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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Caso de mãe que matou 4 filhos e se suicidou evidencia drama de milhões de miseráveis na China rural.

Vivendo com praticamente nenhum dinheiro, a chinesa Yang Gailan, de 28 anos, decidiu matar os quatro filhos e, em seguida, se suicidou. A decisão radical de Gailan levantou um debate nas redes sociais da China, onde ao menos 80 milhões de pessoas vivem na mais absoluta miséria.
Gailan vivia sozinha com os filhos - três garotas e um menino -, todos menores de sete anos, na aldeia rural de Agu Shan, no noroeste chinês. O pai das crianças, Li Keying, havia migrado para a cidade em busca de trabalho e dinheiro. Ele mandava parte do pouco que ganhava para a família.
A mãe matou os filhos com golpes de facão e, em seguida, ingeriu pesticida. Alguns dias depois, quando o pai chegou e soube da tragédia, também tirou a própria vida.
"Nunca conheci uma família que vivesse em situação de miséria pior que a deles", disse um primo de Li Keying à imprensa chinesa.
Depois da tragédia no povoado Agu Shan, muitas perguntas surgiram na sociedade chinesa, questionando, principalmente, a desigualdade econômica e social do país.
O que levou a mãe a matar os filhos? Por que a família não recebia ajuda estatal? Como as dificuldades que essa família enfrentou refletem a realidade de milhões de chineses que vivem nas zonas rurais? O crescimento econômico do gigante asiático é apenas uma fantasia para milhares de pessoas?

Três vacas e três ovelhas
A família de Gailan Yang não se classificou para receber subsídios do governo porque, apesar de viver na miséria, estava acima da linha de pobreza, segundo critérios definidos pelas autoridades chinesas em 2011 - que usa como base a renda de US$ 1 por dia para definir as famílias elegíveis a auxílios estatais.
Já o Banco Mundial usa como referência a quantia de US$ 1,90 por dia. Se esse critério fosse adotado, o número oficial de pobres na China se multiplicaria. Por isso, autoridades locais criaram um cálculo próprio da linha de pobreza.
Funcionários do governo chinês visitaram a família de Yang Gailan antes da tragédia. Decidiram que ela não teria direito aos auxílios estatais porque possuía três vacas e três ovelhas.
Se os animais fossem vendidos, alegaram os oficiais chineses, a renda da família seria superior a US$ 350 no ano, valor que o governo considera acima da linha de pobreza nas zonas rurais.
Esse critério motivou debates nas redes sociais.
"A linha de pobreza de um dólar por dia é muito radical. A situação de cada família é diferente", disse um acadêmico em debate no Weibo, a versão chinesa do Twitter.

Desespero
Outros preferiram especular sobre a razão que teria levado Yang Gailan a matar seus filhos. Alguns dos relatos abordam o grau de desespero da mãe e questionam a saúde mental dela.
"Note-se, por exemplo, que outros vizinhos foram capazes de reformar suas casas ou construir uma nova, com auxílio estatal. Yang Gailan não conseguia fazer isso por seus filhos", disse Yuwen Wu, editor do serviço chinês da BBC. "Ela não tinha dinheiro para comprar roupas para vestir as crianças e mandá-las à escola."
Se a mãe sofria de algum tipo de problema mental, ela não recebeu qualquer ajuda.
O caso de Yang Gailan é considerado complexo. Além das questões individuais que a fizeram tomar uma atitude extrema e que alimentam o debate sobre políticas sociais chinesas, o episódio traz à tona dificuldades enfrentadas por moradores das zonas rurais.
A pobreza extrema nas áreas rurais da China pode ser considerada um problema nacional.

País dividido
A China, um país de 1,3 bilhão de habitantes, já tirou em números absolutos mais pessoas da miséria do que qualquer outra nação do mundo.
O Banco Mundial estima que desde o início das reformas no mercado de trabalho, em 1978, mais de 800 milhões de pessoas tenham sido beneficiadas naquele país.
Contudo, esse desenvolvimento veio acompanhado de divisões profundas. A costa leste, com suas grandes cidades, é onde as pessoas se beneficiaram mais do crescimento econômico. No resto do território, muitos vivem como se ainda estivessem na década de 1980.

Milhões de pobres nas zonas rurais
Estima-se que a China tenha 120 milhões de pobres, conforme os critérios do próprio país de contabilizar miséria. Deste total, aproximadamente 82 milhões de pessoas vivem nas zonas rurais.
São em sua maioria crianças e idosos, já que os jovens adultos migram para as cidades em busca de trabalho e melhores condições de vida.
"A pobreza ainda é um grande problema na China", declarou Zheng Wenkai, vice-ministro do departamento responsável pela redução da pobreza no país, ao jornal estatal "China Daily". Aproximadamente 200 milhões de chineses, o equivalente a 15% da população, seriam considerados pobres se o país seguisse os padrões internacionais de mensurar pobreza, de acordo com o próprio Zheng.

Em colapso
No últimos anos, a China tem assistido a uma intensa migração das áreas rurais às mais urbanizadas. Estima-se que pelo menos 200 milhões de trabalhadores tenham ido para os grandes centros em busca de trabalho, para ganhar, em média, US$ 200 mensais.
Com o fluxo migratório, 53% da população da China vive em centros urbanos, contra 40% uma década atrás.
Isso significa que ainda há mais de 600 milhões de pessoas em áreas rurais. E muitos vivem em comunidades miseráveis.
Muitos pais, avós e netos vivem separados por enormes distâncias pela falta de trabalho e dinheiro. "Basicamente, a sociedade rural está em estado de colapso. Os moradores se reúnem somente para (celebrar) o Ano-Novo", disse Zhang Ming, historiador da Universidade de Renmin em Pequim, à imprensa britânica. "As aldeias tornaram-se conchas vazias", completou.
Yuwen Wu, da BBC, define como "sombria" a situação da maioria das aldeias rurais. Segundo ele, nas redes sociais é possível ver imagens angustiantes de crianças que caminham horas para ir à escola e de crianças desacompanhadas que cuidam de seus irmãos porque seus pais estão nas cidades trabalhando.

Muitos suicídios e homicídios
Num discurso no ano passado, o presidente da China, Xi Jinping, disse que o governo acabaria com a pobreza nos cinco anos seguintes. A promessa era tirar 70 milhões de pessoas da pobreza até 2020. O presidente chinês, contudo, não especificou o que considera "pobre".
Após a morte de Yang Gailan e sua família, passaram a circular nas redes sociais relatos de que funcionários do governo estariam desviando recursos destinados a pessoas carentes.
Além de fiscalizar como o dinheiro estatal está sendo gasto, observa Yuwen Wu, também é essencial que o governo garanta programas de apoio aos que vivem nas aldeias. "Houve muitos suicídios, homicídios; é preciso de algum tipo de serviço de assistência para a saúde mental dessas pessoas".
As mortes, segundo ele, não se devem apenas à pobreza, mas à falta de esperança e perspectiva dessas pessoas.
"Se você não vê uma saída e se sua saúde mental é afetada por essa pressão, de uma forma ou de outra, medidas extremas são tomadas", afirma Wu.




NOSSA SENHORA DA PIEDADE: Ilha da Gipóia.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

TERESA DE CALCUTÁ: Um olhar de Caridade.

TERESA DE CALCUTÁ: Missa de Ação de Graças-02.

TERESA DE CALCUTÁ: Missa de Ação de Graças-02.

TERESA DE CALCUTÁ: Missa de Ação de Graças-01.

ELEIÇÕES-2016: Perguntar não ofende-36.

LEVANTAR COM DOIS PROFETAS: Elias e Tito Brandsma.

FICA COMIGO JESUS: Beato Frei Tito Brandsma.

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

OLHAR SOBRE O CARMELO: Surgimento e evolução da Segunda e Terceira Ordem.

