ESCONDE-TE NA TORRENTE DO CARIT
Frei Emanuele Boaga, O.Carm. In Memoriam.
Da: “Forma de vida dos primeiros monges” (ano 1370)
Elias, o primeiro monge, institui a vida monástica por inspiração de
Deus. Do Retiro de Elias no Deserto. Do duplo fim da vida eremítica e da
renúncia aos bens terrenos.
Este Elias, Profeta de Deus,
foi o primeiro de todos os monges que existiram e nele teve princípio a santa e
gloriosa instituição monacal.
Com a ânsia que sentia pela
divina contemplação e o veemente desejo de progredir na virtude, retirou-se
para longe das cidades e despojando-se de todos os interesses terrenos e
mundanos, se propôs começar a viver a vida eremítica, religiosa e profética,
consagrando-se a ela como ninguém até então havia feito, e com a inspiração e o
impulso do Espírito Santo, começou a vivê-la e a instituiu.
Porque, aparecendo-lhe o
Senhor, lhe ordenou que fugisse dos povoados dos homens e se escondesse no
deserto, e vivesse dali em diante a vida monástica da maneira que lhe havia
inspirado.
Isto se prova claramente com
as palavras da Sagrada Escritura. Referindo-se a isto, lê-se no Livro dos Reis: “E
falou o Senhor a Elias, dizendo-lhe: Sai daqui dirija-te para o Oriente e
esconde-te na fonte do Carit, que está defronte o Jordão. Ali beberás da fonte
e mandei aos corvos que te levem de comer.” (III Rs, 3,4).
O Espírito Santo pôs em Elias
um veemente desejo de executar tão santo e tão conveniente mandato que lhe
havia inspirado, e o escolheu e fortaleceu para que pusesse em prática tão desejadas
promessas.
Os Religiosos monges ermitães
que somos, devemos meditar sempre mais cada uma destas palavras, não só no
sentido literal histórico, mas principalmente no sentido místico, e com tanto
maior solicitude, quanto nelas se encerra mais perfeitamente a instituição,
isto é: o modo de vida para chegar à
perfeição profética e, enfim, à vida religiosa eremítica.
Esta vida de perfeição
religiosa encerra dois fins: um podemos
consegui-lo com nosso esforço e o exercício das virtudes, ajudados pela graça divina.
Este fim consiste em oferecer a Deus o coração santo e limpo de toda mancha
atual de pecado.
Conseguimos este fim quando já
formos perfeitos e estivermos no Carit.
ou seja, quando nos tivermos escondido naquela caridade da qual disse o sábio:
“a caridade cobre todas as faltas” (Prov
10,12).
Mostrando o Senhor a Elias que
queria que chegasse a este fim de caridade, lhe disse:
te esconderás na torrente do Carit.
O outro fim da santa vida
eremítica é dom totalmente gratuito de Deus que Ele comunica à alma. Consiste
em que, não só depois da morte, mas ainda nesta vida mortal, possa gozar no
afeto do amor e no gozo da luz do entendimento, algo sobrenatural do poder da
presença de Deus e o deleite da eterna glória. Isto quer significar beber da
torrente da delícia divina.
Deus prometeu este fim a Elias
ao dizer-lhe; ali beberás da torrente.
Para conseguir estes dois
fins, o monge deve abrasar-se na vida profética e eremítica, como o disse o
Profeta; nesta terra deserta, sem caminho e sem água, ponho-me em tua presença
como no santuário, para contemplar teu poder e tua glória. (SI 62, 3).
Por isto escolheu viver em
terra deserta, sem caminho e sem água, para deste modo apresentar-se como num
santuário diante do Senhor, que é o coração limpo de pecado, afirma o primeiro
fim da vida solitária escolhida, que é oferecer a Deus o coração santo e limpo
de todo pecado atual.
E o que segue para contemplar
teu poder e tua glória, expressa claramente o segundo fim da vida eremítica que
consiste em experimentar de alguma forma nesta vida ver misticamente dentro da
alma algo do poder da divina presença e saborear a doçura da eterna glória.
O Primeiro fim que é o coração
limpo se alcança pelo esforço e a prática das virtudes, ajudados pela divina
graça. Ao segundo, chega-se pelo amor perfeito e pela pureza do coração; isto
é: chega-se a saborear deleitosamente
algo de uma alta notícia de Deus e da glória celestial, conforme o que disse o
Senhor: “o que me ama, será amado por
meu Pai, e eu o amareis e me manifestarei nele” (Jo XIV, 21).
Pois, conforme as palavras que
até aqui copiamos. Deus falou a Elias para lhe ensinar como o primeiro e
principal de todos os monges e nele persuadir-nos a todos quantos nos
propusermos imitá-lo: “que sejamos
perfeitos, como nosso Pai celestial é perfeito (Mt III, 48); e, sobretudo, mantende a caridade que é o
vínculo da perfeição “ 1° aos Cor, 3, 14).
Para que cheguemos a obter os
dons da perfeição aconselhada e a saborear a visão da glória prometida a Elias
pelo Senhor nas palavras citadas, esforcemo-nos com atenta diligência por
entendê-las com exatidão e logo pô-las em prática.
Quando o Senhor fala a Santo Elias, diz a todo Religioso do Antigo ou
do Novo Testamento: “Sai daqui, isto é, das coisas mundanas e passageiras e vai
para o oriente, isto é: dirige tua luta contra a natural concupiscência de teu
corpo, e esconde-te na torrente do Carit: não vivas nas cidades, entre o povo,
mas diante ou melhor, defronte do Jordão, que é o viver separado do pecado pela
caridade”.
Subindo por estes quatro
degraus, chegarás ao cimo da perfeição profética e ali beberás da torrente. E para que não te falte a
perseverança neste modo de viver, mandei
aos corvos que te levem de comer.
Compreenderás isto com maior
clareza quando eu o explicar-te ordenadamente, expondo-o frase-por-frase.
*Encontros de Espiritualidade Carmelitana das Irmãs Carmelitas da
Divina Providência. JULHO - 1986 - Rio Janeiro.
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