Talvez o sentido teológico da missa de
Soho “se resuma na fórmula: Lex orandi, lex credendi, a comunidade que reza
provoca reflexão teológica”, diz o jornalista inglês.
Fonte: www.ihu.unisinos.br
As missas de Soho são “antes tudo uma
ação pastoral para pôr em prática o ensino da Igreja de que as pessoas LGBT são
valorizadas pela Igreja, não devem ser discriminadas, nem excluídas da
comunhão”, argumenta Francis McDonagh, em entrevista concedida à IHU On-Line,
por e-mail. Segundo ele, as missas que são celebradas no bairro Soho, em
Londres, “não são uma campanha, não se argumenta sobre o ensino da Igreja sobre
a sexualidade, mas se dá testemunho a uma realidade: a dos católicos LGBT, que
querem praticar sua fé”. Para ele, as missas de Soho são um “reconhecimento” da
“diocese de Westminster, após diálogo com o Vaticano, da necessidade de uma
pastoral para a comunidade LGBT, e do direito das pessoas LGBT e seus
familiares e amigos, de serem acolhidos oficial e publicamente pela Igreja
católica”.
Na entrevista que segue, o jornalista
inglês enfatiza outro ponto polêmico entre a Igreja e a comunidade LGBT: o
casamento. Apesar de muitos homossexuais reivindicarem esse direito, McDonagh
aponta que “alguns ativistas LGBT rejeitam o casamento como esquema
essencialmente patriarcal, que não corresponde à união em base à igualdade que
procuram. E o Vaticano vem insistindo
que as conferências episcopais façam campanha contra esses modelos de casamento
por serem um ataque à família como fundamento da sociedade, e uma restrição à
liberdade das igrejas a manterem sua visão do casamento”.
E opina: “Pessoalmente, acho que a
suposta ameaça à liberdade religiosa vinda das propostas de ‘casamento igual’ é
exagerada. Assinei uma carta aberta em
que se defendia o direito dos católicos de apoiar ou não a proposta do governo,
em base a considerações do bem comum”.
Francis McDonagh é correspondente dos
jornais católicos Tablet, de Londres, National Catholic Repórter e membro do
Gay Christian Movement, UK.
Confira
a entrevista
IHU
On-Line - Qual a importância para a Igreja da realização das missas de Soho,
bairro de Londres, destinadas à comunidade LGBT?
Francis
McDonagh - Foi um reconhecimento por parte da Igreja local, a diocese de
Westminster, após diálogo com o Vaticano, da necessidade de uma pastoral para a
comunidade LGBT, e do direito das pessoas LGBT e seus familiares e amigos, de
serem acolhidos oficial e publicamente pela Igreja católica. Por isso, em 2007, a diocese convidou a
comunidade a se deslocar da Igreja anglicana de St Anne para a Igreja católica
vizinha de Nossa Senhora da Assunção, em Warwick Street. A decisão de oficializar uma pastoral gay tem
sua origem em toda uma série de reflexões da conferência episcopal de
Inglaterra e Gales sobre as orientações da Congregação da Doutrina da Fé em
1986 sobre o “atendimento pastoral das pessoas homossexuais”. Entre estas, destaca-se um documento da
conferência de 1979, onde se lê: “Os homossexuais têm direito a um
acompanhamento pastoral esclarecido prestado por ministros devidamente
capacitados para atender suas necessidades pastorais”. É importante destacar
que entre os sacerdotes que presidiram a missa em Warwick Street, vários são de
renome nacional, como o ex-mestre geral dos dominicanos, Timothy Radcliffe, um
bispo, e vários jesuítas.
IHU
On-Line - Em que sentido a missa impacta em nível pastoral e teológico?
Francis McDonagh - As missas são antes
tudo uma ação pastoral para pôr em prática o ensino da Igreja de que as pessoas
LGBT são valorizadas pela Igreja, não devem ser discriminadas, nem excluídas da
comunhão. Construíram uma comunidade eucarística entre pessoas que sentiam
excluídas, e até perseguidas, como no caso dos ugandeses. As missas não são uma campanha, não se
argumenta sobre o ensino da Igreja sobre a sexualidade, mas se dá testemunho a uma realidade: a dos
católicos LGBT, que querem praticar sua fé. Talvez o sentido teológico se
resuma na fórmula: Lex orandi, lex credendi, a comunidade que reza provoca
reflexão teológica.
