter seu público com esses temas?
A maior provação, talvez, que enfrentamos hoje, e que nos questiona profundamente sobre a nossa presença na sociedade, tem a ver com um sentimento de mal-estar mais geral: o inconveniente de não sermos capazes de nos comunicar com aquela parte vital da população que gravita em torno das nossas paróquias e comunidades. Penso nos muitos jovens que estão longe dos nossos locais; penso ainda nas mulheres jovens adultas ou adultas, mães e trabalhadoras, que, terminado o caminho da catequese de iniciação de seus filhos, parecem não ter mais tempo, nem interesse para o que nós padres dizemos e celebramos; penso também nos homens e mulheres de cultura ou de instituições públicas importantes, que, mesmo respeitando a realidade eclesial e seus representantes, escondem, no fundo, a ideia de que nós e nosso trabalho não passam de um pequeno souvenir de um mundo que já passou. Você pode encontrá-los nalgum batizado, casamento ou funeral, e quase nenhum deles lembra sequer quando é hora de levantar-se ou de sentar-se.
E o que pensar daqueles que ainda vem à Igreja? Não se esconderia em algum lugar do nosso coração a pergunta: realmente estão nos ouvindo? Seriam capazes de aceitar para suas vidas cotidianas os parâmetros que vêm das belas mas exigentes palavras de Jesus que lhes pregamos todos os domingos? Não parece, no entanto, também neste caso, que no final das contas, o que de fato importa para essas pessoas, são elas mesmas que decidem: qual e quanto Evangelho pôr em prática? E nós, então, para que servimos?
Restam, é claro, os pobres, que muitas vezes vêm bater à nossa porta: a solidariedade está fora de questão, mas o fato de eles voltarem tantas vezes, e com aqueles da primeira hora vão se juntando outros continuamente, pois quase ninguém consegue sair desta imensa corrente humana de pessoas que simplesmente lutam para colocar a mesa almoço e jantar. Também isso é fator de tristeza. Quanta pobreza é gerada neste tempo. Poder-se-á encontrar algum equilíbrio nesta estranha economia que governa o mundo?
Talvez este seja o lugar onde encontramos, nesta reflexão, um primeiro ponto de síntese: o tempo em que vivemos é para nós padres, sobretudo, um momento de pobreza; sim, nós também lutamos para colocar juntos as Laudes e as Completas, porque vivemos num momento histórico em que perdemos as coordenadas culturais e sociais que deram, até dias não muito distantes dos nossos, um contexto, um charme e uma fisionomia clara ao nosso ser padre. E é daqui, talvez, que se deva partir para responder à pergunta: como continuar a ser padre neste tempo?

O que perdemos
Este, que vivemos, é um tempo de pobreza para nós padres. Somos chamados ao ministério do anúncio do Evangelho e de guias das comunidades a nós confiadas, sem poder contar com nenhum dos apoios que foram de grande importância num passado recente: somos padres, mas não dispomos mais daquela linguagem comum entre a experiência de viver e aquela de crer, nem desfrutamos mais daquela credibilidade pessoal e grupal que inspirava confiança em quem se aproximava, e sem poder apoiar nossa autoridade específica em arquétipos e imaginários difusos, e, enfim, sem saber por quanto tempo ainda os recursos econômicos até agora colocados à nossa disposição nos ajudarão a manter de pé e “em boa forma” as tantas estruturas e iniciativas sobre as quais fazemos girar a vida da comunidade. Tentemos, pois, ver alguns detalhes desse novo cenário em que hoje se decide nosso empenho sacerdotal.
Todos sabemos e dizemos que a cristandade acabou. Estamos, de fato, na época da chamada pós-modernidade, que não é simplesmente uma época de mudança, mas uma verdadeira e própria mudança de época. Tal evento não poupou a figura e o papel do padre, entendido aqui sobretudo como anunciador do Evangelho. Quando se diz que a cristandade acabou, trata-se de tomar consciência de que aquela unidade de cultura e aquela cultura da unidade vigente no Ocidente até a revolução cultural de Sessenta e Oito, não existe mais. Não só: trata-se então de compreender que não há mais referencia ou osmose alguma entre as instruções para viver e aquelas para crer. Neste sentido, a mudança de época que vivemos, e que anuncia o fim da cristandade, faz com que haja muito mais distância no modo de entender o humano entre eu e meu avô, do que entre o meu avô e qualquer um dos cidadãos da Idade Média.
Para melhor visualizar uma tal mudança, tenha-se presente o fato de que nos tornamos humanos e cidadãos num determinado tempo, assumindo como nossa a linguagem humana em geral, e mais especificamente a linguagem daquele determinado contexto histórico e cultural, que traduz e indica uma ordem das coisas do mundo e do mundo das coisas. A linguagem é o lugar onde se sedimenta o imaginário comum, que determina a apreensão do real, isto é, o que nós definimos como valores de fundo. Assim, nas últimas décadas, com o impor-se da cultura pós-moderna, assistimos uma mutação de palavras e de sua ordem, com o eclipse de umas e a emergência de outras. Até os anos Oitenta do século passado as palavras decisivas na vida humana eram eternidade, paraíso, verdade natureza, lei natural, fixidez, maturidade, idade adulta, espírito, masculinidade, sobriedade, sacrifício, renúncia, autoridade, direito, tradição. Hoje, ao centro da sensibilidade imediata de ser habitante deste tempo e espaço cultural, encontramos as palavras finitude, alteridade, pluralismo, tolerância, sentimento, técnica, saúde, mudança, atualização, corporeidade, mulher, consumo, bem-estar, juventude, longevidade, singularidade, sexualidade, democracia, convicção, comunicação, participação.
Exatamente isto provoca - e este é o ponto – a ruptura da cristandade, isto é, da unidade entre cultura e fé, entre existência e oração, entre cotidiano e santo, que, não sem nenhuma sombra como é natural que seja, favoreceu muito o trabalho da Igreja e de nós padres: em casa, na escola, pela estrada os códigos linguísticos – humano e de fé – passavam facilmente de um lado ao outro. Isto não acontece mais. Assistimos, ao contrário, a um cristianismo que se tornou estranho ao homem comum; em geral, a própria questão de Deus não aparece mais como decisiva para uma vida humana bem sucedida, e, enfim, quase ninguém de nós consegue encontrar o estilo certo e a frequência certa para transmitir a fé às novas gerações.
Vivemos num tempo que nos despe daquela aura de credibilidade derivante das nossas escolhas que sempre pareciam fortes e contracorrentes em relação a vida ordinária das pessoas: a obediência, a pobreza e a castidade. Mas foram tantos os escândalos que se abateram sobre a inteira categoria nos últimos anos. Quantas feridas recebeu e continuamente recebe a credibilidade da imagem do padre. Num tempo em que não se crê mais na graça, na ação do Espírito Santo, na força da oração, e muito mais naturalmente se inspira na potencia da psicologia, os padres arriscam cair sob suspeição exatamente por essas escolhas fortes e rígidas, porque são os últimos que não se renderam, ao menos como escolha de fundo, à invasividade do discurso do sexo, do dinheiro e da autodeterminação. Que estranha parábola, pois, temos que viver: de um tempo em que exatamente porque castos, pobres e obedientes inspirávamos tanta confiança, para um tempo em que exatamente porque castos, pobres e obedientes somos constantemente submetidos a um tipo permanente de controle de qualidade que gera inevitavelmente desconfiança e ressentimento.
Ainda mais profundamente devemos reconhecer que o que nos faz sofrer é o desaparecimento, na nossa cultura, do “discurso do padre”, a perda de credibilidade da autoridade, a diminuição da qualidade adulta do humano. Pais e educadores são, por assim dizer, invadidos pela ânsia do cuidado, da preocupação, do controle, da manutenção indolor e ascética da vida daqueles que lhes são confiados, resultando tão incapazes de assimetria, de conflitos, de generatividade. Desaparece a ideia de que querer bem a alguém, a nós confiado, significa sempre conjugar com querer o seu bem: isto é, querer seu crescimento, sua emancipação da nossa órbita, sua capacidade de estar com suas próprias pernas diante do mundo e da história, certo, graças a nós, mas sobretudo, sem nós. Onde poderemos encontrar apoio, hoje, no imaginário difuso, para sermos “o mais velho” (tradução literal de presbítero), o mais sábio, o mais adulto, num tempo em que os adultos não querem mais ser adultos, em que não estão mais dispostos a renunciar ao próprio ego para poder assumir o encargo dos outros, sempre com a finalidade de deixa-los crescer em autonomia e por isso sabendo dar espaço também ao lado “áspero”, que também faz parte do gesto educativo? Não há o risco que também o padre se transforme, para nossas crianças e jovens, como suas mães e pais, numa espécie de amigo, de “falso jovem”, de pobre cretino caído sob a pressão do discurso do mercado? E se, ao invés, assumir seriamente o papel de adulto, não terá o padre que encontrar a coragem necessária para enfrentar os tantos “falsos jovens” com quem deve partilhar a responsabilidade educativa das novas gerações? Percebe-se claramente aqui que as tão amadas alianças casa-escola-oratório devem ser completamente repensadas e reestruturadas.
Merece ainda um aceno a questão econômica. Vimos de tempos de vacas gordas, e talvez ainda estejamos neste tempo, mas são anunciadas sombras neste horizonte e provavelmente, entre a diminuição das ofertas privadas e a redução dos financiamentos estatais, será necessário repensar como realizar a gestão das estruturas, muitas vezes realmente enormes. Em muitos países, no norte da Europa, já é questão do dia a dia a venda de edifícios sacros por causa da falta de fundos para sua manutenção, além da falta de pessoal eclesial a quem destiná-los. Como começar a repensar tudo isso? O que será realmente essencial conservar e do que se poderia, ao contrário, desfazer-se? Como evitar que o trabalho da procura de recursos econômicos não absorva e contamine a liberdade do nosso ministério pastoral e a força da nossa palavra profética?
E finalmente, como não enfrentar o aumento da vida média das populações e, portanto, também a do clero? Conseguiremos, com a aposentadoria, fazer frente às tantas novidades que a condição longeva da humanidade põe diante de nós? Será realmente possível permanecer fiel à nossa escolha de sermos padres por um período tão longo de anos?

