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sábado, 30 de novembro de 2013

1º Domingo do Advento. Atenção! Deus chega a cada momento! Mateus 24,37-44

Frei Carlos Mesters, Mercedes Lopes e Francisco Orofino.
SITUANDO
Chegamos ao quinto Sermão da Nova Lei. Cada um dos quatro Sermões anteriores iluminou um determinado aspecto do Reino. O primeiro: a justiça do Reino e as condições de entrada (Mt 5 a 7). O segundo: a missão dos cidadãos do Reino (Mt 10). O terceiro: a presença misteriosa do Reino na vida do povo (Mt 13). O quarto: viver o Reino em comunidade (Mt 18). O quinto Sermão trata da vigilância em vista da chegada definitiva do Reino. Mateus segue o esquema de Marcos, mas acrescenta algumas parábolas que falam da necessidade da vigilância e do serviço, da solidariedade e do julgamento.
No fim do século I, as comunidades viviam na expectativa da vinda imediata de Jesus. Elas diziam: "Quando Jesus passar eu quero estar no meu lugar!" E se perguntavam: "Quando Jesus vier, será que vou ser tomada ou vou ser deixada?"  Havia um clima semelhante ao de hoje, em que muitos dizem: "O fim do mundo vai chegar logo!" E se perguntam: "O que fazer para não ser pego de surpresa?" A resposta a estas indagações e preocupações encontramos no Sermão da Vigilância.
COMENTANDO
Mateus 24,37-41: Como nos dias de Noé - um será tomado, outro será deixado
Quem determina a hora da chegada do fim é Deus. Mas o tempo de Deus não se  mede pelo nosso relógio ou calendário. Para Deus, um dia pode ser igual a mil anos, e mil anos igual a um dia (Sl 90,4; 2Pd 3,8). O tempo de  Deus corre independentemente de nós. Nós não podemos interferir nele, mas devemos estar preparados para o momento em que a hora de Deus se fizer presente dentro do nosso tempo. Pode ser hoje, pode ser daqui a mil anos. O que dá segurança não é saber a hora do fim do mundo, mas sim a Palavra de Jesus presente na vida. O mundo passará, mas a palavra dele jamais passará (cf. Is 40,7-8).
Mateus 24,42-44: Vigilância - Jesus vem numa hora em que a gente menos espera
Deus vem quando a gente menos espera. Pode até acontecer que Ele vem e a gente não percebe a hora da sua chegada. Jesus pede duas coisas: uma vigilância sempre atenta e, ao mesmo tempo, uma entrega tranquila de quem está em paz. Tal atitude é sinal de muita maturidade, em que se misturam preocupação vigilante e tranquilidade serena e em que se consegue combinar a seriedade do momento com a consciência da relatividade de tudo.
ALARGANDO
Quando será o fim do mundo?
Quando dizemos "FIM DO MUNDO", de que mundo estamos falando? O fim do mundo de que Jesus fala é o fim deste mundo, onde reina o poder do mal que esmaga e oprime a vida. Este mundo de injustiça terá um fim. Ninguém sabe quando nem como será o fim deste mundo (Mt 24,36), pois ninguém pode imaginar o que Deus preparou para aqueles que o amam (1Cor 2,9). O novo mundo da vida sem morte ultrapassa tudo, como a árvore ultrapassa a sua semente (1Cor 15,35-38). Os primeiros cristãos estavam ansiosos para que este fim chegasse logo (2Ts 2,2). Ficavam olhando para o céu, esperando a chegada de Cristo (At 1,11). Alguns nem trabalhavam mais (2Ts 3,11). Mas "não compete a vocês conhecer os tempos e os momentos que o Pai fixou com a sua própria autoridade" (At 1,7). A única maneira de contribuir para que chegue o fim e "venham da face de Deus os tempos do refrigério" (At 3,20) é dar testemunho do evangelho em todo canto, até os confins da terra (At 1,8).

Pânico em torno das palavras do papa

No Vaticano, alguns lamentam os bons tempos dos papas mudos. Quando os pontífices só se expressavam por meio de textos escritos, de seu próprio punho ou não. Esses documentos não saíam sem terem sido aprovados pelos guardiões da Verdade. A nota é de Philippe Clanché, publicada no blog Cathoreve, 22-11-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Sabemos que Francisco gosta de improvisar. A cada manhã, durante a sua missa na Casa Santa Marta, não é o soberano pontífice que se expressa, mas sim um pastor jesuíta que veio da Argentina. O que inspira a liturgia do dia não é necessariamente a palavra oficial da Igreja e nem tem vocação de ser.

Apresentado como um homem que foge da mídia, ele concedeu várias entrevistas incluindo uma, famosa, com um "estranho" da família, Eugenio Scalfari, fundador do jornal de esquerda La Repubblica. O fruto das suas conversas, largamente difundido, foi recentemente removido do site oficial da Santa Sé, por decisão do secretário de Estado

"Essa entrevista é fiável no seu sentido geral, mas não nas suas formulações concretas", indicou o padre Federico Lombardi, porta-voz da Santa Sé, decididamente pressionado pelo seu companheiro jesuíta.

O papa sabe que um responsável hoje se expressa através de dois canais: o "on" e o "off". Na França, a página 2 do Canard Enchaîné é mais instrutivo sobre o que os dirigentes franceses têm em mente do que os seus discursos públicos ou as suas entrevistas controladas.

A Santa Sé tem razão em lembrar que não se pode confundir o status das intervenções papais. Talvez pode ser equivocado marcar uma hierarquia muito forte que tenderia a desacreditar toda palavra não marcado com o selo oficial. A língua do papa às vezes é incontrolável, por ser espontânea, e ele, por meio dos seus colaboradores, terá que dar razão dela.

Essa história também põe uma questão grave: um papa pode falar de outra forma que como papa? De manhã, na missa, ele quer ser um simples padre que faz uma pregação. Às vezes, ele aspira a ser um católico em diálogo e em busca com a sociedade. Diante de Eugenio Scalfari, foi Jorge Mario Bergoglio que buscou evocar um caminho e convicções.

O papa não tem a intenção de se abster dessas incursões fora de pista. Com os riscos de "derrapagens". "O papa não tem medo de se equivocar", escrevia o jesuíta François Euvé, diretor da Études. Francisco, o de Roma, é humano, o que não deveria ser incompatível com a sua função.

Em uma comunicação antigamente muito bem "azeitada" (João Paulo II dirigido por Joaquín Navarro-Valls) ou, ao contrário, muito desordenada (Bento XVI e o Pe. Lombardi, que já estava ciente dos eventos dois minutos antes da imprensa mundial...), esse vento de frescor é apreciável. João XXIII permanece também no coração dos católicos por causa dos seus floreios, das suas pequenas frases. Um gênero que renasce hoje em Roma.

