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terça-feira, 23 de outubro de 2012

A PARRÉSIA EM SANTA TERESA DE JESUS.

Condensação de Frei Martinho Cortez, O. Carm. Convento do Carmo, Unaí-MG.
 INTRODUÇÃO
            No livro “Hombre y Mundo em Santa Teresa”, publicado pela REDES, Editorial de Espiritualidad, Madrid, edição de 1981 — um dos capítulos é dedicado à oração livre, solta, confiante e vigorosa de Santa Teresa de Jesus, a grande mística carmelita da Espanha. Seu autor, José Vicente Rodríguez chama essa oração de “parrésia teresiana”; a oração de uma Teresa de Jesus sincera e ousada em relação a Deus e aos homens. E acrescenta que esse é um caminho para saber mais sobre a alma, a personalidade e a doutrina de Santa Teresa.
1- BASE BÍBLICA: As origens de Teresa
            Porque Teresa tinha certo receio do acúmulo de dons com que Deus a agraciava, para descrever sua sinceridade e ousadia, o autor recorre ao uso que ela fazia da Bíblia. De origem judaica, Teresa tem parentesco com figuras bíblicas, tais como Abraão (Gn 18, 22-32); Moisés (Ex 32, 11-33); o Salmista (Saltério); Jó (todo); os Profetas (Is 63, 15-19; Jr 14, 20-23; Dn 2, 20-23; Hab 3, 2-19; Mq 7, 16-20). Ou como João Batista, Pedro, João Evangelista, Paulo, Estevão (6, 8-70) e os Mártires de todos os tempos, a Virgem Maria, cujo modelo máximo e arquétipo é Jesus Cristo (Hb 3, 1), que deve ter seguido o exemplo da mãe, em cujos lábios o “Magníficat” soa como louvor ao Deus que faz prodígios com os pequenos e desbanca os poderosos. Ou como sábios pagãos do porte de Sócrates e Diógenes campeões de parrésia perante os homens são Sócrates e Diógenes; para quem nada mais digno do que a liberdade da palavra.
A oração-parrésia
            Todas essas figuras emprestaram a Teresa a sinceridade e a ousadia, duas manifestações da atitude fundamental de “confiança plena, sólida, segura de que Deus atenderá seus desejos e solicitações, na oração e na vida”. Ou seja, a parrésia, definida na linha da parrésia dos Apóstolos anunciando o Evangelho (At 28, 31): “Ousadia feita de liberdade e confiança, que permite apresentar-se sem temor perante o superior, perante perseguidores ou algum interlocutor que possa contradizer ou repreender” (SPICQ, Ágape, III, Paris, 1959, pág. 294).
2 - BASE DA PRÓPRIA TERESA
O castelo e a porta do castelo
            Formada na escola desses modelos, a Teresa orante e dinâmica excede, sobra. É substantiva e radicalmente “profeta” (cf. 1 Cor 14, 3), “apóstola”, “pregadora”, “doutora”, capaz de lembrar a Deus suas promessas aos homens. Os desejos de martírio possuem em sua vida status de linha de conduta e ardor contínuo, a ponto de um dia ter dito que “a vida do bom religioso” é “um longo martírio” (CC 12, 2). Insurgia-se contra a desvantagem de ser mulher (V 10, 8; 18, 4; F 2, 4). Insistia por isso com suas monjas que fossem pregadoras por obras, (CE 32, 1), mas suspirava pela liberdade invejada (M 6, 3) e se superou pela força da união com Deus.
O refúgio abençoado do castelo
            Para tanto usou da solidão dos mosteiros como um retiro no interior de um “castelo”, que se foi tornando para ela estratégia de aperfeiçoamento da luta por Deus e com Deus (C 3, 5), tendo a oração confiante, vigorosa e livre como porta, a “porta do castelo”, de todo o bem para elas e para todos. Por meio dessa porta, a santa Madre vai progredindo na exploração do seu “castelo”, usando da interiorização, da concentração e do auto-conhecimento no trato com Deus, que é o resultado final do conhecimento tanto de si mesma (capacidades, pecados, limitações) como de Deus Uno e Trino (CE 41, 3; CV 25, 3).