O que ainda não entendemos
Não seria completa a descrição do cenário em que vivemos hoje nossa aventura sacerdotal, se não levarmos em conta as tantas oportunidades que, exatamente este tempo, que tanto nos põe à prova, nos oferece.
A primeira delas é certamente a coragem que nos vem do recente magistério petrino. Penso aqui na centralidade do tema da nova evangelização e da atenção aos jovens, em São João Paulo II, penso ainda na centralidade da questão da fé, em Bento XVI e penso, enfim, ao apelo do Papa Francisco ao tema da criatividade pastoral, mesmo com risco de alguma queda ou algum acidente de percurso.
Gosto, assim, de sublinhar a palavra criatividade que retorna diversas vezes na Evangelii Gaudium (11, 28, 134, 145, 156, 278), e é, no fundo, um convite a imaginar percursos diferentes e propostas inovadoras. É alguma coisa da qual todos estamos convencidos, pois sentimos na pele: muitos gestos de fé que propomos não funcionam mais tão bem como gostaríamos. Basta pensar aos percursos da iniciação cristã ou ao empenho pela pastoral juvenil. É exatamente por isso que o Papa Francisco nos convida a não ter medo de mudar, dando vida também a um curioso neologismo: “Primeirear – tomar a iniciativa”.
O nosso é, então, o tempo para a criação de uma palavra nova, de uma nova imaginação evangelizadora, de uma nova estação da vida paroquial. Faço eco a duas expressões bastante concretas do Papa Francisco: a primeira, no n. 73 da Evangelii Gaudium, onde, lembrando as grandes mudanças ocorridas na cidade, pede para “imaginar espaços de oração e de comunhão com características inovadoras, mais atraentes e significativas para as populações urbanas”; a segunda diz respeito a bela defesa da paróquia, sempre na Evangelii Gaudium (n. 28), mas com a indicação que esta “requer a docilidade e a criatividade missionária do pastor e da comunidade”: a paróquia é dotada de “grande plasticidade” e “pode assumir formas muito diferentes”. E quem deveria tomar a iniciativa em tudo isso se não exatamente nós, os padres?
A segunda oportunidade que este tempo nos oferece é aquela de sermos quase os últimos guardiães e profetas daquele humanismo do cuidado adulto das relações privadas e públicas, das quais se está perdendo demasiado rapidamente os traços e a memória. Nossa condição de soleira em relação ao jogo, até demasiadamente pegajoso das estratégias educativas, e em relação as contorções individualistas e narcisistas do discurso sócio-político, nos permite relançar o verdadeiro desafio da nossa sociedade: precisamos de adultos, adultos verdadeiros, capazes de controlar as pulsões do próprio eu e de colocar no centro da própria existência o cuidado dos outros, seja em termos de emancipação dos filhos, seja em termos de sustentabilidade do seu direito de simplesmente nos suceder, na cadeia das gerações humanas.
A terceira oportunidade dada por este tempo que nos toca viver consiste no fato de que, por quanto esmagados e em parte desmotivados, ao menos como categoria, podemos ainda fazer valer o direito de Deus de ser Deus. Nada de humano, por mais que seus recursos estejam voltados ao infinito, poderá substituir a Deus. Penso aqui à sexualidade, ao trabalho exasperado, ao acumulo de dinheiro, às ilusões da bioengenharia, ao poder exercitado até a própria morte. O que é terrestre, permanece terrestre, mesmo que camuflado com paramentos divinos. E, talvez, exatamente por causa dos tantos escândalos desencadeados por alguns dos nossos coirmãos, descobrimos ainda mais que enquanto padres, nunca pretendemos ser outra coisa que simples referências, links, mediadores, pequenos “pontífices”, literalmente, construtores de pontes: de sermos simplesmente dedos que indicam a lua sem nunca pensar que somos a lua. Assim, nossa tarefa é, e permanecerá sempre aquela de recordar ainda a palavra última de toda autêntica salvação: é Deus que nos absolve da necessidade e terrível ilusão de salvar a nós mesmos, os outros e o mundo.
A quarta oportunidade dos dias de hoje, para nós padres, é possivelmente aquela de fazer as contas com os nossos investimentos econômicos, que talvez não sejam simplesmente econômicos. Nos serve ainda uma Igreja como “instituição total” dentro de um quarteirão ou de um pequeno centro da periferia; uma Igreja que se ocupa de tudo, do berço ao cemitério? Precisamos ainda de tantas estruturas? E se, ao contrário, hoje nos fosse pedido simplesmente de ensinar aos homens e às mulheres a antiga arte de rezar e de relacionar-se com os outros com liberdade e confiança?

