Salvador
Ros García
Se perguntássemos a santa Teresa que experiência ela teve de vida comunitária, e como esta influenciou em sua vida espiritual, ela começaria, com quase certeza, respondendo-nos que não teve mestres, nem formadores, nem amigos que nela introduzissem: “Eu não encontrei mestre - digo confessor que me entendesse -, embora procurasse durante vinte anos, depois do que estou a dizer. Isto fez-me muito dano e voltar muitas vezes atrás e até de todo me perder” (V 4,7). “Creio que se tivesse tido mestre ou pessoa que me avisasse para fugir das ocasiões...” (V 4,9). “Todo mal estava em não poder eu furtar-me de todas as ocasiões e nos confessores que ajudavam pouco (V 6,4). “Grande mal é ver-se sozinha uma alma entre tantos perigos (...) Porque para cair tinha muitos amigos que me ajudassem; mas para levantar-me via-me tão só que agora me espanto ao ver que nem sempre estava por terra, e louvo a misericórdia de Deus, pois só ele me estendia a mão” (V 7, 20-22).
Conclusão
2-Quais os valores básicos para uma comunidade, segundo Santa Teresa?
3-Quales son las dificultades reales que tenemos para vivir estos valores?
4-Quais são as dificuldades reais que temos para vivermos estes valores?
5- Como S. Teresa viveria hoy con nosotros la vida comunitária-fraterna, como base también de toda misión ?
6-Como Santa Teresa viveria conosco hoje a vida comunitária-fraterna, como base também de toda missão?
Bibliografia
- A. RUIZ, Un estilo de hermandad, Burgos 1981; E. RENAULT, «Genèse
et évolution de l.esprit apostolique chez Thérèse d.Avila», en Revue
d.Histoire de la Spiritualité 53 (1977) 95-116.
Se perguntássemos a santa Teresa que experiência ela teve de vida comunitária, e como esta influenciou em sua vida espiritual, ela começaria, com quase certeza, respondendo-nos que não teve mestres, nem formadores, nem amigos que nela introduzissem: “Eu não encontrei mestre - digo confessor que me entendesse -, embora procurasse durante vinte anos, depois do que estou a dizer. Isto fez-me muito dano e voltar muitas vezes atrás e até de todo me perder” (V 4,7). “Creio que se tivesse tido mestre ou pessoa que me avisasse para fugir das ocasiões...” (V 4,9). “Todo mal estava em não poder eu furtar-me de todas as ocasiões e nos confessores que ajudavam pouco (V 6,4). “Grande mal é ver-se sozinha uma alma entre tantos perigos (...) Porque para cair tinha muitos amigos que me ajudassem; mas para levantar-me via-me tão só que agora me espanto ao ver que nem sempre estava por terra, e louvo a misericórdia de Deus, pois só ele me estendia a mão” (V 7, 20-22).
Como se
vê, a lembrança da falta de um orientador é uma constante, semelhante a uma
fibra solta e dolorida que pulsa no interior do seu relato biográfico. Essa
carência foi real: se observarmos o resumo que ela própria faz de seu noviciado
e da comunidade da Encarnação, nos damos conta que não menciona, em nenhum
momento, o nome de uma mestra ou de uma
priora que lhe tenha marcado significadamente. Somente recorda-se de uma amiga
passageira e ninguém mais (cf. V 3,2; 4,1): nem os amigos que a acompanharam,
nem sequer um sacerdote dentre os mais de 15 confessores que frequentaram o
Mosteiro da Encarnação e que a ajudaram. Isso durou quase 20 anos (dos 20 aos
39 de idade) até que, por fim, aparece alguem disposto a estender-lhe a mão. É
Francisco de Salcedo, um leigo, ao que chama “o cavaleiro santo”, e de quem exclama
emocionada e agradecida: “que grande coisa é entender uma alma”
Apesar
disso, o panorama não foi tão obscuro como parece. Ela mesma revela, em seguida,
uma confidência surpreendente: “uma coisa posso dizer com verdade: Sua
majestade (Deus) foi sempre meu mestre. Seja Ele bendito! Muita confusão é para
mim poder dizer isto com verdade” (V 12,6). Disse isso em meio ao que é mais
amargoso do relato da sua experiência de solidão e carência, em um constraste
tão chamativo que se torna intencional, justamente para acentuar ainda mais
este segundo plano que é a fonte de seu carisma e de seu magistério.