A partir de guarita interior
            Na formação e fortalecimento de Teresa como interlocutora de Deus, na fé e na meditação, se sobrepõe superiormente por via mística o que para ela significa Deus em toda a sua grandeza e majestade: distante, mas acessível, transcendente e imanente. O Deus de Jesus Cristo: “o Deus (e Homem verdadeiro) conosco”. Permanece próxima de Deus pelo reconhecimento e pela experiência mística de seu Nada, pela sólida firmeza nas virtudes, no zelo apostólico e no desapego. Disto surgem as condições de um amor verdadeiro e uma amizade duradoura (V 8, 5-6), sem o que a oração se torna apenas algo episódico, superficial, instável, centrado em si mesmo, infrutífero (cf. V 21, 5). A oração da santa, para quem “nunca acabamos de nos conhecermos, se não conhecemos Deus” (2M 1, 9) — equilibra o tempo e a eternidade, o estável e o transitório, o permanente e o efêmero, o humano e o divino. A atalaia da contemplação lhe proporciona uma visão nítida do frágil valor da vida humana e a morte como libertação e repouso (V 21, 6; V 25, 21; 6M 10, 7; 11, 8; V 38, 3-5; CC, 3ª Ávila, 1563, 1). Ver tudo a partir do nível de Deus foi para ela de grande proveito para conhecer nossa pátria verdadeira e ter ciência de onde é que devemos viver (V 38, 6). Grandes doses de Deus deram têmpera e forma final à espada da parrésia chamada Teresa, cujas monjas lhe foram semelhantes (CE 3, 6).
Cátedra de parrésia
            Teresa nutria certo antagonismo em relação ao apóstolo Paulo, que vetou a palavra da mulher na Igreja (1 Cor 14, 34-35) e reclamava disso ao Pe. Garcia de Toledo (V 27, 13). Na oração, no tu a tu com Deus, encontrava seu espaço de desafogo; em seu “castelo”, explorava ao máximo uma potencialidade que podia fazer dela uma louca de amor pelo Senhor (V 16, 6). Foram dias e dias de diálogos fortes e dos mais variados tipos com o Senhor, compartilhados com interlocutores diversos. Uma parrésia vivida e falada, uma oração contagiante, poesia como em “Vivo sem em mim viver” e no “Colóquio de Amor”, :que abre este trabalho.Transformava tudo em oração (João XXIII). Difícil é classificar em categorias o resultado dessa oração vibrante de louvor, súplica e gratidão; muito fácil, porem, captar a acentuação mais forte do que trata com Deus ou exige de si mesma: a sinceridade em muitos matizes. Mais do que o apóstolo Paulo, troca com Deus, diretamente, “um diálogo pleno e cheio de confiança, para o qual a criança é convidada, no qual o místico se sacia” (Paulo VI, “Ecclesiam Suam”, 47).
Alguns momentos e textos da parrésia teresiana
            A sinceridade para com Deus de determinados escritos queima, e é o panorama interior da vida cotidiana e cristocêntrica de Teresa. Sua acentuação biográfica revela a cantora da glória ou a penitente pedindo perdão, como Agostinho em “Confissões”. Fica exposta ao falar de seus pecados, mas sempre agradecida a Deus, Ele próprio ajudando a santa a rever sua vida, tornando-a mais humilde e mais sincera. A parrésia de Cristo atrai a parrésia de Teresa, como um abismo outro abismo. Conta suas falhas com o objetivo de obter misericórdia para sua ingratidão e mostrar o bem que faz o Senhor a quem se dispõe a orar com empenho (V 8, 4; V 4, 3-4; V 2, 9; 6, 9).