Para concluir
A pergunta final não poderia ser esta: o que resta do padre hoje? Qual o núcleo irrenunciável da sua presença e da sua missão nesse nosso mundo, que parece sempre mais dispensar o Deus do Evangelho e da Igreja? Parece-me que o que sobrou do padre seja a função de representar algo que falta neste mecanismo quase absoluto de singularidades autorreferenciais, mais ou menos infelizmente mantidas juntas pelo mecanismo de produção e classificação das mercadorias. Em tal contexto, a missão parece ser aquela de recordar a grande “utilidade” do sentimento de falta no interior da estrutura humana: o vazio de cada existência humana entorno ao qual orbita aquela precariedade originária com a qual todos fomos modelados.
O homem, de fato, não vive somente daquilo que possui e que segura apertado com suas mãos, mas também daquilo que lhe falta, daquilo que não tem. Eis, então, o que resta do padre hoje: ele é aquele que, com o seu corpo e com suas escolhas ainda tão impopulares, com o seu estilo de vida, recorda o que hoje corre o risco de faltar mais, e que talvez fizesse todos mais humanos: a carência. Fonte: http://www.franciscanossantacruz.org.br

segunda-feira, 19 de junho de 2017

Araldi, la dottrina segreta: “Correa incentiva la morte del Papa”

Un video mostra monsignor João Clá, il dimissionario superiore dell’associazione laicale su cui indaga il Vaticano, mentre dà credito a inquietanti teorie rivelate da un presunto demonio. Esaltazione semi-divina del fondatore della TFP e di sua madre
Plinio Correa de Oliveira che dall’aldilà, assiso a fianco della Madonna, determina i cambiamenti climatici e si dà da fare per far morire presto Papa Francesco. Sono assurdità avvalorate dai capi degli Araldi del Vangelo. Che all’origine della decisione vaticana di svolgere un’indagine approfondita sugli Araldi ci fossero motivi più che solidi era evidente a molti, tranne a coloro che hanno cercato immediatamente di depistare inquadrando la decisione della Congregazione per i religiosi in un inesistente accanimento verso le realtà ecclesiali più tradizionali e conservatrici. Il 12 giugno è stata resa pubblica la lettera con la quale si è dimesso monsignor João Scognamiglio Clá Dias, 77 anni, fondatore e superiore generale della società clericale di vita apostolica “Virgo Flos Carmeliˮ e presidente dell’associazione privata di fedeli “Arautos do Evangelhoˮ (Araldi del Vangelo), la prima nata e approvata nel nuovo millennio. Monsignor Clá non fa alcun riferimento all’approfondita inchiesta che il dicastero vaticano guidato dal porporato brasiliano João Braz de Aviz ha iniziato. Ma la coincidenza temporale è piuttosto eloquente.

 Il culto di Correa 
Tra le ragioni dell’indagine c’è quello che il sociologo Massimo Introvigne definisce «una sorta di culto segreto e stravagante a una specie di trinità composta da Plinio Correa de Oliveira, da sua madre Donna Lucilia, e dallo stesso monsignor Clá Días». Il brasiliano Correa de Oliveira, chiamato “dottor Plinio”, morto nel 1995, è stato un pensatore cattolico tradizionalista, di destra e contro-rivoluzionario, ideatore e fondatore dell’associazione TFP (Tradizione, Famiglia e Proprietà), la quale dopo la sua morte si è smembrata e da un suo ramo sono nati gli Araldi del Vangelo. Di questo culto segreto, che secondo alcuni sarebbe andato ben oltre il culto della personalità, avevano scritto diversi fuoriusciti. 

Il diavolo conferma la dottrina occulta 
Ora a complicare le cose sono alcuni video registrati di recente, dai quali si evince non soltanto che il fondatore degli Araldi, Scognamiglio Clá Dias, e i suoi sacerdoti, usano rituali esorcistici che si sono fabbricati da loro, ritenendo inefficaci quelli della Chiesa cattolica approvati dalla Santa Sede. Ma emerge anche la conferma dello stravagante culto per il “dottor Plinio” e sua madre Lucilia, nonché il fatto che l’ormai ex superiore degli Araldi, convincendo i suoi preti a fare altrettanto, dà credito a deliranti teorie. Chi è la fonte di queste pseudo-rivelazioni: il diavolo stesso, durante uno dei frequenti esorcismi che i preti Araldi del Vangelo celebrano usando formule che non hanno l’approvazione ecclesiastica. A dimostrarlo è un video che qui è possibile visionare. Nel filmato – certamente non “rubato”, data la stabilità dell’immagine e il fatto che all’inizio ci sia una carrellata che mostra l’intera stanza – si vede il fondatore degli Araldi Scognamiglio Clá Dias mentre dialoga con una sessantina di suoi sacerdoti. Il video è girato durante un recente viaggio papale ed è certamente posteriore al febbraio 2016, perché uno degli intervenuti cita il pellegrinaggio di Francesco in Messico. Monsignor Clá estrae un plico contenente la trascrizione delle domande e delle risposte e lo consegna al padre Beccari che lo legge stando in piedi al suo fianco. Si tratta del dialogo tra un sacerdote e il demonio durante un esorcismo. Il contenuto di queste farneticazioni viene letto senza che né il superiore né i presenti obiettino alcunché. Anzi, tutto è avvallato e si capisce anche, da una domanda del prete al diavolo, che tutte le questioni vengono poste «per ordine di monsignor Clá» e che servono «solo per confermare» ciò che gli Araldi già credono. 

Al “dottor Plinio” tutto il potere sul mondo 
Il prete pratica l’esorcismo sulla persona indemoniata, mai nominata, con la formula: «La maledizione di monsignor João cada sulla tua testa!». Il demonio rivela che «Nostra Signora sta operando perché i membri del gruppo (degli Araldi, ndr) si impegnino a servire monsignor João, rinunciando alla loro volontà per fare quella di Monsignore». Plinio Correa «sta seduto alla destra della Vergine, anche lui assiso su un trono e ha tutto il potere. Donna Lucilia sta alla sua sinistra, solo un po’ più in basso e collabora a tutto ciò che il figlio Plinio costruisce». Plinio Correa detiene «il controllo sul mondo perché egli è l’ordine dell’universo». Tutti i preti presenti commentano entusiasti: «Fenomenale! Impressionante», mentre il monsignore fondatore annuisce confermando. Inoltre il diavolo rivela che Donna Lucilia conversa abitualmente dall’aldilà con monsignor João, che annuisce anche a questo.

Plinio Correa provoca il cambio climatico 
Durante l’esorcismo il presunto demonio, solleticato dalla curiosità del prete che fa domande per conto di monsignor João vengono fatte varie “rivelazioni”. Viene detto che «Plinio sta rompendo i computer delle persone perché non entrino in Internet». Inoltre Correa de Oliveira, dal suo trono assiso alla destra della Vergine Maria, sta anche «cambiando il clima». Sarebbe dunque lui l’autore del «cambio climatico, dell’aumento del calore. È Plinio che fa tutto» assicura il demonio esorcizzato. Che avverte: «Un meteorite cadrà nel mare davanti agli Stati Uniti, sull’Atlantico e l’America del Nord sparirà». Monsignor João ascolta compiaciuto.

