Santa
Edith Stein (Teresa Benedita da Cruz)
Traduzido por José Alberto Pedra
A vida de oração
de Jesus pode ser a chave para compreendermos a oração da Igreja. Vimos que
Cristo participou nas cerimônias públicas e prescritas do seu povo, isto é, participou
daquilo que usualmente denominamos de "liturgia."Ele estabeleceu a
mais íntima relação entre esta liturgia e a oferta de sua própria pessoa e,
também, pela primeira vez deu-lhe o pleno e verdadeiro significado, que é a
ação de graça da criação para o seu Criador. Foi assim que ele fez a liturgia da
Antiga Aliança realizar-se na Nova Aliança.
Mas Jesus não
participou somente das cerimônias públicas e prescritas. Talvez, com mais
freqüência que estas, os evangelhos nos falam de sua oração solitária no
silêncio da noite, no alto das montanhas, no deserto, distante dos homens.
Quarenta dias e quarenta noites em oração precederam a vida pública de Jesus.
Antes de escolher e enviar seus doze apóstolos, Ele retirou-se para rezar na
solidão das montanhas. Com sua oração no monte das oliveiras se preparou para
sua subida ao Calvário. O pedido que fez ao seu Pai, nesta hora que foi a mais
difícil de sua vida, nos é contada em poucas palavras. Palavras que foram dadas
a nós, como estrelas-guia, para nos orientar quando vivemos nosso calvário pessoal:
"Pai, se queres, afasta de mim este cálice! Contudo, não a minha vontade,
mas a tua seja feita!" Como relâmpago, estas palavras iluminaram por um
instante, para nós, a vida espiritual mais íntima de Jesus, o insondável
mistério de sua existência como Deus homem e seu diálogo com o Pai. Este
diálogo foi, certamente, contínuo e durante toda a sua vida.
Cristo rezava
interiormente não somente quando se afastava da multidão, mas também quando
estava entre seu povo. E, uma vez, ele nos permitiu olhar longa e profundamente
este diálogo secreto. Foi pouco antes da hora do Monte das Oliveiras; na
despedida: ao final da última ceia com seus discípulos que foi, como já vimos,
a hora do nascimento da Igreja. "Tendo amado os seus... amou-os até o
fim." Ele sabia que esta era a última vez que estariam juntos, e procurou
dar-lhes tudo o que era possível dar naquele momento.
Ele teve que se
conter para não dizer mais. Certamente sabia que eles não conseguiriam compreender
mais nada, na verdade, eles sequer podiam entender o pouco que já haviam recebido
até aquele momento. Era necessário que o Espírito da Verdade viesse abrir seus olhos
para tudo o que estava acontecendo.
Depois de ter dito e feito tudo o que
podia dizer e fazer, ele ergueu seus olhos para céu e falou para ao Pai diante deles. Nós
chamamos estas palavras de "Oração Sacerdotal" de Jesus. Esta
conversação solitária com Deus também tem antecedente na Antiga Aliança. Uma
vez por ano, no maior e mais santo dos dias, o dia da Reconciliação, o Sumo
Sacerdote entrava no Santo do Santos para, diante da face do Senhor, orar
"em favor de si mesmo, em favor da sua casa e em favor de toda assembleia
de Israel" Aspergia o trono da graça com o sangue de um novilho e de um
carneiro anteriormente imolado e, deste modo, absolvia a ele mesmo e sua casa
"das impurezas dos filhos de Israel e das rebeldias deles, isto é, de todos
os seus pecados. "Ninguém podia estar na tenda (i.e., no lugar santo que
se estendia diante do Santo dos Santos) quando o Sumo Sacerdote ficava na
presença de Deus, neste temível e sublime lugar, neste local onde ninguém, exceto
ele, ingressava e somente naquela hora. Além disso, tinha que queimar incenso
para que "a nuvem perfumada recobrisse o propiciatório ... para que ele
não morresse."Aquele encontro solitário se realizava no segredo mais
profundo.
