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terça-feira, 7 de julho de 2015

UMA PRESENÇA AMOROSA: MARIA E O CARMELO (2ª Parte).

Christopher O’Donnell, O. Carm.

Das Origens até 1324
As primeiras décadas da existência da Ordem Carmelita, com os eremitas no Monte Carmelo, e o primeiro século de sua existência na Europa não produziram uma documentação muito extensa. Por isso, existem poucas referências sobre Maria a serem compiladas a partir das origens da Ordem. Aquelas que encontrarmos serão, portanto, as mais preciosas. Mas devemos ter em mente que os carmelitas entraram em cena numa Igreja e numa sociedade medievais com uma consciência mariana altamente desenvolvida. A vida mariana carmelitana recolheu muito do que existia ao redor daqueles pioneiros. Contudo, nesse período podemos notar os fundamentos do tema da Proteção e do nome de Maria no título da Ordem.

O Oratório no Monte Carmelo
Na Regra de Vida dada por Alberto de Jerusalém (entre 1206-1214) não havia menção à Bem-aventurada Virgem. A Regra realmente especificou que deveria haver um oratório no meio das celas onde missas diárias deveriam ser celebradas (RA 14). Pelo relato dos peregrinos sabemos que a partir de mais ou menos 1231 ou talvez mais tarde, esse oratório foi dedicado à Nossa Senhora. Ainda encontramos indícios desta igreja dedicada à Maria no Monte Carmelo até o século XV. Naquele tempo existiam muitas igrejas dedicadas a Maria em lugares associados à sua vida, com legendas ou liturgias sobre ela.
A escolha de Maria pelos eremitas, dentro da mentalidade do tempo, não teria sido coincidência ou casualidade. Foi, de certa forma, para ter Maria presente na comunidade, para tê-la como protetora. Nos séculos seguintes, as implicações desse oratório serão relembradas por nossos autores, algumas vezes de formas bem extravagantes.

Os Irmãos e as Irmãs
Os nomes dados a institutos religiosos sempre são significativos. No caso dos Carmelitas, devido a seus problemas de identidade e de origem, foi duplamente significativo. Vamos aprofundar os títulos da Ordem, incluindo as Irmãs, apesar de pertencerem aos séculos posteriores.

Os Irmãos
Na Regra de Alberto os membros são chamados de eremitas (ermitis),  mas com freqüência de “irmãos” (fratres).   Quando chegaram à Europa eram conhecidos por diferentes nomes. O primeiro documento pontifício Ut vivendi formam de Honório III (1226) dirige-se ao “prior e irmãos eremitas do Monte Carmelo”.   O primeiro escrito papal com um título mariano para a Ordem pode ter aparecido em 1247, na constituição Devotionis vestrae precibus de Inocêncio IV. Mas é certo no caso de sua bula Ex parte dilectorum (1252) que dirigia-se aos arcebispos e bispos “em favor dos eremitas de Santa Maria do Monte Carmelo”. Contudo, o uso de um título mariano para instituições como congregações religiosas, igrejas, mosteiros e hospitais não era raro naquela época.   Durante todo o do século XIII títulos como “a Ordem de Santa Maria do Monte Carmelo”, “os Irmãos Eremitas da Ordem de Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo” são freqüentemente encontrados nos documentos pontifícios.   No entanto, por todo esse tempo, dentro da Ordem e em outros documentos legais e civis, o título “Ordem de Santa Maria do Monte Carmelo” ou uma variante, era bem comum.   Uma referência muito significativa de passagem, em um edito de Urbano IV em 1263, afirmava que Maria era a Padroeira do Carmelo.
O primeiro documento da Ordem que temos afirmando Maria como padroeira são as Constituições de 1294.   Essa afirmação seria sujeito de muita reflexão nos séculos XIV e XV. Nos séculos XIV e XV os documentos papais falam da Ordem como sendo “distinguida” (insignitus) pelo nome de Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.   Assim como o título mariano, o nome “Carmelitas” vem do tempo de Gregório X, em 1274.   A tempo, o sucinto título seria ampliado pelo acréscimo das palavras “Genitrix” (Mãe de Deus) e “Virgem” ou “Sempre Virgem”, de forma que nos séculos XIV e XV o título era: “Ordem dos Irmãos da Santa Mãe de Deus Maria do Monte Carmelo”,   e a partir de Sixto IV, “Ordem (ou Irmãos) da muito Gloriosa Mãe de Deus, a Sempre Virgem Maria do Monte Carmelo.”

