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quinta-feira, 30 de abril de 2015

PRESBÍTEROS: O DESAFIO DA MUDANÇA

42ª Assembléia Geral da CNBB. Itaici, 21 a 30 de abril de 2004.

Pe. Alberto Antoniazzi

Introdução – Inicialmente me foi solicitada uma história dos presbíteros no Brasil das últimas décadas. Pareceu-me um trabalho já feito[1] e, de qualquer forma, menos útil aos objetivos desta Assembléia.
Pareceu-me oportuno – consultados outros responsáveis pelos trabalhos da Assembléia - abordar o tema dos presbíteros na atualidade. Que o tema seja atual, demonstra-o a própria escolha desta Assembléia, que o elegeu como tema central de reflexão e, talvez, de orientações ou determinações. Mas há também outro motivo que incentiva a reflexão sobre a atualidade mais do que sobre o passado, mesmo recente. É a consciência difusa (embora a ser refletida criticamente) de que está em ato uma mudança tão profunda – na cultura dos nossos dias e, especificamente, entre os presbíteros do Brasil – que torna obsoletas muitas das visões e propostas de poucos anos atrás. Sobretudo é necessário verificar se realmente existe esta mudança, em que ela consiste e que conseqüências devemos tirar dela, que atitudes demos responsavelmente assumir.

  1. Os desafios do momento presente
1.1  - Pesquisas sobre os presbíteros

Quem acompanha a produção teológica em livros e revistas especializadas notou uma queda de produção nos anos ’90 a respeito do tema do ministério presbiteral, em contraste com a riqueza e variedade de obras que os teólogos criaram no final dos anos ’60 e ao longo dos anos ’70 e mesmo ‘80[2]. O interesse hoje estaria centrado – ao menos nos estudos e artigos publicados – ao redor da “experiência vivida” do ministério presbiteral, e não nas questões teológicas. Alguns autores explicam o deslocamento do interesse não apenas por uma nova atenção que os presbíteros estariam dando à sua própria pessoa e à busca da realização individual, mas também à distância que os presbíteros teriam descoberto entre seu ideal de Igreja (e, conseqüentemente, seu papel de presbítero) e a evolução efetiva do catolicismo na sociedade contemporânea[3].
O interesse pela experiência vivida dos presbíteros não tem suscitado novas reflexões teológicas, mas sim novas pesquisas sociológicas, que teriam nascido da suspeita – depois confirmada – que a atuação dos presbíteros está mudando, de formas não previstas até há pouco, e inclusive mantendo na sociedade um papel relevante, diferentemente de certas previsões sobre a “secularização” da sociedade ocidental, que davam como certo o desaparecimento do clero[4]. A pesquisa de Edênio Valle, que foi recentemente publicada[5], não é um fenômeno isolado e poderá ser comparada com pesquisas européias e norte-americanas[6]. Mais recentemente ainda foi divulgada a pesquisa do CERIS, Perfil do Presbítero Brasileiro, que será apresentada nesta Assembléia[7].
O que é notável naquelas pesquisas – e cito como exemplo as de P. ZULEHNER (e A. HENNERSPERGER) e de Franco GARELLI – é que a análise dos sociólogos e pastoralistas termina na elaboração de uma tipologia, que distingue quatro tipos de padres. ZULEHNER e HENNERSPERGER, na Mittel-Europa, encontraram quatro tipos de compreensão do ministério presbiteral: 1) O clérigo atemporal (“fora do tempo); 2) O homem de Deus aberto ao tempo; 3) O homem da Igreja próximo do tempo; 4) O guia da comunidade adequado ao tempo. GARELLI encontrou, na Itália, outros quatros tipos (entre parêntesis, a porcentagem de cada tipo no conjunto do clero pesquisado): 1) o modelo “modernidade e tradição” (30,1%; ou modelo “Wojtyla” pela forte inspiração no Papa João Paulo II); 2) o modelo “mediação” (27,4%); 3) o “nostálgico-reativo” (27,6%); 4) o “decepcionado-social” (14,9%).
Pouco importa agora entrar nos pormenores da tipologia[8]. O fato significativo é que, enquanto por mais de quatro séculos, a Igreja Católica teve um único tipo de padre como referência, aquele definido pelo Concílio de Trento e depois atualizado pelo Magistério e ultimamente pelo Concílio Vaticano II, hoje – de fato – os padres adotam “modelos” diferentes. O que revela uma forte influência da tendência contemporânea ao subjetivismo: escolho o modelo que me convém, no qual acredito, do qual espero uma realização pessoal. E as escolhas feitas pelos padres são efetivamente diferentes, o que põe novos desafios. As diversas escolhas podem dividir o clero e aumentar os conflitos internos ou podem enriquecer a vida do presbitério, se encontrarem o caminho do respeito recíproco, do diálogo e da complementariedade.