Quando falamos aqui de ‘Terceira Ordem’ referimo-nos a pessoas que vivem o carisma carmelitano exatamente na sua condição de leigo ou leiga. Globalmente podemos distinguir três fases evolutivas. Antes de descrevê-las convém dizer que o assunto é um tanto complexo, pelo fato de serem as datas às vezes confusas, imprecisas e localmente situadas. Corremos, assim, o risco de introduzir generalizações que, na realidade, se referem a fatos de um determinado tempo ou área geográfica específica.
Já nos inícios da história carmelitana, encontramos os chamados oblatos, leigos que, de uma ou outra forma, fazem parte da família do Carmo. Em certos casos chegam a fazer uma verdadeira profissão religiosa, ‘doando-se’ — se et sua  (a si mesmo com seus bens) — à Ordem, representada pelo seu legítimo superior. Em tese podem ser tanto homens quanto mulheres, mas, na realidade, predominam largamente as leigas.  Normalmente vivem em casas separadas e vestem um hábito semelhante a dos frades, daí a denominação manteladas. Outros nomes dizem respeito a casos mais ou menos idênticos: oblatas, conversas, beatas, pinzocheras, beguínas, terciárias. Todas dependiam de um determinado convento e não formam grupos homogêneas.
Em maio de 1452, reuniu-se, na cidade de Colônia, o Capítulo Provincial da Alemanha Inferior, sob a presidência do Geral da Ordem, Frei João Soreth (1451-1471). Poucos meses antes, o Legado do Papa para a Alemanha e regiões vizinhas, Nicolau Krebs ou Nicolau de Cusa (1401-1564), apaixonado defensor da unidade da Igreja, exatamente numa época de muitas divisões, decorrentes do Cisma Ocidental (1378-1417), decretara que comunidades de mulheres consagradas, não dotadas de uma Regra aprovada pela Santa Sé, deveriam obtê-la ou unir-se a alguma Ordem Religiosa já existente. Caso não obedecessem seriam extintas!
Nesse contexto devemos situar o pedido das beguinas de Geldre, na Diocese de Colônia, apresentado no mencionado Capítulo Provincial. Na realidade, essas mulheres piedosas já mantinham contatos com os Freis Carmelitas desde que chegaram à freguesia onde se localizava a sua casa, em princípios do século XIV. Certo é que estavam sob a direção dos Carmelitas a partir de 1360, sem que seguissem uma Regra específica.
A solicitação das beguínas foi acolhida favoravelmente pelo Prior geral (10-5-1452), que encarregou o superior do convento de Geldre para efetuar a incorporação do grupo com a profissão religiosa, a fim de que vivessem regulariter como verdadeiras Carmelitas.
Na realidade, o ato de Soreth precedeu a Bula Cum Nulla (7-10-1452), de Nicolau V, com cinco meses! Numa carta às ex-beguínas de Geldre (14-10-1453), agora ‘monjas carmelitas’, o Geral ratificou sua decisão de maio do ano anterior, apoiando-se na Bula mencionada, transcrevendo, inclusive, o próprio texto daquele documento pontifício.
Foi o mesmo Prior geral que, após ter aceito as beguínas de Geldre, providenciou a incorporação de outras comunidades de ‘mulheres devotas’, como as de Nieukerk (Holanda), Dinant (Bélgica) e, provavelmente, ainda outras.
Nessa mesma época houve na Itália também aproximações de  algumas comunidades de pinzocheras à Ordem do Carmo. O caso de Florença é típico e daria origem ao célebre mosteiro de Santa Maria dos Anjos, onde viveu Santa Madalena de Pazzi (1566-1607), dotada com extraordinárias experiências místicas.
Os estudiosos não estão concordes quanto à origem da Bula Cum Nulla. A final de contas quem é que a pediu ao Papa? Há os que defendem a tese que a iniciativa partiu das ‘agregadas’ italianas, particularmente as de Florença. Muitas delas viviam nas suas próprias residências ‘como se fossem carmelitas’! Por volta de 1450 surgiu em Florença à ideia de acolher essas mulheres piedosas numa casa ‘de vida em comum’. O projeto da construção desse convento ficou pronto em 1452. É nessas alturas que teriam enviado a Roma uma representação para ‘garantir’ seus direitos como religiosas, o que resultaria na Bula Cum Nulla.
A questão continua em aberto. Frei Vital Wilderink, na sua tese de doutorado, aborda essa temática e chega às conclusões que resumimos em seguida.
Deixando de lado aspetos mais diretamente jurídicas e organizativas, é indiscutível que os conventos femininos fundados por Soreth se distinguem notoriamente dos cenóbios encontrados na Itália e na Espanha. Efetivamente, as fundações localizadas na Alemanha, nos Países Baixos (Holanda e Bélgica de hoje) e na França, constituíam uma unidade, formando uma verdadeira Família com uma mesma orientação e idêntico programa de vida.
Sabemos que, desde que sua eleição como Geral, João Soreth se empenhara na obra de reforma da sua Ordem, toda ela centrada na ‘observância regular’. A criação de conventos femininos está nesta mesma linha de ação. É bem possível que o caso das beguínas de Geldre ofereceu a Soreth  a oportunidade para ampliar sua visão no sentido de dar início a um verdadeiro ‘ramo feminino’ da Ordem do Carmo. É fato comprovado que o Geral colocou essas iniciativas sob sua direta jurisdição ou as confiou a Carmelitas ‘já reformados’. Os mosteiros de ‘monjas carmelitas’ tornaram-se logo centros de irradiação espiritual e laboratórios da reforma desejada por Soreth. A vida em comum, o Ofício coral, a estrita observância com a clausura rígida dão prova disso. Podemos até dizer que as ‘carmelitas de Soreth’ anteciparam em um século as reformas introduzidas pelo Concílio de Trento (1545-1563) e suas aplicações concretas no pontificado de São Pio V (1566-1572).
Frei João Soreth — afirma Dom Vital Wilderink (23) — pode ser reconhecido como o ‘fundador’ das Carmelitas na medida em que tenha sido o ‘reformador’ da Ordem do Carmo. O fato de sua obra reformadora ter tido pouca penetração nas regiões ao sul dos Alpes d e dos Pireneus, fez com que se dedicasse inteiramente às fundações nórdicas. Graças a seu empenho e santa teimosia, o ramo feminino do Carmo — a ‘Segunda Ordem’ — pode nascer e consolidar-se, pois foi ele que o concebeu, inspirou e organizou, inclusive com o indispensável embasamento jurídico que, mais tarde, seria adotado também em outras regiões antes avessas à sua reforma.
O Prior-geral Soreth gostava de dizer que a primeira preocupação das monjas carmelitas é honrar fielmente a Mãe de Deus, considerando-se como verdadeiras ‘Filhas de Nossa Senhora’ a quem têm por Prioresa de seus mosteiros. Maria é vista como guia de perfeição mística e modelo de pureza. Na vida espiritual é ela que conduz a monja ao seu divino Filho e à própria Santíssima Trindade (ver os ensinamentos de Santa Maria Madalena de Pazzi).
Enquanto lentamente se vai afirmando o que constituirá a “Segunda Ordem” ou Sancti Moniales (monjas de estrita clausura), as pinzocheras ‘de profissão solene’ continuaram a ser bastante numerosas na Itália e na Espanha sem, no entanto, levarem uma vida comum. Ocupam, de fato, o terceiro lugar na hierarquia da Ordem, após os religiosos e as monjas. Por este motivo foram chamadas, em alguns lugares, de terciárias mas, na realidade, eram ‘verdadeiras religiosas’, agregadas — pelos seus ‘votos solenes’ — a um convento masculino ou mosteiro feminino da Ordem. Pio V, querendo clarificar certas confusões reinantes, declarou que a Igreja doravante negaria o ‘caráter solene’ aos votos de pinzocheras que não vivessem em clausura. Acontece que, segundo as leis em vigor naquele tempo, só as terciárias ‘continentes’, portanto com voto de virgindade — o que excluía expressamente os laços matrimoniais — possuíam plenamente os privilégios da Ordem terceira. As não-continentes (as casadas) foram relegadas a um plano inferior, semelhante a das coirmãs da Ordem, ou seja aquelas que não tinham feita profissão religiosa e, por isso, consideradas ‘seculares’, não obstante certos compromissos espirituais as ligassem à Ordem. Essas últimas tornaram-se a variante feminina dos confrades ‘de capa branca’ com regras próprias que, na Espanha, ao que tudo indica, eram conhecidos também por “terceiros’.
Em suma, “quanto à origem da Ordem Terceira, podemos aceitar como um fato histórico, que a Ordem Terceira do Carmo. No seu sentido geral como é conhecida hoje, não existia antes de 1476. Os Carmelitas, embora tivessem a direção espiritual de numerosos grupos de pessoas desejosas de uma vida mais perfeita, não possuíam o direto de agregar tais grupos à Ordem.
A Bula Cum Nulla, de 1452, conferiu apenas a licença de unir à Ordem mulheres que vivessem em castidade. Não se tratava, pois, de uma permissão de fundar Ordens Terceiras em geral, que incluíssem homens e mulheres casados. Essa faculdade só veio na Bula Dum Attenta (1476), quando a licença de agregação foi estendida a quaisquer grupos de pessoas, casadas ou não, homens ou mulheres. Esta Bula significa verdadeiramente o início da Ordem Terceira Carmelita, ao menos em teoria. Pois, há em tudo isto a considerar uma circunstância particular: as outras Ordens Terceiras foram confirmadas depois de já existirem. A Ordem Terceira do Carmo, porém, teve a sua licença jurídica antes de ser organizada! Na prática, ela continuou durante mais de cem anos restrita a mulheres com o voto expresso de castidade perfeita.” (24)
Em fins do século XVI, constatamos na Ordem a existência de quatro grupos distintos: os frades, as monjas, mulheres continentes com voto explícito de castidade (impropriamente chamadas de ‘terceiras’), coirmãs e confrades da Ordem, a quem pode ser conferida, com razão, a qualificação de ‘terceiros’. Além desses grupos havia, desde o século XIV, um outro tipo de agregação: as ‘Confrarias da Madonna’. Algumas se limitam a viver na sombra das igrejas dos Carmelitas, outras assumem o escapulário como distintivo da Ordem, particularmente após as supostas visões de São Simão Stock de que falaremos em seguida.
No decorrer do tempo esvaem-se características específicas entre os vários grupos, gerando não poucas confusões. O Prior-geral Teodoro Straccio (1632-1642) procurou resolver a questão com uma dupla intervenção: agregou, em 1637, à Ordem terceira todos os confrades e coirmãs com votos de obediência e de castidade ‘segundo o próprio estado’, colocando, em 1540, todos os outros na Confraria do Escapulário.

