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sábado, 17 de janeiro de 2015

CONSAGRAÇÃO DA CASA À NOSSA DO CARMO.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 776: Somos eternos?

O soco inoportuno do papa Francisco



Rir de nós e dos nossos deuses é a melhor forma de aceitar que não somos nem patrões nem escravos
Papa: “Se insulta a minha mãe, pode esperar por um soco”
Francisco, o papa carismático, é um amante do futebol. Tem até um time do coração. Entretanto, no momento em que a notícia do mundo estava ancorada na tragédia perpetrada contra os jornalistas do semanário humorístico francês Charlie Hebdo, ele acabou marcando um gol contra.
A cena percorreu o mundo. No avião que o conduzia às Filipinas, o terceiro país com maior número de católicos do mundo, ele comentava com os jornalistas a bordo o sangrento atentado contra a liberdade de expressão que gelou a alma de milhões de democratas do mundo, quando deu um escorregão.
É verdade que foi taxativo ao afirmar: “Matar em nome de Deus é uma aberração”. E fez bem em salientar que tanto a liberdade de expressão como a liberdade religiosa “são direitos humanos fundamentais”. Direitos que a Igreja Católica não só às vezes se esqueceu de protagonizar como também condenou a morte os que não pensavam como ela.
Francisco, um dos papas que mais recorrem aos textos do Evangelho para inspirar seu carismático pontificado em favor dos pobres e da paz, teve um lapso de memória ao comentar com um jornalista que se alguém insultar a sua mãe você “pode esperar um soco”. O Evangelho condena o antigo “olho por olho, dente por dente”.
O papa não estava falando ex-catedra, nem numa encíclica. Foi uma confidência em linguagem popular, num clima descontraído, sem maiores pretensões teológicas. Entretanto, aquele “soco” na boca de um papa, e de um papa pacifista como Francisco e naquele momento, chocou os amantes da liberdade.
Foi um gol contra inoportuno porque, ao propor a violência como resposta a uma hipotética ofensa, seja contra a sua mãe ou a sua religião, no momento de tensão e de violência terrorista que atemoriza o planeta, é impossível não interpretar suas palavras como algum tipo de justificativa para a violência perpetrada pelos terroristas islâmicos contra os jornalistas do Charlie Hebdo.
Nenhum homem religioso ou ateu que respeite o valor sagrado que é a liberdade de expressão, tanto quanto o direito à vida, pode admitir que a sátira, por mais dura que seja contra qualquer instituição de poder – e é isso que as religiões são –, seja silenciada com as armas.
Tem razão o papa quando adverte que liberdade de expressão não significa liberdade de insulto ou calúnia. Nesses casos, entretanto, devem atuar os tribunais de justiça. Ninguém tem o direito de tomar a justiça nas próprias mãos. A liberdade de expressão, como bem salientou Antonio Caño, diretor deste jornal, não aceita perguntas nem restrições, que é como dizer que é sagrada.
A única distinção possível é que uma coisa é fazer humor sobre uma religião, qualquer que seja, e outra contra as pessoas concretas. Ninguém aceitaria que se fizesse chacota dos muçulmanos, a grande maioria pacíficos, ou dos cristãos, budistas ou judeus. As pessoas são sagradas como o seu direito de viver. Os símbolos, mitos ou deuses podem ser objeto de sátira. Do contrário, teríamos que admitir que Deus não sabe rir.
Quem ama até às vísceras o seu time de futebol pode gostar ou não que ele seja alvo de ironias, mas precisa admitir isso, em nome da liberdade de expressão. O que ninguém tem direito é de abrir a cabeça de um torcedor da equipe adversária por ele não gostar do seu time.
Ninguém é obrigado a acreditar em nenhum Deus. E todo crente tem direito a que respeitem sua fé, como devem ser respeitadas as crenças de ateus e agnósticos.
Em algumas aldeias da Espanha, durante a ditadura de Franco, havia quem apedrejasse os templos protestantes e seus fiéis. Eis aí um exemplo do que não se pode fazer. Talvez fosse isso que queria dizer o papa Francisco, que desta vez não foi feliz em suas palavras.
Quem como ele tanto ama os ditos de Jesus de Nazaré poderia, em vez de cair no populismo de recordar que se alguém insultar a sua mãe é normal reagir com um soco, ter recordado as palavras do evangelho de Mateus (5:39) quando Jesus diz: “Ouvistes que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente!’. Ora, eu vos digo: não ofereçais resistência ao malvado! Pelo contrário, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda!”.
Não só Jesus, mas também todos os grandes líderes das maiores religiões do mundo e até os maiores pacifistas do planeta, como Gandhi, Luther King e Mandela, compreenderam que o único caminho para combater a violência não é a de responder com um soco ou um tiro de revólver quando se sente ofendido, e sim que só o perdão e até a loucura evangélica de dar a outra face podem ser capazes de conter as mãos assassinas e o ódio à liberdade.
Se a violência engendrar violência, só o perdão será capaz de fazer emudecer as armas. O perdão tem sempre algo de sublime, que supera o humano, mas que carrega em seu sangue o DNA do milagre de sabermos aceitar nossas diferenças.
E por que não rirmos de nós e até dos nossos deuses, dos nossos mitos, que é a melhor forma de aceitar que não somos nem patrões nem escravos?
Querer matar a sátira, até a mais sagrada, seria como admitir que sem os deuses, sem cair de joelhos perante eles, sem a liberdade de sermos capazes de exigir que prestem contas, não seríamos verdadeiramente livres.
O humor nos vacina contra a tentação escondida de aceitar que continuamos sendo escravos. A sátira nua aos deuses ou aos que, na sua falsa onipotência, se acreditam como tais.