Que tipos de padres temos no Brasil hoje? Falta-nos uma pesquisa neste sentido[9]. É preciso, portanto, recorrer a impressões e a dados fragmentários. Tentei algo neste sentido[10] e vou resumir aqui os resultados das minhas observações.
O primeiro modelo, talvez o mais comum (graças a Deus!), o que se encontra mais freqüentemente nos ENPs, é o padre-pastor, mais exatamente o padre caracterizado pelo ativismo pastoral. É alguém que se dedica com muita generosidade ao serviço da comunidade[11]. A generosidade, porém, tem seus riscos ou seus limites[12]. Antes de tudo, há uma pressão muito forte, hoje, para que o padre (especialmente o pároco[13]) assuma uma multiplicidade de tarefas, que não são todas necessariamente de sua competência, mas impostas ou solicitadas pelo bem da comunidade. Daí muitas atividades sociais, muitos pedidos de atendimentos a casos pessoais, muitas celebrações rotineiras de sacramentos. Se for levado em conta o tamanho muito grande da maioria das paróquias, compreender-se-ão outras conseqüências inevitáveis.
Uma conseqüência da sobrecarga é a situação de “estresse” do padre. Provavelmente o “estresse” era maior em 1985 (no tempo do 1º ENP), mas há sinais alarmantes de um peso excessivo das atividades pastorais (e/ou sociais) que o padre assume, em prejuízo de um maior equilíbrio pessoal, físico e emocional[14]. Um padre cansado, às vezes exausto, nem sempre conseguirá dar a devida atenção aos seus fiéis e, principalmente, pode cair na tentação de recusar tudo o que é novo, sob a alegação de que não tem mais tempo. Daí o risco, numa época de mudanças, como a nossa, de se afastar das categorias sociais mais dinâmicas e menos atraídas pela pastoral tradicional: jovens, formadores de opinião, empresários pequenos e grandes... No limite, o padre pode ficar atrasado no tempo e afastado da “modernidade”. Pode faltar-lhe também “alimento” para a pastoral tradicional: pouco estudo, pouca oração, pouca oportunidade de aprofundamento e de escutar com mais atenção os anseios dos que o procuram e os conselhos dos especialistas.
Uma forma de se libertar da sobrecarga e do “estresse” é, para o pároco, repartir muitas de suas tarefas pastorais com outros ministros ou equipes de colaboradores: animadores de comunidades, catequistas, equipes de liturgia, pastorais sociais, ministros extraordinários dos sacramentos... A pesquisa da CNBB no início do PRNM revelou, porém, que os párocos confiam freqüentemente as comunidades rurais a ministros ou animadores leigos, mas no centro da paróquia (ou matriz) continuam centralizando, se não monopolizando, grande parte das atividades[15].
Outra forma que os padres descobriram mais recentemente é a de operar uma espécie de divisão entre o tempo dedicado ao ministério e o tempo dedicado à sua própria vida particular. Alguns “somem” tão somente na segunda-feira, “dia de descanso” do padre. Outros são difíceis de se encontrar durante a semana toda (não apenas às segundas-feiras): passam a morar longe da paróquia, não deixam número de telefone, não estão disponíveis a não ser em poucos horários, etc.
Pe. Edênio Valle tinha levantado, já em 1995, os sinais da presença do “padre light”[16]. Ele o descreve de forma delicada, preocupado em não jogar uma imagem preconceituosa sobre ele. Em suas palavras: “O padre "light" é alguém que ama a Igreja viva e serve aos seus irmãos e irmãs. Ele cultiva honestamente a espiritualidade e a oração; trabalha para superar suas limitações e fraquezas; condivide com o presbitério e a comunidade suas riquezas, preocupações e projetos pessoais. Relaciona-se "bem" com as pessoas, assume a causa dos pobres, estuda, reza, crê. [..] No entanto, paradoxalmente, algo o torna "um homem perplexo", uma pessoa dividida entre a coragem e o medo de arriscar-se "para dentro" do que escolheu e quer ser. Sente, por isto, a tentação de retrair-se, de preservar-se, de manter "abstrata" a sua adesão aos valores estruturantes de sua vida. Esses valores estão ainda lá, são objeto de seu desejo e de sua preocupação. Não deslancham, porém, o dinamismo que leva mais além. O padre "light" entra na média comportalmente correta de quem vive na civilização urbana”. E Pe. Edênio esclarece ainda: “O parágrafo acima não pretende descrever padres em crise, frustrados e infelizes ... Não alude, tão pouco, aos casos patológicos... Fala é do padre comum, do "bom-padre" que devido às circunstâncias tensas e aos desafios da cultura urbana, entra em "stress" espiritual, pastoral e psíquico”. E continua lembrando que as grandes cidades (inclusive segundo uma pesquisa da OMS daquele mesmo ano) são um lugar em que o “estresse” e a tensão emocional são muito freqüentes.
Outros tipos de padres estão aparecendo, ou reaparecendo. Entre as novidades temos o padre “midiático-carismático” ou “pop-star”, descrito por Clodovis Boff num “excursus” final do instrumento preparatório do 8º ENP (fevereiro de 2000). Citemos só o início de sua colocação: “Vemos surgir hoje um novo tipo de Padre, que adota novas formas - dir-se-ia “carismáticas” - de anunciar Cristo e que, para isso, ocupa os “areópagos modernos” da mídia. Será que atualmente não estaria surgindo o gênero do “evangelista moderno”? É o que parecem indicar alguns presbíteros que estão recebendo razoável espaço nos meios de comunicação social, principalmente na TV. A imagem pública desses presbíteros pop star deve mexer com a cabeça de muito seminarista e induzir à imitação. Os próprios fiéis, fascinados por esse tipo de culto e de linguagem, vividos com alta intensidade emocional, passam a cobrar dos outros presbíteros mudanças na maneira de celebrar e de se comunicar. E assim, o novo processo parece penetrar pelo corpo inteiro da igreja, causando naturalmente perplexidades”.
O fenômeno não é apenas brasileiro[17]. Também em outros contextos se percebe “uma tendência emocional e espetacularizante”, na qual alguns “redescobrem o sentido da ação do presbítero na afirmação do sagrado ‘estético-emocional’, que vem substituir o sagrado tradicional que se apresentava como separado e hierático”[18].
Num outro extremo, reaparecem também formas mais tradicionais do ministério presbiteral, que se inspiram ao exercício do sacerdócio antes do último Concílio. Esta procura de “recuperação das formas exteriores que caracterizavam a experiência sacerdotal antes do Concílio Vaticano II” expressaria “a busca de formas seguras, certas, no meio de um fervilhar de propostas e modelos mutáveis e volúveis” e conotaria particularmente “sujeitos frágeis, necessitados de certezas, que copiam modelos sacerdotais que se contrapõem a tudo aquilo que tem sabor de ‘novidade’”. E às vezes estes sujeitos teriam dificuldades de relacionamento, pobreza de conteúdos na homilia e na catequese, dificuldade de colaborar com outros.
Uma outra característica da atualidade é a valorização da competência ‘profissional’. O mundo atual exige, sempre mais, especialização nas atividades profissionais. Também os presbíteros podem se tornar “especialistas”, aprofundar sua preparação (pastoral) num determinado campo? Entre nós é ainda bastante raro encontrar esse tipo de presbítero, porém alguns vêem de bons olhos o desenvolvimento de sua formação num campo específico e tendem a pensar seu ministério de forma análoga a de um “especialista” em outros campos. Por que um professor de teologia, por exemplo, não poderia ser semelhante a outro professor universitário ou pesquisador? Até seria desejável um presbitério que dispusesse, ao mesmo tempo, de vários especialistas, que cobrissem os campos principais de sua responsabilidade pastoral[19]. Por outro lado, se o presbítero escolhe a especialização somente por gosto (ou “vocação”) pessoal, sem considerar as necessidades do presbitério - ou da diocese ou da Congregação -, poderíamos deslizar para opções subjetivas que perderiam muito do seu sentido eclesial. Aliás, a valorização das qualidades pessoais parece uma tendência forte e difundida entre os novos presbíteros.

1.2  - O 10º Encontro Nacional de Presbíteros (fevereiro de 2004)

Sobre as condições de vida e ministério dos padres se debruçou também o 10º Encontro Nacional ou ENP, realizado de 4 a 10 de fevereiro de 2004, neste mesmo local, a Vila Kostka de Itaici, por mais de 400 presbíteros, representando boa parte das dioceses do Brasil. O relatório redigido pelo Pe. Pedro Bassini enumera 8 questões que foram debatidas e as relativas respostas[20]. As questões debatidas foram:
1.      Como anda a Pastoral Presbiteral em sua Diocese?
2.      Como é a formação seminarística em sua Diocese?
3.      Que modelo de Presbítero o mundo de hoje precisa?
4.      Para a assembléia dos Bispos, que assunto não pode ficar fora da discussão?
5.      Como está o envolvimento dos Presbíteros com a dimensão sócio-transformadora em sua diocese?
6.      Em sua Diocese há preocupação com as comunidades que não celebram a Eucaristia Dominical?
7.      Os ministérios não ordenados têm espaço de ação em sua Diocese?
8.      Como é o processo de seleção na pastoral vocacional?

Algumas das questões são inspiradas pelos debates do 9º ENP (por ex.: comunidades sem Eucaristia dominical, ministérios não ordenados, formação seminarística e pastoral vocacional) e não suscitaram muitas respostas. Central resultou a questão n. 4 (Para a assembléia dos Bispos, que assunto não pode ficar fora da discussão?), que de fato suscitou grande interesse. As respostas a essa questão representam mais de 25% do texto do relatório. Ordenamos os temas propostos para esta Assembléia segundo o número das intervenções (que indicamos entre parêntesis):

-                      Questões humano-afetivas (4); celibato (6)[21]; homossexualismo ( 3); [total: 12];

-                      Relação entre Bispos e presbíteros[22] (questão do poder; união do presbitério; “caminhar para uma mais profunda e séria reflexão sobre a relação entre a pessoa do bispo e a pessoa do padre”; manter um sadio diálogo, esclarecendo os “porquês” de certas atitudes) (10);


-                      Melhor formação dos futuros padres (10)[23] [Esta questão foi também tratada separadamente numa avaliação da formação seminarística da respectiva Diocese. Emergiram alguns aspectos positivos (15 intervenções), mas mais numerosas (27) e extensas foram as intervenções sobre os aspectos negativos, entre os quais: falta de um plano de formação, falta de formadores, pouco rigor na admissão dos candidatos, inclusive dos “egressos” de outros Seminários; preocupação com a formação dos seminaristas diocesanos confiados a certos Institutos Religiosos e com os Seminários dos Movimentos (um presbítero pede que a CNBB feche todos eles)].