Essa espontaneidade papal não é útil apenas para jornalistas em busca de furos jornalísticos. Às vezes, ela coloca o seu autor no mesmo plano daqueles e daquelas que avançam às apalpadelas no caminho da fé em Deus.

Nota:

1. Muito atrás, principalmente no processo de reforma da Santa Sé, o secretário de Estado tenta mostrar que ainda tem algum poder. O de fazer uma triagem na palavra papal. Incapaz de poder influenciar.

A PALAVRA... Nº 475. Outro olhar sobre a Polícia.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A alegria do Evangelho

Dom Odilo Pedro Scherer, Arcebispo de São Paulo (SP)

No Domingo de Cristo Rei, 24 de novembro, o papa Francisco brindou a Igreja com uma bela Exortação Apostólica sobre a evangelização, chamada: Evangelii gaudium – “A Alegria do Evangelho”. É um presente feito à Igreja no encerramento do Ano da Fé, ao longo do qual ela procurou, em todas as suas comunidades, recobrar o fervor da fé.

A Exortação Apostólica traz as contribuições e impulsos da assembléia do Sínodo dos Bispos de outubro de 2012, sobre o tema da “nova evangelização para a transmissão da fé cristã”. Mas também representa uma palavra pessoal do Papa Francisco e retrata sua experiência pessoal de “nova evangelização” na América Latina, especialmente, aquela do Documento de Aparecida.

O Evangelho de Jesus, acolhido com fé verdadeira, traz alegria incontida e precisa ser partilhado com outras pessoas. Quem encontrou Jesus, o Salvador e Senhor, fica de tal modo marcado e fascinado, que não pode segurar só para si essa boa experiência da fé; como os pastores da noite do nascimento de Jesus, em Belém (cf Lc 2,8-20), ou como os apóstolos, no início da pregação do Evangelho (cf At 4,20), também a Igreja sente-se impulsionada a comunicar também aos outros “o que viu e ouviu”.

Assim aconteceu no tempo de Jesus e dos Apóstolos e continuou a acontecer, ao longo da História, em tantas ocasiões e com uma multidão de pessoas. E acontece ainda hoje que homens e mulheres que acolhem com fé e alegria o Evangelho de Cristo, orientando suas vidas para Ele. Muitas pessoas batizadas fazem a experiência de sentir-se amadas por Deus e despertam para um generoso compromisso missionário e evangelizador.

O Evangelho é boa notícia para o nosso mundo e assim deve ser anunciado.  A alegria da fé, nascida do Evangelho, continua a levar a Igreja a anunciar e a compartilhar com outros o dom recebido, mesmo a custo de muitos sacrifícios e cruzes.

No encerramento do Ano da Fé, somos todos novamente enviados em missão, como “discípulos do Reino de Deus”. Anunciar o Evangelho e testemunhar a força e a eficácia de sua ação transformadora não deveria ser uma obrigação pesada, mas uma necessidade que brota do coração agradecido de quem encontrou as razões para crer: “ai de mim, se eu não pregar o Evangelho!” (1Cor, 9,16).

No Brasil, a solenidade de Cristo Rei e, neste ano, o encerramento do Ano da Fé, coincidiram com o início da Campanha Nacional para a Evangelização. Durante três semanas, somos convidados a refletir sobre a realidade da evangelização no Brasil, a rezar e a nos empenhar para que ela aconteça em todos os cantos de nosso País; no terceiro Domingo do Advento, faz-se a coleta em favor da evangelização, como gesto concreto de apoio a esta obra prioritária da Igreja.

Nada mais justo e acertado: o encontro renovado com Cristo Senhor aprofunda os laços da nossa fé; e esta leva-nos a anunciar a alegria do Evangelho, para ajudar outras pessoas a também se aproximarem de Deus. A evangelização é missão deve envolver a todos os batizados; todos eles têm parte na missão de anunciar o Evangelho, de muitas maneiras. A transmissão da fé e a iniciação à vida cristã são desafios urgentes, que todos os membros da Igreja precisam assumir de forma renovada.

A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium – “A Alegria do Evangelho” – vem em boa hora para estimular e orientar a todos!

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 472. Revisão de vida

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 473. Obrigado

*Exortação Apostólica ‘Evangelii Gaudium’. A Primeira Exortação Apostólica do Papa Francisco.

(Texto defende descentralização da Igreja e caráter missionário)
Ao Episcopado, ao clero às pessoas consagradas e aos fiéis leigos.  Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual   -  Evangelii Gaudium
1- A ALEGRIA DO EVANGELHO enche o coração e a vida inteira daqueles que se encontram com Jesus. Quantos se deixam salvar por Ele são libertados do pecado, da tristeza, do vazio interior, do isolamento. Com Jesus Cristo, renasce sem cessar a alegria. Quero, com esta Exortação, dirigir-me aos fiéis cristãos a fim de os convidar para uma nova etapa evangelizadora marcada por esta alegria e indicar caminhos para o percurso da Igreja nos próximos anos.
1- Alegria que se renova e comunica
2. O grande risco do mundo atual, com sua múltipla e avassaladora oferta de consumo, é uma tristeza individualista que brota do coração comodista e mesquinho, da busca desordenada de prazeres superficiais, da consciência isolada. Quando a vida interior se fecha nos próprios interesses, deixa de haver espaço para os outros, já não entram os pobres, já não se ouve a voz de Deus, já não se goza da doce alegria do seu amor, nem fervilha o entusiasmo de fazer o bem. Este é um risco, certo e permanente, que correm também os crentes. Muitos caem nele, transformando-se em pessoas ressentidas, queixosas, sem vida. Esta não é a escolha duma vida digna e plena, este não é o desígnio que Deus tem para nós, esta não é a vida no Espírito que jorra do coração de Cristo ressuscitado.
3. Convido todo o cristão, em qualquer lugar e situação que se encontre, a renovar hoje mesmo o seu encontro pessoal com Jesus Cristo ou, pelo menos, a tomar a decisão de se deixar encontrar por Ele, de O procurar dia a dia sem cessar. Não há motivo para alguém poder pensar que este convite não lhe diz respeito, já que «da alegria trazida pelo Senhor ninguém é excluído». Quem arrisca, o Senhor não o desilude; e, quando alguém dá um pequeno passo em direção a Jesus, descobre que Ele já aguardava de braços abertos a sua chegada. Este é o momento para dizer a Jesus Cristo: «Senhor, deixei-me enganar, de mil maneiras fugi do vosso amor, mas aqui estou novamente para renovar a minha aliança convosco. Preciso de Vós. Resgatai-me de novo, Senhor; aceitai-me mais uma vez nos vossos braços redentores». Como nos faz bem voltar para Ele, quando nos perdemos! Insisto uma vez mais: Deus nunca Se cansa de perdoar, somos nós que nos cansamos de pedir a sua misericórdia. Aquele que nos convidou a perdoar «setenta vezes sete» (Mt 18, 22) dá-nos o exemplo: Ele perdoa setenta vezes sete. Volta uma vez e outra a carregar-nos aos seus ombros. Ninguém nos pode tirar a dignidade que este amor infinito e inabalável nos confere. Ele permite-nos levantar a cabeça e recomeçar, com uma ternura que nunca nos defrauda e sempre nos pode restituir a alegria. Não fujamos da ressurreição de Jesus; nunca nos demos por mortos, suceda o que suceder. Que nada possa mais do que a sua vida que nos impele para diante!