Miséria e misericórdia
            Seus colóquios com Deus giram em torno até mesmo da mais profunda experiência de seus limites espirituais, sua falta de perseverança, sua desconfiança de si mesma (E 1, 3; 17, 1-4). Nelas, fala de uma possível e futura transformação em Deus, uma “co—naturalização” com Deus, que “é bem-aventurado, porque se conhece e ama e ama a si mesmo, sem ser possível outra coisa”. No fim de tudo, o mergulho na oração de plena disponibilidade: “Sirva-te eu sempre e faze de mim o que quiseres” (E 17, 5-6).
Loucura celestial
            Atalaia de Deus, Teresa paira lá em cima, ciente da grande importância da oração e da vida cristã realmente vivida para assumir tarefas evangélicas relevantes. A necessidade de embebedar-se de Deus, enlouquecer de amor por Deus, ela a traduz em atrevimento, liberdade e confiança perante Ele (V 16, 4; 40, 20), do que existem ainda melhores amostras tanto nos momentos de favores especiais, como nos de queixas pela noite escura (cf. V 37, 9). Exprime-a por ultimatos, um tipo de oração, a “oração-limite”, que lhe dá repouso e segurança (dificuldades em Ávila e Salamanca), e até por orações de greve, a “greve-de-joelhos” (demonstração de plena confiança de uma convertida (V 9, 1-3).
Clamores a Cristo
            Suas orações e clamores a Jesus são sublimes e com base no critério da “fraqueza humana” do Verbo divino. Amor e confiança a partir da relação de humanidade com o Interlocutor, sempre disposto a atender (C 26, 3-6); o Cristo glorioso e encarnado em sua época, com quem trata das pessoas, da Igreja e de si mesma, a cujos pés ela suplica insistentemente pela “ressurreição” dos pecadores (E 10, 2-3). São arrebatamentos não-ensaiados, que brotam da fonte viva de um coração tomado pelo Espírito.
Defesa de Cristo frente ao Pai
            O ponto mais alto de sua oração-parrésia é a defesa que faz de Cristo, agindo como intercessora dele junto ao Pai, mediadora do Mediador! Dá de início os motivos de suas súplicas, vai ao centro da questão (ajuda um Deus “esquecido” a se recordar!), depois ”ataca” o Pai com virulência, para em seguida passar à argumentação humilde, mas persistente em favor de todos, na Igreja (C 3, 7-9 — cf. também “O Caminho da Perfeição”). Certo dia, ao começar seu comentário sobre a petição “O pão nosso de cada dia nos daí hoje, Senhor”, apressa-se logo a dizer às monjas que não se deve ser superficial nesse pedido e, sim, dar relevância à “necessidade de sentir o amor estimulante de Cristo”, “sua permanência na Eucaristia”, ”a importância de um Pão distribuído pelo Pai”, “a humildade de Jesus em suplicar como que pedindo licença”, “o conhecimento que Cristo tinha do seu futuro cruel”. Passa daí, à conversa confiante sobre a relação Filho—Pai (de obediência), sobre as queixas relativas ao desrespeito para com o Pão eucarístico (C 33, 3-4; CE 59, 1; C 35, 3-4; C 34, 1). Sem pedir ao Pai que tire do mundo a Eucaristia, termina sua oração quase exigindo que o Pai arranje um jeito!(C 35, 4).
Em favor do Pai eterno
            Às vezes, porém, Teresa intercede pelo Pai ao Filho. Ao comentar o Pai-nosso, mal começa, percebe quantos favores recebe, e reclama com o Filho por “descolar” tantas graças “em nome do Pai”, cuja honra deve ser levada em conta (C 27, 1-3). Termina sua oração, entretanto, harmonizando tudo por meio do argumento da comunhão de amor na Família Divina.