-                      Formação permanente, de preferência dentro de um plano abrangente, global (integral, segundo as diretrizes da PDV) (7);

-                      Recuperação da dimensão mística libertadora, do empenho pela transformação da sociedade, da opção pelos pobres (7); [A questão foi tratada também separadamente com relação à Diocese: prevalecem as constatações de que houve um retrocesso na opção pelos pobres e no empenho sócio-político[24]; dois presbíteros pedem aos bispos mais “profetismo”];

-                      Uso dos meios de comunicação (7); três das intervenções são fortemente críticas para com as TVs católicas, que pedem dinheiro e, sobretudo, apresentam modelos pastorais que dificultam o trabalho da Diocese;

-                      Manutenção do clero, especialmente dos padres idosos e doentes[25]; necessidade de garantir uma condição digna; evitar grandes desigualdades entre padres ricos e pobres, na Diocese e no País (6);

-                      Pastoral presbiteral (5);
-
-                      Aproveitamento dos padres casados (4), com a observação pertinente de que se deve “considerar o princípio da acolhida e da valorização da pessoa”;

-                      Preocupação com as comunidades que não podem ter a Eucaristia dominical (4).

Além de mais algumas intervenções isoladas, são notáveis duas propostas:

-                      “O nosso grupo acha necessário que se discuta a importância da ética presbiteral. Quantas vezes [nós presbíteros] somos os agentes causadores de muitas desconfianças e ... através de ciúme, inveja, poder, gerando fofocas, boatos que jogam irmãos presbíteros na lama”.

-                      “É de vital importância que não seja aprovado nenhum documento da CNBB sobre a vida e ministério dos presbíteros neste ano, mas que se aprove um texto de estudo para ser retornado às respectivas dioceses e a outros organismos (CNP, ANPB, CRB, OSIB) para apreciação e contribuições para aprovação do futuro documento [que deve] falar da vida e do ministério dos presbíteros a partir dos presbíteros”.

1.3  – Outros dados

Uma avaliação correta dos desafios da atualidade exige que se situem atitudes, anseios e dificuldades dos presbíteros em relação ao contexto sócio-cultural e eclesial, em que se dão.
Esta avaliação é particularmente complexa. Limitar-nos-emos a poucas observações.
Em primeiro lugar, lembramos a reflexão da 41ª Assembléia da CNBB que foi condensada no capítulo II (Novos desafios no início do novo milênio) das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2003-2006[26].  O número e a complexidade das mudanças que aconteceram nos últimos anos não podem não ter atingido os presbíteros, que não vivem fora do mundo. A incerteza que caracteriza a sociedade atual não pode deixar de questionar os padres.
Uma psicóloga que lida há vários anos com padres (e religiosos/as) em crise, observa: “Devemos levar em conta que vivemos numa realidade pós-moderna, numa cultura mais relativista e pluralista, na qual as certezas absolutas dos papéis vão faltando, parecem atenuadas, descoradas. Também a figura do padre está sofrendo uma redefinição. Paradoxalmente, por causa deste contexto tão incerto, há uma maior necessidade de pontos de referência fortes. A sociedade, por um lado, procura tornar relativa toda figura de autoridade e, por outro lado, sente necessidade dela. A maioria dos que hoje se tornam sacerdotes provém deste clima pós-moderno de identidades fracas, com um caminho de desenvolvimento e de integração apenas esboçado; encontrar-se face a exigências e demandas muito fortes, que exigem grande empenho, pode levar a uma pressão que complica o processo de identidade e pode gerar uma crise no indivíduo. Antes do Vaticano II, a figura do padre estava inserida numa estrutura muito hierárquica e vertical. Agora as coisas estão mudando e se procuram novos ajustamentos. As crises, que se vêem nos sacerdotes, são produzidas pelo acúmulo de diversas imagens do padre, que devem ser integradas no mesmo sujeito. Manter juntas a própria vulnerabilidade e a exigência de uma identidade forte, capaz de constituir um ponto de referência, não é fácil; exige uma integração delicada, também porque deve ser realizada num clima de incerteza e fragilidade, de busca de novos ajustamentos”[27].

Quanto ao contexto eclesial, que muitas vezes é objeto - mesmo entre nós - de avaliações contrastantes, podemos observar o seguinte. Já o Concílio Vaticano II percebeu, em sua etapa final, as crescentes dificuldades de comunicação dos presbíteros com a sociedade. “Este sagrado Concílio, tendo em mente as alegrias da vida sacerdotal, também não pode esquecer as dificuldades que os presbíteros sofrem, nas circunstâncias da vida moderna. Não ignora quanto as condições econômicas e sociais, e mesmo os costumes dos homens se transformam, e quanto a ordem de valores se modifica no apreço dos homens. Por isso, os ministros da Igreja, e até por vezes os fiéis, se sentem como que estranhos a este mundo, perguntando-se ansiosamente com que meios idôneos e palavras próprias podem entrar em comunicação com ele. Na verdade, os novos obstáculos que se opõem à fé, a esterilidade aparente do trabalho realizado, e ainda a dura solidão que experimentam, podem levá-los ao perigo do desalento” (PO 22)[28]. A distância entre a doutrina da Igreja e os costumes da sociedade certamente aumentou, trazendo uma “adesão parcial” dos fiéis católicos à doutrina e à ética cristãs[29]. Também há freqüentemente uma distância entre as regras democráticas ou a praxe das relações humanas na sociedade contemporânea e a conservação na Igreja de hábitos e atitudes marcados pelo tempo, que muitos julgam pré-modernos. Diante dessas situações, os presbíteros se acham muitas vezes perplexos, envolvidos numa tensão entre leis da Igreja e aspirações e práticas dos leigos.
 Houve uma forte aceleração da crise dos presbíteros nos anos 1968-75. Segundo dados do CERIS[30], as laicizações neste período foram 782 entre os diocesanos (média anual de 98) e 890 entre os religiosos (média anual de 111). Tomando como base o número dos padres de 1968 (o número mais alto do período), que era de 5.226 padres diocesanos e 8.178 religiosos, temos uma porcentagem de laicizações de 15% (ou 14,96%) para os diocesanos e de 10,9% entre os religiosos[31]. Esta crise veio depois que as reivindicações dos presbíteros, expressas em 1969 no chamado Documento dos Presbíteros, foram substancialmente desconsideradas[32]. Nos anos 1970-85, a atuação dos presbíteros no Brasil é pastoralmente intensa, mas limitada em sua expressão pública pela ausência da liberdade (censura, torturas, processos...). A partir de 1985, os Encontros Nacionais de Presbíteros revelam um clero (ao menos o mais jovem e atuante nos ENPs) inclinado para a “teologia da libertação” e empenhado pela democratização do País[33]. Nos anos seguintes esta tendência é contrastada não somente por advertências da autoridade romana (cf. as duas Instruções da Congregação para Doutrina da Fé, Libertatis conscientia e Libertatis nuntius, de 1984 e 1986), mas também por uma diminuição do interesse pelo social de padres e seminaristas e pela afirmação de novos movimentos laicais, de cunho mais espiritualista, que surgem e se afirmam muitas vezes independentemente do clero (ou com o apoio inicial de poucos padres e a resistência de muitos). Há 5-6 anos, as TVs católicas e a atuação de padres “midiáticos” em outras TVs trazem novas tensões entre o clero, porque muitas vezes o pároco interpreta como uma concorrência desleal a atuação do padre na TV. Este dispõe do poderoso meio de comunicação e de recursos muito maiores que os do pároco, às vezes até subtrai à paróquia parte de suas rendas, pois os fiéis são induzidos a enviar às TVs as doações que antes faziam à paróquia.
Em resumo[34], parece que o papel do presbítero neste período de tempo que vai  aproximadamente de 1970 até hoje sofreu ao menos seis alterações relevantes (mesmo se nem sempre os próprios presbíteros têm clara consciência disso): 1) o padre perde a autoridade tradicional (que se baseava num contexto de cristandade) e é chamado a um testemunho de autenticidade pessoal (com vistas à evangelização); 2) a situação das estruturas eclesiais e da organização pastoral dificultam a evangelização, com conseqüente sobrecarga dos presbíteros[35], o que por sua vez torna difícil sua atualização e o enfrentamento de uma concorrência agressiva de outras igrejas e religiões (que gerou uma perda de cerca de 11% dos católicos entre 1991 e 2000); 3) o aparecimento dos ministérios leigos, porém insuficientemente aproveitados por parte dos presbíteros, que confiaram a animadores leigos apenas as comunidades rurais, mas geralmente têm recusado a instituição de diáconos, ministros do Batismo, testemunhas qualificadas do Matrimônio, ministros da Palavra; 4) o ressurgimento da tentação clericalismo e do autoritarismo, no presbítero que pretende ser “outro Cristo”, mas esquece a pedagogia de Jesus; 5)  a exigência de tornar o cuidado pastoral muito mais pessoal e atento à valorização das pessoas e muito menos apressado e rotineiro ou burocrático; 6) a decepção pela discrepância entre as expectativas (com relação à sociedade e à Igreja) e os resultados efetivamente conseguidos.