O Dia de
Reconciliação é, no Antigo Testamento, a figura da sexta-feira santa. O carneiro
imolado pelos pecados do povo representa o Cordeiro imaculado de Deus ( como o
representa, também, aquele outro, que era enviado ao deserto, após ter sido
escolhido pela sorte, para carregar os pecados do povo). E Sumo Sacerdote, da
descendência de Aarão, simbolizava o Sumo e Eterno Sacerdote. Na última ceia
Cristo previu sua morte como sacrifício e pronunciou a Oração Sacerdotal. Ele
não tinha necessidade de oferecer sacrifício para si, pois Ele não tinha
pecados. Ele não tinha que esperar a hora prescrita pela Lei e tampouco entrar
no Santo dos Santos do templo. Ele está, sempre e em todos lugares, diante da
face de Deus; sua alma é o Santo dos Santos, não somente como a morada de Deus,
pois a Ele está unida de modo essencial e indissoluvelmente. Ele não tinha que
se esconder de Deus por trás de uma nuvem protetora de incenso. Ele contempla,
diretamente, a face do Eterno e não tem nada a temer. A visão do Pai não o
mataria. E ele desvela o mistério do reino do Supremo Sacerdote. Todos que a
ele pertencem podem entender como Ele falou ao Pai no Santo dos Santos do Seu
coração; Todos que a Ele pertencem podem ter a mesma experiência, quando
aprenderem falar ao Pai em seus próprio coração.
A oração sacerdotal de Jesus desvela o segredo
da vida interior: unidade íntima das pessoas divinas e habitação de Deus na
alma. Foi, nestas secretas profundezas - no mistério do silêncio - , que a obra
da Redenção foi preparada e se realizou. E é desse modo que continuará até que
todos estejam reunidos, no final dos tempos. A Redenção foi decidida no
silêncio eterno da vida divina. No segredo da silenciosa morada de Nazaré o
poder do Espírito Santo cobriu, com sua sombra, a jovem virgem que orava na
solidão e operou a Encarnação do Redentor. Reunida em torno da Virgem, orando
silenciosamente, a igreja nascente esperou ardentemente a nova efusão do
Espírito que lhe havia sido prometido para a vivificar, para lhe dar luz
interior e tornar fecunda sua ação. Na noite de trevas que Deus pos em seus olhos,
Saulo esperou, orando na solidão, a resposta de Deus para sua pergunta,
"Senhor, o que queres que eu faça?". Foi também, na prece solitária
que Pedro se preparou para sua missão junto aos gentios. Assim, através dos
séculos, os acontecimentos visíveis da história - aqueles que renovam a face da
terra - são preparados, sempre, no diálogo silencioso que as almas consagradas.
Os limites deste
ensaio me impedem de transcrever integralmente a oração sacerdotal de Jesus.
Devo pedir ao leitor que a leia no Evangelho de São João, cap. 17 a Deus mantêm
com o seu Senhor. A Virgem, que guardou em seu coração toda palavra que Deus
lhe enviou, é o exemplo das pessoas que escutam e nas quais a oração sacerdotal
de Jesus revive. E aquelas que, como ela, se entregam totalmente, esquecendo-se
delas mesmas na imitação da vida e paixão de Cristo, são as escolhidas,
preferencialmente, por Deus como instrumentos de suas grandes obras na igreja:
uma Santa Brígida, uma Catarina de Sena, por exemplo.
Quando St.
Teresa, a enérgica reformadora de sua Ordem, na época da grande apostasia, quis
ajudar a igreja, viu a renovação da autêntica vida interior como o meio para
tal fim. Teresa estava muito transtornada pelas notícias do alastramento da
apostasia:"... e, como se pudesse ou valesse alguma coisa, chorava com o
Senhor, suplicando-lhe para remediar tanto mal. Parecia-me que mil vidas daria
eu para salvação de uma só alma das muitas que ali se perdiam.. Sendo mulher e
ruim, senti-me incapaz de trabalhar como desejava para a glória de Deus. Tendo
o Senhor tantos inimigos e tão poucos amigos, toda a minha ânsia era, e ainda
é, que ao menos estes fossem bons. Determinei-me então a fazer este pouquinho a
meu alcance, que é seguir os conselhos evangélicos com toda a perfeição
possível e procurar que estas poucas irmãs aqui enclausuradas fizessem o mesmo.