Concluindo
            Súplicas ardentes, orações ousadas e fortes como as de Abraão e Moisés, são os colóquios de Teresa. Diálogo impetuoso de uma amiga singularíssima de Deus. Vive aquele grau de amor (sétimo) de que fala São João da Cruz: a alma passa a uma veemente ousadia: “o favor que Deus faz à alma a leva a atrever-se com veemência” (2 N 20, 2). É a ousadia que a graça divina comunica à alma; Teresa dela se aproveita ao máximo, como poucos! Os exemplos contidos nas citações bastam para se ter uma noção da franqueza de suas súplicas. Na hora da morte não faz outra coisa: “Já é tempo de nos vermos, Amado meu e Senhor meu!” (palavras recolhidas por uma amiga).
3 — OUSADIA FRENTE AOS HOMENS
            A oração de Teresa, portanto, é extremamente corajosa e atrevida, brota de sua vida teologal (fruto do sopro do Espírito) e de seu temperamento natural (condição pessoal, peculiar de uma mulher de fibra — V 8, 7; CC 3, 6). Usa de expressões semelhantes às da autobiografia em outras situações, como atesta o Pe. Domingos Báñez com a expressão “grande constância e discrição no governo de si mesma e das monjas” (BMC, 18, pág. 9), e o bispo de Ávila, falando à santa que as iniciativas dela eram “loucuras” (BMC, 18, pág. 307). A verdade é que Teresa fazia do “difícil” coisa “imediata” e reduzia o “impossível” a coisa “difícil”. A Graça transfigurava o temperamento forte e o predispunha para grandes obras. Teresa reconhece que, às vezes, emergia nela o sentimento de inferioridade, mas a intervenção do Senhor centuplicava nela a consciência do valor pessoal (CC 62).
Tribuna teresiana: Podem-se listar alguns terrenos em que a santa mostrou sua firmeza de ânimo:
1) contra Satanás... Chama-o de traidor e covarde, chefe de traidores. Faz humor contra o capeta, alcunhando-o de “invenção” de um tal Patillas” (Cta 131, 1576, ao Pe. Gracián). Ameaça fazê-lo em pedaços (V25, 2). Julga-se senhora desses escravos (V 25, 21). Provoca-o a fazer mal a ela. Manda-lhe uma figa (V 25, 22). Recomenda a união com Deus (força e poder) contra as insídias demoníacas. Ousa dizer que aos fracos Deus impede o demo de atingir (V 8, 6).
2) Contra o Mundo... Para a santa foi alto o preço que pagou por ter abandonado o mundo; teve de fazer muito esforço (V 4, 1). Cultivou a atitude de “trazer o mundo debaixo dos pés”. Lamentava os que permaneciam atrelados ao mundo (V 4, 7). Questionava os pregadores que, ao invés de evangelizar com destemor e liberdade (parrésia), faziam tudo para não deixar ninguém insatisfeito (V 16, 7; C 3, 27). Criticava os pregadores esforçados, que jamais se atreviam a dizer a verdade aos ricos e poderosos, que não renunciavam às coisas do mundo e não faziam nada para uma vida interior sólida, e se comportavam como dirigentes somente de gente fraca e pequenina; na verdade nem mereciam o título de dirigentes (C 3, 3-4). Ou seja: lutou contra o mundo, orientando as monjas e ensinando os pregadores a serem evangelicamente ousados e livres.
3) Teria sido ousada contra os luteranos?... As coisas da fé lhe davam força para ter pena dos erros “calvinistas” e suas heresias, e da situação da Igreja (CC 30, 8-9). Por causa da divisão na Igreja, teve a iniciativa da reforma da Ordem (C 3, 1-2). Sua audácia era multifacetada (desejos, pensamentos, palavras, obras), mas era principalmente um dado de sua oração, ecumênica e em prol da unidade — Cf. C 35, 4-5.
4) Ousadia no “dizer verdades”...  Seu falar claro e franco tinha por objeto a VERDADE, que é o mesmo que dizer: DEUS (V 40, 4). Sintetizou seu amor à verdade, certa vez, nesta sentença: “Bem-aventurada a alma que o Senhor atrai para entender verdades!” (V 21, 1). Por causa das verdades entendidas na oração, ou alcançadas por seu grande talento, a santa foi chamada por um dominicano de “Teresa da grande cabeça” (F 10, 13).