  1. Em busca de soluções: caminhos e alternativas
        Não tenho tempo para desenvolver aqui uma passagem importante, antes de chegar às propostas. Antes de formulá-las, seria oportuno refletir sobre a existência, ou menos, de alternativas, de caminhos diversos, e de como discernir o melhor. A existência, como vimos, de muitos tipos de padre, sugere que é possível orientar a renovação do presbiterato em direções diferentes. Devo limitar-me, agora, a sugerir duas reflexões, sem poder desenvolvê-las.
Uma primeira reflexão nos é oferecida pela experiente psicóloga já citada: “Quanto mais altos os pedestais, mais perigosas as quedas. Neste sentido, uma volta retórica a uma figura sacral do padre tem seus riscos. A demanda dessa figura forte deve ser compreendida como reação ao clima de fragmentação e de relativismo, quase para ser salvos no meio do mal-estar da transição, mas a tentação é a de assumir um novo papel que dê segurança, que toma a forma de uma couraça; a fragilidade permanece dentro, mas não é elaborada, é somente removida, e pode explodir de forma dramática. É melhor apoiar-se em outros modelos que expressam uma força, mas uma força relacional, penso, por exemplo, no modelo do ‘médico ferido’”.
Uma segunda reflexão nos convida a evitar o caminho da demasiada facilidade. Não oferecemos, é certo, como a Igreja anglicana nos Estados Unidos, altos salários para ter ministros, nem abrimos as portas à ordenação de qualquer um.  Muitas vezes, porém, exigimos poucos sacrifícios, tanto dos seminaristas como dos padres[36]. Foi observado que atraem mais (têm mais vocações) congregações religiosas mais severas e exigentes. Também igrejas evangélicas, que aos fiéis pedem muito, são bem sucedidas em atrair católicos, aos quais pedimos pouco. A hipótese dos observadores mais atentos é de que as pessoas aceitam os sacrifício se eles “compensam”, se em troca recebem – por exemplo – uma experiência religiosa mais viva, uma comunidade mais solidária e fraterna, uma experiência emocionalmente mais forte[37].
Isto nos sugere que não devemos ter medo de fazer propostas exigentes, contra a correnteza, contra a tendência individualista e hedonista. Podemos apostar num presbitério como verdadeira comunidade fraterna. E se não o fizermos, veremos os padres da diocese procurar solidariedade, fraternidade e entusiasmo em outros ambientes...[38]


  1. Uma proposta para a discussão

Apresento agora uma proposta, elaborada com a ajuda de outros, que procura indicar um caminho para avançar na renovação do ministério presbiteral. A Assembléia ouvirá muitas propostas e sugestões e, com a ajuda do Espírito, fará seu discernimento.
Desde já gostaria de situar a proposta como um caminho realista, viável, que pode e deve ser percorrido. Descartamos, por isso, desde o início, propostas que impliquem inovações institucionais (como aquelas, por ex., avançadas em 1969 e retomadas freqüentemente por alguns grupos) e, por outro lado, descartamos o imobilismo, a falsa convicção que tudo vai bem, que os padres em sua maioria estão felizes e pouco ou nada resta a fazer. Ao contrário, acreditamos que há muito a fazer e que a omissão seria um pecado grave diante de Deus e uma irresponsabilidade face aos irmãos.
Mas vamos às sugestões, ao menos àquelas que nos parecem essenciais, não para resolver de uma vez para sempre todos os problemas, mas para dar aqueles passos que hoje são uma possibilidade e um dever e nos permitirão, no futuro, ir mais longe.

1. O que propomos é um esforço que deve ser assumido pelos próprios presbíteros em conjunto. Eles devem ser os sujeitos e os protagonistas de sua própria renovação.
Evidentemente isso não dispensa o incentivo e a participação dos bispos, como veremos, como catalisadores do processo. Aliás, estamos propondo aqui iniciativas a serem tomadas por todos os presbíteros de uma diocese. Será muito válido valorizar ou revitalizar  organismos e associações já existentes, especialmente os Conselhos Presbiterais[39]. Não é possível renovar o ministério presbiteral apenas por meio de esforços isolados de alguns presbíteros de boa vontade, que porém poderão mobilizar os colegas.

2. O esforço estaria voltado, em primeiro lugar, para promover e garantir a todos os presbíteros da Diocese, solidariamente, condições de vida e de trabalho, que lhes permitam realizar sua vocação de serviço, mas de forma humana, que não anule a personalidade, mas lhe dê chances de realização, mesmo através do sacrifício e das inevitáveis carências de cada um[40]. Com isso se daria resposta à justa exigência daquele “cuidado de si”, que se impõe hoje como exigência básica e direito de todo indivíduo.

3. Em segundo lugar (e aqui o Bispo terá um papel decisivo) é preciso reorganizar a vida do padre sobrecarregado e estressado, que põe em risco não apenas a saúde física, mas a própria eficácia do seu ministério. Várias medidas são possíveis e necessárias: treinar o padre a bem usar seu próprio tempo e a adotar um ritmo de vida sadio (que inclui oração, estudo, trabalho pastoral e lazer, em particular exercícios físicos); ajudar o padre a confiar nos leigos e a repartir efetivamente com eles as tarefas pastorais; treiná-lo para saber administrar o conjunto das atividades paroquiais e coordenar a participação dos muitos colaboradores, remunerados ou voluntários[41].