4. Os livros do Antigo Testamento preanunciaram a alegria da salvação, que havia de tornar-se superabundante nos tempos messiânicos. O profeta Isaías dirige-se ao Messias esperado, saudando-O com regozijo: «Multiplicaste a alegria, aumentaste o júbilo» (9, 2). E anima os habitantes de Sião a recebê-Lo com cânticos: «Exultai de alegria!» (12, 6). A quem já O avistara no horizonte, o profeta convida-o a tornar-se mensageiro para os outros: «Sobe a um alto monte, arauto de Sião! Grita com voz forte, arauto de Jerusalém» (40, 9). A criação inteira participa nesta alegria da salvação: «Cantai, ó céus! Exulta de alegria, ó terra! Rompei em exclamações, ó montes! Na verdade, o Senhor consola o seu povo e se compadece dos desamparados» (49, 13).

Zacarias, vendo o dia do Senhor, convida a vitoriar o Rei que chega «humilde, montado num jumento»: «Exulta de alegria, filha de Sião! Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém! Eis que o teu rei vem a ti. Ele é justo e vitorioso» (9, 9). Mas o convite mais tocante talvez seja o do profeta Sofonias, que nos mostra o próprio Deus como um centro irradiante de festa e de alegria, que quer comunicar ao seu povo este júbilo salvífico. Enche-me de vida reler este texto: «O Senhor, teu Deus, está no meio de ti como poderoso salvador! Ele exulta de alegria por tua causa, pelo seu amor te renovará. Ele dança e grita de alegria por tua causa» (3, 17).

É a alegria que se vive no meio das pequenas coisas da vida quotidiana, como resposta ao amoroso convite de Deus nosso Pai: «Meu filho, se tens com quê, trata-te bem (...). Não te prives da felicidade presente» (Sir 14, 11.14). Quanta ternura paterna se vislumbra por detrás destas palavras!

5. O Evangelho, onde resplandece gloriosa a Cruz de Cristo, convida insistentemente à alegria. Apenas alguns exemplos: «Alegra-te» é a saudação do anjo a Maria (Lc 1, 28). A visita de Maria a Isabel faz com que João salte de alegria no ventre de sua mãe (cf. Lc 1, 41). No seu cântico, Maria proclama: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador» (Lc 1, 47). E, quando Jesus começa o seu ministério, João exclama: «Esta é a minha alegria! E tornou-se completa!» (Jo 3, 29). O próprio Jesus «estremeceu de alegria sob a acção do Espírito Santo» (Lc 10, 21). A sua mensagem é fonte de alegria: «Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa» (Jo 15, 11). A nossa alegria cristã brota da fonte do seu coração transbordante. Ele promete aos seus discípulos: «Vós haveis de estar tristes, mas a vossa tristeza há-de converter-se em alegria» (Jo 16, 20). E insiste: «Eu hei-de ver-vos de novo! Então, o vosso coração há-de alegrar-se e ninguém vos poderá tirar a vossa alegria» (Jo 16, 22). Depois, ao verem-No ressuscitado, «encheram-se de alegria» (Jo 20, 20). O livro dos Actos dos Apóstolos conta que, na primitiva comunidade, «tomavam o alimento com alegria» (2, 46). Por onde passaram os discípulos, «houve grande alegria» (8, 8); e eles, no meio da perseguição, «estavam cheios de alegria» (13, 52). Um eunuco, recém-baptizado, «seguiu o seu caminho cheio de alegria» (8, 39); e o carcereiro «entregou-se, com a família, à alegria de ter acreditado em Deus» (16, 34). Porque não havemos de entrar, também nós, nesta torrente de alegria?

6. Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa. Reconheço, porém, que a alegria não se vive da mesma maneira em todas as etapas e circunstâncias da vida, por vezes muito duras. Adapta-se e transforma-se, mas sempre permanece pelo menos como um feixe de luz que nasce da certeza pessoal de, não obstante o contrário, sermos infinitamente amados. Compreendo as pessoas que se vergam à tristeza por causa das graves dificuldades que têm de suportar, mas aos poucos é preciso permitir que a alegria da fé comece a despertar, como uma secreta mas firme confiança, mesmo no meio das piores angústias: «A paz foi desterrada da minha alma, já nem sei o que é a felicidade (…). Isto, porém, guardo no meu coração; por isso, mantenho a esperança. É que a misericórdia do Senhor não acaba, não se esgota a sua compaixão. Cada manhã ela se renova; é grande a tua fidelidade. (...) Bom é esperar em silêncio a salvação do Senhor» (Lm 3, 17.21-23.26).

7. A tentação apresenta-se, frequentemente, sob forma de desculpas e queixas, como se tivesse de haver inúmeras condições para ser possível a alegria. Habitualmente isto acontece, porque «a sociedade técnica teve a possibilidade de multiplicar as ocasiões de prazer; no entanto ela encontra dificuldades grandes no engendrar também a alegria». Posso dizer que as alegrias mais belas e espontâneas, que vi ao longo da minha vida, são as alegrias de pessoas muito pobres que têm pouco a que se agarrar. Recordo também a alegria genuína daqueles que, mesmo no meio de grandes compromissos profissionais, souberam conservar um coração crente, generoso e simples. De várias maneiras, estas alegrias bebem na fonte do amor maior, que é o de Deus, a nós manifestado em Jesus Cristo. Não me cansarei de repetir estas palavras de Bento XVI que nos levam ao centro do Evangelho: «Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo».

8. Somente graças a este encontro – ou reencontro – com o amor de Deus, que se converte em amizade feliz, é que somos resgatados da nossa consciência isolada e da auto-referencialidade. Chegamos a ser plenamente humanos, quando somos mais do que humanos, quando permitimos a Deus que nos conduza para além de nós mesmos a fim de alcançarmos o nosso ser mais verdadeiro. Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de comunicar aos outros?