Verdades para o Rei e para a Corte. - Tempos depois de ter cunhado a bem-aventurança acima, uma exclamação sua diz como para ela era importante que a verdade morasse no palácio real (Felipe II, V 21, 1). Não tinha receio de dizer as verdades com ímpeto, às vezes com auto-crítica, até mesmo renunciando aos favores divinos para o bem dos reis (V 21, 1-2). Tem a mesma atitude em relação à Corte, onde campeava o espírito da falsidade (V 37, 6).
Mais verdades para os pregadores. - Critica os que pregam por medo ou interesse pessoal (MC 7, 4-5), ao invés de fazer direito seu serviço ao Senhor e às almas (MC 7, 5). Teresa oferece clareza e discernimento aos representantes da função de pregador, que, na força de uma terminologia muito usada por ela (embriaguês, desatino) deveriam estar embriagados de amor a Deus.
Verdades aos detentores de riquezas. - Teresa aconselha ousadamente aqueles que acumulam riquezas sem produtividade ou destinadas a gastos inúteis, colocando o assunto no âmbito da paz verdadeira ou falsa, onde se encontram também as riquezas acumuladas ou mal aproveitadas, que, em verdade, não pertencem a quem tem poder sobre elas (MC 2, 1.8-10). Faz repetidas alusões aos pobres, aos quais ajudar seria um caminho para a paz, para o qual leva a audácia cristã e a intuição radical da santa. A mordomia dos ricos e as gastanças públicas estão contemplados nas observações de Teresa (C 33, 1).
Verdades a quem diz que oração não faz falta. - Teresa vai direto ao assunto da oração mental, censurando os que acham que não é necessária, responsabilizando-os por tal desatino. Pessoas assim não sabem nada do que seja oração mental, nem oração vocal, nem contemplação (CV 22, 2). Ao contrário dos que afirmavam que o caminho da oração é um perigo, ensinava que é na verdade um caminho autêntico e seguro, uma garantia. Arrasa os adversários, falando sobre os medos inúteis e sobre o tesouro e a paz dessa oração (CE 36, 1). Incentiva a não se desistir da oração, que é de fato uma “fonte de água viva”, “venha o que vier” (contra tudo e contra todos), apesar dos falatórios negativos (seria perigo, perdição, engano, provocaria quedas, etc). Insiste sem dó em que o perigo mesmo estaria em quem ataca a oração mental, sugerindo que são gente orgulhosa, grupo de agentes do mal (CE 36, 3; CV 21, 8).
 Verdades sobre a Humanidade de Cristo. - Debate com ousadia até contra letrados, quando se trata da exata função da Humanidade de Cristo nos caminhos contemplativos. Defende que é de muito proveito a contemplação dessa Humanidade, elevar o espírito para as altas coisas desse caminho (V 22). Ela se derrama continuada e profusamente, quando na presença de Cristo (V 22, 3-7).
            Verdades ao Padre Geral da Ordem. - Terna, mas energicamente, corresponde-se com o Superior Geral João Batista Rossi sobre os Carmelitas Descalços para dar explicações perante ele e Deus, pedindo-lhe apoio, intercedendo por companheiros, solicitando crédito, suplicando compreensão e clemência. Sem nunca deixar a oração, a transparência e a humildade. Ao mesmo tempo em que se mantém livre e forte em seu empreendimento, lamenta a morte de Rossi entre lágrimas, sem abandonar a audácia, o amor à verdade e a inteireza pessoal.