1. A experiência na encarnação
(1535-1562)
Quando,
na madrugada de 02 de novembro de 1535, Teresa saiu da casa paterna para ser
monja no Convento da Encarnação, “onde estava aquela minha amiga” (V 4,1), tal
convento se encontrava em livre expansão demográfica, num processo de
crescimento de mais de 30 professas em 1536, de 65 em 1545, de mais de 150 em
1562, até chegar inclusive a 180[1].
Contrariamente, as rendas comuns estavam em diminuição e eram mal
administradas, tornando-se insuficientes para satisfazer a necessidade daquele
mundo heterogênio e crescente. Como consequência, o mosteiro oferecia um
espetáculo chocante: de um lado as monjas pobres, do refeitório e dormitório
comum, que passavam fome, e de outro, as senhoras privilegiadas, que dispunham
de recursos próprios e que viviam magnificamente em suas celas de aluguel
vitalício, com capacidade para manter criadas, talvez alguma escrava, alojar
parentes e com um estilo de vida exatamente igual ao secular[2].
Diante
de tal situação de pobreza comunitária, em contraste com a riqueza individual
de algumas, uma alternativa encontrada era a de amenizar a superpopulação do
mosteiro através de saídas frequentes, às vezes de longa duração, motivada por
aparente mendicância, por imperativos de gratidão ou expectativas de ajuda que
não sempre se cumpriam. Isto era possível porque no Convento da Encarnação “não
se prometia clausura” (V 4,5). Consequentemente, a dependência afetiva
gravitava mais em torno da vida extra-conventual, o que tornava impossível a
vida comunitária intra-conventual. De fato, as próprias constituições do
mosteiro manifestam também estas mesmas carências, comuns à mentalidade da
época: não se tinha em conta o número de monjas nem os critérios de idoneidade
para a vida comum; a oração mental não se apresentava como ato da comunidade;
não existia a recreação comunitária nem se prescreviam outros encontros para o
diálogo fraterno[3].
Obrigada
ou de boa vontade, Teresa se viu envolvida nesse ambiente e viveu esta
realidade: passou longos momentos no locutório a falar com algum cavaleiro da
aristocracia local (V 7,7); esteve fora do mosteiro durante a prolongada e
aguda enfermidade que a deixou paralítica aos seus 25 anos, e que a fez acorrer
à curandeira famosa de Becedas, por-se em contato com o sacerdote enfeitiçado,
convencer-se da miséria da medicina de seu tempo e de que podiam mais os
terapeutas do céu, em especial o valoroso São José (V 6,5-8). Falecido o seu
pai em 1543, Teresa teve que tomar conta de sua irmã Joana, que residiu com ela
até seu casamento; foram frequentes as estadas na casa de seu tio Francisco
Alvarez de Cepeda; fez com Joana uma peregrinação votiva a Guadalupe, com
desvios bem aproveitados; esteve anos e anos com sua amiga íntima dona Guiomar
de Ulloa; teve que ir a Toledo, por ordens do Provincial para consolar a
aristocrata viúva dona Luisa de la Cerda (V 34-35). Com tudo, deve-se dizer que
tais saídas tornaram-se proveitosas, pois graças a elas pôde entrar em contato
com ideias e personagens decisivos: São Pedro de Alcântara, São Francisco de
Borja, etc.
Seus
encontros, fruto das saídas do convento, somados a sua sensibilidade às
correntes reformistas, possibilitaram a gestação e o nascimento da ideia
reformadora (cf. V 32,10). Todavia, não se deve esquecer que foi do Carmelo da
Encarnação que veio a inspiração aos textos institucionais primitivos, bem como
as próprias monjas que alimentaram as primeiras fundações descalças. Mesmo
assim, essa herança ou elementos de continuidade não podem encobrir os muitos
outros aspectos transcendentais que dotaram o projeto teresiano de um espírito
novo e inconciliável com o vivido na encarnação – espírito e mosteiro que, sem
dúvida, traumatizaram Teresa, apesar das contínuas desculpas que demonstra sem
cessar (cf. V 37,9-10).
