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sexta-feira, 21 de junho de 2013

A pedagogia do medo na formação dos padres

José Lisboa Moreira de Oliveira

          O que vou narrar inicialmente não aconteceu na Idade Média e nem na primeira metade do século passado, antes da realização do Concílio Vaticano II. Aconteceu há poucas semanas atrás, em pleno século XXI, no ano da graça do Senhor de 2013.

Um seminarista, meu conhecido, pediu-me para ser seu amigo no Facebook. Como eu o conhecia, não tive problemas para adicioná-lo. Desde então comecei a receber mensagens dele. Logo notei a pobreza de tais mensagens ou, pior dizendo, o monte de baboseiras que era postado porele, que dizia estar cursando o segundo ano de teologia. Comecei, então, a fazer alguns comentários ao que ele postava. Na última postagem o seminarista colocou uma charge com a qual justificava a necessidade(notem bem o vocábulo!) do uso da batina. Na charge um padre, estando num lugar, sem batina, vestido como o comum dos mortais, recebia uma bela cantada de uma mulher.

Percebendo o absurdo, fiz um comentário no qual chamava a atenção para algumas coisas. Antes de tudo a presença da pedagogia do medo da mulher. Dizia para o seminarista que esse medo denotava insegurança vocacional e de identidade. Em segundo lugar, mostrava que tal posição estava carregada de preconceito contra a mulher, vista como a sedutora, aquela que induz ao "pecado da carne”. Além disso, mostrei-lhe que, pela minha experiência de mais de quarenta anos de convivência direta com os eclesiásticos, nem sempre é a mulher que seduz o padre. Na maioria absoluta dos casos são padres, afetivamente carentes e psicologicamente despreparados, os sedutores das mulheres. São constantes, ainda hoje, os casos de padres que engravidam mulheres e que, inclusive, as forçam a praticar o aborto. Na Itália existe uma ONG que cuida de filhos abandonados de padres. Por fim, lembrava ao ilustre seminarista queencontrei em vários seminários casos escabrosos que aconteciam na calada da noite, apesar do uso frequente da batina. Casos de pedofilia, de casais "estáveis” de seminaristas homossexuais, os quais eram defensores ferrenhos do celibato e do uso da batina até para dormir. Concluía, então, meu comentário dizendo que a batina, por si só, não funciona, se faltar ao seminarista e ao padre aquela maturidade psico-afetiva-sexual da qual tanto falam os documentos da Igreja sobre a formação dos presbíteros. O resultado do meu comentário você já deve ter deduzido: o seminarista me excluiu da sua lista de amigos no Facebook.

O caso me fez refletir sobre o que estaria acontecendo com a formação dos padres. O que leva um seminarista do segundo ano de teologia a ter uma visão tão desequilibrada e tão medrosa do celibato? E não tive alternativa a não ser me convencer, mais uma vez, de que a maioria absoluta dos seminaristas não está sendo preparada para encarar o celibato com naturalidade. E isso por uma simples razão: a maioria absoluta deles não é portadora desse dom do Espírito. Fingem tê-lo e os formadores e bispos, mais preocupados com a quantidade do que com a qualidade, continuam fazendo de conta que não estão vendo nada. Insistem em manter a lei obrigatória do celibato, mas se recusam a afastar do ministério presbiteral todos aqueles que não são portadores desse carisma. Toda opção tem consequências sérias. E a principal consequência séria da opção da hierarquia pelo celibato obrigatório é, sem dúvida alguma, a exclusão (esta é a palavra exata), através de um bom discernimento, de todos aqueles que não possuem este dom. E tal exclusão precisa ser realizada antes de tudo para o bem dos próprios seminaristas e depois para o bem da Igreja.

E ao dizer que estou convencido de que a maioria dos seminaristas não possui o dom do celibato, estou falando a partir de experiências concretas. Várias vezes, em diversos momentos e lugares, numa simples conversa, aberta e franca, aquela do tipo "olho no olho”, isso ficou muito claro para mim. Eles não conseguem esconder seus disfarces. É claro que os seminaristas não são culpados disso. A responsabilidade é da hierarquia da Igreja que insiste em fazer de conta que tudo vai muito bem; uma hierarquia que não é capaz de ler os sinais dos tempos e repensar a questão do celibato obrigatório.