«Il Papa? Un mio servitore. Rodé il successore» 
Il massimo dei consensi entusiasti di monsignor João e del suo affascinato uditorio di sacerdoti arriva quando il presunto demonio parla del Papa attuale. «Il Vaticano? È mio, è mio! (Il Papa, ndr) fa tutto quello che voglio, è uno stupido!». Tutti ridono soddisfatti e annuiscono. «Mi obbedisce in tutto – continua il demonio – è la mia gloria, è disposto a fare tutto per me. Lui mi serve». Tanto per confermare l’autorevolezza della fonte e dunque delle pseudo-rivelazioni, monsignor João commenta: «Questo è il demonio più capace mai apparso tra di noi». Il divertimento dei preti Araldi del Vangelo continua quando il demonio esorcizzato spiega che «il Papa morirà cadendo», ma in Vaticano, non durante un viaggio, come sperano i presenti, dato che in quel momento Francesco era impegnato in uno dei suoi pellegrinaggi. Il demonio spiega che «il dottor Plinio sta incentivando la morte del Papa», cioè tenta di accorciargli la vita. Viene anche detto che «il prossimo Papa sarà buono» e che il diavolo si sta adoperando per «uccidere l’uomo che Dio chiama, il cardinale Rodé, il prossimo Papa». Il porporato sloveno Franc Rodé, già Prefetto della Congregazione per i religiosi, è considerato un amico dagli Araldi del Vangelo. Infine, viene anche detto che il diavolo non ha potere sugli Araldi del Vangelo perché sono consacrati a Plinio Correa de Oliveira: «I piani dipendono da Dio e dal dottor Plinio».

Le parole di un esorcista vero 
Non servono commenti su quanto si vede e viene affermato nel video in questione. Vale però la pena di ricordare le parole di un vero grande esorcista, padre Gabriele Amorth, il quale a proposto delle “rivelazioni” durante i rituali: «Le risposte del demonio vanno poi vagliate. Talvolta il Signore impone al demonio di dire la verità, per dimostrare che Satana è stato sconfitto da Cristo ed è anche costretto a ubbidire ai seguaci di Cristo che agiscono nel suo nome. Spesso il maligno afferma espressamente di essere costretto a parlare, cosa che fa di tutto per evitare. Guai però se l’esorcista si perdesse dietro a domande curiose (che il Rituale espressamente vieta) o se si lasciasse guidare in una discussione dal demonio! Proprio perché è maestro di menzogna».

sábado, 17 de junho de 2017

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR: Corpus Christi-04

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR: Corpus Christi-04

ORATÓRIO DE SANTO ANTÔNIO: Carmo de Salvador-03

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR: Corpus Christi-02

ARQUIDIOCESE DE SALVADOR: Corpus Christi-01

ORATÓRIO DE SANTO ANTÔNIO: Produção-02

SUCO DE NONI. Freis; Petrônio e Donizetti, Carmelitas.

IGREJA DE SÃO FRANCISCO: Procissão-O3.

quinta-feira, 15 de junho de 2017

MORADORES DE RUA DE SALVADOR: Entre vícios e dramas familiares, G1 mostra história de pessoas em situação de rua: 'Todos têm valor'

Cerca de 17 mil pessoas vivem nas ruas de Salvador, de acordo com pesquisa divulgada este ano pelo projeto Axé.
Por Danutta Rodrigues, G1 BA

Fábio, Scarlet, Luís Ricardo e Andréa. Quatro histórias que se cruzam no Largo dos Mares, na Cidade Baixa, em Salvador. Como um universo paralelo, o espaço abriga e acolhe diariamente dezenas de pessoas em situação de rua. O olhar desviado e o passo apressado de quem circula na região escancara a invisibilização desses sujeitos que sofrem com a violação de direitos, a discriminação social e racial.
Os quatro fazem parte de cerca de 17 mil pessoas que vivem em situação de rua em Salvador, de acordo com a pesquisa "Cartografias dos Desejos e Direitos: Mapeamento e Contagem da População em Situação de Rua na Cidade de Salvador, Bahia, Brasil".
O estudo foi realizado pelo projeto Axé, em parceria com a Universidade Federal da Bahia (UFBA), Movimento Nacional População de Rua e União dos Baleiros, com financiamento da Unesco, por meio do prêmio Criança Esperança 30 anos. Em um seminário realizado no mês de abril deste ano, a pesquisa foi apresentada.

'Cheguei a me prostituir'
"Eu sou Scarlet. Não sou daqui da Bahia, sou de Sergipe, e vivo hoje, atualmente, em situação de rua na cidade de Salvador. Tenho 25 anos de idade. Eu vivo aqui na cidade, passo por vários conflitos, preconceitos por causa da minha opção sexual. Mas também, assim, tenho um pouco de felicidade, né, porque eu conheço pessoas novas e tudo mais". A jovem, que é formada em Terapia Ocupacional, assumiu a orientação sexual aos 14 anos, quando começou a ter conflitos familiares. Com 17, passou a ser usuária de substâncias psicoativas como crack, cocaína e heroína.
"Eu cheguei até a me prostituir, a fazer programa para sustentar meu vício porque quando eu começava a usar drogas, eu tinha uma compulsão muito grande e eu queria usar, usar, usar e não parava", revela.
Ela conta que morava com os pais em Sergipe. Depois da separação deles e o uso abusivo de drogas, os conflitos dentro de casa aumentaram e motivaram a ida para as ruas. "Hoje é uma das coisas mais difíceis que eu estou tentando lidar é com a minha própria família, por causa dos conflitos que foram gerados devido ao resultado do meu uso de drogas. Eu perdi o controle e foi na época que eu fui viver em situação de rua e eu acabei migrando para dentro de Salvador", conta.
Há 1 ano e 10 meses e 23 dias sem fazer uso de substâncias psicoativas, Scarlet dorme em uma calçada na região da Cidade Baixa, junto com outros colegas, e durante o dia atua como pesquisadora do projeto 'Cartografias dos Desejos e Direitos', que faz o mapeamento das pessoas em situação de rua. "É um trabalho em que eu vou ser remunerada por isso. Eu passo o dia fazendo essa pesquisa, lá com a equipe. À noite estou aqui, pelo menos atualmente, não sei daqui pra frente", conta.
Ainda sem contato com a família, Scarlet tem o sonho de, um dia, trabalhar na área em que se formou. "Às vezes eu fico até triste. Eu estudei tanto, passei quatro anos numa faculdade e hoje eu não exerço a minha profissão por causa de barreiras que me impedem. Eu pretendo exercer minha profissão, ter minha casa, minha família, melhorar o contato com a minha família e ser feliz", planeja.



'Todos têm valor'
Aos 32 anos, Luís Ricardo carrega um sorriso expressivo e um olhar cansado de quem vive na rua desde os 12 anos de idade. A saída de casa ocorreu após problemas com o padrasto. Além de deixar a família, os estudos também ficaram para trás. "Oportunidade de estudo eu tive muita. Tive a oportunidade de estudo para ser hoje em dia outra pessoa, mas a mentalidade que eu tinha naquele tempo não era disso, era só de ficar na rua. Cheguei até a 3ª série", lamenta.
Para Luís, a maior dificuldade das pessoas em situação de rua é a discriminação. "Quando não é um que agride, é a polícia que chega, bate. Chega outras pessoas também e humilha [sic] a gente, porque acha que a gente é morador de rua e não tem valor. Mas todo morador de rua, eu creio, que todos eles têm um valor. Nem todos que moram na rua é ladrão, nem todos que moram na rua é vagabundo. Tem os que moram na rua porque não têm casa, não têm família. Outros porque se revoltou [sic] com a família, quer ir embora. Todo dia é uma luta, todo dia a gente mata um leão para sobreviver”, define.
Ele conta que ainda faz uso de álcool e cocaína, além de já ter sido usuário de crack, cola, maconha, entre outras substâncias psicoativas. Luís atua como 'garoto propaganda' e passa o dia andando pela cidade entregando panfletos, colando propagandas em postes. Ao ser perguntado sobre a vontade de voltar a estudar, a resposta foi imediata: "Oxe! Muita!".
Apesar de manter contato constante com a família, ele diz que não tem contato com o filho de 4 anos há mais de um ano. "A mãe do garoto não quer que eu veja. Mas às vezes passo por onde ele mora e só em ver ele já é uma alegria", disse. Com todos os revezes de viver em situação de rua, Luís Ricardo não perde o sorriso no rosto. "Não é porque a vida é difícil que a gente pode ficar triste, cabisbaixo. A gente tem sempre que ficar pra cima, sempre tem que ser uma pessoa coração aberto, alegre, sempre assim".