*Divulgado pela Rádio Vaticano, em Portugal.

(Obs: Leia a próxima parte nos próximos dias: A doce e reconfortante alegria de Evangelizar). Se desejar, leia na íntegra. Clique aqui: http://www.4shared.com/download/lonkPLIC/PAPA-_A_Alegria_do_Evangelho__.docx

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Sínodo dos Bispos sobre a família. As respostas de uma teóloga ao questionário

A seguinte série de questões possibilita às igrejas particulares participarem ativamente na preparação do Sínodo Extraordinário, cujo propósito é proclamar o Evangelho no contexto dos desafios pastorais enfrentados pelas famílias hoje. A data limite para o envio das respostas é 30 de novembro de 2013.
A seguir podem ser lidas as respostas dadas ao questionário por Tina Beattie como um auxílio para outros que podem ter dificuldades com as questões (obviamente, as respostas são particulares a cada indivíduo e alguns podem desejar responder certas questões diferentemente). O que se segue não pretende sugerir respostas “corretas” às questões, mas fornecer um exemplo de como elas podem ser abordadas. Tina Beatie é uma teóloga britânica. Ela é professora de Catholic Studies na University of Roehampton, em Londres. A tradução é de Gabriel Ferreira.
Eis o questionário e as respostas.
1 - Sobre a difusão da Sagrada Escritura e do Magistério da Igreja a propósito da família
a) Qual é o conhecimento real dos ensinamentos da Bíblia, da “Gaudium et spes”, da “Familiaris consortio” e de outros documentos do Magistério pós-conciliar sobre o valor da família segundo a Igreja católica? Como os nossos fiéis são formados para a vida familiar, em conformidade com o ensinamento da Igreja?
Suspeito que poucos católicos estejam familiarizados com os documentos magisteriais per se, e referências a tais documentos são raramente feitas em homilias. A qualidade da formação depende do contexto. Em algumas escolas, programas paroquiais de educação e grupos de preparação para o matrimônio há uma excelente formação e suporte pastoral para as famílias, incluindo pais e mães solteiros, casais que moram junto e/ou casais do mesmo sexo, divorciados e pessoas em segunda união. Entretanto, tenho ouvido também alguns relatos de casais sendo alienados da Igreja por compreensões irreais e idealistas de matrimônio em cursos de preparação para o casamento, que oferecem interpretações romanceadas dos ensinamentos da Igreja, ao invés de um diálogo realista sobre a vida matrimonial. Isso pode ser um problema particular com certas interpretações da “Teologia do Corpo”.
Uma atitude excessivamente censória para com as transgressões percebidas em relação ao ensinamento da Igreja tem feito com que não seja dada informação suficiente sobre temas como contracepção e relações sexuais aos jovens, em escolas católicas e nas paróquias. (veja-se Danny Curtin, “Epidemia de pornografia mostra-nos que a Igreja não pode continuar envergonhada em falar sobre sexo”, The Tablet blog, 5 de novembro de 2013). É necessário que exista uma flexibilidade e uma sensibilidade pastoral entre os professores e líderes, em uma cultura na qual a vasta maioria dos jovens são sexualmente ativos antes do casamento e, a negação desse fato, pouco os ajuda a lidar com os complexos problemas que emergem daí, no que diz respeito à dignidade pessoal e a si próprios, bem como às ligações afetivas e os compromissos, o risco de uma gravidez indesejada e de doenças sexualmente transmissíveis.
b) Onde é conhecido, o ensinamento da Igreja é aceito integralmente? Verificam-se dificuldades na hora de pô-lo em prática? Se sim, quais?
A Igreja tem uma rica teologia sobre a família, mas ela não é completamente aceita porque há também aspectos problemáticos que convidam a um diálogo mais profundo entre o ensinamento do Magistério e os leigos. Uma pesquisa recente, feita por Linda Woodhead e publicada no The Tablet (“Espécies em extinção”, 14 de novembro de 2013), mostra que a vasta maioria dos católicos britânicos não aceitam o ensinamento oficial da Igreja acerca desses assuntos. Em minha experiência pessoal, os principais obstáculos são:
• Humanae Vitae: muitos católicos, mesmo entre aqueles conscientemente informados e com um profundo comprometimento com o matrimônio e com a paternidade responsável, categoria na qual eu mesma me incluo, ignoram os ensinamentos da Igreja no que se refere à contracepção.
• Divórcio e segunda união: a exclusão dos católicos divorciados e dos casais recasados, do acesso à Eucaristia, é prejudicial não apenas para os indivíduos envolvidos, mas também para seus filhos. Esses casais e suas crianças ficam frequentemente vulneráveis e traumatizadas pela experiência do rompimento do matrimônio e da família, e estão tentando criar novas e amorosas relações. Eles precisam não apenas de cuidado pastoral, mas também de inclusão sacramental e de um senso de plena pertença à comunidade.
• Mulheres e maternidade: os ensinamentos da Igreja sobre sexualidade e maternidade fracassam na tarefa de fornecerem recursos teológicos e pastorais para mulheres que estão se esforçando para reconciliar os desafios e demandas da maternidade, com as oportunidades que a sociedade moderna apresenta para a autorrealização, dentro e fora de seus lares.
• Relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo: a recusa da Igreja em contemplar a possibilidade do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, bem como a contínua ambiguidade com respeito ao status dos casais do mesmo sexo, é prejudicial. A Igreja torna-se vulnerável a acusações de homofobia quando sua posição é defendida em termos absolutos, sem um suficiente reconhecimento da complexidade dos problemas envolvidos e da diversidade de opiniões entre os católicos acerca destes assuntos.
• Celibato clerical: é patente que muitos padres católicos e leigos veriam com bons olhos um relaxamento das regras sobre celibato a fim de permitir que padres pudessem se casar. Pessoalmente, tenho sentimentos conflitantes sobre isso, e não gostaria de ver tal debate acontecendo a não ser no contexto de uma discussão mais ampla sobre a natureza do sacerdócio, incluindo a ordenação de mulheres.
• Sexualidade, violência e abuso: o escândalo dos abusos sexuais continua a solapar a boa vontade das pessoas em acreditar na autoridade moral da hierarquia da Igreja.
c) Como o ensinamento da Igreja é difundido no contexto dos programas pastorais nos planos nacional, diocesano e paroquial? Que tipo de catequese sobre a família é promovida?
