A Família Carmelita, (a
seguir indicada como F.C.), quis saber mais da vida do Beato Nuno de Santa
Maria decidiu fazer uma entrevista ao Vice-Postulador, a seguir indicado como
F.F.R.
F. C. - Refira em poucas palavras a
vida de D. Nuno Álvares Pereira?
F. F. R. - Nuno Álvares Pereira nasceu em Cernache do Bomjardim,
segundo uns, ou em Flor da Rosa, segundo outros, em 24 de Junho de 1360, filho
de Álvaro Gonçalves Pereira, Prior do Hospital do Crato e de Ilia Gonçalves do
Carvalhal, e perfihado passado um ano ei@ Santarém por D. Pedro.
A mãe procurou e conseguiu que ele fosse educado na corte de D.
Fernando e D. Leonor. A Rainha D. Leonor, vendo a sua inteligência e esperteza,
fá-lo seu escudeiro aos 13 anos. Forma-se na doutrina da Cavalaria e escolhe
para si a figura de Galaad, um dos Cavaleiros da Távola Redonda no qual se
inspira para uma. vida de virtude. Como ele, quis ser puro para merecer seguir
a sua dama escolhida, Nossa Senhora.
Contudo, aos 16 anos, por obediência ao pai, tem que renunciar aos seus
propósitos e contrai matrimônio com D. Leonor Alvim, deixando a corte para ir
viver em Pedraça, Cabeceiras de Basto. Do matrimônio nasceram três filhos, dos
quais só sobreviveu uma menina de nome Beatriz.
Dali foi, chamado para defender a zona fronteiriça do norte. Logo viu
que para se fazer alguma coisa de sucesso precisaria de moralizar as tropas e
prepará-las para os grandes feitos que se seguiram. Começou este trabalho em
Chaves, dando assim inicio à sua gesta militar. Esta teve como seus pontos
altos a vitória de Atoleiros, Aljubarrota e Valverde. Depois de consolidada a
independência da nação portuguesa, entra no Convento do Carmo por ele
construído, tomando o hábito de Irmão Donato da’Ordem Carmelita. No dia de
Todos os Santos de 1431 entregou a sua vida ao criador. Morreu com fama de
Santidade.
F. C. - Quais são os seus ideais?
F. F. R. -1. Viver o Espírito
da Cavalaria, ser mesmo como o Galaad
que de tão puro com a sua lança tocaria o sol no cimo duma montanha.
2. Integridade como
homem, como cristão e como cidadão.
3. Amor à Pátria.
4.
Amor e fidelidade à Igreja.
5.
Amor à Verdade.
6.
Amor à Castidade e Obediência. Vividas na fé, esperança e caridade.
F. C. - Porque se envolveu na luta
contra os castelhanos?
F. F. R. - Para Nuno é muito claro que Portugal tem que ser
independente de Castela e nas Cortes de Coimbra manifesta as suas razões:
1. Pela morte de D. Fernando,
deveria suceder-lhe a sua esposa D. Leonor. No entanto, isto não poderia ser
porque, estando D. Leonor amantizada com o Conde Andeiro, era escândalo à moral
pública.
2. Na linha da sucessão estaria
a sua filha D. Brites casada com D. João de Castela. Também neste caso, havia
impedimento, porque Castela seguia o Papa Cismático de Avignon e Portugal
deixaria de ser a nação fidelíssima a Roma.
3. Então seria D. João, Mestre
de Avis, filho de D. Pedro que recolhia melhores condições.
Portugal encontrava-se num estado de crise e indefinição relativamente
à sucessão dinástica. Os nobres, por causa da sua palavra, estavam da parte de
Castela. D. Nuno vai contra a tendência geral porque põe acima da palavra por
Castela, a moral e a fidelidade à Igreja.
F. C. - A quem atribuía ele as
Vitórias alcançadas?
F.F. R. - A Deus e a Nossa Senhora, pois ele afirmava que ‘todo o vencimento
vem de Deus e não dos homens”. Dom Nuno antes de cada batalha visitava o
santuário Mariano mais próximo e depois voltava para agradecer o bom resultado.
