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sábado, 7 de maio de 2016

50 DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS: “Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo”

(Mensagem do Papa Francisco para o 50º Dia Mundial das Comunicações Sociais, que em 2016 será celebrado no dia 8 de maio).

Queridos irmãos e irmãs!
O Ano Santo da Misericórdia convida-nos a refletir sobre a relação entre a comunicação e a misericórdia. Com efeito a Igreja unida a Cristo, encarnação viva de Deus Misericordioso, é chamada a viver a misericórdia como traço característico de todo o seu ser e agir. Aquilo que dizemos e o modo como o dizemos, cada palavra e cada gesto deveria poder expressar a compaixão, a ternura e o perdão de Deus para todos. O amor, por sua natureza, é comunicação: leva a abrir-se, não se isolando. E, se o nosso coração e os nossos gestos forem animados pela caridade, pelo amor divino, a nossa comunicação será portadora da força de Deus.
Como filhos de Deus, somos chamados a comunicar com todos, sem exclusão. Particularmente próprio da linguagem e das ações da Igreja é transmitir misericórdia, para tocar o coração das pessoas e sustentá-las no caminho rumo à plenitude daquela vida que Jesus Cristo, enviado pelo Pai, veio trazer a todos. Trata-se de acolher em nós mesmos e irradiar ao nosso redor o calor materno da Igreja, para que Jesus seja conhecido e amado; aquele calor que dá substância às palavras da fé e acende, na pregação e no testemunho, a «centelha» que os vivifica.
A comunicação tem o poder de criar pontes, favorecer o encontro e a inclusão, enriquecendo assim a sociedade. Como é bom ver pessoas esforçando-se por escolher cuidadosamente palavras e gestos para superar as incompreensões, curar a memória ferida e construir paz e harmonia. As palavras podem construir pontes entre as pessoas, as famílias, os grupos sociais, os povos. E isto acontece tanto no ambiente físico como no digital. Assim, palavras e ações hão-de ser tais que nos ajudem a sair dos círculos viciosos de condenações e vinganças que mantêm prisioneiros os indivíduos e as nações, expressando-se através de mensagens de ódio. Ao contrário, a palavra do cristão visa fazer crescer a comunhão e, mesmo quando deve com firmeza condenar o mal, procura não romper jamais o relacionamento e a comunicação.
Por isso, queria convidar todas as pessoas de boa vontade a redescobrirem o poder que a misericórdia tem de curar as relações dilaceradas e restaurar a paz e a harmonia entre as famílias e nas comunidades. Todos nós sabemos como velhas feridas e prolongados ressentimentos podem aprisionar as pessoas, impedindo-as de comunicar e reconciliar-se. E isto aplica-se também às relações entre os povos. Em todos estes casos, a misericórdia é capaz de implementar um novo modo de falar e dialogar, como se exprimiu muito eloquentemente Shakespeare: «A misericórdia não é uma obrigação. Desce do céu como o refrigério da chuva sobre a terra. É uma dupla bênção: abençoa quem a dá e quem a recebe» (“O mercador de Veneza”, Ato IV, Cena I).
É desejável que também a linguagem da política e da diplomacia se deixe inspirar pela misericórdia, que nunca dá nada por perdido. Faço apelo sobretudo àqueles que têm responsabilidades institucionais, políticas e de formação da opinião pública, para que estejam sempre vigilantes sobre o modo como se exprimem a respeito de quem pensa ou age de forma diferente e ainda de quem possa ter errado. É fácil ceder à tentação de explorar tais situações e, assim, alimentar as chamas da desconfiança, do medo, do ódio. Pelo contrário, é preciso coragem para orientar as pessoas em direção a processos de reconciliação, mas é precisamente tal audácia positiva e criativa que oferece verdadeiras soluções para conflitos antigos e a oportunidade de realizar uma paz duradoura. «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. (...) Felizes os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus» (Mt 5, 7.9).