Por vezes, a catequese sobre a família é interpretada de maneira demasiadamente estreita, de modo que ela falha na tarefa de representar os diversos caminhos nos quais as pessoas fazem experiência de família hoje. Nós não podemos mais assumir que a maioria dos católicos praticantes pertence a grupos familiares homogêneos e comunidades de católicos como eles próprios. O declínio da frequência à Igreja e a expansão do secularismo significa que um crescente número de católicos tem que fazer complexos arranjos entre viverem apartados da vida sacramental e as demandas e expectativas das famílias e amigos não-católicos, bem como da sociedade em geral. Para que os programas pastorais e a catequese sejam efetivas, eles devem levar em conta essas mudanças das realidades sociais (escrevo como uma mulher casada com um não-católico por quase 40 anos, e com quatro filhos adultos que deixaram a Igreja).
 d) Em que medida – e em particular sob quais aspectos – este ensinamento é realmente conhecido, aceito, rejeitado e/ou criticado nos ambientes extra-eclesiais? Quais são os fatores culturais que impedem a plena aceitação do ensinamento da Igreja sobre a família?
Desde meados do século XX, tem havido um enriquecimento e um aprofundamento da teologia da Igreja referente ao matrimônio e à família sob certos aspectos, mas isso tem sido desfigurado por uma ênfase exacerbada nos ensinamentos morais absolutos, com uma crescente tendência a definir o que significa ser um católico em termos de adesão aos ensinamentos da Igreja em uma restrita gama de assuntos, tais como contracepção, aborto, homossexualidade etc. Permite-se que vozes dogmáticas e conservadoras dominem, de modo que os católicos mais liberais ou tolerantes têm sido rotulados como “dissidentes” e sentem-se como se não fossem católicos “de verdade”. O ensinamento da Igreja sobre a família precisa ser apresentado no contexto de suas doutrinas mais fundamentais de Criação, Encarnação e Redenção, e de uma forma que mostre abertura ao diálogo em sociedades multiculturais nas quais as pessoas têm diferentes conceitos de uma “boa vida”.
Por outro lado, a resistência cultural aos aspectos positivos do ensinamento da Igreja pode ser atribuído a uma muito difundida hostilidade para com a religião, e à mentalidade secular consumista que está profundamente confusa em sua antropologia e em seus valores que dela emanam. Nós estamos atravessando uma crise nas relações sexuais humanas tendo, por vezes, consequências extremas, como o tráfico sexual de pessoas e a pornografia, a exploração sexual de crianças e adultos em situação de vulnerabilidade, assim como um número crescente de crianças rejeitadas e abandonadas, jovens e idosos provenientes de lares fraturados, relacionamentos fracassados e a destruição de pequenas comunidades. Mais do que focar em como a família ideal deve ser e como promovê-la de acordo com os ensinamentos da Igreja, talvez nós precisemos começar pela ruptura e pelo sofrimento da vida da família moderna. Isso passaria por questionar como Cristo pode tornar-se presente em situações de crise, trauma e abandono, ao mesmo tempo em que perguntamos como as relações sexuais que respeitam a dignidade humana e expressam o amor autenticamente, podem ser nutridas sem que se insista que isso só é possível no interior do matrimônio tal como a Igreja o entende.
2. Sobre o matrimônio segundo a lei natural
a) Que lugar ocupa o conceito de lei natural na cultura civil, quer nos planos institucional, educativo e acadêmico, quer a nível popular? Que visões antropológicas estão subjacentes a este debate sobre o fundamento natural da família?
Essa é uma questão filosoficamente complexa. Mesmo entre os teóricos católicos da Lei Natural, há discussão sobre como ela deve ser interpretada e aplicada – compare-se, por exemplo, Jean Porter e Robert Pasnau com John Finnis e Germain Grisez. Escrevo como uma acadêmica de Teologia, mas bem poucas pessoas que conheço têm algum entendimento sobre o tema da Lei Natural. Elas podem ter opiniões sobre o que encaram como comportamento “natural” e “não natural”, mas isso não é o que Lei Natural significa.
Lei Natural não é um conjunto de regras dadas divinamente e que podem ser aplicadas de uma maneira universal para todas as culturas e relações. Tal como apresentada em suas formulações teológicas clássicas (por exemplo, por São Tomás de Aquino), ela é um guia genérico que oferece um método de raciocínio por meio do qual nós podemos chegar a um entendimento mais profundo de como humanos podem desenvolver-se individual e coletivamente no interior da boa e ordenada criação de Deus, em diferentes contextos culturais, religiosos e históricos. A Lei Natural pode, por exemplo, ser usada para argumentar que a poligamia é boa em sociedades nas quais ela provê cuidado e auxílio a viúvas e órfãos, através de casamentos no interior de grandes grupos de parentesco e família. A Lei Natural também tem sido usada por fiéis e teólogos experientes para argumentar contra o modo como ela é aplicada na Humanae Vitae ou para sustentar que o casamento entre pessoas do mesmo sexo pode ser incluído no entendimento da Igreja acerca do matrimônio. Nós não devemos esquecer que por muitos séculos a Igreja apelou à Lei Natural a fim de afirmar que as mulheres eram inferiores aos homens na ordem da Criação e, portanto, não deveriam ser admitidas para governas ou legislar, enquanto alguns filósofos usaram-na para justificar ideologias racistas. A Lei Natural está aberta a diferentes usos e abusos.
Acredito firmemente na Lei Natural quando ela é apropriadamente aplicada – isto é, quando é indutiva, guiada pela experiência, acomodando-se às mudanças dos valores e práticas culturais, e enraizada no entendimento sacramental da Criação.
b) O conceito de Lei Natural em relação à união entre o homem e a mulher é geralmente aceita, enquanto tal, por parte dos batizados?
Nunca encontrei um leigo comum que tenha se referido à Lei Natural nesse contexto. Para começar, como alguém pode falar de uma ideia como sendo “comumente aceita enquanto tal pelos batizados em geral”, dada a vasta diversidade do Cristianismo global? Penso que essa questão confunde o que as pessoas consideram como “natural”, com a Lei Natural. Assim, ela arrisca-se a atrair uma resposta que sancionaria o casamento heterossexual como “natural”, condenando todas as outras relações sexuais como “não-naturais” e não é assim que a Lei Natural deve ser interpretada.
A questão teológica que a Igreja enfrenta hoje é se a Lei Natural pode oferecer um entendimento tanto mais includente do que excludente, do matrimônio cristão enquanto um modelo para o florescimento das relações humanas – por exemplo, isso poderia servir como um modelo para casais do mesmo sexo? Como a teologia da Lei Natural pode nos ajudar a entender as mudanças da cultura e das normas éticas em torno das relações humanas e quais novos modelos de amor, responsabilidade e cuidado para com as crianças e os idosos devem emergir se queremos proteger as futuras gerações das piores consequências do nosso presente turbilhão social? Essa é tanto uma questão de política, economia e justiça social, quanto uma questão de sexualidade, casamento e família. A Lei Natural necessita ser aplicada de maneira mais ampla do que simplesmente em relação ao sexo.