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

Papa faz reflexão sobre encontro de Jesus com a Samaritana ( JO 4, 5-30)

Mais de 40 mil fiéis acompanharam a oração mariana do Angelus, na Praça de São Pedro, no Vaticano, no domingo, 23. O papa Francisco trouxe como tema de reflexão a passagem do Evangelho que retrata o encontro de Jesus com a Samaritana junto ao poço em Sicar.
Francisco observou que o pedido de Jesus à Samaritana – “Dá-me de beber“ - supera todas as barreiras de hostilidade entre judeus e samaritanos e rompe os esquemas de preconceito em relação às mulheres.
“O simples pedido de Jesus é o início de um diálogo sincero, mediante o qual Ele, com grande delicadeza, entra no mundo interior de uma pessoa à qual, segundo os esquemas sociais, não deveria nem mesmo dirigir uma palavra. Jesus se coloca no lugar dela, não a julgando, mas  fazendo sentir-se considerada, reconhecida, e suscitando assim nela o desejo de ir além da rotina cotidiana”, disse.
O papa explicou que ao pedir água à Samaritana, Jesus queria “abrir-lhe o coração”, “colocar em evidência a sede que havia nela”. “A sede de Jesus não era tanto de água, mas de encontrar uma alma sequiosa”, afirmou o papa.
A passagem do Evangelho conta que os discípulos ficaram maravilhados com o Mestre, pois tinha falado com aquela mulher. Mas, “o Senhor é maior do que os preconceitos. E isto devemos aprender bem” – exortou Francisco -, pois a misericórdia é maior do que os preconceitos”. Segundo o papa, o resultado do encontro junto ao poço foi o de uma mulher transformada. 
“Deixou o seu jarro com o qual ia buscar água e correu à cidade para contar a sua experiência extraordinária. ‘Encontrei um homem que me disse todas as coisas que eu fiz. Era o Messias? Estava entusiasmada. Foi buscar água no poço e encontrou uma outra água, a água viva da misericórdia que jorra para a vida eterna. Encontrou a água que sempre procurou! Corre ao vilarejo, aquele vilarejo que a julgava, a condenava e a rejeitava, e anuncia que encontrou o Messias: alguém que mudou a sua vida. Pois cada encontro com Jesus nos muda a vida, sempre. É um passo em frente, um passo mais próximo a Deus”, acrescentou.
“Encontramos também nós o estímulo para ‘deixar o nosso jarro’, símbolo de tudo aquilo que aparentemente é importante, mas que perde valor diante do ‘amor de Deus’, e todos temos um, ou mais de um jarro", ressaltou Francisco.   
“Eu pergunto a vocês e também a mim: ‘Qual é o teu jarro interior, aquele que te pesa, aquele que te afasta de Deus? Deixemo-lo um pouco de lado e com o coração escutemos a voz de Jesus que nos oferece uma outra água, uma outra água que nos aproxima do Senhor”, disse.
De acordo com Francisco, todos são chamados a redescobrir a importância e o sentido da vida cristã, iniciada no Batismo, e a testemunhar como a Samaritana, "a alegria do encontro com Jesus e as maravilhas que o seu amor realiza".
Ao final do Angelus, o papa Francisco recordou o Dia Mundial da Tuberculose celebrado nesta segunda-feira, 24, e pediu orações por todas as pessoas atingidas pela doença e por todos que de alguma maneira se ocupam delas.