As Monjas e as Irmãs
Na complexa evolução dos ramos femininos da Ordem, da fraternidade para a vida religiosa propriamente dita, encontramos linguagem semelhante. Na Regra para as Irmãs de 1488 afirma-se que as irmãs não-professas são admitidas “à Fraternidade da Ordem dos Irmãos da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo” recebendo o manto com as palavras: “Recebe o sinal da Ordem sagrada (sanctae religionis) da Mãe de Deus e da Virgem Maria para a remissão de teus pecados”.   Para as mulheres de Florença associadas à Ordem em 1450, isto é, antes da fundação do convento de Santa Maria dos Anjos, era dito “para viverem em suas próprias casas, levando uma vida muito exemplar e sagrada, chamando-se de Irmãs da Virgem Maria”,   e que tivessem o manto branco da Gloriosa Virgem Maria.   As diversas constituições das monjas e irmãs têm títulos diferentes. As de Parma, datada não posterior a 1481, foram intituladas de “Estatutos das Irmãs Religiosas da Ordem da Muito Bem-aventurada Mãe de Deus do Monte Carmelo”.   Em Bolonha, em 1594, receberam o título de “Constituição e Regra das Irmãs Carmelitas”.   Num motu proprio papal de 1476 temos referência às “monjas da mesma Ordem da Muito Gloriosa Mãe de Deus, a Sempre Virgem Maria do Monte Carmelo”.

Carmelitas
Contudo, por toda a Ordem, o nome mais preciso e conveniente, “carmelitas”, cresceu em popularidade até o Capítulo Geral de 1680, em Traspontina, ordenar que nos escritos e trabalhos editados, o título “Irmãos da Ordem da Muito Bem-aventurada Sempre Virgem Maria do Monte Carmelo” deveria ser usado em vez de “Carmelitas”. Esta norma foi mantida nas Constituições de 1930 onde no lugar de “Carmelitas” os membros da Ordem deveriam ser chamados em documentos oficiais de “Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo”.
É bom lembrar que uma reflexão sobre o nome da Ordem nos levaria à uma compreensão de Maria como Irmã dos Carmelitas.

Silêncios Estranhos
Apesar de haver uma impressionante evidência do caráter mariano da Ordem no século XIII, existem algumas lacunas surpreendentes. Observamos anteriormente que a Regra não menciona Maria. O Prior Geral Nicolas o Francês, em seu Flechas de Fogo, um apelo apaixonado à Ordem para retornar à sua vida eremítica, faz apenas uma referência de passagem a Maria, falando dela como solitária na Anunciação.
Mais surpreendente ainda é o texto da fundação, a Rubrica prima (primeiro artigo) das Constituições de 1281. Este texto era uma resposta dada aos membros mais jovens da Ordem, aqueles que os questionavam sobre sua origem. Ele narra a origem da Ordem a partir de Elias, mas silencia quanto a Maria.   Até as Constituições de 1324 não havia referência a ela na Rubrica prima. A partir de então, o propósito não era mais responder apenas “como se originou nossa Ordem?”, mas também responder a um acréscimo: “e por que somos chamados de Irmãos da Ordem da Bem-aventurada Maria do Monte Carmelo?”. Essa versão de 1324 da Rubrica narra a origem a partir de Elias, mas insere um parágrafo muito significante:
Depois da Encarnação seus sucessores construíram uma igreja lá (no Monte Carmelo) em honra da Bem-aventurada Virgem Maria, e escolheram seu título. Portanto, a partir daí, eles eram, por privilégio apostólico, chamados de Irmãos da Bem-aventurada Virgem Maria do Monte Carmelo.
Esta inserção já mostra, de forma evoluída, a legenda de Maria e de Elias que estudaremos no próximo capítulo.
Da mesma forma, está ausente da documentação do século XIII qualquer referência ao Escapulário ou à visão de São Simão Stock.

Observâncias
Ao olharmos para a vida mariana da Ordem em seus primeiros e formativos séculos, precisamos prestar atenção não apenas aos textos e às afirmações formais, mas precisamos conhecer a vida dos Irmãos neste tempo. O que faziam em comunidade e, especialmente, na liturgia, mostrando um relacionamento com Maria? Existem duas fontes muito importantes para estudo. A primeira são as mais antigas Constituições existentes: Londres (1281), Bordeaux (1294) e Barcelona (1324). A segunda fonte são os nossos antigos Ordinários que especificavam como a liturgia devia ser celebrada. O Ordinário mais antigo que possuímos data de 1263. Ele contém muitos elementos marianos, sendo a maioria deles comum a outras ordens religiosas daquele tempo. O capítulo geral de Bordeaux em 1294 pediu ao Prior Geral uma revisão do Ordinário da Ordem. O Ordinário revisado de Sibert de Beka (+ 1332), datando de 1312, não teve nenhuma mudança substancial, mas acrescentou alguns sinais a mais de devoção.