c) Como é contestada, na prática e na teoria, a Lei Natural sobre a união entre o homem e a mulher, em vista da formação de uma família? Como é proposta e aprofundada nos organismos civis e eclesiais?
Há evidências que sugerem que, em todas as outras condições sendo iguais, crianças desenvolvem-se melhor no interior de matrimônios estáveis do que em outros contextos, embora globalmente se deva questionar como diferentes culturas definem casamento e família, antes de aproximar-se dessa questão da perspectiva da Lei Natural. Contudo, volto ao ponto de que a missão da Igreja é o pobre, o ferido e o vulnerável. Enquanto faz tudo o que é possível para encorajar matrimônios sólidos e ambientes familiares estáveis, a Igreja deve também estar consciente de que muitas pessoas, incluindo muitas crianças, encontram-se fora desses parâmetros e que não merecem menos cuidado pastoral e inclusão sacramental. Famílias sólidas e estáveis também precisam apoiar a comunidade. Hoje, muitas famílias são moldadas por um éthos competitivo, consumista e individualista que destrói o bem-comum – por exemplo, ao fazerem escolhas políticas, econômicas e sociais com respeito à habitação, educação e saúde que beneficiam os ricos e prejudicam as famílias e comunidades mais pobres, especialmente os jovens e os idosos. A Lei Natural diz respeito ao bem-comum, pois ela reconhece que o desenvolvimento humano é apenas possível em sociedades justas.
d) Quando a celebração do matrimônio é pedida por batizados não praticantes, ou que se declaram não-crentes, como enfrentar os desafios pastorais que disto derivam?
Tais situações podem ser vistas como oportunidades para explicar os ensinamentos da Igreja, para clarificar que ela oferece um entendimento mais rico e profundo do matrimônio do que aquele oferecido pela sociedade secular, mas que tal compreensão traz também consigo uma expectativa mais profunda de comprometimento e responsabilidade um para com o outro, para com os filhos e com a sociedade. Se as pessoas aceitam tal proposta e ainda assim querem travar tal compromisso, então elas estão testemunhando a bondade e o caráter do matrimônio cristão, mesmo se resistem a aceitar todas as doutrinas e ensinamentos da Igreja.
3. O Cuidado Pastoral da Família na Evangelização
a) Quais foram as experiências que surgiram nas últimas décadas em ordem à preparação para o matrimônio? Como se procurou estimular a tarefa de evangelização dos esposos e da família? De que modo promover a consciência da família como “Igreja doméstica”?
“Igreja doméstica” é uma realidade muito mais confusa e muito mais complexa do que o termo parece implicar. Talvez a doutrina da Igreja acerca da família deva aprender da “Igreja doméstica”. Por exemplo, a imensa maioria dos pais católicos, embora devotos, estão experienciando situações nas quais seus filhos são sexualmente ativos e, por vezes, vivem juntos com seus parceiros antes do casamento, ou ainda situações em que membros da família e/ou amigos próximos são homossexuais, ou então nas quais o divórcio e a segunda união são um fato da vida e onde há uma grande probabilidade de que, à medida que seus filhos crescem, alguns deles irão abandonar a Igreja. A questão deveria ser: que tipo de evangelização e apoio pastoral é apropriado e significativo nessas situações?
b) Conseguiu-se propor estilos de oração em família, capazes de resistir à complexidade da vida e da cultura contemporânea?
Essa questão faz muitas pressuposições sobre o modo de vida católica que muitos de nós experimentamos nas famílias e matrimônios modernos. Eu rezo pela minha família todos os dias, mas não rezo com eles porque meu marido não é um cristão praticante e todos os meus filhos saíram da Igreja. Acredito firmemente que nós aprendemos nossas atitudes culturais e nossos valores através do exemplo. Conheço famílias que rezam juntas, cujos valores eu não desejaria imitar e, outras, que não rezam juntas, mas que são inspiradoras em seus exemplos e modos de vida.
c) Na atual situação de crise entre as gerações, como as famílias cristãs souberam realizar a própria vocação de transmissão da fé?
Minha questão é mais como nós, como católicos, vivemos nossa fé em situações nas quais as “famílias cristãs” podem ser poucas e distantes entre si e ambientes nos quais precisamos aprender, mais do que pregar, daqueles que possuem perspectivas e crenças diferentes. Nós transmitimos nossa fé através do nosso modo de ser dentro dos contextos para os quais Deus nos chama – seja em uma família cristã, um casamento misto, uma relação sem filhos, uma família de apenas um dos pais etc, etc.
d) De que modo as Igrejas locais e os movimentos de espiritualidade familiar souberam criar percursos exemplares?
Vejo muitas famílias ao meu redor que levam vidas exemplares e que não estão contempladas nos moldes em que esta questão está formulada; vejo também algumas famílias católicas presunçosas e que são encorajadas a considerarem-se a si mesmas como exemplares sem que, no entanto, sejam o tipo de exemplo que todos nós procuramos seguir.
e) Qual é a contribuição específica que casais e famílias conseguiram oferecer, em ordem à difusão de uma visão integral do casal e da família cristã, hoje credível?
“Casal cristão” e “família cristã” sugerem um modelo homogêneo e reificado. A vida cristã é credível e integral de qualquer modo, desde que seja vivida com amor, dignidade, generosidade e integridade, e isso pode ser manifesto em relacionamentos e comunidades muito diversos.
 f) Que atenção pastoral a Igreja mostrou para sustentar o caminho dos casais em formação e dos casais em crise?
Penso que isso depende do contexto.
4. Sobre a pastoral para enfrentar algumas situações matrimoniais difíceis
a) A coabitação ad experimentum é uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que percentagem se poderia calculá-la numericamente?
Na sociedade moderna, as relações sexuais pré-maritais são quase a regra entre os católicos, assim como entre os não-católicos, e a coabitação é algo comum.
b) Existem uniões livres de fato, sem o reconhecimento religioso nem civil? Dispõem-se de dados estatísticos confiáveis?
Certamente tais uniões existem de fato. Casais em estado de coabitação são parte da vida moderna.
c) Os separados e os divorciados recasados constituem uma realidade pastoral relevante na Igreja particular? Em que porcentagem se poderia calculá-los numericamente? Como se enfrenta essa realidade, através de programas pastorais adequados?
Eles são uma realidade pastoral em toda a Igreja.