Finalmente, no decurso do século XVIII, surge uma nova modalidade de agregação: Irmãs Terceiras, reunidas em verdadeiras Congregações de Terceiras Regulares de vida apostólica e missionária. Estas famílias religiosas tiveram grande florescimento, unindo formas específicas de serviço eclesial ao carisma e à espiritualidade do Carmo.

terça-feira, 6 de setembro de 2016

A carta de Lula ao Papa Francisco.

Lula, ex-presidente da República, escreve ao Papa: "é um golpe político para apossar-se do patrimônio nacional – como já começa a acontecer com as reservas petrolíferas em águas profundas – e desmontar a rede de proteção aos trabalhadores e aos pobres que foi ampliada e consolidada nos últimos treze anos". A íntegra da carta, em português, foi também enviada com a tradução espanhola.

Eis a carta.
Vossa Santidade
Papa Francisco
São Paulo, 30 de agosto de 2016.
Santíssimo Padre,
Dirijo-me a Vossa Santidade para informá-lo da gravíssima situação política e institucional que vive o Brasil, país que tive a honra de presidir de 2003 a 2010.
Tomo a liberdade de escrever-lhe considerando o respeito e a amizade que Vossa Santidade tem pelo Brasil, pelos quais somos todos imensamente gratos.
Orgulho-me de ter conseguido, apesar da complexidade inerente às grandes democracias e dos problemas crônicos do Brasil, unir o meu país em torno de um projeto de desenvolvimento econômico com inclusão social, que nos fez dar um verdadeiro salto histórico em termos de crescimento produtivo, geração de empregos, distribuição de renda, combate à pobreza e ampliação das oportunidades educacionais.
Por meios pacíficos e democráticos, fomos capazes de tirar o Brasil do mapa da fome no mundo elaborado pela ONU, libertamos da miséria mais de 35 milhões de pessoas, que viviam em condições desumanas, e elevamos outras 40 milhões a patamares médios de renda e consumo, no maior processo de mobilidade social da nossa história.
Em 2010, como se sabe, fui sucedido pela Presidenta Dilma Rousseff, também do Partido dos Trabalhadores, que havia dedicado sua vida à luta contra a ditadura militar, pela democracia e pelos direitos da população pobre do nosso país.
Mesmo enfrentando um cenário econômico internacional adverso, a Presidenta Dilma conseguiu manter o país no rumo do desenvolvimento e consolidar os programas sociais emancipadores, prosseguindo na redução das enormes desigualdades materiais e culturais ainda existentes na sociedade brasileira.
Em 2014, a Presidenta Dilma foi reeleita com 54 milhões de votos, derrotando uma poderosa coalizão de partidos, empresas e meios de comunicação que pregava o retrocesso histórico do país, com a redução de importantes programas de inclusão social, a supressão de direitos básicos das classes populares e a alienação do patrimônio público construído com o sacrifício de inúmeras gerações de brasileiros.
A coalizão adversária, vencida nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014, não se conformou com a derrota e desde a proclamação do resultado procurou impugná-lo por todos os meios legais, sem alcançar nenhum êxito.
Esgotados os recursos legais, no entanto, em vez de acatar a decisão soberana do eleitorado, retomando o seu legítimo trabalho de oposição e preparando-se para disputar o próximo pleito presidencial – como o PT sempre fez nas eleições que perdeu –, os partidos derrotados e os grandes grupos de mídia insurgiram-se contra as próprias regras do regime democrático, passando a sabotar o governo e a conspirar para apossar-se do poder por meios ilegítimos.
Ao longo de todo o ano de 2015, torpedearam de modo sistemático os esforços do governo para redefinir a política econômica no sentido de resistir ao crescente impacto da crise internacional e recuperar o crescimento sustentável. Criaram um clima artificial de impasse político e institucional, com efeitos profundamente danosos sobre a vida do país, contaminando o ambiente de negócios, deixando inseguros produtores e consumidores, constrangendo as decisões de investimento. No afã de inviabilizar o governo, apostaram contra o país, chegando até mesmo a aprovar no parlamento um conjunto de medidas perdulárias e irresponsáveis destinadas a comprometer a estabilidade fiscal.
E, finalmente, não hesitaram em deflagrar um processo de impeachment inconstitucional e completamente arbitrário contra a Presidenta da República.
Dilma Rousseff é uma mulher íntegra, cuja honestidade pessoal e pública é reconhecida até pelos seus adversários mais ferrenhos. Nunca foi nem está sendo acusada de nenhum ato de corrupção. Nada em sua ação governamental pode justificar, sequer remotamente, um processo de cassação do mandato que o povo brasileiro livremente lhe conferiu.
A Constituição brasileira é categórica a esse respeito: sem a existência de crime de responsabilidade, não pode haver impeachment. E não há nenhum – absolutamente nenhum – ato da Presidenta Dilma que possa ser caracterizado como crime de responsabilidade. Os procedimentos contábeis utilizados como pretexto para a destituição da Presidenta são idênticos aos adotados por todos os governos anteriores e pelo próprio vice-presidente Michel Temer nas ocasiões em que este substituiu a Presidenta por razão de viagem. E nunca foram motivo de punição aos governantes, muito menos justificativa para derrubá-los. Trata-se, portanto, de um processo estritamente político, o que fere frontalmente a Constituição e as regras do sistema presidencialista, no qual é o povo que escolhe diretamente o Chefe de Estado e de Governo a cada quatro anos.
As forças conservadoras querem obter por meios escusos aquilo que não conseguiram democraticamente: impedir a continuidade e o avanço do projeto de desenvolvimento e inclusão social liderado pelo PT, impondo ao país o programa político e econômico derrotado nas urnas.
Querem a todo custo comandar o Estado para apossar-se do patrimônio nacional – como já começa a acontecer com as reservas petrolíferas em águas profundas – e desmontar a rede de proteção aos trabalhadores e aos pobres que foi ampliada e consolidada nos últimos treze anos.
As mesmas forças que tentam arbitrariamente derrubar a Presidenta Dilma, e implantar a sua agenda antipopular, querem também criminalizar os movimentos sociais e, sobretudo, um dos maiores partidos de esquerda democrática da América Latina, que é o PT. E não se trata de mera retórica autoritária: o PSDB, principal partido de oposição, já apresentou formalmente uma proposta de cancelamento do registro do PT, com vistas a proibi-lo de existir. Temem que, em 2018, em eleições livres, o povo brasileiro volte a me eleger Presidente da República, para resgatar o projeto democrático e popular.
A luta contra a corrupção, que é uma mazela secular do Brasil e de tantos outros países, e deve ser combatida de modo permanente por todos os governos, foi distorcida e transformada em uma implacável perseguição midiática e política ao PT. Denuncias contra líderes de partidos conservadores são sistematicamente abafadas e arquivadas enquanto acusações semelhantes a qualquer personalidade do PT tornam-se de imediato, à revelia do devido processo legal, condenação irrevogável na maior parte dos meios de comunicação.
A verdade é que o combate à corrupção no Brasil passou a ser muito mais vigoroso e eficaz a partir dos governos do PT, com o respeito, que antes não existia, à plena autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal no exercício de suas atribuições; a ampliação do orçamento, do quadro de funcionários e a modernização tecnológica dessas instituições e dos demais órgãos de controle; a nova lei de acesso à informação e a divulgação das contas públicas na internet; os acordos de cooperação internacional no enfrentamento da corrupção; e o estabelecimento de punições muito mais rigorosas para corruptos e membros de organizações criminosas.
Todos nós, democratas, interessados no aperfeiçoamento institucional do país, apoiamos o combate à corrupção. As pessoas que comprovadamente tiverem cometido crimes, devem pagar por eles, dentro da lei. Mas os juízes, promotores e policiais também estão obrigados a cumprir a lei e não podem abusar do seu poder contra os direitos dos cidadãos. As pessoas não podem ser publicamente condenadas (e terem a sua reputação destruída) antes da conclusão do devido processo legal, e menos ainda por meio do vazamento deliberado de informações praticado pelas próprias autoridades com fins políticos. Uma justiça discriminatória e partidarizada será fatalmente uma justiça injusta.
Eu, pessoalmente, não temo nenhuma investigação. Desde que iniciei a minha trajetória política e, particularmente nos últimos dois anos, tive toda a minha vida pública e familiar devassada – viagens, telefonemas, sigilo fiscal e bancário –, fui alvo de todo o tipo de insinuações, mentiras e ataques publicados como verdade absoluta pela grande mídia, sem que tenha sido encontrado qualquer desvio na minha conduta ou prova de envolvimento em qualquer ato irregular. Se a justiça for imparcial, as acusações contra mim jamais prosperarão. O que não posso aceitar são os atos de flagrante ilegalidade e parcialidade praticados contra mim e meus familiares por autoridades policiais e judiciárias.
É inadmissível a divulgação na tv de conversas telefônicas sem nenhum conteúdo político, a coação de presos para fazerem denúncias mentirosas contra mim em troca da liberdade, ou a condução forçada, completamente ilegal, ocorrida em março último, para prestar depoimento do qual eu sequer tinha sido notificado.
Por isso, meus advogados entraram com uma representação no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, relatando os abusos cometidos por algumas autoridades judiciais que querem a todo custo me eliminar da vida política do país.
A minha trajetória de mais de 40 anos de militância democrática, que começou na resistência sindical durante os anos sombrios da ditadura, prosseguiu no esforço cotidiano de conscientizar e organizar a sociedade brasileira pela base, até ser eleito como o primeiro Presidente da República de origem operária, é o meu maior patrimônio e a ele ninguém me fará renunciar. Os vínculos de fraternidade que construí com os brasileiros e brasileiras na cidade e no campo, nas favelas e nas fábricas, nas igrejas, nas escolas e universidades, e che levaram a maioria do nosso povo a apoiar o vitorioso projeto de inclusão social e promoção da dignidade humana, não serão cancelados por nenhum tipo de arbitrariedade. Da mesma forma, nada me fará abrir mão, como sabem as lideranças de todo o mundo com as quais trabalhei em harmonia e estreita cooperação  - antes, durante e depois dos meus mandatos presidenciais - do compromisso de vida com a construção de um mundo sem guerras, sem fome, com mais prosperidade e justiça para todos.
Agradeço desde já a generosa atenção que Vossa Santidade dedicou a esta mensagem e coloco-me à disposição, como sempre estive, para qualquer esclarecimento ou reflexão de interesse comum.
Reiterando o meu respeito e consideração, despeço-me fraternalmente.