De tudo isso, podemos deduzir duas consequências. A primeira é de termos padres distantes das pessoas; padres que colocam barreiras, como a batina, para não se aproximarem do povo e para que o povo não se aproxime deles. Padres que, diferentemente de Jesus, não se misturam com as pessoas, não assumem "em tudo a condição humana” (Hb 4,15). Padres incapazes de compaixão e de misericórdia porque não vivem como vive o povo, especialmente como vivem aquelas pessoas prostradas e abatidas, sem consolação, sem esperança, sem vida e para as quais eles deveriam ter um carinho especial (Mt 9,36). Por mais que se esforcem, estarão sempre distantes, uma vez que não há como ser próximo quando se usa de artimanhas para "passar adiante, pelo outro lado” (Lc 10,31-32), longe de quem está caído. Enquanto o Concílio Vaticano II pedia aos padres para mergulharem profundamente na vida do povo, convivendo com todas as pessoas (PO,6), a formação dada nos seminários, verdadeiros "redomas de vidro”, distancia o pastor das ovelhas.

A outra consequência grave é a constatação de uma profunda fragilidade desses futuros padres. A necessidade de usar escudos de proteção, como a batina, revela uma personalidade doente, imatura, carente e psicologicamente enfraquecida. Não se trata de pensar nos padres como super-heróis, mas de ajudá-los a serem, o quanto possível, pessoas normais, sem grandes amarras e humanamente acessíveis. Como podem padres assim ser sinais sacramentais do Cristo Pastor se são incapazes de "dar a vida” (Jo 10,11) pelas pessoas? Porque o dar a vida não se reduz ao martírio, mas implica um gastar-se, um consumir-se pela humanidade (Mc 6,31). E só é possível doar-se totalmente quando não se possui nenhum tipo de "reserva”, nenhum tipo de amarra, nenhum tipo de medo da outra pessoa (Mc 2,15-17).

Estudos sérios afirmam que o homem sempre teve medo da mulher inclusive do ponto de vista sexual. Giacomo Dacquino em sua obra Viver o prazer (Paulinas, 1992) chama a atenção para este aspecto, lembrando que esse medo se exasperou nas últimas décadas em razão da progressiva emancipação da mulher. Dacquino lembra que medos cultivados em relação à mulher podem revelar que o homem não superou o complexo de Édipo, mantendo certo vínculo edípico com a mãe e rejeitando a heterossexualidade, ou seja, qualquer relação ou aproximação afetiva com as outras mulheres (pp. 147-150).

O Concílio Vaticano II, no documento sobre a vida e o ministério dos presbíteros, afirmou que a missão do padre é ajudar as pessoas a conseguirem a maturidade cristã. Diz, sem meios-termos, que de nada adiantam cerimônias bonitas, "rebanhões”, procissões, curas, movimentos eclesiais florescentes se os cristãos e as cristãs não atingem a maturidade na fé. E para realizar essa tarefa os padres devem acolher todas as pessoas: jovens, casais, famílias etc. (PO, 6). O documento conciliar sobre a formação dos padres chega a dizer que para cumprirem fielmente essa missão os seminaristas devem ser educados sobre o valor e a dignidade do casamento e sobre o que significa realmente a renúncia ao matrimônio, a qual não é renúncia ao amor (OT, 10).

Causa, pois, enorme espanto que, cinquenta anos depois, ainda se dê uma formação que estimula o medo e o cultivo de barreiras na relação dos padres com as pessoas. Nico Dal Molin, em seu belíssimo livro sobre o amadurecimento psicoafetivo, intitulado Itinerário para o Amor (Paulinas, 1996), afirma que o amor maduro tem a coragem de derrubar barreiras, uma vez que as barreiras impedem a transparência e distorcem o modo de viver o amor (pp. 144-162). O amor, como sabemos, é o distintivo por excelência do discípulo e da discípula de Jesus (Jo 13,34-35). E "no amor não existe medo; pelo contrário o amor perfeito lança fora o medo, porque o medo supõe castigo. Por conseguinte, quem sente medo ainda não está realizado no amor” (1Jo 4,18). Tenho pena das comunidades que irão receber esses futuros padres, modelados na "fôrma”da lei do temor e não educados na pedagogia do amor.

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