2. O ideal reformador (1562-1567)
No
começo, o projeto teresiano carecia de um programa inicial concreto. Parece
que, inicialmente, dois foram os motores propulsores: a simpatia com os
movimentos reformistas, de observância frente aos conventuais (V 32,10), e o
incômodo gerado pelo estilo de vida generalizado na Encarnação, “que eu já não
sabia como viver quando aqui me meti” (V 37,9-10). Isso porque, ainda que se
falasse do slogan reformista de volta
às origens, chama a atenção que o ponto de referência, a assim chamada Regra
Primitiva, tenha sido descoberta por Teresa quando se achava em Toledo, e a
edificação do modesto edifício de São José em Ávila, já iniciada (V 35, 1-2;
36, 26). Tampouco se sabe exatamente quando apareceu no horizonte teresiano a
outra integrante substancial: a imagem triste e deformada dos “luteranos”.
Quando ela reflete sobre o assunto, anos mais tarde, mistura tempos e elementos
de um projeto impreciso, que iria se materializando pouco a pouco, por sua
própria dinâmica interna e a imposição de circunstâncias externas, em um todo
homogênio, especialmente sensibilizada e convencida de que no trabalho eclesial
podia ser mais eficaz a batalha silenciosa de mulheres orantes que os
gigantescos e ideológicos exércitos armados de Felipe II, de cujo fracasso
seria ela, precisamente, uma previsora perspicaz (cf. CP 3,1-2).
Porém,
o que sabemos com certeza é que, em torno a ela se fora formando um grupo de
pessoas espirituais, impactadas com sua experiência e sua palavra. Primeiro foi
um pequeno grupo de amigos, “os cinco que no presente nos amamos em Cristo” (V
16,6-7). Teresa, ao lhes falar de sua oração, da ação de Deus, se conectava com
o mais profundo de cada um deles e despertava forças escondidas. Um deles, o
dominicano Pedro Ibáñez, atestou: “É tão grande o aproveitamento de sua alma,
nestas coisas, e a boa edificação que dá com o seu exemplo, que mais de
quarenta monjas cuidam, em sua casa [no Mosteiro da Encarnação], de grande
recolhimento... E digo, por certo, que tem feito proveito a muitas pessoas, e
eu sou uma delas” [4].
Daí
que, ao fundar sua primeira comunidade, o Convento de São José de Ávila, Teresa
tenha começado estabelecendo algo que naquela época tornava-se arriscado, uma
novidade perigosa: a comunicação espiritual em grupo. Reuniam-se para “poder
falar de Deus” (com Ele e d’Ele), ou seja, para orar e comunicar-se. Uma comunidade orante, porém não somente de
recitação orante, mas de persuasão à experiência, pois esta, semelhante à
caridade, cresce ao ser comunicada (V 7, 22; 17, 5). Isso, naqueles tempos
difíceis, naquele ambiente inquisitorial de suspeita institucionalizada (V
33,5), era realmente perigoso, pois havia se estabelecido um estado de opinião
que associava quase instintivamente o círculo de mulheres espirituais com o
fenômeno dos iluminados e com a heresia luterana.
Apesar
disso, Teresa propunha essa experiência a suas monjas no Caminho de Perfeição: “Por
isso, filhas, procurai que todas as pessoas com quem tratardes –se estiverem
bem dispostas e vos tiverem alguma amizade – percam o receio de buscar tão
grande bem [a oração]; e por amor de Deus vos peço: nas vossas conversações
tende sempre em vista o proveito dos que vos falam, pois vossa oração há de
visar o bem das almas. Já que o haveis de pedir sempre ao Senhor, não ficaria
bem, irmãs, senão o procurásseis por todos os modos (...) Pode acontecer que
seja necessário dispor o ânimo de vosso parente, ou irmão, ou pessoa conhecida,
mediante essas frases e expressões de afeto, sempre agradáveis à natureza.