Luiz Inácio Lula da Silva. Fonte: http://ihu.unisinos.br

*ORDEM TERCEIRA DO CARMO: Vida de oração.

36 - Os leigos Carmelitas seguem uma intensa vida de oração, centrada no diálogo pessoal, com o Senhor, verdadeiro amigo da humanidade. Como diz Sta. Teresa de Jesus: “A oração nada mais é do que uma relação íntima de amizade...com Aquele que nos ama”. A oração pessoal e comunitária, litúrgica e informal constituiu o tecido da relação pessoal com Deus-Trindade, que anima inteiramente a existência do leigo Carmelita. Na oração “o essencial não consiste tanto no muito pensar, mas antes no muito amar”; e então, mais do que um exercício, trata-se de uma postura, que implica o reconhecimento da mão de Deus, a disponibilidade de acolher o amor gratuito como dom, não só habitual mas atual , implica uma consciência sempre mais profunda da ação de Deus que permeia toda a existência humana, como testemunha Santa Teresa do Menino Jesus. “A oração é vida e não um oásis no deserto da vida”, dizia o B. Tito Brandsma.  João Paulo II confirma dizendo que, no Carmelo “a oração se toma vida e a vida floresce em oração”.
37 - A vida sacramental centrada na Eucaristia constituiu a fonte da vida espiritual.  O leigos Carmelitas são chamados a uma intensa frequência aos sacramentos: segundo as possibilidades, aproximem-se diariamente do sacrifício do altar e do banquete da vida, no qual a Igreja encontra a sua inteira riqueza, “ou seja o próprio Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo” recebam regularmente o perdão dos pecados e a graça para continuar o caminho; se casados, vivam com intensidade e novidade cristã a própria vocação à santidade matrimonial.
38 - A Liturgia das Horas constitui o apelo diário à graça que brota da Eucaristia e alimenta o autêntico encontro com Deus. Os leigos Carmelitas podem, segundo as suas condições, celebrar pelo menos Laudes, Vésperas e Completas. Lugares e circunstâncias concretas poderão indicar outras eventuais formas de oração litúrgica. Inspirados por Maria, os leigos Carmelitas desejam tomar atual a obra salvífica de Jesus no espaço e no tempo, também através da celebração dos mistérios divinos.   Maria convida-nos a celebrar a liturgia com disposições e posturas iguais às suas: pôr em prática a Palavra de Deus e meditá-la com amor, louvar a Deus com entusiasmo e agradecer-lhe com alegria, servir a Ele e aos irmãos com generosidade ao ponto de dar a própria vida por eles, orar ao Senhor com fé e perseverança, esperar vigilantes a Sua vinda.
39-. A vida espiritual não se esgota apenas na liturgia. Muito embora chamado à oração comunitária, o cristão deve sempre entrar em seu quarto para rezar ao Pai em segredo; aliás, segundo o ensinamento de Cristo reforçado pelo Apóstolo, deve orar incessantemente. Os leigos Carmelitas, segundo a permanente tradição do Carmelo cultivam em grau máximo a oração em suas várias formas.   Devem conceder uma especial atenção à escuta orante e obediente da Palavra de Deus: a “Lectio divina” envolve e transforma toda a existência do homem de fé. Também tiveram sempre um grande espaço na tradição Carmelita, a oração mental, o exercício da presença de Deus, a oração aspirativa, a oração silenciosa e outras eventuais práticas devocionais.
40 - Os leigos Carmelitas trazem com grande veneração o Santo Escapulário, símbolo da caridade maternal de Maria, que, tomando a iniciativa, guarda os irmãos e irmãs Carmelitas no coração e desperta neles o desejo de imitar as suas virtudes: caridade universal, amor à oração, humildade, pureza, modéstia. Quem usa o Escapulário é chamado a revestir-se interiormente de Cristo, para manifestar em sua vida a presença salvífica em favor da Igreja e da humanidade. O Escapulário, além de recordar a proteção que Maria nos concede ao longo de toda a existência, e também no trânsito definitivo até a plenitude na glória, recorda-nos que a devoção Mariana, mais do que um conjunto de práticas piedosas, é um verdadeiro “hábito, ou seja, uma orientação permanente da própria conduta cristã”.
41 - Reunidos por Maria, como os discípulos no Cenáculo, os leigos Carmelitas encontram-se também para louvar a Deus nos mistérios da vida do Senhor e da própria Virgem Maria: a prática piedosa do Santo Rosário, pode tornar-se uma fonte inexaurível de verdadeira espiritualidade para alimento da vida quotidiana.

*Da Regra da Ordem Terceira do Carmo.

*ORDEM TERCEIRA DO CARMO: Vida fraterna.

54 - A Ordem Terceira do Carmo se divide em comunidades, comumente chamadas Fraternidades ou Sodalícios, os quais são dirigidos pelos seus próprios membros segundo as normas contidas nesta Regra e nos Estatutos de cada Sodalício, sob a mais alta direção do Superior da Ordem ou dos seus delegados.
55 - Alguns membros da Ordem Terceira do Carmo, segundo uma antiga tradição, são chamados a viver em comunidades de vida reguladas pelos estatutos particulares.
56 - As comunidades são erigidas canonicamente pelo Prior Geral da Ordem com o consenso de seu Conselho, com o prévio consentimento do Prior Provincial e do Bispo diocesano; para a ereção de uma casa da Ordem vale também para a ereção de um Sodalício da Ordem Terceira, junto à mesma casa ou à Igreja anexa.