A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 775: Palavras Passam...

E se Judas não traiu Jesus?

Escritor Amos Oz sustenta que Judas foi o maior defensor do profeta de Nazaré
É certo que o apóstolo Judas Iscariotes traiu Jesus e o entregou para as autoridades de Jerusalém por 30 moedas de prata? Isso é o que a Igreja Católica defende até hoje, apoiando-se nos textos evangélicos.
E se ao invés de traidor ele fosse, pelo contrário, o discípulo mais fiel e ilustrado do Colégio Apostólico que, agindo como um espião entre os outros discípulos analfabetos, acabasse transformando-se no seu maior defensor e devoto?
Amos Oz, em sua obra Judas, que acaba de ser publicada no Brasil pela Companhia das Letras, sustenta, também apoiado nos textos evangélicos, que Judas não só não traiu o Mestre como tentou fazer com que ele se transformasse no grande vencedor tanto entre os esfarrapados das aldeias da Galileia como em Jerusalém, entre intelectuais e poderosos.
A original interpretação de Judas pelo escritor judeu, favorável ao diálogo entre Israel e Palestina, pode intrigar não só os cristãos, mas também os judeus, de quem Jesus de Nazaré era um filho de Abraão, um judeu dos pés à cabeça.
Agora, Amos Oz volta a ressuscitar para seus leitores não só Jesus, que os judeus se negam a considerar como um profeta, mas seu “traidor” Judas, uma das figuras das quais, depois do Mestre, mais se escreveu e especulou nesses dois mil anos da era cristã.