4. As relações de tipo horizontal são fundamentais não somente na atuação pastoral do padre, mas para a sua própria maturidade humana e para realizar seu ministério conforme a vontade de Cristo e da Igreja. Aqui há considerações de duas ordens a fazer: 1) o padre precisa de amizade e de fraternidade para se realizar humanamente; afirma Donald COZZENS: “O que está faltando para muitos sacerdotes, acredito eu, é a experiência da união, da intimidade de uma comunhão santa com alguns bons amigos. Por si só, sem uma profunda e autêntica amizade humana, a intimidade com Deus experimentada na oração, nos sacramentos e nas práticas devocionais deixa o espírito ligeiramente fora de equilíbrio”[42]; 2) os padres devem formar uma fraternidade, pois Jesus enviou seus apóstolos como irmãos. Devemos levar mais a sério o apelo do Vaticano II[43] a reconstituir verdadeiros presbitérios, mesmo se na história a fraternidade sacerdotal se obscureceu muitas vezes e mesmo se as condições atuais de vida não facilitam a vivência fraterna dos presbíteros.
As dificuldades a realizar a fraternidade e a comunhão no presbitério fazem pensar que precisamos de uma formação para isso, de uma aprendizagem, de uma espiritualidade. Vale a pena lembrar as indicações do Papa João Paulo II, que se aplicam a toda a Igreja, e por isso mesmo especialmente a seus pastores:
“Espiritualidade da comunhão significa em primeiro lugar ter o olhar do coração voltado para o mistério da Trindade, que habita em nós e cuja luz há-de ser percebida também no rosto dos irmãos que estão ao nosso redor. Espiritualidade da comunhão significa também a capacidade de sentir o irmão de fé na unidade profunda do Corpo místico, isto é, como «um que faz parte de mim», para saber partilhar as suas alegrias e os seus sofrimentos, para intuir os seus anseios e dar remédio às suas necessidades, para oferecer-lhe uma verdadeira e profunda amizade. Espiritualidade da comunhão é ainda a capacidade de ver antes de mais nada o que há de positivo no outro, para acolhê-lo e valorizá-lo como dom de Deus: um «dom para mim», como o é para o irmão que diretamente o recebeu. Por fim, espiritualidade da comunhão é saber «criar espaço» para o irmão, levando «os fardos uns dos outros» (Gl 6,2) e rejeitando as tentações egoístas que sempre nos insidiam e geram competição, arrivismo, suspeitas, ciúmes. Não haja ilusões! Sem esta caminhada espiritual, de pouco servirão os instrumentos exteriores da comunhão. Revelar-se-iam mais como estruturas sem alma, máscaras de comunhão, do que como vias para a sua expressão e crescimento”[44]. Devemos nos convencer que “o ministério ordenado tem uma radical ‘forma comunitária’ e pode ser assumido apenas como ‘obra coletiva’”[45].
No presbitério está incluído o bispo, ao menos no sentido de que ele deve ser o primeiro a assumir a atitude de irmão para com os presbíteros. Pois se pode aplicar a fortiori aos presbíteros a famosa expressão citada por Lumen Gentium 32 a respeito dos leigos: “Se me incute medo o ser para vós, consola-me o estar convosco. Para vós sou bispo, convosco sou cristão. Aquele é o nome do ofício, este o da graça; aquele o do perigo, este o da salvação”.
5. Pensar o ministério presbiteral a partir do presbitério implica certamente, hoje, repensar a relação do padre com a paróquia. Há quase uma simbiose, na maioria dos casos, entre padre e paróquia. Sem esquecer os aspectos positivos desses laços entre o padre e a paróquia, é preciso reafirmar com força que a evangelização e o testemunho de Cristo são confiados à Igreja local, ao Bispo com seu presbitério e seu povo. A constituição (a partir da Idade Média e diversamente da Igreja antiga) de paróquias confiadas a um presbítero isolado comportou um enfraquecimento da ação pastoral, às vezes reduzida ao cumprimento de alguns ritos, tendo perdido a riqueza espiritual e pastoral que caracterizou as igrejas das cidades do século IV e V, quando o presbitério estava reunido em torno de homens como João Crisóstomo ou Agostinho, Basílio ou Ambrósio, Atanásio ou Leão ou Gregório... Infelizmente, muitas paróquias até hoje parecem administradas como feudos e se isolam, de fato, da comunhão com as igrejas irmãs e instauram, em seu interior, relações mais de vassalagem do que de verdadeiro serviço ao povo de Deus.
“A vida no presbitério – afirmava o texto sobre “Pastoral Presbiteral” apresentado no 9º ENP (2002)[46] – pode  ajudar o presbítero a vencer os vícios de uma estrutura por demais vertical, que, às vezes, leva o presbítero a ser subserviente em relação ao bispo, autoritário com os leigos e pouco irmão com os outros presbíteros da Diocese”.
            Pensar o ministério presbiteral a partir da Igreja local oferece também uma outra vantagem. No âmbito de uma Igreja local ou diocese, poderão encontrar uma cooperação fecunda presbíteros com “vocações” (ou atitudes e opções) diferentes. Será mais fácil pensar a variedade da atuação dos presbíteros em termos de complementariedade, de valorização de dons e sensibilidades diferentes que se respeitam mutuamente e se reconhecem integrados num único corpo: o da Igreja de Cristo naquela diocese ou naquele território..
6. A busca da comunhão e da fraternidade, por parte do presbitério com seu bispo, está em função da edificação da comunidade e de uma comunidade evangelizadora, cujo testemunho suscite a fé nos que não crêem. Já Inácio de Antioquia lembrava que “é inútil fazer aparece como bom o que vós fazeis privadamente; sejais uma coisa só: uma única oração, uma única súplica, uma única mente , uma só esperança no amor, uma só alegria puríssima: isto é Jesus Cristo e nada é melhor do que ele!”[47]. Isto supõe nos presbíteros não apenas a atitude fraterna ou a comunhão afetiva, mas uma consciência teológica, evangélica, do próprio ministério. Ela foi definida de forma densa pelo Concílio Vaticano II em PO 6: “Exercendo o múnus de Cristo cabeça e Pastor, os presbíteros reúnem, em nome do Bispo, a família de Deus, como fraternidade bem unida, e levam-na a Deus Pai por Cristo no Espírito. Para exercer este ministério [..] é conferido o poder espiritual, que é dado para edificação. Na edificação da Igreja, porém, os presbíteros devem conviver com todos, com grande humanidade, a exemplo do Senhor. [..] Por isso, cabe aos sacerdotes, como educadores na fé, cuidar por si ou por outros que cada fiel seja levado no Espírito Santo a cultivar a própria vocação segundo o Evangelho, à caridade sincera e operosa, e à liberdade com que Cristo nos libertou. De pouco servirão as cerimônias, embora belas, bem como as associações, embora florescentes, se não se ordenam a educar os homens a conseguir a maturidade cristã. Os presbíteros ajudá-los-ão a promoverem esta maturidade, para que até nos acontecimentos grandes ou pequenos consigam ver o que as coisas significam, qual é a vontade de Deus. Sejam ensinados também os cristãos a não viverem só para si, mas, segundo as exigências da nova lei da caridade, cada um, assim como recebeu a graça, a administre ao outro, e assim todos cumpram cristãmente os seus deveres na comunidade humana. Embora sejam devedores de todos, os presbíteros consideram como recomendados a si de modo particular os pobres e os mais fracos, com os quais o próprio Senhor se mostrou associado, e cuja evangelização é apresentada como sinal da obra messiânica”[48].

7. As palavras do Concílio, agora citadas, dão ênfase a um aspecto do ministério presbiteral que deve ser particularmente ressaltado hoje, porque necessário e urgente, mas – por outro lado – muito descuidado. As pesquisas recentes sobre os presbíteros e a observação ao redor de nós mostram que um grande número de padres presta pouca ou nenhuma atenção aos “sinais dos tempos”, ou seja, aos acontecimentos históricos e à realidade da vida cotidiana,  que são – para os cristãos – sinais da presença atuante de Deus na história. Entre as causas desse descuido, está a sobrecarga de trabalho pastoral, mas muitas vezes está também uma visão essencialista, quase atemporal, da realidade (o presbítero “fora do tempo”). É paradoxal que isto aconteça hoje, na sociedade atual, marcada pela “reflexividade”, ou seja, pela produção de sempre novos eventos, conhecimentos e informações, que induzem pessoas e instituições a repensar continuamente suas decisões e seus rumos, para levar em consideração o dinamismo da sociedade ou.... ficar atrasadas e desaparecer.
Traduzido em termos positivos, isto significa a necessidade de envolver efetivamente os presbíteros num processo de “formação permanente”[49],  que mantenha o presbítero sintonizado com sua época,  torne-o mais atento e capaz de ouvir e compreender os anseios do povo e de sua comunidade, torne mais agudo seu espírito crítico e mais pertinente a formulação de sua pregação da palavra evangélica.

8. A solidariedade entre os presbíteros exige também uma justa distribuição dos recursos materiais. Cabe ao bispo com o presbitério prover para que as paróquias mais pobres ou as tarefas apostólicas não remuneradas sejam sustentadas com a contribuição de todos os presbíteros, especialmente daqueles que dispõem de mais recursos. Em certos casos, não é só louvável, mas estrito dever de consciência que também a diocese mais rica partilhe algo de seus recursos com as mais pobres.