Assim vos darão ouvidos e aceitarão uma verdade. Não raro uma boa palavra –
como dizem – dá mais resultado que muitas de Deus e abre o caminho a estas
(...) Todos sabem que sois religiosas e que tendes vida de oração. Não se passe
pela ideia dizer: “não quero que me
tenham em boa conta”. Em honra ou descrédito para a comunidade, redundará
aquilo que virem em vós. E mal é que pessoas tão obrigadas a falar senão em
Deus, como as monjas, tenham por lícito usar de dissimulação em tais
circunstâncias, a não ser alguma vez para conseguir maior bem. Este é o vosso
trato e modo de falar. Quem quiser ter relações convosco , aprenda-o (...) Se
vos julgarem grosseiras, pouco perdereis! Se hipócritas, ainda menos. Saireis
ganhando, porque não virá procurar-vos senão quem souber a vossa língua (...)
Se os que falarem convosco quiserem aprender vossa linguagem, contai-lhes as riquezas
que se ganham em aprendê-las. Disto não vos canseis. Insisti com piedade e
amor, fazendo também oração, para que lhes seja proveitoso; e já que não tendes
missão de ensinar, entendendo eles o grande lucro deste caminho, procurem
mestre que os instrua. Não seria pequena
mercê, se o Senhor vos desse graça para despertar em alguma alma o desejo deste
bem (CP.V 20, 3-6).
Já
antes, no brevíssimo texto das Constituições que ela escreveu para sua primeira
comunidade, e que o Pe. Rubeo aprovou em abril de 1567, havia-o formulado
também deste modo: “Uma vez ao mês, todas as irmãs prestem contas, à priora, de
como aproveitaram a oração e como Nosso Senhor as conduz; pois sua majestade
lhe dará luz para que as guie, caso não vão bem; e fazer isso é útil para a
prática da humildade e mortificação e para muito aproveitamento” (Const 41).
Convém recordar que quando Teresa escreve isso, a priora da comunidade é ela;
portanto, o referido texto é simples codificação do que toda a comunidade
praticava sob sua direção[5].
Por
outra parte, o projeto teresiano – aquele círculo de mulheres orantes – estava cheio de sinais inovadores e de
clamoroso protesto. Representava, em primeiro lugar, um desafio contra o
ambiente marginalizador das mulheres, consideradas então como um estorvo, como
um mal necessário, e que, apesar disso, eram mais adiantadas que os homens nos
caminhos do espírito, com havia dito Frei Pedro de Alcântara à Teresa, que o
cita favoravelmente para afirmar sua convicção pessoal (cf. V 40,8); e isso em
uma Igreja necessitada de tudo e em tempos em que não se podia dar ao luxo “de
desprezar ânimos virtuosos e fortes, ainda que de mulheres” (CP.E 4,1)[6].
Em segundo lugar, o novo estilo de vida implantado no Convento de São José era
também um desafio aos convencionalismos sociais da mentirosa honra, encobridora
de outros interesses, identificada com as conotações de linhagem e da pureza de
sangue – protesto teresiano que se materializou com a absoluta igualdade e
trato de suas monjas (CP.V 4,7), a extirpação de títulos e preferências (CP.V
7,10), “pois aquela que for de família mais nobre, seja a que menos tenha na
boca o nome do pai” (CP.V 27,6), e com o trabalho manual por norma e sem
exceções (Const 22).
Este
novo estilo de vida comunitária de São José de Ávila, em um convento menor e
acolhedor, frente ao enorme e impessoal da Encarnação, de ambiente de oração e
de vida alegre, sem as tensões e ressentimentos sociais do anterior, impactou
de tal maneira o geral Rubeo, quando o visitou em abril de 1567, que “alegrou-se
de ver a maneira de viver” (F 2,3), “e com a vontade que tinha de que fosse
mais adiante o que tinha começado, deu-me completa autorização para que se
fizessem novos mosteiros” (F 2,3); além disso, aprovou as constituições que ela
mesma lhe apresentou e nas que figuravam as seguintes características: uma
comunidade pequena, seleta e culturalmente bem formada (n.8)[7],
“integradas por pessoas de oração e bom entendimento” (n. 1-2;21;42),
exercitada nas virtudes teologais (n. 40), de trabalho e austeridade (n.
9-13;22;24), em um clima de liberdade (n. 7;17), de fraternidade (n.