A tese do escritor israelense cria perplexidade primeiro entre os cristãos.
Segundo ela, Judas, talvez o único apóstolo não analfabeto, nem oriundo da rural Galileia, mas da rica Judeia, foi enviado pelas altas esferas religiosas do Templo para introduzir-se como espião no círculo daquele curioso pregador de um novo reino que fazia prodígios. Queriam saber se era mais do que um mero charlatão.
Judas, fascinado pela figura do profeta, acabou transformando-se em seu melhor devoto. Intelectual e ambicioso como era, preparou um grande plano de vitória para Jesus.
O Mestre deveria, segundo seus cálculos, aumentar seu círculo de seguidores e deveria chegar ao coração do poder, que estava em Jerusalém. Lá, deveria se revelar como deus.
Em vez de dar visão para cegos e expulsar demônios ou curar paralíticos, o profeta deveria fazer, em Jerusalém, o grande milagre que o revelaria como o Messias, o libertador de Israel, um deus na terra: vencer a morte.
Dessa forma, organizou as coisas para que fosse condenado e crucificado. E nesse momento se livraria milagrosamente da morte aos olhos dos poderosos e dos humildes nas vésperas da Páscoa.
Segundo o escritor e romancista, não foi fácil para Judas convencer Jesus a ir até Jerusalém, onde era visto com hostilidade pelos sacerdotes e autoridades romanas. Temia que pudessem atentar contra sua vida. Jesus não era um herói que desejava ser mártir. “Se for possível, afasta de mim esse cálice”, disse para seus discípulos na Última Ceia. Não queria ser sacrificado.
Para as autoridades da época Jesus era, entretanto, mais um dos falsos profetas que apareciam todo dia com seus vaticínios. Não viam motivo para condená-lo à morte. Isso encontra eco nas palavras de Pilatos, quando disse para a multidão alvoroçada que pedia a morte do profeta: “não vejo nenhuma culpa nele”. E fez corpo mole antes de ceder à injusta sentença.
Parece um paradoxo que seja Judas o único dos discípulos que fala de Jesus como se fosse um deus. Nem ele jamais considerou-se como tal. Chamava-se de “Filho do homem”, que em aramaico significa simplesmente “homem”. O único Deus era seu Pai do céu, para quem se queixou quando se viu abandonado na cruz.
A história de Judas traidor que entrega Jesus por algumas moedas teria sido criada por alguns dos evangelistas posteriores.
Amos Oz volta a ressuscitar para seus leitores não só Jesus, que os judeus se negam a considerar como um profeta, mas seu “traidor” Judas
Segundo Amos Oz, Judas não precisava entregar Jesus porque ele nunca se escondeu, sempre falava em público e era conhecido por todos. Além disso, 30 moedas de prata não eram nada para ele, possuidor de bens e terras. Era o preço da venda de um escravo.
Por que então Judas se enforca depois de ter visto Cristo expirar na cruz? Não por arrependimento, por tê-lo traído, mas porque ao vê-lo morrer como mais um crucificado, queixando-se para Deus por tê-lo abandonado, sem ter sido capaz de descer milagrosamente da cruz, se deu conta de que sua estratégia de vitória havia falhado. Sentia-se mais um derrotado do que um traidor.
“E Judas, cujos olhos horrorizados viam o sentido e o objetivo de sua vida se esfacelar, Judas que compreendeu que com suas próprias mãos tinha causado a morte do homem que amava e admirava, foi embora de lá e se enforcou”, escreveu Oz, e acrescenta: “Assim morreu o primeiro cristão. O último cristão. O único cristão”.
O escritor, que conhece muito bem os textos bíblicos, tira duas conclusões importantes dessa interpretação original: Jesus não queria fundar uma igreja, mas purificar o judaísmo de sua visão estreita e dos compromissos entre o Templo e o poder temporal: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”.
Assim, se os judeus da época tivessem “aceitado Jesus”, se o tivessem escutado ao invés de persegui-lo, talvez não existisse a posterior perseguição dos judeus que culminou no Holocausto, já que por não ter sido criada, em seu nome, a nova igreja cristã, Jesus não teria sido apontado durante séculos como culpado pelo fato dos cristãos odiarem os “pérfidos judeus”, que mataram Jesus, como era rezado na Semana Santa até que aquele texto foi eliminado pelo papa João XXIII.
E a igreja atual, ou não existiria ou teria sido totalmente diferente. Assim, Amos Oz, com sua audaciosa interpretação que acompanha passo a passo seu romance que coloca ao mesmo tempo o tema existencial da traição humana e seu conflito, aplicada ao drama entre Israel e Palestina, está alertando tanto o mundo judeu como o cristão.
Um livro destinado não só a ser saboreado como uma joia literária as quais o grande escritor israelense nos acostumou, mas também a despertar, tanto curiosidade como polêmica, nas duas maiores religiões monoteístas.

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

“Amamentem seus filhos na igreja”. Papa Francisco.