d) Em todos os casos acima, como vivem os batizados a sua irregularidade? Estão conscientes da mesma? Simplesmente manifestam indiferença? Sentem-se marginalizados e vivem com sofrimento a impossibilidade de receber os sacramentos?
Tenho encontrado muitos católicos que estão profundamente aflitos por aquilo que sentem como uma rejeição deles por parte da Igreja. Descrever suas situações como “irregulares” e negar a eles os sacramentos é causar sofrimento e um senso de marginalização.
e) Quais são os pedidos que as pessoas separadas e divorciadas dirigem à Igreja, a propósito dos sacramentos da Eucaristia e da Reconciliação? Entre as pessoas que se encontram em tais situações, quantas pedem estes sacramentos?
Há uma angústia generalizada e, frequentemente, amargura sobre a exclusão das pessoas divorciadas e recasadas, da Eucaristia. Parece uma forma de julgamento que é causa de divisão, severa e que não oferece nenhuma oportunidade de arrependimento, perdão e cura. Eu nunca ouvi um católico comum defendendo tal exclusão.
f) A simplificação da praxe canônica em ordem ao reconhecimento da declaração de nulidade do vínculo matrimonial poderia oferecer uma contribuição positiva real para a solução das problemáticas das pessoas interessadas? Se sim, de que forma?
Talvez. Entretanto, algumas vezes matrimônios verdadeiros terminam. Não estou segura de que uma declaração de nulidade auxiliaria pessoas nessas situações.
 g) Existe uma pastoral para ir ao encontro destes casos? Como se realiza esta atividade pastoral? Existem programas para este propósito, nos planos nacional e diocesano? Como a misericórdia de Deus é anunciada a separados e divorciados recasados e como se põe em prática a ajuda da Igreja para o seu caminho de fé?
Ver as respostas acima.
5. Sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo
a) Existe no seu país uma lei civil de reconhecimento das uniões de pessoas do mesmo sexo, equiparadas de alguma forma ao matrimônio?
Sim.
b) Qual é a atitude das Igrejas particulares e locais, quer diante do Estado civil promotor de uniões civis entre pessoas do mesmo sexo, quer perante as pessoas envolvidas neste tipo de união?
A Conferência dos Bispos da Inglaterra e do País de Gales tem sido inequivocamente oposta ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, embora aparentemente tem assumido uma linha mais conciliadora nos últimos anos para com as uniões civis.
c) Que atenção pastoral é possível prestar às pessoas que escolheram viver nesse tipo de união?
Ao invés de condenar tais uniões, acredito que a Igreja poderia vê-las como uma expressão de um desejo de fidelidade, comprometimento e respeito mútuo entre duas pessoas e isso deveria ser bem recebido e encorajado. Tais uniões não desvalorizam o matrimônio heterossexual, mas podem atestar seu sentido e seu caráter desejável. Como uma mulher heterossexual que está casada há aproximadamente 40 anos, e como mãe de quatro filhos já adultos, nunca entendi por que o casamento entre pessoas do mesmo sexo deveria ser compreendido com uma ameaça à instituição do matrimônio. Ao contrário – penso que isso afirma que o contexto ideal para uma união sexual é uma relação monogâmica vitalícia com outro ser humano, seja hétero ou homossexual.
 d) No caso de uniões de pessoas do mesmo sexo que adotaram crianças, como é necessário comportar-se pastoralmente, em vista da transmissão da fé?
Tais crianças devem ser bem-vindas e tratadas como filhos de qualquer união.
6. Sobre a educação dos filhos no contexto das situações de matrimônios irregulares
a) Qual é a proporção aproximativa de crianças e adolescentes nestes casos, em relação às crianças nascidas e educadas em famílias regularmente constituídas?
Não sei, mas nenhum matrimônio é “irregular” a partir da perspectiva das crianças envolvidas ou, ainda, do próprio casal.
b) Com que atitude os pais se dirigem à Igreja? O que pedem? Somente os sacramentos ou, inclusive, a catequese e o ensinamento da religião em geral?
Não sei.
c) Como as Igrejas particulares vão ao encontro da necessidade dos pais destas crianças, de oferecer uma educação cristã aos próprios filhos?
Não sei.
d) Como se realiza a prática sacramental em tais casos: a preparação, a administração do sacramento e o acompanhamento?
A real questão aqui é como a Igreja pode prover um ambiente de amor e apoio aos casais e seus filhos que experimentaram o trauma do divórcio e estão buscando o fomento do amor e da esperança que o novo casamento pode oferecer. Excluir os pais dos sacramentos em uma época na qual suas crianças estão particularmente vulneráveis a mudanças radicais no ambiente familiar e ao estresse e ao sofrimento de seus pais, é infligir uma severa forma de exclusão sobre as pessoas que pertencem à comunidade católica e que podem bem estarem tentando estabelecer novas famílias após experiência profundamente dolorosas de fracasso matrimonial. Tais pessoas e seus filhos necessitam sentir que pertencem à comunidade sacramental da paróquia.
7. Sobre a abertura dos esposos à vida
a) Qual é o conhecimento real que os cristãos têm da doutrina da Humanae vitae a respeito da paternidade responsável? Que consciência têm da avaliação moral dos diferentes métodos de planejamento familiar? Que aprofundamentos poderiam ser sugeridos a respeito desta matéria, sob o ponto de vista pastoral?
Há evidência substancial para mostrar que a grande maioria dos católicos ignora os ensinamentos da Humanae vitae, não raro conscientemente e com um profundo comprometimento com o matrimônio e a paternidade responsável. Até que os ensinamentos da Igreja concedam um maior espaço para a consciência individual e mostrem um maior respeito pelas experiências das pessoas casadas, haverá muito pouca autoridade moral nessa área.
b) Esta doutrina moral é aceita? Quais são os aspectos mais problemáticos que tornam difícil a sua aceitação para a grande maioria dos casais?
Ela não é aceita pela maioria. Coloca demasiada ênfase no ato sexual considerado individualmente e nem de longe enfatiza a paternidade como uma responsabilidade compartilhada que se estende por toda a vida do matrimônio e que, na experiência de muitos casais, é enriquecida e aprimorada com o acesso a métodos contraceptivos confiáveis. Assim também, em casais com situações diferentes quanto ao HIV/AIDS, a proibição do uso do preservativo para proteger o parceiro que não está infectado, parece desalmada e legalista.
c) Que métodos naturais são promovidos por parte das Igrejas particulares, para ajudar os cônjuges a porem em prática a doutrina da Humanae vitae?
O planejamento familiar natural é vigorosamente promovido em algumas partes da Igreja, mas muitos casais não procuram essa “ajuda” porque já têm suas cabeças feitas a respeito da Humanae vitae. Uma das pessoas mais próximas a mim teve cinco gravidezes indesejadas seguindo as demandas da Humanae vitae. Quando eu disse a ela sobre este questionário, sua primeira resposta foi: “livrem-se” da Humanae vitae.