21-23;28-29), de recreação (n. 26-28) e comunicação espiritual (n. 7; 40-41),
de estrita igualdade, sem privilégios nem discriminações por diferenças sociais
ou questões de dotes (n. 21-22;30). Finalmente, um estilo que poderia
resumir-se em sua palavra de ordem predileta: “perfeição com suavidade” (V
36,29; 11,16; Carta a Isabel de Santo Domingo, 12 de maio de 1575, 3)[8].
3. “Nosso estilo de irmandade e recreação” (1568-1582)
O
conteúdo desta típica expressão teresiana é o que também ela quis inculcar a
Frei João da Cruz, seu jovem candidato, ainda estudante e tentado a fugir para
a cartuxa, quando o levou consigo à fundação de Valladolid, no verão de 1568, e
o introduziu na vida de comunidade, naqueles
dias sem clausura em que se preparava a casa, a fim de que aprendesse “ sobre o
nosso modo de proceder, para que ele entendesse bem tudo quanto se referia à
mortificação, ao estilo de nossa irmandade e à recreação em comum. Porque
fazemos tudo com tal moderação que a recreação serve apenas para que as irmãs
reconheçam suas falhas e tenham um pouco de alívio para suportar o rigor da
Regra” (F 13,5).
Talvez
convenha aclarar que “entender as faltas das irmãs”, nas recreações, não quer
dizer observar imperfeições, mas sim carências, ou seja, as necessidades das
irmãs[9].
E, para isso, precisamente, era útil a recreação comunitária, novidade
teresiana que não existia no Mosteiro da Encarnação, e que ela introduziu em dois
momentos diários, depois do almoço e depois das completas e oração (Const.
26-28), e para o qual não duvidou em modificar a Regra, atenuando a prescrição
do silêncio durante o dia e atrasando o tempo de “silêncio maior” (Const. 7 e
28; carta a Maria de São José, 8 de novembro de 1581,20)[10].
Ainda
assim, convém advertir também que o termo “mortificação”, no léxico teresiano,
não equivale a penitências e asperezas externas, mas à oração e virtudes, como
ela mesma deixou bem claro quando teve que explicar as razões de sua oposição a
reformar mosteiros alheios: “Acerca do
mosteiro da condessa, não sei que dizer, porque embora há muito se fale nisso,
confesso a Vossa Senhoria: antes quisera fundar, desde o começo, quatro dos
nossos de monjas, porque em quinze dias fica assentado nosso modo de viver, e
as que entram não fazem mais do que seguir o que veem nas que já estão. É mais
fácil do que adaptar essas benditas, por santas que sejam, à nossa maneira de
proceder. Falei a duas em Toledo; vejo que são boas, e, no seu gênero de vida,
vão indo bem; além disso, asseguro, não sei como me atreveria a tomá-las a meu
cargo, porque me parece vão mais por via de aspereza e penitências que por
mortificação e oração” (Carta a Dom Antônio de Bragança, 02 de janeiro de
1575,8)[11]
Assim,
frente ao isolamento e o rigor medievais da cartuxa, que buscava Frei João,
Teresa quis inculcar a seu candidato um modelo de vida comunitária resumido em
um moderno estilo de irmandade, de recreação e comunicação: “Ele era tão bom
que mais podia eu aprender com ele do que ele aprender comigo. Minha intenção,
porém, não era essa e sim mostrar-lhe a maneira de proceder das irmãs” (F
13,5). Um estilo que implica três elementos: a) as coisas referentes à
mortificação (vida teologal); irmandade e recreação (vida fraterna em um
ambiente propício à essa oração tão sua, não só de recitação orante, mas sim de
indução à experiência, ou seja, para orar e comunicar-se); d) e tudo com
moderação, com suavidade “de modo a não afligir demais o natural” ( F18, 6;
Carta a Dom Teutonio de Bragança, 3 de julho de 1574, 4).
Anos
mais tarde, outro bom conhecedor do espírito teresiano, o Padre Jerônimo
Graciano, ponderava a importância que dava a fundadora a esse dado da
comunicação espiritual: “Ó Jesus, com quanto rigor e cuidado a madre Teresa de
Jesus fazia suas religiosas guardarem uma constituição a elas posta, e que suas
preladas dessem conta de seu espírito. E quanto proveito achou certa alma que, tendo
repugnância a isto, por ser tentada contra seu superior, ao lhe mandarem dar
conta de seu espírito, o fez, embora lhe custasse muito”[12].