Aquando de Atoleiros, vai em peregrinação de pés descalços ao santuário de
Assumar, aquando de Aljubarrota vai a Seiça. Procurava andar na presença de
Deus. Comungava sempre que era permitido. Comungava os’dias em que era
permitido, ou seja, pelo Natal, Páscoa, Pentecostes e Assunção. Assistia a duas
Missas por dia e três aos domingos, mesmo durante as batalhas. Levava também os
seus homens de armas a viver uma vida cristã como o atesta o cronista dos
Carmelitas, Frei José Pereira Santana, quando nos testemunha: “no dia 14 de
Agosto de 1385, no dia da batalha de Aljubarrota, todos os homens do exercito
português estavam em jejum e quase todos confessados e comungados’.
F. C. - Como era o seu
comportamento nas Batalhas?
F. F. R. - O seu pensamento era
a independência da nação portuguesa e não a destruição ou a morte do exército
contrário. Ele nunca fez guerra, só defendia. Nunca se vislumbrou nele o
sentido da vingança. Que mortandade não seria se em Aljubarrota quando o
exército castelhano se pôs em fuga ele incitasse o exército Português à
perseguição?! Ou quando em Valverde começa a debandada castelhana, ele entrasse
em perseguição?! Antes pelo contrário recebeu e deu terras aos castelhanos que
quiseram ficar cá.
F. C. - Como tratava o seu
exército e os adversários?
F. F. R. - Com muito respeito, pois para ele todo o homem é irmão e
merece respeito e consideração. Muitas das suas riquezas foram divididas pelos
seus companheiros de armas. Quanto aos adversários, portugueses e castelhanos,
respeitava-os do mesmo modo. Num ano de fome, manda abrir os seus celeiros e
distribuiu pelas populações de cá e de Castela as suas provisões. Era exigente
com os seus homens de armas e não deixava que se entregassem a exageros para
com os vencidos ou os seus haveres, punindo severamente os abusos.
F. C. - Qual a herança que nos deixou?
F. F. R. - Deixou-nos sem
dúvida, o testemunho da sua vida de homem íntegro, amante do Homem e da nação
portuguesa e o dom da sua vida por todos, colocando Deus acima de todos os
interesses. Deixou-nos um testemunho de uma vida e consagrada a Deus, uma vida
de virtudes e uma grande devoção a Nossa Senhora. Um testemunho a toda a prova
de que a nossa nação é merecedora duma vida de luta pelos ideais do bem.
Deixou a herança duma nação
independente para seguir o seu rumo.
F. C. - Quais as virtudes e
devoções mais arreigadas no Beato Nuno?
F. F. R. - Esta pergunta
pode-se responder cintando o Cronista Carmelita, Frei José Pereira Santana, mas
como é demasiado longo, apoiar-me-ei nele dizendo que as suas devoções mais
arreigadas eram a Eucaristia e a veneração a Nossa Senhora. Integrado no seu
tempo, comungava as quatro vezes possíveis - Natal, Páscoa, Pentecostes e
Assunção da Virgem. Tal era a veneração pela Eucaristia que participava em duas
Missas diariamente mesmo nas batalhas e aos domingo três. Depois de religioso,
na sua capela privativa passava muitas horas e noites na Adoração do Santíssimo
Sacramento, e em atos de penitência. Quanto à devoção a Nossa Senhora, citemos
o referido cronista // na presença da soberana imagem Maria Senhora Nossa, com
o título da Assunção, derramava copiosas lágrimas: e com elas, melhor o que com
as vozes, lhe expunha as suas súplicas, nas ocasiões que para si ou para os
seus patrocinados lhe pedia favores”.
Outras virtudes vividas na sua vida foram a obediência, a castidade, a
humildade, a caridade e a penitência. Toda a sua vida era impregnada pela
oração,faltando mesmo com o descanso ao corpo para aproveitar da maior parte da
noite orando mental e vocalmente.
F. C. - Como viveu a caridade e
desprendimento?
F. F. R. - A caridade esteve sempre presente na sua vida
particularmente no partilhar tudo o que possuía. O seu desprendimento dos bens
foi até ao extremo distribuindo tudo pelos pobres e pelos seus colegas de armas
e pelas comunidades e igrejas que construiu. Quando entrou no Convento levava
apenas a roupa vestida. Realizou bem em si o que aprendeu de Cristo, que sendo
rico se fez pobre, assumindo a condição de servo’: ele que era senhor de mais
de metade de Portugal.
F. C. - Depreende-se daqui o
que foi a sua vida como religioso?