Liturgia
As celebrações festivas são importante fonte de informação sobre a dimensão mariana da Ordem. Encontramos tais elementos desde o início. Existe referência à uma comemoração diária da Bem-aventurada Maria. Quando não há festa, deve-se cantar uma Missa em sua honra. Uma antífona para paz e proteção, sem contudo ser dirigida a Maria, deveria ser acrescentada a todas as horas da Virgem.
Por volta de 1324 existiam quatro festas marianas principais: Purificação, Anunciação, Assunção e Nascimento de Maria.   Com exceção da Anunciação, que caía perto da Quinta-feira Santa e da Páscoa, todas estas festas eram dias em que se recebia a Santa Comunhão.
Aos sábados havia uma missa normal e o ofício da Bem-aventurada Virgem. As Constituições em 1324 estabeleceram que em todo convento da Ordem, a Missa da Bem-aventurada Virgem deveria ser cantada antes da Hora Prima.
As horas canônicas da Bem-aventurada Virgem deveriam ser recitadas diariamente. O ofício mariano que começava com a Ave Maria (ainda na forma reduzida) era o primeiro ofício do dia e as Completas marianas, que terminava com a Salve Rainha, era o ofício final. No ofício principal havia uma comemoração da Virgem Maria em Laudes e nas Vésperas. Nas Completas o nome de Maria aparecia na Confissão e, nas Completas marianas, recitava-se o Sub tuum praesidium (“Voamos para sua proteção...”).
Também existem algumas rubricas interessantes: uma pequena reverência à cada menção do nome de Maria; uma reverência profunda no “Oremos” em seus ofícios; uma prostração ou genuflexão no invitatório Ave Maria, no começo do hino Ave maris stella e na Salve Rainha. O Ordinário de Sibert prescrevia acender uma vela em honra de Maria nas horas litúrgicas e nas missas em sua homenagem e no canto da Salve Rainha.
As várias missas celebradas em honra da Bem-aventurada Virgem também mostram algo da dimensão mariana da Ordem. As Constituições de 1294 especificavam cinqüenta Missas para irmãos benfeitores e doentes: dez deveriam ser a missa pelo Espírito Santo, dez pela Bem-aventurada Virgem e trinta pelos mortos.

Orações e Hinos
Já no século XIII encontramos nossas duas mais antigas orações marianas. A oração Concede era usada nas cerimônias de profissão desde de 1281:
Concede a vossos servos, nós vos rogamos, Senhor, inabalável saúde da mente e do corpo e, pela intercessão da gloriosa e sempre bem-aventurada Virgem Maria, possamos ser salvos das tristezas que hoje nos afligem e participemos da alegria eterna. Por Cristo Nosso Senhor, Amém.
Esta oração, comum no rito Latino, foi usada até os tempos modernos na Ordem depois da Ladainha de Loreto. Ela não aparece nas Constituições depois de 1294. Uma oração semelhante, Protege, rapidamente a substituiu, sendo encontrada nas Constituições a partir de 1324:
Protege, ó Senhor, vossos servos com o amparo da paz, e confiantes na proteção da Bem-aventurada Virgem Maria, livrai-nos de todos os inimigos. Por Cristo Nosso Senhor. Amém.
Nesta última oração, Maria é mais claramente apresentada como Protetora do que na oração Concede. A Protege foi muitas vezes prescrita para ser repetida várias vezes na mesma celebração. Mais tarde ela seria usada numa variedade de contextos em nossas Constituições, tais como recepção e profissão de noviços, capítulos, jubileus, recepção do Prior Geral, visitação, eleições, admissão de pessoas para partilharem nos benefícios espirituais da Ordem.
Nas Constituições de 1294 encontramos pela primeira vez o versículo “Rogai por nós Santa Mãe de Deus” (Ora pro nobis sancta Dei Genitrix)   que, assim como a Concede, era para ser usado no final do capítulo provincial. Nas Constituições subseqüentes, ele será encontrado nos mesmos contextos que as orações acima.
As Constituições de 1324 aprovam novamente o Ordinário de Sibert de Beka, e acrescentam que antes do Fidelium, o Salve e a oração Protege deveriam ser acrescentados a cada hora.   Esta prescrição passou a valer também para as Missas.
Já nos referimos ao acréscimo mariano ao Confiteor. O Capítulo Geral de 1342, que acrescentou diversos elementos marianos, também estabeleceu que, quando possível, depois da Ação de Graças, dever-se-ia acrescentar o seguinte: Ave regina coelorom (“Ave Rainha dos Céus”), Ora pro nobis (“Rogai por nós”), e Protege.