Capela Sistina, sede do Conclave, sob os afrescos de Michelangelo. Às 09:30 da manhã de domingo o Papa Francisco lança um olhar improvisadamente e se fala às mulheres: “Vocês mães – falou – deem aos vossos filhos o leite – mesmo agora. Se choram de fome, amamente-os, tranquilas”. Algumas, de forma tímida, tiram para fora as mamadeiras. A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada pelo jornal La Repubblica, 12-01-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Consciente ou não de abrir um novo – o enésimo de sua parte – assunto para debate, Jorge Bergoglio celebrou a missa em um local solene como a magnificência “Michelangeloniana” da Capela Sistina, dando pela primeira vez as costas aos fiéis, como era feito nos rituais antigos. Não havia sido colocado, de fato, um altar móvel que permitiria fazer a missa olhando para o povo, como normalmente era feito depois do Concílio Vaticano II.
Mas frente aos choramingos de 33 recém-nascidos (20 meninas e 13 meninos), filhos de dependentes do vaticano a serem batizados, o Pontífice argentino encorajou as mães de não ignorar o choro dos seus filhos.
Com uma simples frase pronunciada frente a uma exigência humana, o aleitamento materno dos bebês, o Papa rompeu outro tabu, fazendo assim justiça para os limites impostos recentemente em alguns locais públicos. Locais não sagrados: como HOTÉIS, museus, aeronaves. O caso que mais alarmou aconteceu a pouco mais de um mês, em Londres, quando uma mãe na sala de chá do HOTEL 5 estrelas Claridgés iniciou a amamentar sua filha de 12 semanas e um funcionário a ordenou que se cobrisse com uma grande toalha de mesa. O gesto causou indignação, fazendo com que outras mulheres organizassem um aleitamento coletivo na frente do hotel. Mas em 2007 o protesto foi mais incisivo na Espanha, por uma mãe que foi posta pra fora do Museu do Prado em Madrid.
Não é a primeira vez que o Papa Francisco afronta essa questão. Já havia feito logo após o episódio londrino, durante sua visita à paróquia romana de São José, em Aurélio. “As crianças choram, fazem barulho – disse às famílias no último ano – vão de um lado para outro... e me irrita quando uma criança chora e as outras pessoas querem que sejam levadas pra fora. Não! É a melhor oração! O choro de uma criança é a voz de Deus!. Nunca, jamais os coloquem pra fora da igreja!”. No domingo, Bergoglio, em um local mais augusto, aumentou a dose: “Demos graças ao Senhor pelo dom do leite – continuou durante a homilia – e rezemos por essas mães – infelizmente tantas – que não tem condições de dar de comer aos seus filhos. Rezemos e procuremos ajudar estas mães”.
Durante o Angelus pediu para que os fiéis rezem pela sua nova viagem. No final da tarde de hoje o Papa partirá para sua sétima visita apostólica, volta à Ásia depois da última feita no último mês de agosto à Coréia do Sul. Amanhã pela manhã chegará ao Sri Lanka, e então será a vez das Filipinas. Sete dias de uma viagem complexa, em terras atingidas por catástrofes e violência. A guerra civil ensanguentou o Sri Lanka entre 1983 e 2009, e o país teve a apenas dois dias novas eleições presidenciais com uma mudança no vértice do Estado. O povo filipino pagou um preço altíssimo com terremotos, tufões e conflitos armados como aquele ocorrido na Ilha de Mindanao.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 772: Eu vou incomodar você.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

'Cuidar de quem é pobre não é comunismo, é Evangelho.'' Entrevista com o Papa Francisco

Antecipamos aqui um trecho de Papa Francesco. Questa economia uccide [Papa Francisco. Esta economia mata], o livro sobre o magistério social da Bergoglio escrito por Andrea Tornielli, coordenador do sítio Vatican Insider, e Giacomo Galeazzi, vaticanista do jornal La Stampa.
O livro reúne e analisa os discursos, os documentos e as intervenções de Francisco sobre pobreza, imigração, justiça social, proteção da criação. E confronta especialistas em economia, finanças e doutrina social da Igreja – entre eles o professor Stefano Zamagni e o banqueiro Ettore Gotti Tedeschi –, relatando também as reações que certos posicionamentos do papa despertaram. O livro conclui com uma entrevista que Francisco concedeu aos autores no início de outubro de 2014. O trecho foi publicado no jornal La Stampa, 11-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

"Marxista", "comunista" e "pauperista": as palavras de Francisco sobre a pobreza e sobre a justiça social, os seus frequentes apelos à atenção em relação aos necessitados, lhe atraíram críticas e até mesmo acusações, às vezes expressadas com dureza e sarcasmo. Como o Papa Bergoglio vive tudo isso? Por que o tema da pobreza esteve tão presente no seu magistério?

Santidade, o capitalismo, como o estamos vivendo nas últimas décadas, é, na sua opinião, um sistema de algum modo irreversível?