*Da Regra da Ordem Terceira do Carmo.

*ORDEM TERCEIRA DO CARMO: Participação na missão de Jesus

24 - Pelo Batismo os leigos Carmelitas tornam-se participantes da missão de Jesus Cristo, dando-lhe continuidade na Igreja, tomando-se assim como que “uma humanidade de acréscimo”, que se transforma em “louvor da sua glória”. Aos seculares é reconhecida “uma participação própria e absolutamente necessária nesta missão.
25 - Em virtude do sacerdócio batismal e dos carismas recebidos, os Seculares Carmelitas são chamados à edificação da comunidade eclesial participando “consciente, ativa e fecundamente”, na vida litúrgica da comunidade e empenhando-se para que a celebração se prolongue na vida concreta. Significa dizer que os frutos de seu encontro com Deus se manifestam em todas as suas atividades, orações e iniciativas apostólicas, no repouso espiritual e corporal e até mesmo nas próprias privações da vida, quando suportadas com paciência e - como nos ensinam os santos Carmelitas - acolhidas de coração aberto.
26 - Com a participação no múnus profético de Cristo e da Igreja o terceiro empenha-se, nas diversas profissões e atividades seculares, por assimilar o Evangelho na fé, anunciando-o por meio de suas obras. O seu empenho chega ao ponto de denunciar o mal com coragem é sem vacilar.  Além disso, é chamado a participar seja no sentido da fé sobrenatural da Igreja, que não pode errar em matéria de fé, seja na graça da Palavra.
27 - Pela sua pertença a Cristo, Senhor e Rei do universo, o terceiro participa de seu múnus real pelo qual é chamado ao serviço do Reino de Deus e a sua expansão na história. A realeza de Cristo implica, antes de tudo, um combate espiritual a vencer em nós mesmos a tirania do pecado. Mediante a doação de nós mesmos, empenhamo-nos em servir, na justiça e na caridade, ao próprio Jesus presente em todos os irmãos e irmãs, e sobretudo nos pequeninos e marginalizados. Isto significa dar à criação todo o seu valor originário. Ao conduzir as criaturas ao verdadeiro bem da humanidade com uma atividade fruto da vida de graça, o terceiro participa no exercício do poder com o qual Jesus Ressuscitado atrai a si todas as coisas.

*Da Regra da Ordem Terceira do Carmo.

quinta-feira, 18 de agosto de 2016

EU VOU COMPRAR O SEU VOTO! Frei Petrônio de Miranda.

A Igreja e a Política – Eleições 2016

Dom Sérgio Aparecido Colombo, Bispo de Bragança Paulista

sexta-feira, 12 de agosto de 2016

A FÉ QUE MOVE AS CIDADES

No país, 334 municípios recebem 18 milhões de turistas religiosos, mas desenvolvimento local deixa a desejar.

PALMELO, ABADIÂNIA, JUAZEIRO DO NORTE E TRINDADE - É com a convicção de que a fé não costuma falhar que milhões de pessoas arrumam as malas todos os anos e visitam as várias cidades, de todas as fés, espalhadas pelo país. Dados do Ministério do Turismo mostram que existem pelo menos 18 milhões de turistas religiosos domésticos no Brasil, três vezes o volume de cerca de 6 milhões de pessoas que passam por ano pela Capela Sistina, no Vaticano. Só de estrangeiros, pelo menos 30 mil pessoas vêm ao país para este fim. São pelo menos 334 municípios em todo o território nacional que atraem esse tipo de movimento ao menos em uma época do ano. Em muitos, a população chega a dobrar em um único fim de semana.
A fé que move curiosos e peregrinos move também muitos municípios e sustenta famílias inteiras. Em cidades como Aparecida, em São Paulo, símbolo maior desse tipo de turismo no país, o Ministério do Turismo estima que os dez milhões de visitantes deixam, a cada ida à cidade, cerca de R$ 1.200, o equivalente a R$ 12 bilhões por ano. Não à toa, a economia dessas cidades se expandiu, nos últimos anos, a níveis muito superiores ao crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Entre 2000 e 2013 (último dado disponível) o PIB de Juazeiro do Norte, no Ceará, por exemplo, avançou 579,5% (a preços correntes). Nesse mesmo período, a economia brasileira cresceu 329%. Mesmo assim, a falta de um programa estruturado para aproveitar o alto fluxo de pessoas ainda impede que muitas dessas cidades, de fato, se desenvolvam economicamente.
O GLOBO percorreu cinco municípios que respiram fé e têm a religião como principal — e em alguns casos, exclusivo — motor da economia: a gigante Aparecida, em São Paulo; a Juazeiro do Norte de Padre Cícero, no Ceará; e as cidades goianas de Trindade, da festa do Divino Pai Eterno; Abadiânia, onde o médium João de Deus atrai 240 mil brasileiros e, sobretudo, estrangeiros por ano; e Palmelo, que com 2,4 mil habitantes se declara um município espírita. Juntos, esses locais atraem quase 16 milhões de pessoas por ano.

Segundo o Ministério do Turismo, há mais de 18 milhões de turistas religiosos domésticos no Brasil: três vezes mais do que os cerca de 6 milhões de visitantes que passam pela Capela Sistina, no Vaticano, por ano.

UNIFORME BRANCO E GRINGOS EM CASAS ESPÍRITAS

PALMELO E ABADIÂNIA (GO) - “Por que você acha que os hospitais estão sempre tão cheios? Nem todas as doenças são do corpo, tem doenças que vêm da alma, do espírito”. A frase é de Maria Nazaré de Jesus, de 60 anos, mas a crença é a mesma que move milhares de brasileiros a visitar médiuns ao redor do país em busca de cura para problemas físicos, emocionais e espirituais. Cravadas no interior de Goiás, as cidades de Palmelo e Abadiânia atraem, mensalmente, cerca de 22 mil pessoas. Para abarcar o fluxo de turistas, os municípios investiram em estrutura e hoje têm números comparáveis às grandes cidades do estado. Invadida por estrangeiros todas as semanas, Abadiânia, por exemplo, tem, com apenas 16 mil habitantes, 80 pousadas e 66 licenças de táxi.
Para se ter ideia, o Produto Interno Bruto (PIB) de Abadiânia cresceu 773% entre 2000 e 2013. Em Palmelo, a economia saltou 247,3%. No mesmo período, a capital Goiânia teve um incremento de 411% nesse indicador. Os turistas – nacionais e estrangeiros -, que lotam pequenas cidades como essas Brasil afora, querem conforto para as angústias, uma carta de quem já se foi e, sobretudo, a cura do que já desacreditaram os médicos convencionais. Focados em realizar as chamadas cirurgias espirituais, eles se instalam por vários dias. Alguns chegam a se mudar temporariamente.
Nazaré, a autora da frase que inicia essa matéria, e a irmã Maria Madalena da Costa Soares, 55 anos, por exemplo, montaram suas próprias pousadas em Palmelo, de olho no fluxo crescente de pessoas que descobrem a pequena cidade que se autointitula um município espírita. De fato, mais de 60% dos 2.400 moradores são seguidores da religião, segundo a prefeitura. No local, os médiuns são contados às centenas: o presidente do centro espírita Luz da Verdade, Barsanulfo Zaruh, calcula que hoje existam 350.
Nos meses de férias, a população da cidade quase dobra com a circulação de turistas que procuram na fé a cura ou o conforto: cerca de mil pessoas passam, por mês, pela cidade. Elas não vêm para um único dia. Ficam dez. Esse é o mínimo para quem busca as cirurgias. Sem quartos suficientes para atender a demanda nos períodos de pico, Nazaré e Madalena tiveram que ampliar seus estabelecimentos e contam que as pousadas da região seguiram o mesmo caminho.
– A cidade é movida pelo centro — afirma Madalena.