9. Outra exigência para a renovação do ministério é o cuidado com a formação dos futuros presbíteros. Há necessidade de investir mais na preparação dos formadores. Eles também devem ser os primeiros a educar à comunhão fraterna, dando o exemplo do trabalho em equipe, de amizade e generosa colaboração[50]. Há também uma freqüente e forte reclamação do clero quanto à insuficiente ou inadequada seleção dos candidatos ao Seminário e uma aceitação demasiado fácil de “egressos”. Entre os desafios da formação atual, merecem especial cuidado e empenho a superação das lacunas da formação humano-afetiva e a formação do futuro presbítero como “homem de relações”[51].
10. O descuido da formação humano-afetiva e a má seleção dos candidatos, além das fraquezas humanas, que às vezes se revelam somente após um certo tempo ou e situação de desafio ou de crise, obrigam-nos a mencionar a possibilidade do aparecimento de casos patológicos, que podem gerar escândalos, mas sobretudo sofrimentos dos próprios presbíteros e dos fiéis. Diante disso, é importante assumir a atitude correta, que certamente não é a de esconder o problema, mas de oferecer os meios para uma terapia e uma solidariedade fraterna, que assume a dor do outro. Este sofrimento partilhado por todos os presbíteros – quando o irmão é ferido ou até desesperado – deve ser vivido com uma espiritualidade pascal, de quem acredita que “perdendo a vida, há de encontrá-la”. A crise pode ser vivida como uma “travessia”, como uma passagem pela experiência da derrota e do sofrimento que não impede a passagem à cura e à ressurreição[52].
Esperamos assim ter oferecido um subsídio para colaborar na elaboração daquela “Pastoral Presbiteral” que sonhamos e que foi definida como “cuidado-acompanhamento, pessoal e comunitário, integral e orgânico que uma Igreja particular oferece aos seus pastores, para que estes se sintam tratados e vivam como pessoas, conheçam Jesus Cristo, sejam como Ele, vivam e ajam como Ele, de modo que possam dedicar-se plenamente ao ministério de pastores  que Deus e a Igreja lhes confiaram em prol da comunidade”[53].

[1] Os documentos dos Encontros Nacionais de Presbíteros (iniciados em 1985) e até mesmo os documentos (“dos Presbíteros” e “aos Presbíteros”) produzidos em função da Assembléia Geral da CNBB de 1969 oferecem uma boa base para a reconstrução desta história, junto com a pesquisa do CERIS sobre o clero (1968).  Dela dão breve notícia Carlos Alberto de  MEDINA e Pedro Ribeiro de OLIVEIRA: Autoridade e participação (Vozes/Ceris, 1973, 191 p.). Cf. também: CNP, Presbíteros do Brasil Construindo História. – Paulus, São Paulo, 2001, 494 p. [este livro contém os documentos principais dos Encontros Nacionais de Presbíteros, realizados no Brasil entre 1985 e 2002]. Sobre o assunto, tentei uma primeira síntese no artigo: Construindo a história dos presbíteros no Brasil. A contribuição dos nove ENPs (1985 – 2002) através de seus documentos, “Vida Pastoral” n. 224, maio-junho de 2002. E ainda: Alberto ANTONIAZZI, Notas para a história dos presbíteros no Brasil. “REB” 58 (1998), n. 131, p. 597-617.

[2] Para uma brevíssima história dessa produção teológica e de suas tendências, cf. o Instrumento Preparatório do 2º ENP (1987), item 2: Evolução da Teologia do Presbiterato, in: CNP, Presbíteros do Brasil Construindo História. Paulus, São Paulo, 2001, p. 61-73. Sobre a produção teológica recente, cf. o nº 3 do vol. 130 (2002) de “La Scuola Cattolica” (revista teológica do Seminário de Milão), especialmente os artigos de Giuseppe COMO (p. 433-462) e Franco Giulio BRAMBILLA (p. 539-570). O primeiro encontrou na bibliografia internacional cerca de 300 títulos por ano sobre o “estado de vida sacerdotal”, no final dos anos ’60, e apenas 50-70 títulos no final dos anos ’90. O segundo afirma que “o exame das bibliografias e um olhar sobre as publicações dos últimos dez anos não revela mais um interesse consistente para com a teologia do ministério, mas preferentemente uma atenção aos temas práticos” (p. 539).
[3] Cf. particularmente Luca BRESSAN, Preti di quale Chiesa, preti per quale Chiesa. Sc Catt 130 (2002), 507-538.
[4] O que não exclui uma forte diminuição do número das vocações sacerdotais em muitos Países europeus e na América do Norte e, contemporaneamente, um acentuado envelhecimento do clero que ainda permanece. Cf. também a alusão do Papa ao problema da escassez numérica dos presbíteros, e às “não poucas dificuldades” que encontram, na recente exortação sobre o Sínodo da Europa, Ecclesia in Europa, n. 34 e 35.
[5] Cf. Edênio Valle (org.), Padre, você é feliz? Uma sondagem psicossocial sobre a realização pessoal dos presbíteros do Brasil. Loyola, s.Paulo, 2004, 149 p.
[6] Cf. especialmente a pesquisa “Priester 2000”, relatada em artigo por P. M. ZULEHNER e A. HENNERSPERGER, Preti nella cultura contemporanea, “Il Regno-attualità” 14/2001, 483-498. Os resultados são comentados mais amplamente por P. M. ZULEHNER em: Priester im Modernisierungsstress. Forschungsbericht der Studie Priester 2000. Ostfildern, Schwabenverlag, 2001. A pesquisa se refere à Mittel-Europa, de fato: Alemanha, Áustria, Suiça, Croácia e Polônia. Mais recentemente apareceu uma pesquisa sobre o clero italiano: F.GARELLI (org.), Sfide per la Chiesa del nuovo secolo. Mulino, Bologna, 2003, 352 p. (deste livro publiquei no “Jornal de Opnião” uma resenha: Desafio para a Igreja do novo século).  Sobre o clero inglês, cf. D.RYAN, The Catholic Parish. London, Sheed & Wad, 1996. Sobre o clero católico dos Estados Unidos, é acessível no Brasil o estudo de D. B. COZZENS, A face mutante do sacerdócio. Loyola, S.Paulo, 2001. Uma pesquisa específica é a de Dean R.HOGE, The first five years os the priesthood. The Liturgical Press, Collegeville, Mi., 2002, 186 (estudo dos padres católicos recém-ordenados). Para o Brasil, vale a pena lembrar o estudo de L.R.BENEDETTI, O “novo clero”: arcaico ou moderno?, Revista Eclesiástica Brasileira 59 (1999), 88-126.
[7] Em alguns casos, citaremos esta pesquisa em apoio ou esclarecimento das propostas do 10º ENP.  Será citada como Perfil..., com a indicação da página e/ou  tabela.

[8] Realizada com um rigoroso cálculo estatístico, baseado na “cluster analysis”. O CERIS fez algo semelhante sobre grupos de religiosos na pesquisa de 1998: Vida Religiosa no Brasil. Pesquisa e primeiros resultados (cf. www.ceris.org.br/pesquisas). Cf. também: L. PEDROSA, A. DAMASCENO, M. PITTA, Identificando grupos na Vida Religiosa brasileira. O pluralismo em evidência, ”REB” 62 (2002), p. 415 ss.

[9] Tanto a pesquisa do pe. Edênio Valle como a do CERIS não constroem tipologias e apresentam os dados globalmente. – Por outro lado, já o “Plano de Emergência” da CNBB (1962) indicava diversos tipos de padres, mas sem a radicalidade do subjetivismo atual. No fundo, todos os “tipos” da época pré-conciliar se consideravam uma interpretação do único modelo tradicional ou simplesmente maneiras psicológicas e espirituais diversas de viver o mesmo modelo. O PE enumerava: padres pessimistas, conformistas, ativistas, angustiados, dispersivamente apostólicos, profundamente apostólicos. (Devo a citação do PE ao pe. Manoel J. de GODOY, que a menciona no artigo A espiritualidade presbiteral e as Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, a ser publicado em “Vida Pastoral”, nº de julho-agosto de 2004).