Eu não saberia como responder a essa pergunta. Reconheço que a globalização ajudou muitas pessoas a se levantarem da pobreza, mas condenou tantas outras a morrer de fome. É verdade que, em termos absolutos, cresceu a riqueza mundial, mas também aumentaram as desigualdades e surgiram novas pobrezas. O que eu noto é que esse sistema se mantém com aquela cultura do descarte da qual já falei várias vezes. Há uma política, uma sociologia e também uma atitude do descarte. Quando no centro do sistema não está mais o homem, mas o dinheiro, quando o dinheiro se torna um ídolo, os homens e as mulheres são reduzidos a simples instrumentos de um sistema social e econômico caracterizado, melhor, dominado por profundos desequilíbrios. E assim se "descarta" aquilo que não serve para essa lógica: é aquela atitude que descarta as crianças e os idosos, e que agora também afeta os jovens.
Impressionou-me saber que, nos países desenvolvidos, há tantos milhões de pessoas com menos de 25 anos que não têm trabalho. Eu os chamei de jovens "nem-nem", porque não estudam nem trabalham: não estudam porque não têm possibilidade para fazê-lo, não trabalham porque falta o trabalho. Mas eu também gostaria de lembrar daquela cultura do descarte que leva a rejeitar as crianças também com o aborto. Chamam-me a atenção as taxas de natalidade tão baixas aqui na Itália: assim, perde-se o vínculo com o futuro. Assim como a cultura do descarte leva à eutanásia escondida dos idosos, que são abandonados, em vez de serem considerados como a nossa memória. O vínculo com o nosso passado é um recurso de sabedoria para o presente. Às vezes eu me pergunto: qual será o próximo descarte? Devemos parar no tempo. Paremos, por favor! E então, para tentar responder à pergunta, eu diria: não consideremos esse estado das coisas como irreversível, não nos resignemos. Busquemos construir uma sociedade e uma economia em que o homem e o seu bem, e não o dinheiro, estejam no centro.

Uma mudança, uma maior atenção à justiça social pode ocorrer graças a mais ética na economia ou é justo supor também mudanças estruturais no sistema?

Acima de tudo, é bom lembrar que há a necessidade de ética na economia e há necessidade de ética também na política. Várias vezes, vários chefes de Estado e líderes políticos que eu pude encontrar depois da minha eleição a bispo de Roma me falaram sobre isso. Eles disseram: vocês, líderes religiosos, devem nos ajudar, dar-nos indicações éticas. Sim, o pastor pode fazer os seus apelos, mas estou convencido de que é preciso, como recordava Bento XVI na encíclica Caritas in veritate, de homens e mulheres com os braços levantados para Deus para rezar a Ele, conscientes de que o amor e a partilha dos quais deriva o autêntico desenvolvimento não são um produto das nossas mãos, mas um dom a se pedir.
E, ao mesmo tempo, estou convencido de que é preciso que esses homens e essas mulheres se comprometam, em todos os níveis, na sociedade, na política, nas instituições e na economia, pondo no centro o bem comum. Não podemos mais esperar para resolver as causas estruturais da pobreza, para curar as nossas sociedades de uma doença que só pode levar a novas crises. Os mercados e a especulação financeira não podem gozar de uma autonomia absoluta. Sem uma solução aos problemas dos pobres não resolveremos os problemas do mundo. São necessários programas, mecanismos e processos orientados a uma melhor distribuição dos recursos, à criação de trabalho, à promoção integral de quem está excluído.

Por que as palavras fortes e proféticas de Pio XI na encíclica Quadragesimo anno contra o imperialismo internacional do dinheiro hoje soam para muitos – também católicos – como exageradas e radicais?

Pio XI parece exagerado para aqueles que se sentem afetados pelas suas palavras, feridos na carne pelas suas proféticas denúncias. Mas o papa não era exagerado, tinha dito a verdade depois da crise econômico-financeira de 1929 e, como bom alpinista, via as coisas como estavam, sabia olhar longe. Temo que os exagerados, ao contrário, são aqueles que ainda hoje se sentem chamados em causa pelas críticas de Pio XI...
Ainda continuam válidas as páginas da Populorum progressio nas quais se diz que a propriedade privada não é um direito absoluto, mas está subordinada ao bem comum, e aquelas do Catecismo de São Pio X que elenca entre os pecados que clamam por vingança diante de Deus a opressão dos pobres e a defraudação da justa retribuição aos operários?
Não são apenas afirmações ainda válidas, mas, quanto mais o tempo passa, mais eu acho que são comprovadas pela experiência.