BUSCA POR TRATAMENTO E INFORMAÇÃO

Em uma proporção muito maior, a cidade de Alexânia movimenta 20 mil pessoas todo mês. O médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, colocou o pequeno município de 16 mil habitantes no interior de Goiás no mapa mundial. Na mística rua onde fica a casa Dom Inácio de Loyola, escutar inglês, espanhol ou francês é quase tão comum quanto o português. O movimento é tanto que há tradutores para as principais línguas durante os atendimentos na casa e os cardápios e letreiros pelas ruas são bilíngues ou completamente em inglês. A fama do médium rodou o mundo e trouxe à cidade grandes nomes como a apresentadora Oprah Winfrey e a modelo Naomi Campbel.
Entre as celebridades nacionais, a lista inclui além de personalidades como Xuxa e Giovanna Antonelli, uma extensa relação de políticos. O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, por exemplo, é rosto conhecido na cidadela. O movimento, sempre às quartas, quintas e sextas-feiras, faz girar a economia da Abadiânia. A estreita rua que dá acesso à casa, ladeada de pousadas e hotéis, fica lotada de táxis, vans, sotaques e línguas.
— Não tem loja aqui que não seja movida pela casa espírita — complementa Leonor Rosa, de 45 anos, dona de uma livraria espírita.
Nas estantes de Leonor há nichos separados para publicações em inglês, espanhol, alemão, francês e até russo. Ela diz que as obras básicas do espiritismo são as mais procuradas. Uma vez ajudados, eles querem conhecer mais sobre a religião ou são movidos apenas pela curiosidade que desperta a aura da cidade em que todos andam de branco.
A americana Heather Cumming, 65 anos, é figura conhecida na cidade. Ela fez inúmeras vezes a viagem de Nova York até Abadiânia. Ao visitar a casa pela primeira vez, há 16 anos, ela diz ter recebido uma missão do mundo espiritual, via João de Deus: deveria voltar outras vezes e trazer com ela mais estrangeiros que precisassem ser ajudados. Por anos, Heather levou à cidade excursões inteiras. Após muitas idas e vindas, ela se rendeu: arrumou as malas e se mudou definitivamente para a cidade. Hoje, ela tem uma pousada em Abadiânia e trabalha como tradutora do centro:
— Eu buscava amor incondicional e aqui senti isso. A verdade é que desde que cheguei aqui, nunca mais quis sair. 
A recomendação para que as pessoas vistam branco ou cores claras é das entidades. Assim são chamados os espíritos que realizam os atendimentos e são incorporados pelo médium. Aos desavisados resta comprar uma das centenas de opções de blusas, calças, shorts e vestidos da coloração recomendada. Na loja de Rafaela Lôbo, de 34 anos, uma única arara colorida contrasta com uma loja repleta de peças brancas. Lá, uma camiseta simples custa em torno de R$ 35. Os vestidos variam entre R$ 80 e R$ 100.
Agradecidas pelo tratamento, não é incomum que vários dos turistas retornem com frequência às cidades. Márcia Araújo Alencar, de 39 anos, por exemplo, é de Imperatriz, no Maranhão, e frequenta Palmelo há 18 anos. Diagnosticada com um câncer avançado na mama, ela recusou o tratamento de quimioterapia e radioterapia. Portando apenas os remédios alopáticos e muita fé, ela se mudou temporariamente para Palmelo em 2009. Curada, Márcia voltou ao Maranhão, mas faz questão de retornar à cidade goiana sempre que pode para ajudar nos trabalhos do centro.
– Fiz e refaço os exames com frequência: o nódulo agora é benigno.
Em ambas as cidades visitadas pelo GLOBO, não há cobrança pelos tratamentos. Basicamente, as duas casas se sustentam com doações e trabalhos voluntários. Algumas das medicações recomendadas por João de Deus são pagas, mas os voluntários da casa explicam que, para quem não tem condições, a entidade encaminha o remédio gratuitamente. Em Abadiânia, a casa Dom Inácio tem ainda algumas fontes de renda alternativas, que vêm da lanchonete construída dentro do terreno e de uma lojinha que vende desde livros, imagens e travesseiros até o banho de cristal. Este último consiste em uma sala silenciosa em que a pessoa pode se deitar e tem, acima dela, cristais coloridos posicionados sobre os chacras (centros de energia no corpo).
Esperança de cura com cirurgia espiritual

ABADIÂNIA E PALMELO (GO) - Ao subir no pequeno palco em frente a centenas de pessoas, Lúcia Beatriz Schveid caiu no choro. Após 20 anos de devoção ao médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, e dois casos de câncer - um nas cordas vocais e outro no pulmão -, ela se diz curada. A solução, diz, demorou a vir.
— Eu te deixei na escuridão, deixei você achar que ia morrer, não foi? — diz o médium, já incorporado pela entidade, em meio a olhares algo curiosos, algo vidrados dos visitantes, na primeira aparição de João de Deus numa quinta-feira do mês passado.
A cura, por meio de cirurgias espirituais, é um dos principais motivos que levam milhares de pessoas ao ano a buscar médiuns mais ou menos famosos ao redor do país. Os tratamentos espirituais nem sempre são instantâneos. Muitas vezes, são feitos ao longo de meses ou anos.
Lúcia conta que chegou à casa Dom Inácio de Loyola antes da doença, levada pelo pai. Em 2006, quando descobriu o câncer nas cordas vocais, levou os tratamentos espiritual e médico paralelamente. Nos centros espíritas visitados pelo GLOBO, em Palmelo e em Abadiânia, a recomendação é de não abandonar o tratamento “terreno”. Cirurgicamente, Lúcia retirou as cordas vocais e fez um enxerto.
— Não deveria falar, mas falo perfeitamente. O médico dizia que nunca tinha visto uma recuperação como aquela — diz.
Em 2014, descobriu um novo tumor, no pulmão. Após a cirurgia, ela conta que o tumor, inicialmente de 8 centímetros, foi diminuindo de tamanho de acordo com o tratamento.
— Hoje existe apenas uma cicatriz no local.
Segundo os voluntários da casa Dom Inácio, em Abadiânia, a forma como o procedimento cirúrgico é feito - com ou sem corte ou uso de instrumentos - varia de acordo com a entidade incorporada. Algumas recebem o tratamento sem qualquer toque. Outras passam, sob o olhar angustiado e surpreso de quem assiste, por cortes visíveis, intervenções com uma enorme tesoura nariz acima. Mesmo nesses momentos, não há grito de dor no local.
Em Palmelo, os médiuns não costumam realizar cortes. O GLOBO acompanhou uma das cirurgias. A paciente, a goiana Edne José Militão, de 64 anos, foi diagnosticada em uma espécie de raio-x feito no centro, em que os espíritos apontam, por meio dos médiuns, os pontos a serem tratados. Segundo o exame, Edne deveria cuidar de vários problemas: nas articulações, na bexiga, nos rins e nos nervos dos braços.
O processo é rápido - dura cerca de 5 minutos - e consiste em uma espécie de passe sobre a pessoa deitada. Os médiuns garantem que, internamente, a cirurgia é real, o que exige de quem se submete ao tratamento, repouso e dietas específicas. Em Palmelo, todas as cirurgias são feitas nas hospedarias ou nos locais de estadia gratuita oferecidos pelo centro a quem não pode pagar. O grupo de médiuns designados para os procedimentos peregrinam pelas pousadas, sempre após as reuniões do próprio centro onde, com as palestras e os passes, eles se energizam. Já em Abadiânia, há mais estrutura na casa espírita para que as cirurgias sejam realizadas no próprio local.

Em Aparecida, negócios guiados pela peregrinação.

PA 14/06/2016 - PIB da Fé . Na cidade de Aparecida do Norte, a Basílica Nossa Senhora de Aparecida com números de 12 milhões de visitante por ano. NA cidade tem ha 2 anos um bondinho que liga o morro do cruzeiro ao pé da basílica.