'Se era ruim em casa, pior é na rua'
 “Aqui é assim, ó, você tem que andar sozinho, não se envolver com ninguém. Qualquer passo em falso é motivo de faca, é motivo de morte, é motivo de tocar fogo. Eu nunca fui presa, nunca levei uma tapa, nenhum traficante nunca me chamou atenção”. O relato é de Andréa Barbosa, de 32 anos. Há 17, ela vive nas ruas de Salvador. A saída de casa foi motivada pelo uso do crack, aos 15 anos. Desde então, Andréa circulava no "Pela Porco", na Sete Portas, e há oito meses vive na região do Largo dos Mares.
“Eu levanto 11h, tomo café, porque eu não gosto de tomar banho. Depois eu vou orar. Aí almoço, rezo de novo, e umas 17h, 19h, fico por aqui [pelo Largo dos Mares]. Depois pego o sopão, um mingau, e vou ficando por aqui”. O local onde dorme é em frente a um supermercado do bairro. O banho, a cada dois dias, é em um chuveiro que tem em uma praia próxima. Com ajuda de um projeto do governo do estado, ela tem reduzido o consumo de substâncias psicoativas e se arrepende de um dia ter abandonado a família.
"Sonho em voltar para casa, mas minha família já não acredita mais em mim, tem a visão de que usuário de crack não é confiável, e ainda mais quando é ‘maloqueiro'. Se era ruim em casa, pior é na rua", conta. Andréa tem um filho de 18 anos e já nem lembra a última vez que o encontrou. Soropositiva, ela toma o coquetel de remédios há 12 anos. Sobre o futuro, o desejo de voltar de onde acredita que nunca deveria ter saído. "Paz, prosperidade, saúde... e sair da rua”, diz.

'Fui na porta do inferno e voltei'
Com andar debilitado por problemas físicos decorrentes de uma queda, Fábio mantém o olhar desconfiado e atento. Nascido e criado em Camaçari, região metropolitana de Salvador, foi para as ruas de Salvador após a separação dos pais e do uso de substâncias psicoativas, aos 14 anos.
"Eu fui na porta do inferno e voltei, né. Aí o cara pega mais a visão e fica mais de quebrada. Muitas coisas que o cara fazia antes, o cara vê bicho, o cara tem medo, o bagulho é louco. Para o que eu estava, a onda agora é só diminuir a droga, é só eu controlar, tirar o crack que eu fico de boa, fico de quebrada. O crack quebra a imunidade legal. O crack e a cachaça", revela.
À época da entrevista, Fábio dormia em uma casa alugada no bairro da Massaranduba, que fica na Cidade Baixa. Mas, devido ao custo alto, ele voltou a dormir em uma calçada próxima ao Largo dos Mares, onde fica durante o dia e também à noite. O 'corre', que é trabalho do dia a dia, se divide em guardar e lavar carros e motos na região. Ele também recebe um benefício do governo federal por causa da deficiência que adquiriu após a queda.
Fábio tem um filho, que não foi registrado por ele e com quem perdeu contato. Ainda assim, ele conta com a atenção da mãe e com a visita esporádica do irmão. A relação não incita o desejo de voltar para casa. "Eu vou voltar pra a família para quê? Todo mundo com seus 'bagulhos', seus ‘corres’, seus empregos, suas paradas, e ainda tem aquela situação já da ‘ovelha negra’ da família. Aí minha família que eu vejo assim, às vezes dá um apoio quando eu tô precisando de alguma parada, porque mãe é mãe", disse.
Para ele, a rua é uma escola. "Estudar pra quê? A pista aí ensinando...A sociedade hoje sempre tem aquela onda, aquele preconceito, aquela viagem. Não é pessoa, não é ser humano, e ninguém pode confiar. A sociedade vê assim, eu vejo que a sociedade vê assim. Eu não tenho um futuro muito próspero não. Como eu disse a você, é o fim de carreira. Quase fim de carreira. Só Jesus para mudar o quadro, mas a teimosia do homem é a derrota dele”, conclui.

Acompanhamento
Scarlet, Fábio, André e Luís Ricardo são acompanhados pela equipe do Corra pro Abraço, ação da Secrataria de Justiça, Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SJDHDS). "A gente não faz um trabalho de conscientização. Eu acredito que ninguém conscientiza ninguém. A gente vem para cá para promover uma série de trabalhos e atividades, e através dessas atividades, as pessoas fazem uma compreensão no que se refere a cidadania, política, e muitas vezes a gente aprende muito com eles", relata Daniele Rebouças, que é assistente social, advogada e supervisora de campo do Corra pro Abraço.
De acordo com Daniele, o programa trabalha na perspectiva da redução de danos. "A gente não acredita na lógica da abstinência porque a gente sabe que isso não resolve. A gente tenta trabalhar com relação ao uso, tentando compreender como é que ele se vê nesse uso, se ele entende que esse uso está trazendo para ele consequências prejudiciais, então a gente respeita muito isso", conta Daniele. Segundo ela, se há o desejo de diminuir o uso de substâncias psicoativas, ou de tentar usar de uma outra forma, há uma orientação no sentido da redução de danos.

"A gente também sabe que não existe um modelo pronto para todo mundo, cada um é um indivíduo, cada um é diferente, a gente respeita o desejo e através disso a gente dialoga com ele, para saber qual é o melhor para ela, qual é o melhor caminho a ser seguido, para cada sujeito", destaca a assistente social. Para ela, a potência do trabalho do Corra pro Abraço está no vínculo. "A gente consegue através de uma escuta qualificada, sensível, respeitando esse sujeito, respeitando seus desejos, é que a gente consegue produzir o vínculo e através do vínculo a gente consegue fazer o nosso trabalho, que seria, no caso, encaminhar para os serviços, articular a efetivação de alguma demanda, e é através do vínculo mesmo. Eu acho que a potência do nosso trabalho está aí. Eu acho que o diferencial da gente é esse", conclui. Fonte: http://g1.globo.com

sexta-feira, 2 de junho de 2017

UM OLHAR PARA O DIVINO.

VAI ESPÍRITO SANTO...

O OLHAR DO FREI PETRÔNIO: Sexta-feira, 2 de junho.