Como gostaria que o nosso modo de comunicar e também o nosso serviço de pastores na Igreja nunca expressassem o orgulho soberbo do triunfo sobre um inimigo, nem humilhassem aqueles que a mentalidade do mundo considera perdedores e descartáveis! A misericórdia pode ajudar a mitigar as adversidades da vida e dar calor a quantos têm conhecido apenas a frieza do julgamento. Seja o estilo da nossa comunicação capaz de superar a lógica que separa nitidamente os pecadores dos justos. Podemos e devemos julgar situações de pecado – violência, corrupção, exploração, etc. –, mas não podemos julgar as pessoas, porque só Deus pode ler profundamente no coração delas. É nosso dever admoestar quem erra, denunciando a maldade e a injustiça de certos comportamentos, a fim de libertar as vítimas e levantar quem caiu. O Evangelho de João lembra-nos que «a verdade [nos] tornará livres» (Jo 8, 32). Em última análise, esta verdade é o próprio Cristo, cuja misericórdia repassada de mansidão constitui a medida do nosso modo de anunciar a verdade e condenar a injustiça. É nosso dever principal afirmar a verdade com amor (cf. Ef 4, 15). Só palavras pronunciadas com amor e acompanhadas por mansidão e misericórdia tocam os nossos corações de pecadores. Palavras e gestos duros ou moralistas correm o risco de alienar ainda mais aqueles que queríamos levar à conversão e à liberdade, reforçando o seu sentido de negação e defesa.
Alguns pensam que uma visão da sociedade enraizada na misericórdia seja injustificadamente idealista ou excessivamente indulgente. Mas tentemos voltar com o pensamento às nossas primeiras experiências de relação no seio da família. Os pais amavam-nos e apreciavam-nos mais pelo que somos do que pelas nossas capacidades e os nossos sucessos. Naturalmente os pais querem o melhor para os seus filhos, mas o seu amor nunca esteve condicionado à obtenção dos objetivos. A casa paterna é o lugar onde sempre és bem-vindo (cf. Lc 15, 11-32). Gostaria de encorajar a todos a pensar a sociedade humana não como um espaço onde estranhos competem e procuram prevalecer, mas antes como uma casa ou uma família onde a porta está sempre aberta e se procura aceitar uns aos outros.
Para isso é fundamental escutar. Comunicar significa partilhar, e a partilha exige a escuta, o acolhimento. Escutar é muito mais do que ouvir. Ouvir diz respeito ao âmbito da informação; escutar, ao invés, refere-se ao âmbito da comunicação e requer a proximidade. A escuta permite-nos assumir a atitude justa, saindo da tranquila condição de espectadores, usuários, consumidores. Escutar significa também ser capaz de compartilhar questões e dúvidas, caminhar lado a lado, libertar-se de qualquer presunção de omnipotência e colocar, humildemente, as próprias capacidades e dons ao serviço do bem comum.
Escutar nunca é fácil. Às vezes é mais cômodo fingir-se de surdo. Escutar significa prestar atenção, ter desejo de compreender, dar valor, respeitar, guardar a palavra alheia. Na escuta, consuma-se uma espécie de martírio, um sacrifício de nós mesmos em que se renova o gesto sacro realizado por Moisés diante da sarça-ardente: descalçar as sandálias na «terra santa» do encontro com o outro que me fala (cf. Ex 3, 5). Saber escutar é uma graça imensa, é um dom que é preciso implorar e depois exercitar-se a praticá-lo.
Também e-mails, SMS, redes sociais, chat podem ser formas de comunicação plenamente humanas. Não é a tecnologia que determina se a comunicação é autêntica ou não, mas o coração do homem e a sua capacidade de fazer bom uso dos meios ao seu dispor. As redes sociais são capazes de favorecer as relações e promover o bem da sociedade, mas podem também levar a uma maior polarização e divisão entre as pessoas e os grupos. O ambiente digital é uma praça, um lugar de encontro, onde é possível acariciar ou ferir, realizar uma discussão proveitosa ou um linchamento moral. Rezo para que o Ano Jubilar, vivido na misericórdia, «nos torne mais abertos ao diálogo, para melhor nos conhecermos e compreendermos; elimine todas as formas de fechamento e desprezo e expulse todas as formas de violência e discriminação» (Misericordiae Vultus, 23). Em rede, também se constrói uma verdadeira cidadania. O acesso às redes digitais implica uma responsabilidade pelo outro, que não vemos mas é real, tem a sua dignidade que deve ser respeitada. A rede pode ser bem utilizada para fazer crescer uma sociedade sadia e aberta à partilha.
A comunicação, os seus lugares e os seus instrumentos permitiram um alargamento de horizontes para muitas pessoas. Isto é um dom de Deus, e também uma grande responsabilidade. Gosto de definir este poder da comunicação como «proximidade». O encontro entre a comunicação e a misericórdia é fecundo na medida em que gerar uma proximidade que cuida, conforta, cura, acompanha e faz festa. Num mundo dividido, fragmentado, polarizado, comunicar com misericórdia significa contribuir para a boa, livre e solidária proximidade entre os filhos de Deus e irmãos em humanidade.
Papa Francisco