Porém,
para ver realmente o ideal comunitário de Santa Teresa, as características da
comunidade teresiana, o melhor documento, sem dúvida, é o Caminho de Perfeição,
onde explicita seu ideal contemplativo ao serviço da Igreja (CP.V 1,5; 3,6.10),
o exercício das virtudes teologais, amplamente desenvolvidas (CP.V 4-15), e
toda uma gama de atitudes do melhor humanismo. Vale como exemplo o resumo que
faz ao final do livro, no capítulo 41, onde recorda a suas monjas o princípio
de “quanto mais santas, mas conversáveis”, e convida a “andar com uma santa
liberdade” – nem “encolhidos” nem “oprimidos” – , a “ser afáveis, agradar e contentar as pessoas com quem
conversamos”. Tudo isso com expressões transbordante de humanismo e desmascaradoras
de toda falsa experiência de Deus que “encolha a ânima e o animo)”.
“Assim não vos acanheis porque, se a alma começa
a se encolher, é coisa muito má para tudo quanto é bem e às vezes dão em ser
escrupulosas, e aqui a tendes inabilitada para si e para os outros e, mesmo que
não dê nisto, será boa para si, mas não levará muitas almas para Deus, pois
veem tanto constrangimento e aperto (...). E daqui vem outro dano, que é julgar
a outros: como não vão pelo vosso caminho, mas com mais santidade para dar
proveito ao próximo, tratam com liberdade e sem esses encolhimentos e assim
logo vos parecerão imperfeitas. Se têm alegria santa, parecerá dissipação, principalmente
às que não temos letras, nem sabemos no que se pode tratar sem pecado. É coisa
muito perigosa e andarem em tentação contínua e de muito má digestão porque é
em prejuízo do próximo. E pensar que, se não vão todos pelo mesmo modo,
encolhidos, não vão tão bem, é muitíssimo mal”. (...) Assim, irmãs; tanto
quanto puderdes, sem ofensa de Deus, procurai ser afáveis e entender de modo
com todas as pessoas que convosco tratarem, a que amem a vossa conversação e
desejem a vossa maneira de viver e de tratar, e não se atemorizem e amedrontem
da virtude. A religiosas importa muito isto: quanto mais santas, mais
conversáveis com vossas irmãs. E, ainda que sintais muito pesar se todas as
suas conversas não vão como vós as quereríeis, nunca vos esquiveis, se quereis
que aproveitem e quereis ser amadas por elas. É isto o que muito devemos
procurar: ser afáveis e agradar e contentar às pessoas com quem tratamos,
especialmente às nossas irmãs. (...)
Assim, pois, filhas minhas, procurai entender de
Deus, em verdade, que Ele não olha a tantas minúcias como pensais e não deixeis
que se vos tolha a alma e o ânimo, pois com isso se poderão perder muitos bens.
Mas, intenção reta, vontade determinada, como tenho dito, de não ofender a
Deus! Não deixeis encurralar a vossa alma: em lugar de achar santidade, ganhará
muitas imperfeições que o demônio lhe porá por outras vias e, como já disse,
não aproveitará nem para si nem às
outras tanto quanto poderia.” (CP.V 41,5-8)
Permita-me,
para terminar, insistir em um aspecto do carisma e da comunidade teresiana que
considero de capital importância e de grande atualidade. Refiro-me a seu
caráter mistagógico, a essa capacidade de impacto, de persuasão à experiência,
pois foi isso que ela fez com seus próprios escritos –não só informar sobre o
Mistério, senão, sobretudo, introduzir nele – , e o que quis instaurar em suas
comunidades. Uma mistagogia explícita, com recursos à iniciação, proposta de
forma concreta, respondendo à dificuldades e estímulos para aspirar a suas
formas mais perfeitas[13].
Não
faz muito tempo que o tema da experiência de Deus estava restrito ao âmbito
excepcional dos fenômenos místicos e inacessível fora deles. Uma das grandes
falhas da teologia pós-tridentina da Graça, e causa, por sua vez, de outras
deficiências de dita teologia, foi essa visão negativa ao abordar o tema da
experiência de Deus, ou pior ainda, haver suposto que o tema estava definitivamente
explicado, só que negativamente: não há nem pode haver experiência da graça.