F. F. R. - Sim. Como religioso, foi um homem de oração intensa.
Exercitou a atenção e o respeito a todos. Foi exemplar na sua vida cristã e
social. Amava intensamente a nação portuguesa, à qual tributava uma
extraordinária fidelidade. Notório o seu zelo pela expansão missionária do
Reino de Deus. Incomparável distribuidor de esmolas pelos pobres à porta do
Convento e pelas suas casas a quem assistia na pobreza e na doença.
F. C. - Ouvi dizer que foi o
fundador do Laicado Carmelita?
F. F. R. - Ele não se preocupava só material e espiritual de todos. Fez uma
confraria do Escapulário do Carmo, a quem pertenceram o Rei D. João I e V.
Duarte e a maioria dos seus companheiros de armas. O objetivo desta confraria
era trabalhar pelo bem das almas, a começar pelas suas. Esta confraria,
passados perto de cem anos, passará a ser a primeira Ordem Terceira, que dá
origem a outras, Ordens Terceiras e se expande por quase todas as cidades,
principalmente no sul. Por isso, é com razão considerado o fundador da
espiritualidade dos leigos na Ordem Carmelita.
F. C. - Quando foi que o povo o
considerou Santo?
F. F. R. - já durante a sua vida, os pobres lhe chamavam ‘Santo’ e
quando os sinos do Carmo anunciaram a morte de Dom Nuno, ouviu-se em Lisboa o
grito ‘morreu o Santo’ ou dimorreu o santinho’. Seis anos depois da sua morte,
já D. Duarte pede ao superior dos Beneditinos em Florença para pedir ao Papa a
organização da sua canonização. D. João IV, em 1641, volta a insistir sobre o
mesmo projeto em Roma. Os milagres começaram a aparecer logo depois da sua
morte. O povo rezava-lhe e já o cronista Carmelita, Frei José Pereira Santana
tem um longo capítulo de milagres obtidos pela sua intercessão. Quando se fez o
processo de culto continuado a partir da sua morte, não foi difícil prová-lo.
Papa Bento XV, como decreto “Clementissímus Deus” de 23 de janeiro de
1918, reconheceu esse culto. Pio XII também o reconheceu, tanto o que desejava
canonizar por Decreto. Em 1940 propõem-no como modelo de todas as tropas mesmo
em batalha.
Para o povo ele já é o Beato Nuno ou o Santo Condestável e com este
título é atualmente o Padroeiro de duas Paróquias, uma em Lisboa e outra em
Bragança.
F. C. - Quais os passos dados a
preparar a sua Canonização?
F. F. R. - Desde o “rescrito” de
Pio XII em que manda tratar-se do processo normal. De 1941 até 1947
trabalhou-se na organização do mesmo que de repente se interrompeu.’Na
celebração do 6’ centenário do seu nascimento um novo impulso se deu com a
visita das relíquias a todas as paróquias. No entanto, esta iniciativa foi
interrompida pelo estalar da guerra no Ultramar Português. Em 2001 foi retomada
a Causa da Canonização que agora chega ao fim com êxito. Os passos propriamente
dados foram a organização dos Processos sobre as virtudes, incluindo os estudos
históricos e o do milagre. Realizados estes e enviados para a Roma e lá
estudados, o Santo Padre em 3 de julho de 2008 assinou os decretos finais, ou
seja, o reconhecimento das virtudes heróicas e a veracidade do milagre. Agora,
no passado dia 21 de Fevereiro o Santo Padre anunciou a cerimônia da
Canonização para o dia 26 de Abril de 2009 na Praça de São Pedro.
F. C. - Acha oportuna esta data
e esta ocasião para a Canonização?
F. F. R. - Acho muito oportuna, pois é sinal de esperança para o
momento de crise que estamos a viver. Quando ele vivia, Portugal passou em
1383-85 a maior crise de sucessão dinástica e de valores nacionais. Nesse
contexto, aparece D. Nuno apontando soluções de fidelidade a Deus, à Igreja e à
moral, Quando é beatificado em 1918, o mundo está a sair da Primeira Guerra
Mundial. Portugal tem de consolidar a República que, anos antes, tinha
começado: Nossa Senhora em Fátima tinha pedido oração, penitência e conversão
para merecermos a paz e proteção de Deus. Hoje a Canonização do Beato Nuno de
Santa Maria é novamente um apelo à seriedade de vida humana, cristã e social,
regida pelos valores do Evangelho.
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