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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

“Fomos salvos nesta esperança”: Seguindo os passos de Miriam, a irmã de Moisés e Aarão.

Dra Nuria Calduch

1-Introdução

Nosso provérbio, um compêndio de sabedoria popular de incalculável valor para todas as gerações, toca numerosos aspectos e temas da vida humana. Um deles é a esperança. Curiosamente existem vários provérbios sobre a esperança que exalam negatividade, ceticismo, sarcasmo. Alguns exemplos: “A esperança não enche a barriga”, “Quem vive de esperanças acaba morrendo de fome”, “A esperança era verde e um burro a comeu”, “Quem espera, desespera”, e suas variantes: “Quem espera, desespera e esperando se consola”. Felizmente também existem os animadores: “A esperança é a última que morre”, “Enquanto houver vida, haverá esperança”, “Onde menos esperança se tem, dali vem o bem”, “Onde morre uma ilusão, ali nasce uma esperança”, ou de inspiração bíblica como: “Algum dia será Páscoa”, expressão para manifestar o desejo de um futuro melhor¹ e “Ao menos Deus nos fez, que nos fez do nada”, que expressa a esperança de conseguir algo quase impossível ou muito difícil de obter, ou simplesmente desproporcional para nossas possibilidades².
A esperança é inerente ao ser humano. Já diziam os antigos: “A esperança é o único bem comum a todos os homens, os que perderam tudo ainda a possuem” (Tales de Mileto) e repetem os modernos: “Hoje ainda é sempre” (Antonio Machado), “Se ajudo apenas uma pessoa a ter esperança, não terei vivido em vão” (Martin Luther King), “De todas as virtudes a esperança é a mais importante para a vida, porque sem ela, quem se atreveria a iniciar qualquer atividade e levar até o fim qualquer tarefa? Quem teria a coragem de enfrentar o futuro obscuro, incerto e imprevisível?” (Francesco Alberoni).

2- Noções gerais sobre a esperança

A esperança poderia ser definida como um movimento da alma. E como movimento compreende duas dimensões: temporal e relacional. Olhando a partir da dimensão temporal, a esperança é uma tensão em direção ao futuro desejado, incerto, mas considerado como possível (espero que tudo saia bem, espero conseguir me curar deste mal...). Olhando a partir da dimensão relacional a esperança pressupõe confiança no outro (espero em ti, em Deus...). Ao contrário da esperança, o desespero se caracteriza pelo bloqueio do tempo e a solidão.

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¹ N.CALDUCH-BENAGES, Outro gallo de cantara. Refranes, dichos y expresiones de origen bíblico (Aos quatro ventos 20) Bilbao, Desclée de Brouwer 2003,35.

² N.CALDUCH-BENAGES, Otro gallo de cantara, 77.

Outra característica da esperança é o seu vínculo com o sujeito: espero algo para mim, mas também posso esperar para ti, para as pessoas queridas. Minha esperança se converte então em esperança para outra pessoa e inclusive para a comunidade (esperamos para nós, para vós, para eles...).

Uma ultima coisa: esperar não é saber, a esperança se alimenta de “razões” pelas quais vale à pena esperar. Ninguém espera sem uma razão, não se espera “porque sim”³.

3- A esperança bíblica

Contudo, a esperança na Bíblia nunca é genérica: é a espera de um bem que vem de Deus. Misteriosamente unida a fé, a esperança bíblica é uma espera ansiosa, ardente, ativa, que não tem nada a ver com as ansiedades do momento. Na medida em que a confiança em Deus é fé em sua promessa, a fé é também esperança. Esperar então, também significa confiar: confiar em seus dons, no bem, na alegria duradoura, na misericórdia.

O caminho da esperança iniciado com Abraão (Gn 12,1-3) chega ao vértice com Cristo, mas sua realização terá lugar somente na parusía.  Enquanto isso, neste largo caminho, a Bíblia nos apresenta numerosos modelos de esperança: os patriarcas que esperavam na promessa da descendência e da terra, os profetas que esperavam na conversão de Israel, os salmistas que esperavam a libertação de Javé, o justo Jó que esperou contra toda esperança a manifestação de seu Senhor e melhor amigo, o sábio Daniel que anunciou uma mensagem de esperança na situação de perseguição religiosa e opressão política... E tantos outros personagens bíblicos que dia a dia impulsionam nosso caminho em direção a um futuro melhor que, sem sombra de dúvidas, todos sonhamos e desejamos.