Isso até que a genialidade religiosa – mais que a genialidade teológica – de
Karl Rahner começou a rever essa falsa evidência e a questioná-la: “se se
tivesse apresentado a vivência mística separada dos seus fenômenos marginais,
teríamos compreendido melhor que estas experiências não são absolutamente
acontecimentos que estejam mais além dos cristãos normais. Teríamos
compreendido que o testemunho dos místicos acerca de suas experiências místicas
se refere a uma experiência que cada cristão, inclusive cada homem, pode
experimentar, porém que, com frequência omite ou se reprime. De qualquer forma,
é válida a afirmação de que existe a mística e de que não está tão longe de nós
como somos tentados a supor”[14].
A
questão é que hoje, diante do fenômeno da descrença e das dificuldades na
transmissão da fé, é mais urgente que nunca promover uma pastoral da
experiência de Deus. Como? Não pelo caminho do convencimento, das ideias e das
lições teóricas. Tampouco pelo suposto “contágio” ao que com frequência se
acorre em determinadas pastorais, porque o contágio supõe uma forma de
transmissão que não passa pela razão nem pela liberdade do contagiado, e uma
adesão racional e livre como a fé requer o assentimento racional e o
consentimento livre por parte do destinatário.
A pastoral da experiência de Deus supõe a mistagogia, ou seja, a
iniciação, o acompanhamento por parte de alguém (pessoas, comunidades) que haja
passado por essa experiência.
Quando
Teresa definiu sua comunidade como “colégio de Cristo” (CP.E 20, 1; CV 27, 6),
não foi só por uma idealização dos tempos apostólicos ou uma pretendida volta a
essas origens míticas, mas sim porque dita comunidade tem a missão fundamental
de ser, antes de mais nada, sacramento, relato e rosto de Deus. Se todas as
tarefas pastorais da Igreja têm que ter algo de processo mistagógico, poderíamos dizer que a tarefa primordial
e insubstituível das comunidades
teresianas consiste nisto: iniciar e acompanhar na experiência do Mistério, ser
lugares onde se vive e se comunica a experiência de Deus, onde se oferece a
ajuda de mestres, de peritos nas coisas de Deus.
1-Quales los valores basicos
para una comunidad, según Santa Teresa? 2-Quais os valores básicos para uma comunidade, segundo Santa Teresa?
3-Quales son las dificultades reales que tenemos para vivir estos valores?
4-Quais são as dificuldades reais que temos para vivermos estes valores?
5- Como S. Teresa viveria hoy con nosotros la vida comunitária-fraterna, como base también de toda misión ?
6-Como Santa Teresa viveria conosco hoje a vida comunitária-fraterna, como base também de toda missão?
Bibliografia
- J.MURILLO, La comunidad en Teresa de Jesús, Vitoria 1982; ID.,
«Comunidad (en Santa Teresa de Jesús)», en T. Álvarez (dir.), Diccionario de
Santa Teresa, Burgos, pp. 148-156; G.
- POZZOBON, La comunità teresiana. Genesi e formulazione, Roma 1979;
Id., «La comunità teresiana, una significativa esperienza di comunione
ecclesiale», en Teresianum 33 (1982) 515-585;
- S. ROS, «El carisma del Carmelo vivido e interpretado por Santa Teresa»,
en La recepción de los místicos Teresa de Jesús y Juan de la Cruz,
Salamanca 1997, pp. 537-572; ID., «El carisma mistagógico de Santa Teresa», en Revista
de Espiritualidad 66 (2007) 419-443.
[1] Segundo dados da própria autora:
cf . F 2,1; carta a uma aspirante, fim
de maio de 1581,2.
[2] Remetemos à documentação publicada por O. STEGGINK, «Santa Teresa y el Carmelo
femenino anterior», en Experiencia y
realismo en Santa Teresa y San Juan de la Cruz,Madrid 1974, pp. 70-98; ID.,
Arraigo e innovación, Madrid 1976, pp. 51-68; T. ÁLVAREZ, «La visita del
Padre Rubeo a las Carmelitas de la Encarnación de Ávila (1567)», en Monte
Carmelo 86 (1978) 5-48; 269-280.