A Igreja na era das mídias digitais

A Internet está mudando a forma como pensamos? Se a Rede muda a forma como pensamos, e a teologia é intellectus fidei, ou seja, “pensar a fé”, a pergunta é imediata: a Internet está mudando a forma como pensamos a fé? Está mudando – entre outras coisas – a nossa forma de pensar e viver o mistério e a experiência da Igreja?
Essas foram as primeiras indagações do padre jesuíta Antonio Spadaro, editor da revista Civiltà Cattolica e autor do livro Ciberteologia, Pensar o Cristianismo nos tempos da rede, recém-publicado em português, pela Editora Paulinas, durante a Conferência A semântica do Mistério de Igreja no contexto da(s) gramática(s) da midiatização, dentro da programação do XIII Simpósio Internacional IHU Igreja, cultura e sociedade. A semântica do Mistério da Igreja no contexto das novas gramáticas da civilização tecnocientífica, realizada ontem, 03, no auditório central da Unisinos.
Bem-humorado, Spadaro atraiu a atenção do público que lotou o auditório, ao abordar de maneira clara e acessível o papel da religião e da religiosidade neste novo cenário que emerge da midiatização da sociedade e da chamada web 2.0. “Quando se fala em Internet e religião, aborda-se em nível sociológico ou tecnológico, mas raramente teológico. Logo, pretendo analisar teologicamente a rede. E esse é o grande desafio”, pondera o jesuíta.

A Internet está mudando nosso modo de pensar?
Essa foi uma das inúmeras inquietações de Antonio Spadarodurante a Conferência. Para ele, a Internet está mudando, sim, nosso modo de pensar e de viver a fé na contemporaneidade. “Se a Internet está mudando nosso modo de pensar, ela não estará modificando a nossa forma de pensar a fé? Está alterando nosso modo de pensar e viver a experiência da Igreja? Está transformando a nossa maneira de ler a Bíblia?”, indaga.

A Rede não é apenas um instrumento
Uma das principais abordagens do padre jesuíta durante a Conferência foi a questão de que a rede não é apenas um instrumento, “mas um ambiente no qual vivemos, está construindo um ambiente de vida. Talvez até mais. Um verdadeiro tecido interligado da nossa experiência da realidade”. Segundo Spadaro, não se deve ser superficial e usar a Internet como meio de evangelização, “mas evangelizar considerando que o meio de evangelização do homem se expressa também no ambiente digital”.
Para Spadaro, as recentes tecnologias digitais não são mais somente tools, isto é, instrumentos completamente externos ao nosso corpo e a nossa mente. “ ‘Os modernos meios de comunicação há tempo fazem parte dos instrumentos comuns através dos quais as comunidades eclesiásticas se expressam, entrando em contato com o seu próprio território e estabelecendo, muitas vezes, formas de diálogo mais abrangentes’.” Foi o próprio Bento XVI, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações de 2010, a declará-lo.

Web 2.0 e o conceito de presença
Quem é o meu próximo? Essa é a primeira grande pergunta de Spadaro. A segunda? Onde está o meu próximo?
Segundo o teólogo, não são os conteúdos que estão no centro da web 2.0, nem os indivíduos, mas sim as relações. “Os conteúdos não têm valor se não forem compartilhados, essa é a peculiaridade da web 2.0”, afirma, ao avaliar ainda que devemos entender como o conceito de próximo evolui a partir da rede, uma vez que este conceito “é muito importante para a vivência cristã”. Segundo Spadaro, as redes sociais não expressam um conjunto de indivíduos, mas um conjunto de relações entre os indivíduos. “O conceito chave não é mais a ‘presença’ na Rede, mas a ‘conexão’: estando presente, mas não conectado, se está ‘só’. Se eu interajo eu existo. O indivíduo entra na Rede para experimentar ou ampliar de algum modo a proximidade/vizinhança. Deve-se, portanto, entender como o conceito de ‘próximo’ evolui a partir da Rede.” E indaga: “O que significa estar presente para o outro? Em um evento? Se vocês escutarem um CD de Beethoven, vocês estarão presente naquele evento configurado por um equipamento tecnológico ou não?”

A “praça virtual”
Segundo o teólogo, a ideia de praça, que é um lugar físico, está se tornando cada vez mais o dispositivo tecnológico, como a Internet e as mídias digitais. Mas, “como tudo isso irá impactar no modo de viver na Igreja?”, questiona.  E continua: “Como imaginar o futuro de uma comunidade eclesial no contexto da rede?” Segundo Spadaro, as pessoas deixam de criar comunidades para criar networks, com gostos e preferências específicos.

Hierarquia e autoridade na rede
Ainda na tarde de ontem, Spadaro refletiu sobre como pensar o conceito de hierarquia e autoridade na era da rede e percebeu que a lógica da Internet implica que o conhecimento passa pela relação. “A web 2.0 é uma rede de relações, o conteúdo não é comunicado através da transmissão, mas por compartilhamento. Se um conteúdo é transmitido, ele não é conhecido, mas se é compartilhado, sim. Exemplo: no meu blog, se eu publicar e deixar apenas ali, poucos irão ler. Já tentei fazer isto. Mas seu eu postar no Twitter, imediatamente mais de 2000 pessoas irão ler no mesmo dia.”

Teilhard de Chardin à frente de seu tempo
Segundo Antonio Spadaro, Pierre Teilhard de Chardin foi uma das pessoas que mais compreendeu sobre a Internet. “Ele teve a intuição fundamental para ajudar a compreender a função espiritual que é a rede. Teve ainda condições de analisar as redes e, sobretudo, quais eram os seus fins. O processo de evolução da humanidade, para Chardin, passa de uma condição de um isolamento, homem pastor, que depois dá lugar ao homem agricultor até chegarmos a impérios.”
Para o jesuíta, a Igreja no tempo da rede deve avaliar as formas de sua presença. “É necessário que a instituição católica compreenda o lugar de conexão capaz de fornecer a base de comunhão em uma sociedade cada vez mais fragmentada”, completa. E frisa: “A Igreja de hoje deveria criar espaço de network que permita construir relações significativas”.

Instrumento x ambiente
“O microfone é um instrumento que permite amplificar a minha voz, mas ao mesmo tempo mostrar um contexto. Para a rede isto vale muito mais”, continua o palestrante, ao ponderar que “a rede não é apenas um instrumento que permite fazer as coisas, cria ambientes, como no Facebook, vitais, onde podemos nos expressar. As tecnologias geram ambientes de relações e conhecimentos”.
Logo, para o editor, as mídias digitais são sistemas conectivos de nossa experiência, sem interrupção. “Elas são um tecido conectivo, uma conexão entre minha vida online e off-line.”

Rede como ambiente de vida
São duas as necessidades que as redes causam: conhecer e estar em relação. “Isso desde as antiguidades. As tecnologias não são algo estático. Elas se tornaram cada vez mais complexas.” Deste modo, Spadaro acredita que sim, a comunidade eclesial está dentro de uma mentalidade que considera a rede como um ambiente de vida.

Dualismo digital
“Nós vivemos neste momento um dualismo digital. Por isso, distinguimos a vida online da off-line, a vida que dizemos real com aquela do network social. Essa diferença tão clara leva a uma esquizofrenia. E essa distinção não ajuda a entender. Nós somos chamados a integrar essas duas dimensões. E não opô-las”, esclarece.
Spadaro avaliou também que não se fala mais em meio de comunicação, “mas sim em ambiente”. Para ele, a rede cria ambientes e não instrumentos e a tecnologia das redes é uma revolução antiga, sendo “uma forma nova de expressar as necessidades que o homem sempre teve”.