quarta-feira, 4 de maio de 2016

Em 'época de trevas', censura ressurge e volta a ameaçar o país.

"Está havendo um recrudescimento muito grande no controle da produção simbólica, mais ou menos como houve na ditadura militar", diz professora da Universidade de São Paulo.
É cada vez mais frequente, no âmbito das instituições brasileiras, intervenções que apontam para o ressurgimento da censura. Na sexta-feira (29), uma liminar da 9ª Vara Cível de Belo Horizonte proibiu que ocorresse uma assembleia estudantil que iria debater o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Um dia antes, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel foi alvo de protestos no Senado, onde denunciou o golpe de Estado. Por exigência da oposição, a palavra “golpe” foi retirada dos registros de sua fala. Na segunda-feira (2), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) dirigiu-se ao advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, dizendo que ele estava “impedido" de usar a mesma palavra. A reportagem é de Eduardo Maretti e publicado por Rede Brasil Atual - RBA, 03-05-2016.
As ideias relativas à censura vêm se alastrando. Com projetos estaduais e federais, parlamentares pretendem impor restrições a professores em sala de aula para, na prática, impedir docentes de falar sobre política, em nome da “neutralidade”. É o caso do Projeto de Lei 867/2015, do deputado Izalci (PSDB-DF), que "inclui, entre as diretrizes e bases da educação nacional, o Programa Escola sem Partido". Em Alagoas, essa restrição já é lei. Uma entidade chamada Associação Escola Sem Partido patrocina projetos como esse que, na prática, pretendem evitar a "doutrinação" em salas de aula.
“É muito preocupante. Está havendo um recrudescimento muito grande no controle da produção simbólica. Mais ou menos como houve na ditadura militar, e não só. Isso é uma tradição que vem de longa data no Brasil”, diz Maria Cristina Castilho Costa, professora titular em Comunicação e Cultura da Universidade de São Paulo (USP). "Estamos vendo recrudescer a perseguição a determinadas palavras, ideias, com uma série de iniciativas. Em Alagoas, querem que os professores deem aulas ‘isentas’ de valores.”
Segundo ela, existem dois aspectos que tornam o cenário ainda mais preocupante. Primeiro, é o que ela chama de “judicialização da censura”. “É o juiz quem está determinando. Estamos passando por um período em que a censura está ficando a cargo do poder Judiciário.”
Para a professora, essa situação decorre em parte do fato de que o poder Executivo e o poder político se eximem de tomar partido, obrigando a sociedade civil a se manifestar, seja por meio de instituições ou de pessoas individuais.
Proibições de livros e peças de teatro, em nome de valores ou supostos direitos individuais, são comuns. Maria Cristina cita o caso da peça de teatro Edifício London, inspirada no crime que vitimou a menina Isabella Nardoni. Não só a peça foi proibida, em 2013, como o site Consultor Jurídico (Conjur) foi obrigado pela Justiça a retirar do ar matéria sobre a proibição. A censura ao Conjur foi suspensa em 2014 pelo Supremo Tribunal Federal. “É realmente uma época de trevas, na qual as proibições circulam por uma interpretação rasteira do que aquilo representa, na base da impressão, da intuição, da pequenez dos interesses particulares”, diz a professora da USP.
O segundo aspecto agravante, diz ela, é a "espetacularização" de todos esses processos. “Proíbem-se filmes, programas de televisão, uma palavra que é falada. A mídia está estimulando as posturas censórias.”
Paralelamente às questões conjunturais, segundo Maria Cristina, está a própria cultura censória do país. “Isso é uma tradição que vem de longa data. Por exemplo, no arquivo Miroel Silveira a palavra ‘amante’ é a mais censurada das décadas de 1940 e 1950 no teatro.”
O arquivo Miroel Silveira está sob “guarda” da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e reúne documentos de censura prévia ao teatro brasileiro dos anos 1920 ao final a década de 1960. Inclui mais de 6 mil processos contendo a solicitação de censura. Alguns desses processos do arquivo trazem os abaixo-assinados de parcelas ou representantes da sociedade pedindo a censura às peças teatrais. “Sabemos que o público sempre teve cumplicidade nos atos censórios. O Estado nunca fez isso sozinho. As instituições católicas, por exemplo, sempre se manifestaram. Agora, (setores da sociedade) estão indo além de se manifestar. Isso é perigoso, porque a censura fica na mão de pessoas que não conhecem a produção simbólica, seja de teatro, de televisão, de cinema, de pedagogia.”
Para Maria Cristina, o arquivo Miroel Silveira é sintomático da tradição censória e do atual momento de “judicialização da censura”, que já começa a invadir as escolas em nome da “neutralidade” dos professores. “Se uma lei pretende dizer que uma aula de História ou de ciências humanas deve ser isenta de valores, é porque não se entende nada. Não é só o fato de que o Judiciário está intervindo. Mas que está intervindo em nome de pessoas que não têm conhecimento sobre o assunto a respeito do qual existe a intervenção.”
Censura pelo silêncio
Em seminário realizado na ECA na sexta-feira (29), Luciano Somenzari, mestrando em Ciências da Comunicação na USP, defendeu uma posição de que há também o que chama de “temas silenciados”, que se enquadram como uma espécie de censura pelo silêncio. São temas que, por motivos e interesses políticos, não encontram espaço nos meios de comunicação.
Entre esses temas, ele mencionou o livro Privataria Tucana (de Amaury Ribeiro Jr.), o processo da Receita Federal contra a Rede Globo, o racionamento de água em São Paulo, governado por Geraldo Alckmin (PSDB), além de temas ligados aos coletivos de participação e movimentos sociais, entre outros.
Ivan Paganotti, doutorando em Ciência da Comunicação, mencionou o caso em torno do livro Minha Luta, de AdolfHitler, que teve a comercialização, exposição e divulgação proibidas pela Justiça do Rio de Janeiro. A proibição, lembrou, se deu por temor de que houvesse “um contágio das ideias de Hitler”, provocando o crescimento do interesse por ideais nazistas. “Em breve chegaremos à queima de livros, ironicamente do livro de Hitler, cujo regime queimava livros”, disse.

ESCRAVOS DE MARIA- 04: Frei Petrônio.