d) Qual é a experiência relativa a este tema na prática do sacramento da penitência e na participação na Eucaristia?
Essa é uma questão que os sacerdotes estão mais aptos a responder.
e) Quais são, a este propósito, os contrastes entre a doutrina da Igreja e a educação civil?
Penso que a real tragédia é que a sabedoria do ensinamento da Igreja sobre a dignidade humana, no contexto das relações sexuais, tem sido negligenciada devido a uma atitude nada realista no que diz respeito à contracepção e a uma tendência condenatória que enxerga apenas o sexo procriativo, dentro do matrimônio, como bom. Isso simplesmente não reflete a realidade. A sociedade moderna secular está um caos no que diz respeito às atitudes referentes à sexualidade, mas até que a Igreja apresente seus ensinamentos de uma forma menos absolutista, informada através das experiências dos católicos em relação às relações sexuais, esses ensinamentos não serão levados a sério.
f) Como promover uma mentalidade mais aberta à natalidade? Como favorecer o aumento dos nascimentos?
Eu não penso que a Igreja deva promover o aumento do número dos nascimentos. A questão não é quantos filhos alguém tem, mas quanta responsabilidade se assume com essas crianças e como se exercita a paternidade responsável no contexto de preocupações acerca da superpopulação e da escassez de recursos naturais. Os filhos são um grande presente de Deus e a Igreja está certa em combater políticas de controle de população e a “mentalidade contraceptiva” que fracassa em promover o valor da procriação e da paternidade. Entretanto, à medida em que a mortalidade infantil diminui, e as mulheres tornam-se mais educadas e mais aptas a conceberem suas vidas em contextos diferentes da maternidade, há muitas e persuasivas razões para que se sustente que famílias menores são melhores de um ponto de vista ético, e devem ser encorajadas. A Igreja precisa ouvir as mulheres sobre esses temas e assumir uma abordagem mais bem informada e eticamente responsável com respeito às mudanças demográficas e questões de sustentabilidade, bem como de superpopulação, gerações futuras e bem comum.
8. Sobre a relação entre a família e a pessoa
a) Jesus Cristo revela o mistério e a vocação do homem: a família é um lugar privilegiado para que isto aconteça?
O lugar privilegiado para que isto aconteça é qualquer lugar no qual as pessoas expressam e experienciam amor, dignidade, respeito e cuidado. A família nuclear moderna não é necessariamente um lugar privilegiado da revelação cristã e a tradição católica não foi sempre tão absolutista quanto à família. Há muitas formas diferentes de vida cristã que revelam o mistério e a vocação da pessoa humana, entre as quais a família é apenas uma delas.
b) Que situações críticas da família no mundo contemporâneo podem tornar-se um obstáculo para o encontro pessoal com Cristo?
Penso que o maior desafio hoje é daqueles que não se sentem amados, os abandonados e excluídos de diferentes formas, por vezes por suas famílias e, por vezes, pela sociedade. Nós vivemos em tempos difíceis nos quais muitos seres humanos, particularmente os jovens e os idosos, sentem-se rejeitados e indesejados pela sociedade e, algumas vezes, também por suas famílias. A preocupação em relação ao desemprego, saúde e educação, envelhecimento e dependência, corroem as relações familiares. Uma pessoa que não se sente amada e valorizada pela família, amigos e sociedade pode achar extremamente difícil fazer a experiência do amor de Cristo. A Igreja precisa falar claramente contra a destruição do Estado de bem-estar social e a corrosão dos valores públicos de responsabilidade e cuidado para com as pessoas em estado de vulnerabilidade, pois as famílias são moldadas pelos valores sociais que, por sua vez, frequentemente refletem. Muito frequentemente, a voz da Igreja é ouvida apenas em relação à homossexualidade e ao aborto, mais do que sobre os temas da pobreza, consumismo e ganância, que corroem a sociedade, assim como sobre as situações extremas de injustiça que levam à destruição das famílias e comunidades.
c) Em que medida as crises de fé, pelas quais as pessoas podem atravessar, incidem sobre a vida familiar?
Em sua ação pastoral junto às famílias – e mesmo neste questionário – a Igreja promove frequentemente uma imagem da família católica que está longe daquilo que muitos de nós vivenciamos. Talvez haja a necessidade de dar uma ênfase menor à família e focalizar mais nos indivíduos católicos que podem experimentar diversas experiências de comunidade, família e relacionamentos. É claro que isso inclui indivíduos que frequentam a Igreja como uma unidade familiar, e é importante que se o faça, mas um número crescente de católicos praticantes não compartilham sua fé com suas famílias e amigos, e são, no entanto, tão partes da Igreja como aqueles que o fazem.
9. Outros desafios e propostas
a)Existem outros desafios e propostas a respeito dos temas abordados neste questionário, sentidos como urgentes ou úteis por parte dos destinatários?
Creio que se a Igreja seguir a direção do papa Francisco e tornar-se mais focada nos pobres e vulneráveis, e menos obcecada com temas ligados à sexualidade, muitas dessas questões sobre a família serão resolvidas. Acima de tudo, a Igreja precisa reconhecer que ubi caritas et amor, Deus ibi est (Onde estão a caridade e o amor, Deus aí está). Mais do que uma preocupação com o certo e o errado nos atos sexuais individuais e uma ênfase excessiva em um modelo particular de família (isto é, a família nuclear moderna), uma redescoberta da importância da formação do caráter e do cultivo de uma vida boa através dos hábitos da virtude seriam, na minha opinião, uma forma mais duradoura e efetiva de reconstruir as estruturas e instituições da vida ocidental que estão se desintegrando, tanto dentro quanto fora da Igreja. As mulheres precisam ser envolvidas nesse processo em todos os níveis do ensinamento e da prática da Igreja, caso esta queira ter credibilidade em questões de ética, justiça e relações humanas.
10. Se você tem mais algum comentário a fazer sobre esta consulta, por favor faça-o abaixo. Se desejar, deixe seu nome e e-mail de contato.
Eu agradeço pelo convite e pela oportunidade de responder a este questionário e sei que muitos católicos pensam da mesma forma. O questionário é difícil de responder por conta da natureza de algumas das questões, mas espero que aqueles que irão avalia-lo o façam com atenção e cuidado suficientes para assegurar uma justa representação da diversidade de respostas e desafios que podem ser expressos. Espero também que este seja o início de um processo mais consultivo e dialogado na Igreja.