Chegado o momento de ilustrar a esperança bíblica com um personagem concreto, eu escolhi uma mulher. É uma mulher de esperança cuja história é a mais modesta. Não se distingue por suas façanhas, suas batalhas, suas vitórias e nem por sua beleza ou êxitos pessoais. Contudo, apesar de seu anonimato e de sua oportuna e silenciosa intervenção, fez história. E mais, permitiu que outra pessoa, seu irmão menor, fizesse história e se converteu em uma guia representativa de seu povo. Refiro-me a Miriam, a irmã de Moisés e Aarão.

4- Miriam, uma mulher de esperança (Ex 2,1-10)

a)Duas filhas, duas mães

O segundo capítulo do Livro do Êxodo começa com um fino toque de ironia, mas para poder captar bem, devemos retornar ao final do capítulo anterior onde o Faraó da ao povo a seguinte ordem: “Toda criança recém nascida será jogada no Rio, mas as meninas ficarão com vida” (Ex 1,22). Então, as filhas de Israel eram as únicas, segundo ele, que tinham direito à vida. Ato seguido, em Ex 2,1, a história começa com uma destas filhas e mais adiante continua com outra filha, a filha do Faraó.

 

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³ Para toda essa seção, F. MIES, “Speranza”, em R. PENNA-G.PEREGO-G. RAVASI, Temi teologici della Bibbia (Dizionari San Paolo), Cinisello Balsamo (Milano), edição São Paulo, 1327.

Duas filhas que desacatam a máxima autoridade do império e desobedecendo conscientemente a ordem recebida, fazem fracassar redondamente o plano do Faraó. Paremos nestas filhas.

A primeira filha que se menciona na historia é uma filha de Israel. Se trata de uma filha de um levita casada com um homem da família de Levi (Ex 2,1: “Um homem da casa de Levi tomou por mulher uma filha de Levi”). Estamos falando da mãe de Moisés. Ela também é apresentada na narração de forma anônima: como filha de Levi ou como mãe de Moisés. Nós, contudo, graças a Num 26,59, sabemos que se chamava Jocabed (em hebreu, Javé é glória) 4. É notável que tanto a filha de Levi quanto a filha do Faraó resultam ser, cada uma a sua maneira, mães de Moisés. O narrador nos apresenta as duas filhas/mães que, como veremos, se ajudarão mutuamente.

b)A mãe do filho

Nos concentremos na primeira mãe. A mãe de Moisés não fala, só atua. Coloquemos atenção nos verbos- todos ativos- utilizados pelo narrador: conceber, da a luz, ver, esconder. O objetivos desses verbos sempre é o filho. Na verdade, se trata de um relato que se considera tecnicamente um “anúncio do nascimento”, ou seja, um relato onde se anuncia o nascimento de um herói. Neste tipo de relato existe um momento que o pai, o a mãe, dá nome ao filho. Agora vejamos, no nosso caso este elemento é certamente irregular porque o filho recebe o nome muito mais tarde do que o normal e não serão nem seu pai nem sua mãe que o colocarão, e sim a filha do Faraó, sua mãe adotiva. O texto não fala do nome, mas dá uma informação preciosa: a mãe do filho, depois de concebê-lo e dado a luz, “viu que era belo” (em hebreu, tôb). Essa frase nos lembra o relato sacerdotal da criação em Gn 1,1-4ª. “E Deus viu que era bom” é a frase que acompanha a criação de cada elemento do cosmos. Então, tudo o que Deus criou é bom/belo e não pode ser destinado a morte e sim à vida.

A mãe de Moisés, sabendo que esconder o filho podia ser perigoso, reage frenética e apressadamente, demonstrando a grande capacidade de decisão, valor e força interior: pega um cesto de papiro, recobriu-a com betume e peixe e colocou o menino dentro, deixando a cesta na beira do Rio Nilo (Ex 2,3). E extrema precisão e a profundidade com que o narrador descreve essas ações demonstram a grande preocupação da mãe. Ela está bem decidida. Fará tudo que for possível para salvar o filho e o fará sozinha, sem ajuda do marido, de quem não sabemos absolutamente nada.

O Faraó havia dado a ordem para que se jogasse todos os menino no Nilo, e bem observado, a mãe de Moisés obedece fielmente ao Faraó, pois ela põe, não o joga, mas põe seu filho no rio. E faz de tal modo que o rio ao invés de ser um lugar de morte e destruição se torna um lugar de vida e salvação: ironia do narrador (!). Vimos a urgência com que preparou o cesto (em hebreu, tebah). O termo tebah é o mesmo que se utiliza no relato do dilúvio universal para designar a Arca de Noé (Gn 6).