[10] Num artigo da revista “Vida Pastoral” (nº 232, setembro/outubro de 2003, p. 26-31): A OSIB e os desafios atuais da formação presbiteral.

[11] Melhor seria dizer: das comunidades... Impressiona-me encontrar padres do interior (mais raramente das periferias urbanas) que atendem não apenas a 4-5 comunidades, mas a 20, 30, 40, às vezes 80 ou 100!
[12] Parece-me oportuno recordar a advertência de uma psicóloga: “Há sintomas que dizem respeito à estrutura cotidiana da vida: podem ser momentos de excessivo cansaço, fraqueza existencial, momentos latentes ou não de depressão; ou o excesso de trabalho, a procura obsessiva de atividades que parecem justificar a própria existência, a fuga de todo espaço vazio ou sossegado de silêncio e de reflexão. Este último sintoma – o excesso de trabalho – é hoje muito difundido e não apenas no padre. (...)  Está vigorando um mito do planejamento e da eficiência que não ajuda” (cf. Luisa Saffiotti, Padres e sexualidade. Para além da crise, Jornal de Opinião, nº 772, 15 a 21/03/2004 – p. 4-7).
[13] Mais da metade dos padres do Brasil são párocos. No fim de 2000, tínhamos 16.772 padres e 8787 paróquias. Segundo a pesquisa do CERIS, 66% dos padres (71% dos diocesanos e 58% dos religiosos) têm como principal atividade o trabalho pastoral na paróquia (cf. Perfil..., tabela 13, p. 35).
[14] Algumas sondagens que fiz, com a ajuda dos alunos do Curso de Especialização em Pastoral do ISPAL (PUC-Minas, Belo Horizonte), mostraram-me, por exemplo, que os párocos não reservam quase nenhum tempo para atividades físicas (caminhada., ginástica, etc.) ou esporte.
[15] É o que me parece que se pode concluir dos dados coletados, que são as respostas de 1137 paróquias (seriam hoje 13% do total) de 37 dioceses diferentes. Nelas trabalhavam 1706 padres (média de 1,5 padre por paróquia), 2318 religiosas e cerca de 128.600 ministros leigos, assim distribuídos (em média, para cada padre): 32 catequistas; 23,5 animadores de comunidades; 13,5 ministros extraordinários da Comunhão ou Eucaristia; 4 coordenadores de grupos de jovens; 1,4 ministros das exéquias; 0,63 ministros extraordinários do Batismo (ou seja, em média, um ministro por paróquia); 0,4 testemunhas qualificadas do Matrimônio (ou seja, uma testemunha para duas paróquias). Os animadores de comunidades (sem padre) são mais de 23 para cada padre ou 35 para cada paróquia. Os ministros extraordinários do Batismo e as testemunhas do Matrimônio são muito poucos, em comparação.
[16] Cf. Instrumento preparatório do 6º ENP (2 a 7/2/1996), O presbítero missionário, profeta e pastor no mundo urbano, cap. IV, item I.1. orgânico
[17] Alguns dos mais conhecidos padres “midiáticos-carismáticos” têm um site próprio na Internet. Muitos deles (em ordem alfabética: pe. Antônio Maria, pe. Cleodon, pe. Hewaldo Trevisan, pe. João Carlos, pe. José Eduardo, pe. Marcelo Rossi, pe. Quevedo, frei Rinaldo, pe. Zezinho) são acessíveis na coluna de esquerda, no item “Grande Família”, da página de Católica-Net dedicada aos sites católicos: veja http://www.catolicanet.com.br.
[18] Cf. A CAELLI, art.cit., “Il Regno-attualità”, 16/2002, p. 563-564.
[19] Também ZULEHNER e HENNERSPERGER observam que o presbítero “homem da Igreja próximo do tempo” (a terceira das quatro tipologias analisadas pelos Autores) “faz da vocação um trabalho, como homem que entra a serviço da Igreja. (Ele) cria uma distância protetora entre o seu eu e as tarefas exigentes do presbiterato, entre si mesmo e o seu papel de padre. A professionalidade é para ele mais importante que a espiritualidade; encontra-se em dificuldade face às figuras tradicionais do ministério como representação (de Cristo ou da comunidade),; por outro lado, considera importante separar bem trabalho e tempo livre (lazer): ele não está ‘sempre em serviço’”. Compare-se esta descrição com a do “padre-light” de Edênio Valle (cf. acima, nota 16).
[20] Trata-se de um relatório preliminar, que reúne anotações dos secretários, sem muita ordem. Mas oferece uma base suficiente para reconhecer as principais preocupações e propostas que emergiram no Encontro. (O texto foi enviado por correio eletrônico em  13.04.2004).
[21] A pesquisa do CERIS encontrou 41% dos padres admitindo que o celibato deveria ser facultativo para o clero diocesano, 14% que  declaram o celibato ter sido causa de crises (já superadas) e cerca de 10% declaram que o celibato dificulta atualmente a vivência da vocação e gera crises pessoais, 13%  no clero diocesano e 6% no clero religioso (cf. Perfil..., p. 19 e tabela  29, p. 46).
[22] Segundo a pesquisa do CERIS, o relacionamento dos padres diocesanos com o bispo é próximo para 61%  dos entrevistados, ocasional para 26%, distante para 11%, indiferente para 2%. Para os religiosos, o relacionamento é próximo para 41% e ocasional para 47%, mas “distante” apenas para 7% (cf. Perfil..., tabela 35, p. 50).
[23] Na pesquisa do CERIS há perguntas sobre a formação (cf. Perfil..., tabela 15, p. 36 ss.). A avaliação é a seguinte: formação intelectual: excelente 28%; boa 58%; formação espiritual: excelente: 24%; boa: 57%; formação comunitária: excelente: 18%; boa: 51%; formação pastoral: excelente: 17%; boa: 48%; formação humano-afetiva: excelente: 8%; boa: 41%; formação técnico-administrativa: excelente 3%; boa 16%.
[24] Na pesquisa do CERIS, apenas 8% (ou 9%) dos padres estão presentes em movimentos sociais – cf. Perfil.., p. 12 e tabela 12, p.34.
[25] Na pesquisa do CERIS (cf. Perfil..., p.14 e tabela 19, p. 39), apenas 27% dos padres diocesanos se sentem “suficientemente amparados” em caso de doença, velhice, impedimento ao trabalho, aposentadoria (contra 77% dos padres religiosos) e 39% dos padres diocesanos se sentem “relativamente amparados” e 34% sem garantia suficiente (contra 3% dos religiosos).
[26] Cf. documento da CNBB n. 71, §§ 44-62.
[27] Cf. Luisa Saffiotti, Padres e sexualidade..., art. cit., p. 4.
[28] A problemática da “crise” do ministério presbiteral precede o Concílio Vaticano II, como documenta para o Brasil o “Plano de Emergência” da CNBB (1962).
[29] Como está bem claro nas respostas dos católicos à pesquisa do CERIS: Desafios do catolicismo na cidade.n Pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras. Paulus, S.Paulo, 2002.
[30] Cf. Estatísticas, tabelas 8 e 11, Baixas no presbitério diocesano e dos Institutos, na página: www.ceris.org.br
[31] Nos anos seguintes, o número dos padres diocesanos cresce (alcançando 9.551 em 2001/2002) e o número das laicizações se mantém entre 30 a 40 por ano no período 1976-95 e entre 40 a 50 no período 1995-2001 (ou seja, 0,5% por ano). O número dos padres religiosos se mantém estável (7.616 em 2001/2002) e o número das laicizações se mantém entre 25 e 45 no período 1978-2001, com a exceção de 102 laicizações em 1976 e cerca de 80 em 1977 e 1984-85 (ou seja, média anual de 37 laicizações por ano entre 1978 e 2001, o que corresponde a 0,5% por ano do contingente presbiteral dos Institutos religiosos).
