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quinta-feira, 14 de abril de 2016

O ARREBATAMENTO DE ELIAS. (2 Reis 2, 1-18)

Frei Alexander Vella, O.Carm.

Não se pode esquecer o influxo que este texto teve na tradição bíblica sucessiva, sobre Elias. Os textos como Mal 3,23-24; Sir 48,9-11 e as referências a Elias que se en­contram nos Evangelhos são todas baseadas nesta idéia: Elias foi arrebatado ao céu e vol­tará no fim dos tempos. Entretanto, a história não faz parte do ciclo de Elias, mas do ci­clo de Eliseu, para o qual serve de introdução. Sua finalidade é a de apresentar Eliseu como autêntico sucessor de Elias e por isto, em certo sentido, pode ser considerada como paralela a 1 Reis 19,19-21. As duas histórias são provavelmente duas tradições independentes sobre a sucessão de Eliseu.
A narração é composta tardiamente e provém da escola deuteronomista. Pode também ocorrer que seja formada por duas tradições independentes porque o texto fala de duas formas diversas com as quais Elias é arrebatado: um turbilhão (vv. 1.11b) e um carro de fogo (v.11a). Muito mais tarde Siracide (Eclo) procurara resolver esta incon­gruência afirmando que Elias foi "arrebatado em um turbilhão de fogo"(Ecl 48,9), uma expressão que tem pouco sentido e que busca unificar as duas tradições diversas encon­tradas na composição da história de 2 Reis 2.
Já em 1956 J. Steinmann supunha que a história não é do gênero literário histórico (ver "Elie dans le Ancien Testament", Elie le Prophète, I; Études Carmelitanes, 35, Paris 1956, p. 112). Supõe que se trata de um "Extase de Eliseu" (visão ou êxtase), enquanto assistia a morte de Elias. Atualmente não se busca explicar mais o texto do ponto de vi­sta da história, mas procura-se, sobretudo, o significado da história tal como é contada.

1. A  estrutura do texto
A história está disposta em forma concêntrica. Nos dois extremos da estrutura, vv.1-6 (A) e vv.16-18 (A'), encontramos a expressão do desejo da figura secundária de participar do mistério da morte de Elias, o que pede à figura principal.
Em A a figura principal é Elias e a secundaria é Eliseu, enquanto que em A' a figura principal é Eliseu e a secundaria os filhos dos profetas. Em ambos os casos a figura principal revela o desejo de reservar-se o mistério que está por acontecer ou acaba de acontecer. Assim, em A por três vezes Elias pede a Eliseu «fique aqui» (v. 2.4.6) e em A’ Eliseu ordena aos discipulos "Não os mandeis" (v.16). Contudo, em ambos os casos a figura principal acaba cedendo. Quanto ao desejo de Eliseu de participar da partida de Elias, aparece satisfeito na cena central da história, enquanto que permanece insatisfeito o desejo dos filhos dos Profetas (vv. 17b-18).
No centro encontramos os versículos 7-15 (B). Também esta parte é construída de forma concêntrica:


A - Os filhos dos profetas acompanham a cena de longe (v.7).
B - Elias divide as aguas do Jordão com o seu manto e o atravessa a pé enxuto com Eliseu (v.8).
C - Eliseu pede a Elias dois terços do seu espírito e Elias responde que o obterá se o vir ser arrebatado (vv.9-10).
D - Elias é arrebatado ao céu (v.11).
C' - Eliseu o vê no momento e depois não o vê mais (v.12).
B' - Com o manto de Elias, Eliseu divide as águas do Jordão e o atravessa a pé enxuto (vv. 13,14).
A' - Os filhos dos profetas presenciam isto de longe (v.15).

2. Interpretação
Antes de interpretar a estrutura que apresentamos é conveniente levar em conta a tipologia mosaica que encontramos neste texto. Elias divide as águas do Jordão com o seu manto enrolado tal como Moisés havia dividido as águas do Mar dos Juncos com o seu bastão (Ex. 14,16-21). Vai concluir depois a sua vida em outra parte do Jordão, onde morreu Moisés também (Deut 34,1-5). Antes de morrer, Moisés transmitiu os seus po­deres a Josué (Deut 31,7-8) que demonstrou ser verdadeiro sucessor de Moisés, reali­zando também o mesmo milagre de Moisés dividindo as águas do Jordão (Jos 3,7-19) e sendo assim reconhecido pelos israelitas. Nesta nossa história os poderes proféticos de Elias passam a Eliseu que repete o milagre de seu mestre e, é imediatamente reconhecido pelos filhos dos profetas como verdadeiro sucessor de Elias (vv. 14-15).
Voltemos à estrutura do texto. Ao centro D temos o arrebatamento de Elias que é narrado com as características de uma verdadeira teofania. O turbilhão, o carro de fogo, os cavalos aparecem como elementos desta teofania em Is 66,15; Ez 1,3; Hab 3,8; Zac 9,14; Sl. 18,11 e Sl 50,3. Em seguida o arrebatamento é apresentado como um elemento glorioso e luminoso. A este mistério querem participar tanto Eliseu (A vv.1-6) como os filhos dos profetas (A' vv.16-18). Ao primeiro é concedido porque "vê» Elias arrebatado ao céu (v.12) enquanto que o mesmo não foi concedido aos filhos dos Profetas que não conseguiram entender o mistério (vv. 16-18). Esta distinção entre Elias e os filhos dos Profetas não é casual.
A morte é o momento do último testamento, quando a herança passa do pai para o filho. Elias quer deixar também alguma coisa a Eliseu (v.9a). Entretanto o que Eliseu pede a Elias não é simplesmente uma parte da herança mas as duas terças partes ou seja, a herança que cabe ao primogênito (v.9b; ver Deut 21,17). Além da metáfora, Eliseu está a pedir a Elias que o reconheça como seu filho primogênito ou seja como seu sucessor a frente de seus outros discípulos, os filhos dos Profetas. Entretanto, o dom da Profecia não é algo que o próprio Elias possa transmitir; somente Deus pode concedê-lo. Em vi­sta disto, Elias responde: "Pedes uma coisa difícil, entretanto se me vires quando eu for arrebatado de ti, isto te será concedido" (v.10). Significa tal resposta que somente aquele que é iniciado no mistério torna-se profeta.

Elias é arrebatado e Eliseu o "vê", isto é, participa plenamente deste passamento glorioso. É um fenômeno transcendente e rápido. Por isto se diz que o "vê" e depois não o viu mais (v.12). Eliseu grita e rasga as suas vestes, forma característica de chorar um morto. Entretanto, ao mesmo tempo o seu grito é também uma confissão: reconhece Elias como aquele que guiou realmente Israel (carro e cavalaria de Israel) mais que o rei. Depois de haver rasgado as próprias vestes toma o manto de Elias. Isto pode ser inten­dido como gesto de despojamento dos próprios interesses para assumir os de Elias. Em termos nossos, Eliseu deixa a sua identidade pessoal para assumir a identidade de Elias. O seu desejo é plenamente atendido. Vê Elias, é investido da sua autoridade profética e pode então realizar os gestos de Elias (v.14), tornando-se reconhecido como seu verda­deiro sucessor: "Verdadeiramente o espírito de Elias está sobre Eliseu" (v.15). 

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