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domingo, 7 de maio de 2023

Professores silenciados, alunos radicalizados

Se o educador é tolhido, jovens se tornam presas fáceis do extremismo

 

José Ruy Lozano

Sociólogo e autor de livros didáticos, é membro da Comunidade Reinventando a Educação (Core)

Quem trabalha na educação sabe há muito tempo. Se mostrarmos às equipes de limpeza e manutenção das escolas a foice e o martelo, e perguntarmos se já viram o símbolo rabiscado em alguma porta de banheiro ou carteira, dirão que não. Mas, se exibirmos uma suástica e fizermos a mesma pergunta, imediatamente responderão que a veem todos os dias.

Enquanto muitos gritavam contra suposta doutrinação esquerdista nas escolas, as suásticas riscadas nos móveis já indicavam o verdadeiro perigo à espreita. A princípio, atribuíamos os desenhos a uma certa tolice de adolescentes irresponsáveis e sua eterna ânsia de "causar". Não mais.

violência que adentrou as escolas e as ameaças virtuais que atormentam pais, alunos e educadores têm clara inspiração em ideologias nazifascistas, cuja expansão se deu simultaneamente, não por acaso, à difusão do discurso de criminalização da atuação docente, aqui conhecido pelo slogan "escola sem partido".

Tal discurso está muito presente nos EUA, onde movimentos reacionários organizados atuam para proibir livros com temática considerada "indecente" ou "divisiva", impedir a discussão de assuntos como escravidão e alterar o currículo em vários temas. São as "Mães pela Liberdade", a "Fundação para os Direitos Parentais" ou, a mais explícita, "Não à Esquerda na Educação". Paralelamente ao crescimento desses grupos, multiplicam-se nas escolas estadunidenses os episódios de massacre.

Não é coincidência. Quando se impede ou se dificulta o trabalho dos professores, a mente fértil e atormentada dos adolescentes vira presa fácil de discursos radicais, tão mais sedutores quanto mais violentos. Eles são atraídos por valores contrários a qualquer vínculo social solidário. Racismo, misoginia, homofobia e apologia às armas são temas comuns em fóruns virtuais e chats de jogos online, entre outros espaços.

O trabalho da educação escolar é primordialmente o de ensinar a conviver com o outro. É na escola que se aprende a resolver conflitos por meio da mediação e do diálogo, com regras estabelecidas publicamente. Apenas no espaço escolar desenvolvemos de forma ampla valores como respeito, tolerância e solidariedade. O lugar-comum de que a escola forma cidadãos tem esse significado: preparar as novas gerações para a vida coletiva, algo que o ultraindividualismo e sua lógica —esta sim divisiva, perigosa e violenta— não conseguem compreender (ou aceitar).

Para além do que se convencionou chamar de habilidades socioemocionais, no entanto, o currículo escolar tem conteúdos que alertam para o perigo do obscurantismo e valorizam a humanização das relações. Fazer uma leitura incisivamente crítica do modelo colonial implementado nas Américas e da escravização dos povos africanos em seu bojo, por exemplo, não é doutrinação ideológica, mas sim a apresentação aos alunos do que as ciências sociais produziram e constataram. As injustiças sociais que herdamos são iluminadas como tal, pela ação dos professores, evitando leituras equivocadas que podem levar à normalização da barbárie.

Se o professor é tolhido ou silenciado, os adolescentes tornam-se potenciais agentes do extremismo. Fonte: https://www1.folha.uol.com.br