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4 Num 26,59: “ A mulher de Amrão se chamava Jocabed, filha de Levi, que nasceu no Egito. Amrão e ela tiveram Aarão, Moisés e Maria,sua irmã.”

E esta não é a única coincidência. Noé e Moisés, ambos foram salvos das águas. Noé constrói uma arca de enormes medidas e a mãe de Moisés prepara um cesto, que na realidade é uma espécie de arca pequena.

c) A irmã do menino

Assim chegamos a Ex 2,4, um versículo que se encontra em uma situação estratégica na narração: “A irmã do menino se prostrou de joelhos para ver o que passava”5. Inesperadamente, como surgida do nada, aparece a nossa protagonista: outra mulher sem nome, chamada “a irmã do menino”. Até este momento ninguém podia imaginar que o recém nascido tivesse uma irmã. Em nenhum momento se mencionou que ela existia. Sua presença na narração, contudo, é tanto surpreendente como essencial: É precisamente ela que põe relação nos dois temas principais dessas histórias: a da mãe e seu filho e a da princesa e o menino. Com grande habilidade literária o narrador descreve a oposição entre a filha de Levi (a mãe de Moisés) e a filha do Faraó ( também mãe de Moisés): uma hebréia e a outra egípcia, uma escrava e a outra livre, uma de origem comum e a outra de sangue real, uma pobre a outra rica, uma esconde o filho e a outra o encontra, uma permanece em silêncio e a outra fala. A princesa é egípcia, nobre, livre, rica, mas também não tem um nome 6.

Duas mulheres separadas que se encontrarão graças a uma terceira mulher: também filha, mas o narrador a apresenta sempre como “a irmã do  menino” (2x) ou “a jovem” (1x). Se quisermos descobrir o nome dessa menina temos eu esperar um pouco, pois a primeira vez que aparece é no capitulo 15 de nosso livro (Ex 15,20-21). O encontramos também no livro dos Números (12,1-16; 20,1; 26,59), em Deuteronômio (24,9), no primeiro livro das Crônicas (5,29) e no profeta Miquéias (6,4).

Seu nome é Miriam, um nome hebreu de etimologia incerta (em grego, Mariam ou Marian). Os especialistas lançaram cerca de 60 hipóteses sobre o assunto, entre as quais se sobressaem as seguintes: rebelde, amada de Javé, exaltada, elevada. Miriam é uma figura muito admirada na literatura rabínica, onde circulam muitas lendas sobre sua profecia. Uma delas: “Ela esperou com atenção e com paciência na beira do Nilo para ver se cumpria a profecia que ela fizera a seu pai: “Você está destinado a criar um filho que salvará a Israel” (Mekhilta Ex15,20; Dt Rabba 6,14). Assim se explica que Filón de Alexandria tenha atribuído a Miriam o nome simbólico de elpis (termo grego que significa esperança) em sua obra De Somnis (II,142).

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5 O Libro de los Jubileos adiciona um detalhe muito poético ao texto bíblico: “Sua mãe vinha de noite para dar-te o peito e durante o dia Miriam, sua irmã, te protegia dos pássaros” (47,5).

6 A tradição se edificou com vários personagens: Thermuthis (Flavio Josefo), Menis (Eusebio), Tharmuth (O Livro dos Jubileos), Batyah (Exodo Rabba), Bithia (Talmud e 1Cro4,18).

Miriam, depois de preparar a estratégia junta a sua mãe de salvar o menino (isso o narrador não nos diz, porém é muito provável que aconteceu assim) “Ficou distante para ver o que acontecia” (Ex 2,4). É notável que todas as mulheres do relato vêem algo (a mãe de Miriam viu que o menino era belo, ela esperava ver o que aconteceria e depois a princesa verá o cesto e o menino chorando). Todas vêem, percebem, captam, porque nenhuma delas está distraída. Ao contrário, são mulheres observadoras, abertas, atentas aos outros, e a realidade que as rodeia. Desde o princípio a aparição de Miriam está estreitamente unida às águas do rio e à seu irmão. Lembremos que Miriam entra em cena no início do Livro de Êxodo e reaparece no final da primeira parte (Ex 15, depois da travessia do Mar Vermelho). Ambos os momentos estão relacionados com as águas do Nilo. Aqui Miriam se detém para ver, ali dará graças a Deus por ter visto.