Práticas
Além de orações e ofícios existiam outras práticas introduzidas nas diversas Constituições. Todas elas caracterizam uma profunda consciência mariana, se não uma espiritualidade de fato. Encontramos freqüentes referências quanto a inclinação da cabeça e as penalidades por omitir tal ato. Nas primeiras Constituições descobrimos que havia uma inclinação durante a Missa solene sempre que os nomes de Jesus e de Maria são mencionados nas orações.   Tal ato foi estendido a todas as orações nas Constituições de 1294.   A inclinação era feita com a cabeça descoberta, de uma forma tal que o orante tocava o joelho com a mão. A partir das Constituições de 1324 estas inclinações estavam dentro das penalidades médias, o que era bem severo para a sensibilidade moderna.   Desde o princípio existiam penalidades também para quem desonrasse os nomes de Jesus ou de Maria.   Havia uma genuflexão na abertura do hino Ave maris stella e na Salve Rainha cantada nas Completas.   Encontramos referências marianas importantes nas cerimônias para a recepção dos noviços e para a profissão. Já nas Constituições de 1281 descobrimos que a profissão é feita a Deus, a Maria e ao Prior Geral, uma prática que continua até hoje.

Eu, Irmão N., faço minha profissão e prometo obediência a Deus e a Bem-aventurada Maria e a vós Irmão T., Prior Geral dos Irmãos Eremitas da Ordem de Nossa Senhora do Monte Carmelo...
Tal prática, contudo, não parecia ser peculiar à Ordem, tal como encontramos em outras ordens medievais,   apesar de anteriormente os dominicanos a reclamarem como específica deles.   As orações para a recepção dos noviços de 1324 afirmam que a Ordem foi fundada em honra a Maria e que ela foi dada à Ordem por Deus como sua principal Protetora.   Também encontramos o verso “Ora pro eo sancta Dei Genitrix” assim como a oração Protege.

Conclusão
No primeiro século decorrido após obter sua Regra de Vida, apesar da escassez de documentos, existe ampla evidência de vários tipos demonstrando uma estreita associação entre Maria e a Ordem Carmelita. Talvez esta associação seja melhor resumida através de uma descoberta original de que Maria está presente na Ordem porque a Ordem lhe pertence. O século seguinte vai refletir essas intuições iniciais. No contexto das controvérsias, serão aprofundadas várias implicações e se desenvolveu um mito histórico sobre um relacionamento entre Elias, Maria de Nazaré e os filhos do profeta que asseguravam a continuidade da história.
Esse estudo do carisma mariano da Ordem vai retornar a suposição original de que a Ordem existe para Maria e que seu serviço – um reflexo do serviço de Cristo – foi e ainda é, a razão principal para a existência da Ordem,   ou o aforisma que se tornou tradicional, especialmente depois de A. Bostius (+ 1499): Totus marianus est Carmelus (O Carmelo é totalmente mariano).

Lectio Divina
Vamos tomar para a Lectio Divina um hino que era usado pelos Carmelitas no século XIII e que ainda está presente na liturgia e nos hinários atuais. É o Ave maris stella. Ele é encontrado num manuscrito do século IX, mas pode pertencer ao século anterior.   Ao refletirmos sobre ele estamos em unidade com a Igreja medieval primitiva e com nossos antepassados carmelitanos.

Na lectio deveríamos nos perguntar:
1-O que o texto significa para nós e o que teria significado para os antigos carmelitas que o adotaram da Igreja medieval?
2-O que ele significa para mim/para nós em nossa jornada espiritual, em nossa situação sócio-econômica e política?
3-Com que orações espontâneas podemos responder a este hino?
4-O que podemos contemplar com a beleza de suas palavras e com a profundidade de sua mensagem?
5-Que ação ele nos inspira?
Estas são as fases desta forma tradicional de oração: lectio (leitura), meditatio (meditação), oratio (oração), contemplatio (silêncio, contemplação, aceitação, entrega), [actio (ação)].

Ave maris stella

Ave, sempre bela,
Ò Virgem Mãe de Deus,
Do alto mar estrela,
Porta azul dos céus.
Novas o anjo traz:
“Ave” te saúda;
funda-nos na paz,
de Eva o nome muda.

Quebra a algema ao réu,
E dá aos cegos luz,
Dá-nos Mãe do céu,
O que ao céu conduz.

Mostra seres Mãe,
Faze a nós descer
Quem por nós nascido,
Quis de ti nascer.

Mansidão, pureza,
Ò Virgem sem igual,
Dá-nos com presteza.
E livra-nos do mal.
Dá-nos vida pura,
Um caminho certo
Para quem procura
Ver Jesus de perto.

Seja ao Pai louvor,
Ao Cristo também;
Ao Consolador

Igualmente. Amém.

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