[3] Texto publicado por SILVERIO DE SANTA TERESA, «Constituciones
del convento de la Encarnación de Ávila que se observaban viviendo allí Santa
Teresa de Jesús», em Biblioteca Mística Carmelitana (= BMC), t. 9, pp.
481-523.
[5] Anos mais tarde, ao refazer o
texto constitucional, acrescentou: “Entenda-se que ao prestar contas as noviças
à mestra, e as demais religiosas à priora,
da oração e seu aproveitamento, que se faça de maneira que elas não sejam
constrangidas a tal coisa, mas que por
sua própria vontade percebam o muito
aproveitamento espiritual que disto
receberão” (Constituições de 1581, cap. 14, n. 4 )
[6] Aspecto resaltado por historiadores e teresianistas: cf.
T. ÁLVAREZ, «Santa Teresa y
la polémica de la oración mental. Sentido polémico del Camino de Perfección»,
en IV Centenario de la Reforma Carmelitana, Universidad de Barcelona,
1963, pp. 39-61; ID., «Santa Teresa y las mujeres
en la Iglesia. Glosa al texto teresiano de Camino 3», en Monte
Carmelo 89 (1981) 119-132; T. EGIDO, «Santa Teresa y su condición de mujer», en Surge 42
(1982) 255-275; S. ROS, «Santa Teresa en su condición histórica de mujer espiritual», en Revista
de Espiritualidad 56 (1997) 51-74.
[7] Seu número ideal era de 13
monjas, como o pequeno “colégio de Cristo” (os 12 apóstolos com Jesus),
“porque, tendo tomado a opinião de muitas pessoas, cheguei à conclusão de que
convém ser assim; e tenho visto por experiência que, para manter o espírito
agora reinante (...) não podem ser em maior número” (V 36,29), pois “onde há
poucas, há mais conformidade e quietude” (F 2,1), e “onde são tão poucas, pede
a razão que sejam bem escolhidas” (Carta a dona Maria de Mendoza, 7 de março de
1572, 14).
[8] Escrevia o Padre Graciano em 1611, evocando a figura da
Santa: «Tenía hermosísima condición y tan apacible y
agradable, que todos los que la comunicaban y trataban con ella llevaba tras sí
y la amaban y querían, aborreciendo ella las condiciones ásperas y
desagradables que suelen tener algunos santos crudos, con que se hacen a sí
mismos y a la perfección aborrecibles» (BMC, t. 16, pp. 499-500). E Maria de
São José em 1585, recordando a origem de
sua própia vocação: “ O Senhor me chamou à religião vendo e conversando com
nossa Madre e suas companheiras, que moviam as pedras com sua admirável vida e
conversação. E o que me fez segui-las foi a suavidade e grande discrição de
nossa boa Madre. Creio verdadeiramente que, se os que têm ofício de levar a
alma a Deus usassem o projeto e a habilidade que aquela santa usava, levariam
muitas mais almas” (MARÍA
DE SAN JOSÉ (SALAZAR), Libro de
Recreaciones, n. 2, em Escritos Espirituales, ed. Simeón de la
Sagrada Familia, Roma 1979, pp. 63-64).
[9] Assim o explica T. ÁLVAREZ, «El estilo de
hermandad y recreación que tenemos juntas», em Monte Carmelo 100 (1992)
149-158
[10] Sabemos também como protestou
quando algum visitador propôs que as monjas e os frades não tivessem recreação
nos dias que comungavam: Se as irmãs não hão de ter recreações nos dias em que
comungam, eles, os Padres, que dizem Missa cada dia, nunca a deveriam ter. E se
os sacerdotes não observam isto, para que o hão de observar os pobres dos
outros (Carta ao P. Graciano, 19 de novembro de 1576, 2).
[11] Sejam vistos outros textos similares onde o termo
«mortificação» está associado a oração e
virtudes:
V 23, 9.16;
Carta a Dom Lourenço de Cepeda, 23 de dezembro de 1561, 3; Carta a Maria de São
José, 11 de novembro de 1576, 13; F 6, 9; 14, 11; 18, 5-8; 24, 6; 6M 8, 10; 7M
4, 14.
419-443.
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