Questionamentos
A tecnologia está se tornando cada vez mais transparente? Mas não terá a tecnologia um valor espiritual? Como pensar a tecnologia como uma profunda espiritualidade do homem?
Do ponto de vista da Igreja, como a rede pode ser um ambiente e não um instrumento de evangelização?

Qual a contribuição que a Igreja poderá dar para toda a humanidade para compreender o que é a rede verdadeiramente? Fonte: http://www.ihu.unisinos.br

quinta-feira, 25 de maio de 2017

CÂNTICO DE MARIA: Na Câmera do Frei Petrônio.

É hora de sair do Facebook e da internet?

Aos poucos, movimentos e pessoas cogitam deixar a rede, que parece reduzir-se a espaço de espionagem, entretenimento vulgar e mentiras. Mas haverá uma alternativa ético-política a esta atitude?
A reportagem é de Angus Harrison, traduzida por Inês Castilho e publicada por Outras Palavras, 23-05-2017.
É hora de proclamar: a internet deixou de ser divertida. Como todos os bons casos de amor, começou emocionante. Costumávamos ficar acordados até tarde e rir juntos. Agora, porém, apenas nos ajuda a discutir/brigar por mais tempo. Os longos verões ociosos de Albino Black Sheep [um site de animação interativo, famoso nos anos 2000] e Chris Crocker [um ator-celebridade na internet, nos EUA, a partir de 2007] transformaram-se num inverno sempre cinza de big data bilionários e torturas ao vivo. Vivemos sob espionagem, incapazes de concentração, não estamos presentes, não conseguimos dormir – não podemos sequer atravessar mais a rua. É a razão pela qual você não consegue terminar um livro e as lojas de departamento já sabem que está pensando em comprar um processador de alimentos. Muito embora – assim como em tantos relacionamentos abusivos –, ele suga nossa energia e nos exaure, mas não conseguimos largá-lo.
O pior é que sabemos disso tudo. Você provavelmente não precisa de outro livro, outra manchete inflamada, outro podcast para detalhar as várias formas como seu celular está arruinando a sua vida. Ainda assim, a despeito de tudo, parecemos capazes de seguir o tema somente até a metade. Já diagnosticamos o problema, mas para uma geração que se orgulha de ser “antenada”, estamos confusos para apresentar uma solução à questão mais universalmente disseminada de nosso tempo.
Fracassamos em solucionar o problema principalmente porque não sabemos por onde começar. Da forma como a vemos, a internet é como um sistema que dá suporte à vida. Decidir um dia arrancá-la de nossas veias nos deixaria freneticamente ofegantes, antes de mergulhar num abismo solitário. Não podemos voltar a um mundo sem ela. Poderíamos deletar todos os nossos contatos, mas como descobriríamos se fomos convidados para uma festa de aniversário?
A continuidade desta decadência não é inevitável. Afinal, os smartphones têm apenas uma década, e a rede mundial, apenas 25. O que consideramos como o início do declínio pode ser visto, no futuro, como um período de ingenuidade tecnológica – o período antes de descobrirmos o que estávamos preparados para sacrificar, e o que queríamos em troca. A tecnologia, é claro, molda o futuro, mas é também totalmente concebível que haja uma luta para redefinir o papel que ela desempenha em nossa vida.
Mudanças pequenas, porém significativas, já estão acontecendo. Os responsáveis por definir as políticas públicas estão discutindo se os smartphones têm ou não lugar na sala de aula; os restaurantes estão proibindo-os nas mesas de jantar e as empresas estão pedindo que sejam deixados fora das salas de reunião. A batalha entre casas de música e smartphones é longa e célebre – a empresa de tecnologia Yondr criou até mesmo estojos de celulares, para deixá-los mudos quando as pessoas entram em auditórios que são “zonas livres de telefone”. Desde março deste ano, digitar dirigindo custa ao motorista uma multa de quase R$ 1000 no Reino Unido. Em todos os aspectos da vida pública, a onipresença da tecnologia está sendo desafiada.
Individualmente, também temos enfrentado o problema. A ideia de uma “detox digital” tem tanto tempo quanto o Blackberry. Em sua forma clássica, ela baseia-se em retiros idílicos, livres de telefone, mas a maioria das organizações também promovem modos de estabelecer, no mundo real, uma relação positiva com a tecnologia. Quanto contatei Tanya Goodin, fundadora da organização de detox digital “Tempo de desconectar” [Time To Log Off] , sobre seus retiros, ela disse que eram semelhantes a outros tipos de reabilitação: as pessoas sabem que têm um problema e pedem ajuda. “No fim, quando lhes damos os telefones de volta, sempre dizem que não querem”, conta, rindo.
É crucial para o sucesso da detox digital o fato de se casar com as esferas da tecnologia e a florescente indústria de bem-estar. Com o crescimento da popularidade de aplicativos de atenção plena como o Headspace [“Espaço Mental”] a moda da meditação trouxe consigo um intenso interesse nos benefícios de ficar livre do telefone. Há agora – de certa forma ironicamente – uma variedade de aplicativos voltados a ajudar as pessoas a usar seus fones e computadores produtivamente – desde o SelfControl [“Autocontrole”] , que permite bloquear certos sites por algum tempo, até o StayOnTask [“Permaneça na Tarefa”], que apenas cutuca você para verificar se está evoluindo com aquilo que deve, supostamente, fazer. O Vale do Silício liderou essas iniciativas, ao ser pioneiro na ideia de um “dia sabático digital” – insistindo em que os empregados adotem, no fim de semana, um de descanso diante da tecnologia.
Individualmente essas políticas, tendências e modinhas não chegam a fazer uma revolução. Apesar disso, elas sugerem um potencial. Até agora são ideias díspares, tendências ao léu à espera de que um movimento intelectual mais amplo as recolha. Cada vez mais, as ideias sobre adição à tecnologia tornaram-se assuntos comuns nas conversas. Publicações que vão do Guardian ao Breitbart publicaram artigos que ligam solidão e mídias sociais. Deixar de usar as redes sociais, temporariamente ou para sempre, tornou-se uma decisão menos estranha para os jovens.
“Não estou no Facebook” costumava ser coisa de hipster — mas torna-se, cada vez mais, uma preocupação geral. Em 2013, o número de adultos que disseram ter-se afastado do Facebook, ao menos temporariamente, chegou a 61%. À medida em que a rede social continua a não levar a sério suas políticas de privacidade, o terreno para um êxodo contínuo torna-se mais fértil. É totalmente plausível, se não lógico, imaginar que o abandono das mídias sociais pode transformar-se numa contracultura.
Há algo transgressor em ser uma pessoa jovem em 2017 e voltar as costas ao celular. Em seu livro Solidão, o escritor canadense Michael Harris considera viver sem a constante distração das mensagens como um despertar espiritual que está para acontecer. Ele define a reflexão interior como uma arte; uma disciplina que precisa ser cultivada num mundo estruturado contra ela. “A palavra é radical”, diz ele pelo Skype. “Você precisa sentir-se à vontade com certo grau de aspereza se pretende retirar-se da cultura de grupo.”
O livro de Harris não é moralista; ao contrário, ele relança pequenas mudanças no estilo de vida como parte de uma luta para reconquistar o senso de identidade. Por exemplo, conta Harris, adiar o momento de abrir pela primeira vez seu celular, dando-se o máximo de tempo no início do dia antes de entrar na nuvem. É um gesto pequeno, mas uma espécie de mudança prática que mostra como o controle pode ser retomado. “São formas de fazer a curadoria de nossas horas”, explica. “Penso que é indicativo do nível de adição em que estamos metidos. Não basta fazer uma detox digital para resolver o problema. Estamos tão mergulhados que temos de lutar contra isso diariamente, se não a cada hora.”