APARECIDA - Principal centro de peregrinação católica do país, a cidade de Aparecida, a 170 quilômetros de São Paulo, atraiu no ano passado 12 milhões de visitantes. Em outros centros de visitação católica, como Fátima, em Portugal, ou Lourdes, na França, o número de fiéis não ultrapassa os 6 milhões anualmente. Até mesmo a Torre Eiffel, em Paris, contabilizou 6,9 milhões de visitantes em 2015. A fé que leva tantos romeiros a Aparecida é o motor econômico da cidade.
— Sem a devoção à Nossa Senhora Aparecida ainda seria um distrito de Guaratinguetá, como no passado — diz Márcio Siqueira, prefeito da cidade que, em alguns finais de semana, vê sua população, de 37,5 mil habitantes, quintuplicar.
Nas contas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a economia de Aparecida movimenta quase R$ 600 milhões, ou cinco vezes mais que o orçamento da prefeitura previsto para este ano, de R$ 120 milhões. Mas é consenso que há uma riqueza subterrânea que não é captada pelas estatísticas oficiais.
— Há muita informalidade. Por exemplo, temos 2,6 mil ambulantes que todo fim de semana montam suas barracas próximo à Basílica. Embora tenham licença da prefeitura, não sabemos quanto movimentam porque não são formalizados. Temos ainda umas 350 fabriquetas de fundo de quintal que fazem lembrancinhas e vendem a R$ 1 ou R$ 2 — explica Ângelo Reginaldo Leite, presidente da Associação Comercial e Industrial de Aparecida.
Segundo a Associação Comercial, o gasto médio do turista com diária de hotel fica em R$ 120, incluindo café, almoço e jantar. Com lembrancinhas, calcula-se que cada um gaste R$ 60, em média.
A modelo Paula Tomie Nagai, de 34 anos, moradora da cidade de Mogi das Cruzes, no interior paulista, planejava passar cinco dias na cidade. Foi pedir uma graça à padroeira do Brasil para que cessem as dores no pé esquerdo, que torceu há alguns meses. Segundo ela, os médicos não conseguiram curá-la com a fisioterapia. Além de gastos com hotel e presentes, ela comprou uma vela em formato de pé para deixar na Sala das Promessas, uma forma de mostrar sua devoção e a fé de que seu pedido será atendido.
— Vim pedir para que Nossa Senhora cure meu pé e abençoe minha família — disse ela, estimando ter gasto ao menos R$ 1 mil na viagem.
Outro tipo de turista é o que está de passagem pela Rodovia Presidente Dutra e faz uma visita atraído pela grandiosidade da Basílica, a segunda maior do mundo, atrás apenas da de São Pedro, em Roma. A família do motorista Osmi Nunes, de 34 anos, voltava de férias no Rio e parou para visitar o Santuário e admirar a imagem de Nossa Senhora. Em pouco mais de uma hora, seu gasto chegou a R$ 120, com almoço e estacionamento.
A Basílica está deixando de ser a única construção que chama a atenção de quem passa por Aparecida. A própria igreja católica inaugurou, em 2012, o Hotel Rainha do Brasil, uma torre de 15 andares com 330 apartamentos e capacidade para quase mil pessoas, com investimento estimado em R$ 60 milhões.
— Temos 200 hotéis e pousadas legalizados, com CNPJ. Mas há outros 140 ilegais, que abrem entre sexta e domingo apenas para receber os romeiros — conta Ernesto Elache, presidente do Sindicato dos Hotéis e Restaurantes da cidade.
Para 2017, ano em que se completam 300 anos da descoberta da imagem da santa por três pescadores no Rio Paraíba do Sul, a cidade deve bater seu recorde de visitantes. Estima-se que 14 milhões de fiéis irão a Aparecida ao longo do ano. Ate lá, diz Elache, a oferta de leitos deve subir dos atuais 36 mil para 40 mil, mas ele estima que esse número seja insuficiente para atender a todos os visitantes.
Aparecida prepara-se para ganhar seu primeiro shopping, no trevo de entrada da cidade. Trata-se de investimento privado num terreno de 170 mil metros quadrados cedido pela igreja. Calcula-se que serão gastos R$ 400 milhões na construção, que inclui cinco hotéis, além de uma roda gigante semelhante à London Eye, de Londres. A ideia é que uma passarela ligue o complexo ao Santuário, e 80% das obras devem estar concluídas até julho de 2017.

Círio de Nazaré: 2 milhões de fiéis por ano

BRASÍLIA - Uma das maiores festas religiosas do país, o Círio de Nazaré reúne, todos os anos, até 2 milhões de pessoas em um trajeto de 3,6 quilômetros em Belém, no Pará. A festa em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré é iniciada no segundo domingo de outubro, quando a procissão sai da Catedral de Belém e segue até a Praça Santuário de Nazaré, onde a imagem da Virgem fica exposta durante 15 dias. A estimativa da Secretaria de Turismo de Belém é de que 85 mil turistas participaram do festejo no ano passado e movimentaram o equivalente a US$ 30,4 milhões, ou cerca de R$ 1.400 por pessoa.
Além de Belém, a procissão se estende a outras cidades do interior do estado. Por isso, muitos dos vendedores ambulantes seguem um extenso calendário e percorrem várias cidades vendendo produtos religiosos em diferentes círios. A cidade de Bragança, por exemplo, recebe milhares de turistas durante o ano não só pela festa em devoção à Virgem, mas também pela Marujada, em devoção a São Benedito. Nessa época, o município de 124 mil habitantes chega a receber 80 mil pessoas.



Nova Trento, reduto da primeira santa brasileira.

BRASÍLIA - Reduto da primeira santa brasileira, Santa Paulina, Nova Trento, no interior do estado de Santa Catarina, recebe, todos os anos, cerca de 840 mil turistas religiosos. A cidade de apenas 13 mil habitantes localizada a 80 quilômetros da capital Florianópolis fica inchada de pessoas que querem pedir e agradecer as graças concedidas pela santa canonizada em 2002 e que viveu uma vida de ajuda a ex-escravos, órfãos e índigenas.
– Em alguns fins de semana recebemos de 15 mil a 18 mil pessoas na região dos santuários. É uma cidade inteira dentro de um único bairro de Nova Trento, explica o secretário de turismo da cidade, Eluísio Voltoni.
Ele conta que a maior parte dos turistas vem da própria região e dos estados vizinhos. Por isso, geralmente, o visitante de Nova Trento não costuma se hospedar na cidade e volta no mesmo dia para o município de origem. Mesmo assim, o local conta com uma estrutura de 550 leitos que está em ascensão, garante Voltoni. Além disso, uma rede de quase 20 restaurantes e 1000 empregos diretos e indiretos supre os turistas durante o passeio.
A estimativa da prefeitura é de que cada um deixe por dia na cidade cerca de R$ 40, o equivalente a R$ 33,6 milhões todos os anos. Nova Trento fica em uma região conhecida pelo forte apelo religioso. Tanto que, em um raio de 40 quilômetros é possível visitar quatro santuários. Além dos dois construídos na cidade, há outros dois templos nas cidades vizinhas, Angelina e Brusque.
O secretário de turismo de Nova Trento explica que, além do apelo religioso, os turistas aproveitam para curtir a gastronomia e o vinho local.
– As pessoas visitam o santuário, pedem, agradecem, pagam suas promessas e depois aproveitam o polo gastronômico da cidade. Isso atrai muitas pessoas não só da região, mas turistas que estão nas praias da região.

PIB de municípios cresce mais do que o do Brasil

APARECIDA (SP), JUAZEIRO DO NORTE (CE), TRINDADE (GO) - Para receber os turistas da fé, vários municípios brasileiros desenvolveram suas economias e têm hoje uma elaborada rede de serviços. Um levantamento do GLOBO com dados do IBGE mostra que as grandes cidades do turismo religioso no Brasil tiveram avanço econômico muito superior ao do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Entre 2000 e 2013 (último dado disponível) o PIB de Aparecida, no interior de São Paulo, avançou 368,7%, e o de Juazeiro do Norte, no Ceará, 579,5% (a preços correntes). Nesse período, a economia brasileira cresceu 329%.
Em Abadiânia, a cidade goiana que abriga o médium João Teixeira de Faria, o João de Deus, o PIB cresceu mais do que o dobro da economia brasileira, 773%. O diretor de Estudos Econômicos e Pesquisas do Ministério do Turismo, José Francisco, explica que o turismo religioso tem decolado, nos últimos anos, na medida em que o avanço da classe média incorporou novos indivíduos ao turismo doméstico:
— A tendência é que ele cresça. Temos festas muito grandiosas. Na Semana Santa, por exemplo, há muito fluxo para essas cidades.
O turismo católico ainda é o que mais movimenta pessoas no país, acompanhando o perfil nacional. Hoje, 64,6% da população são seguidores da religião do Vaticano, segundo o último Censo. Com a predominância católica, o Brasil tem romarias enormes, que movimentam milhões de pessoas por todo o território. Para alimentar e hospedar tanta gente, essas cidades têm redes extensas de hotelaria e comércio. Todos os anos, elas se preparam para receber os turistas, que chegam dispostos a gastar. Em Aparecida, símbolo maior do turismo religioso no país, cada turista deixa, em média, R$ 1.200 por visita, segundo o Ministério do Turismo. Isso equivale a uma injeção de cerca de R$ 12 bilhões todos os anos.
Para suprir as necessidades do turista, os comerciantes estocam centenas de quilos de comida e bebida. Eles vão além da alimentação e da hospedagem. O comércio de imagens, terços, água fluidificada, livros espíritas, cristais energizados faz girar a economia desses municípios. Afinal, não há quem passe pela experiência transcendental sem levar para casa uma lembrança do padre, do santo ou do médium.