d) A filha do Faraó

Em Ex 2,5, encontramos a filha do Faraó que desce ao Nilo para tomar banho enquanto suas donzelas passeavam pela beira do rio. A única, contudo, que descobre o cesto é a princesa (2,6). Prestemos atenção nas ações que realiza: desce ao Nilo, vê o cesto, envia uma criada para que o recolha, abre o cesto e vê o menino que chora. E em um instante passamos de ações a sentimentos: “se comoveu com ele” e logo as palavras “é um menino dos hebreus”. A detalhada descrição de Ex2,6 (as ações da princesa) nos lembra a preparação do cesto que vimos em Ex 2,2-3 (as ações da mãe de Moisés). Conhecemos as ações da princesa, os sentimentos e inclusive as palavras que pronunciou naquele momento. Assim sabemos que ela conhecia o decreto de seu pai, o Faraó. Um decreto que esteve disposta a desobedecer sem nenhum tipo de remorso. E mais, a atitude da princesa para com o menino nos faz lembrar a atitude de Deus para com seu povo 7. A princesa viu o menino no cesto, sentiu compaixão por ele e decidiu salvá-lo. Ressaltemos que a filha do Faraó se compadeceu não só de um menino que chorava mas também de um menino hebreu. Assim também se comporta Deus: vendo a aflição de seu povo, teve compaixão dele e decidiu salvá-lo do opressor (Ex3,7-9). Ambos, princesa e Deus, mostram uma grande preocupação com a pessoa necessitada, uma grande compaixão pela pessoa que sofre: duas atitudes do coração que os encorajam a realizar uma ação libertadora a favor do pobre, do pequeno, do indefeso, do oprimido.

e) O encontro desejado

E em Ex 2,7 acontece o encontro entre a irmã do menino e a filha do Faraó, um encontro já preparado de antemão. Em um primeiro momento, parece que a iniciativa de salva o menino tenha saído da princesa. Contudo, não foi assim.

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7 M. NAVARRO- C. BERNABÉ, Distintas y distinguidas. Mujeres em la Bíblia y e la historia (Debora 3), Madrid, Publicações Carmelitas 1995, 36-37.

Miriam chegou perto da filha do Faraó e lhe fez uma pergunta que, na verdade, era uma sugestão para resolver a situação: “Queres que busque para ti entre as mulheres dos hebreus uma ama de leite para amamentar o menino para ti?” Deste modo tão sutil, Miriam prepara o encontro da mãe com seu filho. A repetição da expressão “para ti” depois do verbo buscar e amamentar faz pensar em uma pessoa que está a serviço de outra (a irmã do menino a serviço da princesa). Na realidade, contudo, os dois “para ti” são “para nós” (para mim e para minha mãe). Em outras palavras, a solução que a irmã propôs é adequada para todos. Assim, graças a sua irmã maior, Moisés foi salvo da morte.

A princesa aceita a sugestão sem oscilar e responder à sua maneira: “Ve” (Ex 2,8a). Fica claro que as duas ações da irmã, ficar observando de longe e procurar uma ama de leite determinam o destino de Moisés. Vejamos o que diz agora o texto: “A jovens então foi e chamou a mãe do menino” (Ex 2,8b). Percebemos uma fina ironia na expressão “a mãe do menino”, porque a ama de leite dos hebreus é na realidade a mãe biológica do menino.

f) O final feliz

Depois desta inteligente intervenção, Miriam desaparece completamente da historia e a partir deste momento os acontecimentos acontecem rapidamente. A ironia do narrador se conde, como veremos, atrás de cada palavra. Em primeiro lugar, a princesa decide pagar certa quantidade para a mãe do menino como compensação pelo trabalho de amamentá-lo. A mãe não fala, mas aceita (supomos alegremente!) a ordem da princesa e cria o menino. Podemos dizer que de certo modo, Moisés é adotado e de fato recebe o nome de sua mãe adotiva 8. Seja como for, o libertador do povo de Israel foi criado na mesma casa do opresor, no palácio do Faraó do Egito, sob a custódia de sua filha, a princesa.

A história tem um final feliz graças a mulher sem nome, uma mulher que aparece de na pontas dos pés no cenário bíblico, sem uma genealogia que a proteja, sem um anuncio de seu nascimento nem um ritual para lhe por um nome. Aparece em silêncio e contempla a cena de longe. Com sua palavra sábia e oportuna consegue que duas mães, completamente distintas uma da outra, se unam para conseguir o mesmo objetivo: salvar a vida de um recém nascido. Uma vez terminada sua missão, nossa protagonista desaparece em silêncio. Humanamente falando, a historia do Êxodo deve seu principio não a Moisés e sim a Miriam e a esperança, esperança de vida par ao menino, para sua família, para o povo de Israel, e por último, para todo nós que ainda hoje nos deixamos surpreender por esta historia de esperança e por sua extraordinária protagonista.