IHU
On-Line - Como a Igreja deve lidar com a questão do casamento entre pessoas do
mesmo sexo e também com toda a questão da homossexualidade? Quais os desafios
que se colocam?
Francis
McDonagh - Essa é uma questão complexa. Por
um lado, a Igreja defende que as pessoas LGBT têm direito a respeito, à
igualdade de direitos com outros cidadãos.
Na Inglaterra e em Gales, a união civil entre pessoas do mesmo sexo é
geralmente aceita como uma medida de justiça social, garantindo os direitos dos
casais LGBT. Inclusive os bispos da Inglaterra e de Gales chegaram a reconhecer
que a união civil oferece uma estabilidade a estes casais, de acordo com a
justiça.
A questão do casamento é mais
controvertido. Se pode perguntar: o que acrescenta a união civil em termos de
direitos? Os que argumentam a favor do
‘casamento igual’, como é chamada a proposta do governo britânico, ou o
‘casamento para todos’ na fórmula do governo francês, dizem que representa a
igualdade plena entre os LGBT e os heterossexuais. Alguns ativistas LGBT
rejeitam o casamento como esquema essencialmente patriarcal, que não
corresponde à união em base à igualdade que procuram. E o Vaticano vem insistindo que as conferências
episcopais façam campanha contra esses modelos de casamento por serem um ataque
à família como fundamento da sociedade, e uma restrição à liberdade das igrejas
a manterem sua visão do casamento.
Pessoalmente, acho que a suposta
ameaça à liberdade religiosa vinda das propostas de ‘casamento igual’ é
exagerada. Assinei uma carta aberta em
que se defendia o direito dos católicos de apoiar ou não a proposta do governo,
em base a considerações do bem comum.
A questão da homossexualidade em si
abre uma caixa de Pandora para a Igreja. Tem-se questionado a interpretação dos
textos bíblicos que denunciam a homossexualidade, alegando que os autores não
tinham o conceito de orientação sexual, e condenavam um desvio consciente da
ética aceita por todos. E o conceito do
“natural”, no sentido de dizer que a homossexualidade é “contra a natureza”, é
questionado por muitos teólogos.
IHU
On-Line - As missas de Soho vão realmente acabar durante a Quaresma?
Francis
McDonagh - Não. O que vai terminar são as
celebrações da missa na Igreja de Warwick Street no bairro de Soho, que é o
tradicional bairro gay de Londres. A proposta do arcebispo Vincent Nichols é de
transferir as missas para a igreja jesuíta de Farm Street, num bairro de
embaixadas, inclusive as do Brasil e dos EUA.
Ele mesmo vai se encontrar com a comunidade que assiste às missas, na
ocasião da primeira missa, em 3 de março, como sinal de apoio à pastoral da
comunidade das missas de Soho. O que por enquanto está em dúvida é a
possibilidade do comitê organizador das missas continuar convidando a
sacerdotes externos a presidir as missas, como foi a prática acordada com a
diocese em Warwick Street.
IHU
On-Line - Considerando uma possível aprovação do casamento entre pessoas do mesmo
sexo, o que faria parte de um redesenho da imagem da família?
Francis
McDonagh - Acho que já se convive com várias imagens da família, famílias
monoparentais, famílias dos divorciados, onde os filhos conhecem, respeitam e
amam os novos companheiros/companheiras do pai ou da mãe, e os filhos que
resultam dessas uniões. Agora surgem
famílias de pessoas do mesmo sexo com filhos.
Ao longo da história a família tem tomado várias formas, e não é tão
evidente que Jesus viveu numa família convencional, nem que escolheu seus
amigos dentre as boas famílias. Trata-se de compreender e proteger os valores
defendidos por Jesus que se evidenciam entre essas famílias diversas.
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