MUITO TURISMO, POUCO EFEITO NA ARRECADAÇÃO
Manuseando contas das mais diferentes cores e materiais, o fabricante de terços Wallison Fernandes, 20 anos, diz, da salinha de poucos metros quadrados no meio de uma das principais praças de Juazeiro, que chega a vender mil terços em uma boa romaria. Os objetos custam entre R$ 1 e R$ 5, mas muitos só são vendidos por atacado, acima de uma dúzia.
Com a economia baseada no turismo, essas cidades têm boa parte do PIB sustentada pelo setor de serviços. Em Aparecida, esse segmento representa quase 68% da economia. Em Juazeiro, 59%; em Abadiânia, 42%; e em Trindade, 37%. Em Palmelo, o prefeito Antônio Rezende explica que, por conta do código tributário defasado da cidade, as pousadas não pagam os impostos necessários, ou seja, o turismo não se traduz em arrecadação para a prefeitura local. Com grande parte do comércio e do setor hoteleiro informais, o segmento de serviços representa 30% do PIB local. Mesmo assim, não há qualquer projeto municipal em andamento para regularizar a situação.
O enorme fluxo de pessoas, no entanto, gera, além do bônus do incremento no caixa, um ônus para essas cidades. O prefeito de Abadiânia, Wilmar Arantes, explica que a prefeitura tem de dar atenção especial à rua em que está localizada a casa espírita Dom Inácio de Loyola, onde João de Deus atende cerca de 5 mil pessoas por semana:
— Temos um acordo com a casa de fornecer segurança, viaturas todos os dias. Temos que ficar de olho ainda na qualidade do asfalto e na acessibilidade, porque o número de cadeirantes que vem à cidade é muito maior do que a média de outras cidades deste tamanho.

Romarias de pedidos e agradecimentos

JUAZEIRO DO NORTE (CE) E TRINDADE (GO) - Todos os anos, Iolanda Alves, de 50 anos, prepara o restaurante em frente à principal igreja de Juazeiro do Norte, no Ceará, para receber os romeiros que chegam à cidade. Anualmente, o município recebe o equivalente a oito vezes a população local, de 300 mil habitantes. Cerca de 2,5 milhões de pessoas invadem a cidade para pedir e agradecer os milagres atendidos por Padre Cícero Romão, o que equivale a quase 7.000 pessoas por dia. A maior parte do fluxo é concentrada nas épocas de romaria: ao todo, são quatro ocasiões no ano em que Juazeiro para por cerca de cinco dias. A prefeitura estima que essas pessoas deixem, só no comércio, R$ 375 milhões por ano, ou R$ 150 por visita.
Iolanda inicia o estoque semanas antes: para uma romaria de cinco dias, chega a encomendar 500 quilos de inhame, cem quilos de aipim e um bode inteiro. O faturamento é alto. Ela calcula que, durante a festa, consegue tirar entre R$ 4.000 e R$ 5.000 por dia, 900% a mais que os R$ 500 faturados na baixa temporada. Além dos comerciantes locais, muitos vendedores chegam de outras partes do Nordeste para tentar faturar no período das romarias. A prefeitura calcula que 3.000 ambulantes circulem pela cidade nesses dias.
A movimentação de peregrinos e turistas observada em Juazeiro se repete em centenas de outras cidades. O Brasil é um país de católicos: quase sete em cada dez brasileiros dizem ser seguidores da religião. No estado de Goiás, Trindade ganhou fama pela devoção ao Divino Pai Eterno. A prefeitura calcula que a cidade receba cerca de 3 milhões de pessoas por ano, 25 vezes a população local, de 120 mil habitantes.
— Nos dias de festa, em junho, recebemos milhões, mas todas as semanas temos uma população flutuante de 30 mil a 40 mil turistas — conta o prefeito Jânio Darrot, que estima que existam hoje na cidade 150 hotéis e uma centena de restaurantes.

PROFUSÃO DE SANTOS EM NOMES DE RUAS E POUSADAS

Trinta dias antes da festa do Divino Pai Eterno, os comerciantes estocam bebida e comida. Dono de um restaurante, Cléber Paulo calcula que, só no domingo de romaria, fature 500% mais do que em todo um fim de semana fora de temporada, cerca de R$ 5 mil. Ele conta que, para suportar a demanda, contrata seis funcionários a mais.
— A festa é o décimo terceiro salário do comerciante — conta Cléber.
Tanto Trindade quanto Juazeiro respiram catolicismo. Para nomear as ruas e pousadas, não há santos suficientes. Santo André, Santa Helena, Santa Maria, São José: todos eles emprestam seus nomes para hospedarias. A prefeitura calcula que existem 3 mil leitos.
— Juazeiro se alegra com os romeiros: as pousadas ficam cheias, os comerciantes se espalham pelas ruas — diz Lis Pinheiro, dona da pousada Santo André, o Apóstolo.
Lis conta que nem mesmo havia terminado a obra da pousada, em outubro de 2014, e já estava com todos os 17 quartos alugados para a romaria de Finados. Nessa época, ela explica que cobra R$ 150 por quarto individual. Ou seja, com todas as unidades ocupadas, o hotel fatura mais de R$ 10 mil reais em cinco dias de festejo.
De origem simples, os romeiros têm a fé como último recurso a que podem recorrer. Eles pedem chuva, cura ou agradecem alguma graça concedida. Em Juazeiro do Norte, mais de nove salas guardam, nas paredes, esculturas de mãos, pés e bustos de pessoas que tiveram pedidos atendidos. No local, há todo tipo de objeto que remeta à graça concedida: diplomas, vestidos de noiva, fotos e roupas de recém-nascidos.

A PÉ, DE AVIÃO OU CARRO DE BOI
Para chegar às cidades católicas, os devotos usam todos os meios de transporte: vão de avião, ônibus, carro, a pé e até de carro de boi. Para chegar a Trindade, por exemplo, milhares percorrem andando os cerca de 20 quilômetros que separam a capital, Goiânia, da cidade. O governo do estado chegou a construir, nesse trecho, uma via só para pedestres. Muitos, no entanto, fazem sacrifícios ainda maiores e viajam vários dias ou semanas para chegarem ao município. Aos 63 anos, Dinoraci da Silva já contabiliza 27 anos de romarias a Trindade. Ela percorre a pé os 130 quilômetros que separam a cidade do Divino Pai Eterno do município onde vive, Edéia, também no interior de Goiás. São quatro dias de viagem. Os primeiros sete anos de romarias, conta, foram para pagar uma promessa: a filha, que tinha um linfoma na cabeça, foi curada.
Mantendo a tradição, vários fazendeiros da região fazem uma peregrinação inusitada. Todos os anos, cerca de 300 carros de bois chegam a Trindade. Um dos maiores grupos, localizado na cidade de Orizona, a 160 quilômetros de Trindade, já chegou a participar com 20 carros. Em respeito ao limite físico dos animais — até 12 por veículo —, a viagem é feita em 13 dias. Os romeiros andam ao lado dos bois, pagando a promessa, e se abrigam em fazendas pelo caminho.
Inspirados pela fé, o comércio de imagens e terços vende como nunca. Em Juazeiro, não há quem vá embora sem uma imagem do Padre Cícero. A cidade tem dezenas de artesãos que fazem surgir, da madeira, a silhueta do Santo do Povo. Adalberto da Silva conta que passa até três dias fazendo uma escultura de 50 centímetros. Ele não sabe quantas peças vende em uma época de romaria, mas é categórico: tudo que faz, sai. A determinação de levar uma lembrança para a estante de casa permite que o comércio local sempre fature, conta a comerciante Iolanda:
— O romeiro diz que quem vem para Juazeiro não pode voltar com nenhum centavo. Eles querem fazer prosperar a terra do “Padim Ciço”.

PADRE CÍCERO: PERDÃO DA IGREJA

No fim do ano passado, a Igreja Católica perdoou e reabilitou o Padre Cícero. Ele foi afastado após um episódio, em 1889, conhecido como “milagre da hóstia”. Na ocasião, a hóstia dada à beata Maria de Araújo virou sangue na boca da devota. “Em 1889 houve a primeira romaria. De lá pra cá, nunca mais parou de chegar gente”, explica a secretária de turismo e romaria de Juazeiro do Norte, Marli Bezerra. Como a Igreja não conseguiu comprovar o milagre, o padre foi proibido de confessar e realizar sacramentos. Mais à frente, já aos 90 anos, ele foi definitivamente expulso. A veneração por “Padim Ciço” não esmoreceu apesar da decisão da Igreja. Padre Cícero ficou conhecido como o Santo do Povo, ou o Santo do Nordeste. “O nordestino diz que quem tem que ser perdoada é a Igreja e não o padre”, diz Marli. Fonte: http://oglobo.globo.com