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8 Se discute sobre a legitimidade de uma tal adoção e também sobre o nome do menino, já que o nome de Moisés é egípcio, mas sua explicação (salvo das águas), é feita a partir da etimologia hebréia.

5- Miriam e Maria de Nazaré

Façamos agora um salto no tempo. Séculos mais tarde nascerá outra filha de Israel, também chamada Miriam: Maria de Nazaré, uma jovem judia, que conceberá e dará a luz ao salvador do mundo.

Os evangelhos falam pouco de Maria. A encontramos nos “evangelhos da infância” principalmente em Lucas (Mateus se centra mais na figura de José) e também no evangelho de João (nas bodas de Caná e aos pés da cruz). Maria está presente nos momentos cruciais da vida de Jesus (o nascimento, o inicio do mistério público, a morte na cruz). O mesmo acontece com Miriam e Moisés: ela está presente quando seu irmão ainda é um recém nascido (Ex 2), e no acontecimento mais importante de sua vida: a travessia do Mar Vermelho (Ex 15), e também na dura experiência do deserto (Num 12). Os evangelhos calam sobre a morte de Maria. A morte de Miriam, ao contrário, só se conservou a notícia (Num 20).

Miriam e Maria de Nazaré são duas mulheres que se deixaram guiar pelo espírito do Senhor e tiveram a coragem de realizar uma missão na historia de seu povo, uma missão arriscada, mas decisiva. Ambas estão unidas ao destino de um menino (Moisés e Jesus), destinado a ser salvador do povo, no caso de Moisés e salvador do mundo no caso de Jesus. Ambas estão unidas pelo sofrimento que lhes causa o menino (sua infância, sua educação, seu futuro...). Ambas tiveram que escapar de uma perseguição contra os inocentes (Miriam foge do Egito por causa do Faraó e Maria foge em direção ao Egito por causa de outro Faraó, Herodes). Ambas tiveram que esperar em silêncio confiando no Senhor e sem entender ao certo a lógica dos acontecimentos. Além disso, tanto uma como a outra tiveram que sofrer a incompreensão da parte do irmão e do filho (pensemos no episódio das murmurações no deserto e o castigo da lepra para Miriam ou na cena de Jesus perdido e encontrado no templo para Maria).

Mulheres de ação, poucas palavras e grande esperança. Falaram somente quando foi necessário. Em um mundo que nos oferece tantos motivos para nos desesperar, estas duas mulheres nos indicam uma alternativa possível. São mulheres de esperança e sabem mostrá-la aos seus, seu povo, a história, ao mundo. Além disso, a mostram com admiração, louvor e gratidão: Miriam cantou junto a outras mulheres o Canto do Mar e Maria cantou o Magnificat.

6- E nós, somos homens e mulheres de esperança?

Chegou o momento de refletir sobre nossa vida à luz do texto bíblico que levamos em consideração. Para mim, mais que uma reflexão tranqüila e bem ordenada, a leitura do segundo capítulo do livro do Êxodo me levantou um monte de perguntas impetuosas e rebeldes que não se deixam encerrar em nenhum esquema preconcebido. É como se jorrassem do texto e brigassem para abandoná-lo e entrar em nossas vidas, não necessariamente pela entrada principal, mas pelo menos por um resquício de porta, por uma janela entreaberta, por uma fenda esquecida. Me atrevo a apresentá-las assim como chegaram, sem ordem nem concerto, com o desejo profundo de que nos ajudem a esperar ativamente, nos encorajem a construir esperança e transmiti-la ao nosso mundo de hoje, um mundo que vive encurralado pelo medo, insegurança e incertezas diante do futuro.

Nossos pensamentos, palavras e ações são a favor da vida ou da morte? Temos medo de perder o poder, o controle, o pequeno reino que criamos? A vida dos outros nos preocupa mais que a nossa? Somos solidários com os outros ou isso nos custa? Temos sagacidade, presteza, humor para catalisar as palavras venenosas e responder ao mal com o bem? Sabemos esperar com paciência o momento oportuno? Sabemos contemplar de longe antes de começarmos a agir? Nossa compaixão se traduz em ações concretas e eficazes ou em palavras e sentimentos? Aplicamos nossa inteligência e sagacidade para ajudar os outros? Temos ideias, planos, iniciativas ou deixamos que a inércia e a preguiça nos vençam? Somos homens e mulheres de esperança ou vivemos de ilusões? Em que se baseia nossa esperança ou falta de esperança?... Somos capazes, apesar de todos os pesares, de entoar um cântico? Qual é a nossa palavra de esperança e de salvação?

Convido-lhes a pensar e escrever seu cântico (para cada um ou para a congregação).

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