Chamaram a atenção muitas das suas palavras sobre os pobres como "carne de Cristo". Perturba-lhe a acusação de "pauperismo"?

Antes que Francisco de Assis chegasse, havia os "pauperistas". Na Idade Média, houve muitas correntes pauperistas. O pauperismo é uma caricatura do Evangelho e da própria pobreza. Em vez disso, São Francisco nos ajudou a descobrir o laço profundo entre a pobreza e o caminho evangélico. Jesus afirma que não se pode servir a dois senhores, Deus e a riqueza. É pauperismo? Jesus nos diz qual é o "protocolo" com base no qual seremos julgados: é aquele que lemos no capítulo 25 do Evangelho de Mateus: tive fome, tive sede, estive preso, estava doente, estava nu, e vocês me ajudaram, vestiram, visitaram, cuidaram de mim. Cada vez que fazemos isso a um nosso irmão, o fazemos a Jesus.
Cuidar do nosso próximo: de quem é pobre, de quem sofre no corpo, no espírito, de quem está em necessidade. Essa é a pedra de toque. É pauperismo? Não, é Evangelho. A pobreza afasta da idolatria, do sentir-se autossuficiente. Zaqueu, depois de ter cruzado o olhar misericordioso de Jesus, doou a metade dos seus bens aos pobres. A mensagem do Evangelho é uma mensagem dirigida a todos. O Evangelho não condena os ricos, mas a idolatria da riqueza, aquela idolatria que torna insensível ao grito do pobre. Jesus disse que, antes de oferecer a nossa oferta ao altar, devemos nos reconciliar com o nosso irmão para estar em paz com ele. Acredito que podemos, por analogia, estender esse pedido também ao nosso estar em paz com esses irmãos pobres.

O senhor ressaltou a continuidade com a tradição da Igreja nessa atenção aos pobres. Pode dar alguns exemplos a esse respeito?

Um mês antes de abrir o Concílio Ecumênico Vaticano II, o Papa João XXIII disse: "A Igreja se apresenta como é e quer ser, como a Igreja de todos, e particularmente a Igreja dos pobres". Nos anos posteriores, a opção preferencial pelos pobres entrou nos documentos do magistério. Alguns poderiam pensar em uma novidade, enquanto, em vez disso, se trata de uma atenção que tem a sua origem no Evangelho e está documentada já nos primeiros séculos do cristianismo.
Se eu repetisse alguns trechos das homilias dos primeiros Padres da Igreja, do segundo ou terceiro século, sobre como se deve tratar os pobres, haveria alguns que acusariam que a minha homilia é marxista. "Não é dos teus bens que tu doas ao pobre; tu só lhe devolves o que lhe pertence. Porque é àquilo que é dado em comum para o uso de todos que tu te apegas. A terra é dada a todos, e não somente aos ricos". São palavras de Santo Ambrósio, que serviram para que o Papa Paulo VI afirmasse, na Populorum progressio, que a propriedade privada não constitui para alguns um direito incondicional e absoluto, e que ninguém está autorizado a reservar para o seu uso exclusivo aquilo que supera a sua necessidade, quando aos outros falta o necessário. São João Crisóstomo afirmava: "Não compartilhar os próprios bens com os pobres significa roubá-los e privá-los da vida. Os bens que possuímos não são nossos, mas deles". (...)
Como se pode ver, essa atenção aos pobres está no Evangelho e está na tradição da Igreja, não é uma invenção do comunismo e não devemos ideologizá-la, como algumas vezes aconteceu no curso da história. Quando a Igreja convida a vencer aquela que eu chamei de "globalização da indiferença", ela está longe de qualquer interesse político e de qualquer ideologia: movida unicamente pelas palavras de Jesus, ela quer dar a sua contribuição para a construção de um mundo onde se proteja um ao outro e se cuide um do outro.

800 ANOS DE SANTO ALBERTO: Dom Fouad Twal, Patriarca de Jerusalém.

800 ANOS DE SANTO ALBERTO: Irmã Anastasia Monaca.

A PALAVRA DO FREI PETRÔNIO. Nº 771: E se eu estivesse vivo?