Isso remete a um debate longo e urgente que ainda não tivemos, adequadamente, em nossa sociedade – para a qual cultivar um relacionamento saudável com seu celular é tão importante quanto usar camisinha ou comer verduras. “Se você olha para a cultura alimentar dos anos 1950 e 1960 na América do Norte, encontra uma superabundância de comida”, continua Harris, “mas sem que estivéssemos atentos ao que comíamos. Mas à medida em que os níveis de diabetes e obesidade aumentaram, tivemos de parar e pensar. Da mesma forma que não vamos comer comida industrializada no jantar toda noite, para o resto da vida, estamos começando a dizer: qual é uma dieta saudável de mídia?”
Para isso, é necessário que as pessoas comecem a pensar sobre o uso da tecnologia como questão de saúde púbica – algo não tão difícil de imaginar. Em alguns países, já há campanhas para tornar saúde mental um tema obrigatório nas escolas; o controle do uso compulsivo das mídias sociais é uma extensão lógica disso. Basta observar a crescente popularidade dos exercícios de meditação nas escolas para ver como as ideias sobre bem-estar podem se tornar efetivas.
Richard Graham é um psiquiatra de crianças e adolescentes. Há cerca de doze anos, começou a lidar com casos sem precedentes de jovens sofrendo de problemas de saúde mental em razão do uso excessivo de tecnologia. Em 2010, lançou o primeiro serviço especializado do Reino Unido para adição em tecnologia, e desde então tornou-se uma referência em dependência e reabilitação. Diz concordar que nossa relação com a tecnologia é problemática, mas tem menos certeza de que estamos chegando ao ponto de virada. “Não acho que sabemos quais os nossos limites, ainda”, explica. “Comecei numa era de uma única plataforma, agora há muitas. Está tudo muito confuso, e muito mais complexo.”
Graham crê que as gerações atuais têm de pensar seriamente sobre nosso futuro relacionamento com a tecnologia. Não pensa que a abstinência seja o caminho a seguir, mas que o foco deve ser equipar a próxima geração para “desenvolver a internet de forma ética”. Contudo, concorda que uma mudança cultural é de alguma forma provável. “Espero ver tribos que seguirão esse caminho”, sugere, “com pais buscando escolas onde o smartphone é proibido no maternal”.
Convencer as pessoas de que usar o Twitter em excesso não é bom para elas pode não causar, provavelmente, nenhuma reação substancial. Até bem recentemente, o dano era quantificado como pessoal – medo de usar muito o seu celular relacionado ao seu bem-estar. Mas o contexto está mudando. De vazamentos de informações de alta inteligência a captura generalizada de dados, nossa relação obsessiva com as telas assumiu de repente uma dimensão política. Sugestões de que os celulares ouvem conversas tornaram-se rumores comuns e as expressões “noticias falsas” e “pós-verdade” entraram em nosso vocabulário. Pouco a pouco, uma desconfiança da tecnologia transitou do distópico para o dia a dia.
Seja na campanha pelo Brexit, ou simplesmente para vender seguros de carro, a exploração de nossos dados expôs a desregulamentação assustadora da internet. As corporações sabem o que você quer comprar antes mesmo que faça uma busca no Google, e os governos são capazes de obter fotos íntimas de seus cidadãos, ou diretamente ou por meio de empresas de segurança privada. Seja o que for que tenhamos aceito, ao criar nossas contas de Facebook, certamente não é mais o que acontece.
Porém, quanto mais as redes, os governos e as corporações mostram-se cúmplices de manipulação, menos desejável torna-se possuir uma conta no Facebook. Politizar nossa relação com a tecnologia será provavelmente o melhor caminho para a mudança. Serviços de criptografia como o Signal podem não parecer interessantes agora, mas posicionam-se como ferramentas com as quais as minorias podem proteger-se nos EUA de Trump, e assumem novos e poderosos significados. De repente, um aplicativo desconhecido pode tornar-se uma fonte nova e possante de empoderamento.
As sementes para isso já estão sendo cultivadas – na reação contra o compartilhamento dos humores de seus usuários, feita pelo Facebook e as corporações. À medida em que o mundo começa a fazer mais perguntas sobre o papel desempenhado pela tecnologia na recente campanha eleitoral dos EUA, e mais genericamente sobre quanto o uso excessivo da internet facilitou o Estado de vigilância voluntária, parece inevitável que as pessoas comecem a se questionar se vale a pena submeter-se a isso, em troca dos grupos de conversa.
O momento que vivemos é mais ou menos aquele em que o vegetarianismo encontrava-se há uma ou duas gerações. Especialistas começavam a nos dizer que carne faz mal à saúde e ao ambiente, mas éramos tão carnívoros que se tornava difícil enxergar a vida sem proteína animal. Aos poucos, com cada produto feito de tofu e cada documentário revelador, o vegetarianismo tornou-se uma contracultura. Dadas as ramificações mentais e éticas de nossa atual relação com a tecnologia, movimentos semelhantes são muito plausíveis. É capaz até de acharmos mais fácil; não estamos lutando há séculos contra o consumo de carne. Faz menos de 20 anos.
Ou então, veja o que ocorreu com o tabaco. Há apenas uma geração, era possível fumar num restaurante. Agora, é improvável que muita gente fume em seus próprios carros. Passamos por um lento processo de educação e persuasão, mas finalmente nossa cultura mudou. Os elementos para uma relação saudável com a tecnologia também estão aí. Vários autores já levantaram a hipótese de uma reação neoludista à automação da indústria. Em artigo para o New Statesman em 2014, Bryan Appleyard via o “Ludismo, na prática e na teoria, de volta às ruas”, traçando uma linhagem que vai do anarquista norte-americano Ted Kaczynski, conhecido como Unabomber, aos taxistas parisienses que vandalizaram os veículos da Uber.
Em 2013, o economista Paul Krugman escreveu para o New York Times um artigo intitulado “Simpatia com os Ludistas”, em que liga os trabalhadores têxteis do século 19 à força de trabalho de hoje, que enfrenta um futuro de redundância, à medida em que a automação vem desempenhando papel cada vez mais central na produção – algo que George Monbiot explorou recentemente quanto à educação.
O conflito entre trabalho e tecnologia é considerado inevitável por muitos. Porém, num mundo de captura de dados e adição à tecnologia, em que as linhas entre produção e consumo tornam-se cada vez mais borradas, torna-se mais premente expressar um equivalente sociocultural dessa tensão. Não se trata de dizer “a tecnologia é ruim”. Antes, trata-se de influenciar os modos pelos quais ela se desenvolve – um progresso democratizante, digamos.

Não se trata de penar que pessoas irão um dia levantar-se da cama e jogar fora seus celulares. A reação provavelmente não se expressará na depredação de lojas da Apple por estudantes politizados, ou por cultos livres de tecnologia estabelecendo-se fora das cidades. Na verdade, ela pode simplesmente não acontecer. Apesar disso, parece razoável acreditar que, quanto mais essas ideias crescem no consciente coletivo – quanto mais pessoas se dão conta do quanto sacrificam em troca de conveniência –, mais provavelmente se entregarão aos ecos daquela revolta tão popular para assumir o controle novamente. Fonte: http://www.ihu.unisinos.br