Confiava na grande bondade de Deus.... E, ocupadas todas em oração pelos
defensores da Igreja, pregadores e letrados que a sustentam, ajudaríamos, no
que estivesse a nosso alcance, a este meu Senhor, tão atribulado por aqueles a
quem fizera tanto bem. Até parece que esses traidores pretendem crucificá-lo de
novo..... Ó minhas Irmãs em Cristo! Ajudai-me a suplicar isto ao Senhor, já que
para este fim vos reuniu aqui. Esta é a vossa vocação." A Teresa parecia
necessário fazer: "...como em tempo de guerra, quando o inimigo invade uma
região. O soberano, em apuros, se recolhe a uma cidade, que fortifica muito
bem. Dali sai para atacar os adversários. Os da cidadela são gente tão
escolhida que podem mais, eles sozinhos, que muitos soldados, se estes são
covardes. Desta maneira muitas vezes conseguem a vitória..... Mas para que vos
digo isto? Para que entendais, minhas irmãs, o que havemos de pedir a Deus. É
que neste pequeno castelo, já guarnecido de bons cristãos, nenhum se bandeie
para os adversários. Que os comandantes deste castelo ou cidade, isto é, os
pregadores e teólogos, se tornem ilustres no caminho do Senhor. Na maior parte
eles pertencem às ordens religiosas, suplicai para que avancem na perfeição
própria de sua vocação, .... Cf. Caminho de perfeição. Cap. 1
Eles são
obrigados a viver entre os homens, a tratar com eles, a estar em palácios, e
ainda algumas vezes a conformar-se exteriormente com as exigências dos
mundanos..... E julgais, minhas filhas, que é preciso pouca virtude para tratar
assim com o mundo, e viver no mundo, e se envolver em negócios do mundo, ... e,
não obstante, ser no íntimo estranhos ao mundo...; em uma palavra: não ser homens,
mas, anjos? Com efeito, se assim não fossem, nem merecem o nome de comandantes,
nem permita o Senhor que saiam de suas celas. Fariam mais mal do que bem. Não é
tempo agora de se verem imperfeições nos que devem ensinar.... Não é com o
mundo que eles têm que negociar? Estejam certos: o mundo nada lhes perdoa, nem
deixa de perceber as menores imperfeições. De muitas obras boas, os mundanos
não farão caso e talvez nem as tenham nesta conta.
Mas faltas ou
imperfeições, não há dúvida, nada escapa! Causa-me espanto: quem lhes ensina a
perfeição? Não para praticá-la - parece-lhes que disto não têm obrigação e
muitos fazem se guardam sofrivelmente os mandamentos - senão para tudo condenar
e, por vezes, considerar comodismo o que é virtude. Não penseis, por
conseguinte, que seja mister pouco favor de Deus para esses soldados
....precisam de grandíssimo auxílio.
Peço-vos, por amor de Deus, rogai a Sua
Majestade que nos atenda. Eu, embora indigna, peço-o a sua majestade, pois é
para sua glória e bem de sua Igreja que estão dirigidos meus desejos.... Se
vossas orações e desejos, disciplinas e jejuns não se empregarem no que deixei
indicado, ficai certas de que não realizais nem cumpris o fim para o qual o
Senhor vos reuniu aqui".
O que levou esta
religiosa, que consagrou à oração décadas de sua vida na cela de um mosteiro,
ao desejo apaixonado de fazer algo para a igreja e à lucidez para discernir as
necessidades e demandas do seu tempo? Precisamente o fato de que ela vivia em oração
e deixou que o Senhor a conduzisse, mais e mais profundamente, em seu
"castelo interior" até que encontrasse àquela morada escura onde ele
poderia lhe dizer, "que já era tempo de tomar como seus os interesses
divinos. Por sua vez, ele cuidaria dos interesses dela.". Foi por isso que
ela não pode fazer outra coisa senão "arder de zelo pelo Senhor, o Deus
dos exércitos" (zelo zelatus sum pro Domino Deo Exercituum) (palavras de
nosso Pai Santo, Elias, que estão presentes como divisas, no brasão de nossa
Ordem). O Caminho de perfeição - Essas duas citações são lidas, por nós, todos
os anos no mês de setembro. Castelo interior ou Moradas - 7,2,1
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