Verdades a bispos, autoridades civis e outros. - Teve que tratar com muita gente nos trabalhos da Reforma e fundação: bispos, clérigos, frades, monjas, comerciantes, damas da alta sociedade... Teresa sempre foi modelo em “cantar verdades”. Com isso, vencia as mais tenazes resistências. Houve um que lhe concedeu o que solicitava, porque a Madre “parecia trazer dentro de si alguma provisão do Conselho Real de Deus” (cf. Gracián, Scholias y addiciones). Cara a cara, era mais eficiente ainda, como ocorreu em Toledo num face a face com o governador eclesiástico (F 15, 5); em Sevilha, chamando de “agravo” ao que o arcebispo lhes fazia, e o levando a lançar-se de joelhos e pedir-lhe a bênção! A mesma coisa quase com o Núncio Apostólico Felipe Sega — foi este que a apelidara “Mulher inquieta e andarilha”.
Para não esticar mais seu repertório de “cantar verdades”, terminamos com duas frases suas: “Grande coisa é a Verdade!” (Ao Pe. Doria, 1579); ao fim de um caso muito difícil: “A verdade padece, mas não perece!” (Às monjas de Sevilha, 1579).
Concluindo
            Sugere-se com este estudo uma leitura interpretativa da alma de Teresa de Jesus com base em sua parrésia. Tal leitura nos permitiria ir bem fundo em sua personalidade rica e multifacetada, tal como se estivéssemos escutando os colóquios de Jesus com Deus Pai. As “Exclamações” são reconhecidas pela santa como uma decisão de confrontar-se com seus dias de tensão e pusilanimidade, e corrigi-los por meio desses lances de assumida auto-imagem e auto-conhecimento (E 17, 2). De sua literatura com esse tipo de conteúdo — sinceridade e ousadia perante Deus e os Homens — surge a Teresa autêntica: terna e apaixonada, autoritária e insinuante, enamorada do bem e da verdade, cuja verdade é Deus, defensora aguerrida de Cristo, compreensiva e muito humana, louca pela Igreja, transparente no Espírito, que orava e agia nela, que a enchia de celestiais desatinos e atrevimentos.
            Para interpretar essa alma, deve-se recorrer ao “quadro bíblico” do início, do qual ela herda certo parentesco, a linguagem oracional e a medida da verdade por ela amada! Ao exprimir-se na forma de parrésia, sua linguagem nos permite ver sua familiaridade com o Pai e com Jesus Cristo, seus interlocutores preferidos (E 17, 4-5), e sua capacidade de assombrar-se e maravilhar-se com cada criatura!
            Sua oração ajuda, também, a medir os graus de aperfeiçoamento de seu espírito eclesial. A renovação da Vida Religiosa foi sua iniciativa de destaque em termos de querer o bem da Igreja (“Espera um pouco, filha, e verás grandes coisas” — F 1, 8), e preparar, tal qual um Abraão ou outro patriarca, o futuro da mesma por meio da Ordem. Se alguém estiver procurando identificação no campo da denúncia e contestação, a partir da Igreja e do amor pela Igreja, Teresa é exemplar de como ser ousado e respeitoso, original e obediente, denunciador do mal e anunciador do bem. Ou seja: ser livre num amor ardente e apaixonado!
            O autor considera que ainda é a mínima parte do que ocorreu na vida de Teresa, seja em relação a Deus, seja em relação aos homens. A entrega e oferta de sua vida a Deus poderiam ser pintadas nestas linhas: “Aqui me vedes, Senhor: se é necessário viver para vos prestar algum serviço, não recuso todos quantos trabalhos na terra me possam sobrevir, como dizia vosso amador São Martinho. Mas, ai! tenho pena de mim, Senhor meu: Martinho tinha obras e eu apenas palavras, que não valho para mais nada. Valham então meus desejos, Deus meu, diante de vossa divina aceitação, e não olheis para o meu diminuto merecimento! Mereçamos todos amar-vos, Senhor; já que temos de viver, que vivamos para vós: acabem-se já nossos interesses e desejos” (E 15, 2-3; cf. V 21, 5). Degustando esta oração, que condensa um itinerário e programa de vida, encerra-se este tema, que comprova: o estilo autêntico de oração teresiana, a parrésia, é um dos traços mais salientes da fisionomia da santa.

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