[32] Procurei documentar isso na minha intervenção no 8º ENP (ano de 2000), cujo texto foi publicado em “Vida Pastoral”.
[33] É esta geração – dos padres ordenados entre o início de 1982 e o início de 1987 - que hoje se mostra mais insatisfeita ou decepcionada.
[34] Resumo aqui o que tratei um pouco mais amplamente no capítulo “A evolução da sociedade e da Igreja como contexto do ministério” no comentário à pesquisa de Edênio VALLE, Padre, você é feliz? Loyola, 2004 (cf. p. 126 – 138).
[35] A “carga pastoral” dos presbíteros no Brasil passa de 7.100 habitantes por padre em 1970 para 10.100 habitantes em 1990. Desde então a proporção padre/habitantes se mantém estável.
[36] Ouvimos há pouco as palavras do Santo Padre a propósito da admissão de candidatos ao sacerdócio: “Que nenhum Bispo se sita excluído desse dever de consciência, do qual deverá prestar conta diretamente a Deus; seria lamentável que, por uma tolerância mal entendida, chegassem a ser ordenados jovens imaturos, ou com evidentes sinais de desvios afetivos que, como é tristemente conhecido, poderiam causar graves anomalias nas consciências do povo fiel, com evidente dano para toda a Igreja”  (Discurso aos Bispos do Brasil, Regional Leste I, 5.09.2002, n. 5).
[37] Para tudo isso – aqui acenado com demasiada brevidade – remeto ao notável artigo de frei Paulo GOLLARTE O.Carm., Vocações religiosas: altos e baixos, Carmelus 50 (2003), 1, 163-178.
[38] Sobre a procura atual da comunidade, como reação ao individualismo e busca de segurança, cf. Zygmunt BAUMAN, Comunidade. A busca por segurança no mundo atual. Jorge Zahar Editor, Rio de Janeiro, 2003, 141 p.
[39] Cf. Alberto ANTONIAZZI, Conselhos Presbiterais em face dos desafios atuais, “Vida Pastoral”, n. 217 (março-abril 2001), p. 22-28 e n. 218 (maio-junho 2001), p., 23-29.
[40] Sobre a realização humana do presbítero continuam luminosas as considerações do pe. Edênio VALLE, formuladas no Instrumento de Trabalho do 2º ENP (1987) e retomadas depois várias vezes. Cf. Ser padre: o desafio de uma vocação que permanece, parte 4: “Dimensões e desafios da maturidade presbiteral”. As dimensões são a identidade, a intimidade, a participação, a transcendência evangélica. Um trecho deste texto diz: “A dignidade do homem exige que ele possa ter uma dimensão que lhe é própria e exclusiva: sua intimidade, seu modo de ser original, sua radicalidade pessoal e religiosa. Sendo o papel sacerdotal, em todos os tempos e religiões, um dos papéis sociais antropologicamente mais esvaziadores do núcleo íntimo da pessoa, é mister que, no caso do padre católico, embora também ele se enquadre nesta determinação sociológica, se recuse o primado ao que despersonaliza, e se dê ênfase crescente ao que fomenta o ser-assim de cada um”. (cf.  VV.AA., Presbíteros do Brasil construindo a história.  Paulus, São Paulo, 2001, p. 94).
[41] Na pesquisa de Franco GARELLI, Sfide per la Chiesa del nuovo secolo. Indagine sul clero in Italia,, um dos autores – o pastoralista Luca Bressan -  observou que os padres  apreciam muito a companhia e a amizade dos leigos que lhe são próximos, mas não mostram (a não ser em raras exceções) nenhum empenho em aprender a animar e coordenar seus colaboradores, delegando a eles o trabalho pastoral e “repartindo o poder”.  Preferem “executores” mais que verdadeiros colaboradores. Vale a pena citar: “Quais requisitos deve possuir um sacerdote para desempenhar de maneira profícua e madura o seu ministério? Apenas 5% dos entrevistados julgam necessária a capacidade de coordenar os vários agentes presentes na Paróquia e somente 7% julgam que um padre deva saber confrontar-se com os outros, ou seja, deva desenvolver aptidões à escuta e à verificação em comum: sinais do despreparo (e em parte do pouco interesse) com que o clero vive seu papel de coordenação e direção na comunidade. Além disso, é preciso lembrar que, contra os 5 ou 7% mencionados, nada menos que  67% da amostra julgam importante a capacidade de comunicar com todos. Ou seja, não é importante para o sacerdote desenvolver relações de tipo horizontal; ao contrário, considera essencial dispor de qualidades e meios para desenvolver uma relação de tipo vertical, de submissão e de governo” (cf. o.cit., p. 157-158). O risco do autoritarismo é antigo, se já o apóstolo Pedro advertia que os presbíteros devem apascentar os que lhe foram confiados, “não como dominadores, antes como modelo do rebanho” (1Pd 5,3).
[42] Cf. Donald COZZENS, A face mutante do sacerdócio. Edições Loyola, São Paulo, 2001, p. 47. (O pe. Cozzens teve uma longa experiência de acompanhamento de “casos difíceis” entre os padres de sua diocese e voltou recentemente a criticar as tentativas de esconder as condutas escandalosas no livro Silêncio sagrado, publicado no Brasil pelas Edições Loyola).
[43] Cf. especialmente PO 7, que também determina a criação dos Conselhos Presbiterais. Sobre este tema, cf. Alberto ANTONIAZZI, Conselhos Presbiterais em face dos desafios atuais, “Vida Pastoral”, n. 217 (março-abril 2001), p. 22-28 e n. 218 (maio-junho 2001), p., 23-29. Sobre a história do Presbitério, cf. o curso de Tullio CITRINI na P. Universidade Gregoriana nos anos 2001-2003, ainda inacabado  (dá uma ampla resenha  histórica desde as origens até a Idade Média ).  Sobre a fraternidade presbiteral, boa apresentação do tema e ampla bibliografia in: Gianni COLZANI, La fraternità sacerdotale. “Rivista del Clero Italiano” 84 (2003), p. 493-515.
[44] Cf. Novo millennio ineunte, 43.
[45] Cf. JOÃO PAULO II, Pastores dabo vobis, n.16.
[46] Agora (2004) novamente publicado em 3ª edição pela Comissão Nacional de Presbíteros (cf. p. 8).
[47] Ad Magn. 7.
[48] Sobre a espiritualidade presbiteral, volto a assinalar a reflexão do pe. Manoel J. de GODOY, já citada acima na nota 9.
[49] Recomendada vivamente, como se sabe, pelo Papa JOÃO PAULO II na Pastores Dado Vobis, cap. VI.
A formação permanente é “necessária para discernir e seguir o contínuo chamado da vontade de Deus” (n. 70).
[50] Preciosas indicações sobre as necessidades da formação presbiteral se encontram nos resultados da pesquisa publicada na III parte do livro de André MARMILICZ, CM: O Ambiente Educativo nos Seminários Maiores do Brasil. Curitiba, Gráfica Editora Vicentina, 2003, 380 p. A pesquisa confirma, ao mesmo tempo, a boa vontade e o  despreparo de boa parte dos formadores e a fraqueza da educação humano-afetiva.
[51] Cf. o artigo já citado de Manoel J. de GODOY (A Espiritualidade presbiteral..., “Vida Pastoral”, julho-agosto de 2004) e mais amplamente: Severino PAGANI, Uomo tra la gente,”Rivista del Clero Italiano” 75 (1994), 419-435; 499-512.
[52] Sobre este tema, remeto novamente a Luisa SAFFIOTTI, Padres e sexualidade – Para além da crise, “Jornal de Opinião”,  nº 772, 15 a 21/03/2004 – p. 4-7.
[53] Guido Villalta, ex-secretário executivo do CELAM, citado em “Pastoral Presbiteral” (3ª ed., 2004), p.7.

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