"Está
havendo um recrudescimento muito grande no controle da produção simbólica, mais
ou menos como houve na ditadura militar", diz professora da Universidade
de São Paulo.
É cada
vez mais frequente, no âmbito das instituições brasileiras, intervenções que
apontam para o ressurgimento da censura. Na sexta-feira (29), uma liminar da 9ª
Vara Cível de Belo Horizonte proibiu que ocorresse uma assembleia estudantil
que iria debater o processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Um dia
antes, o Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel foi alvo de protestos no Senado, onde
denunciou o golpe de Estado. Por exigência da oposição, a palavra “golpe” foi
retirada dos registros de sua fala. Na segunda-feira (2), o senador Ronaldo Caiado (DEM-GO) dirigiu-se ao advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo,
dizendo que ele estava “impedido" de usar a mesma palavra. A
reportagem é de Eduardo Maretti e
publicado por Rede Brasil Atual - RBA, 03-05-2016.
As
ideias relativas à censura vêm se alastrando. Com projetos estaduais e
federais, parlamentares pretendem impor restrições a professores em sala de
aula para, na prática, impedir docentes de falar sobre política, em nome da
“neutralidade”. É o caso do Projeto de Lei 867/2015, do deputado Izalci (PSDB-DF), que "inclui, entre as diretrizes
e bases da educação nacional, o Programa Escola sem Partido". Em Alagoas,
essa restrição já é lei. Uma entidade chamada Associação Escola Sem Partido patrocina projetos como esse que, na
prática, pretendem evitar a "doutrinação" em salas de aula.
“É
muito preocupante. Está havendo um recrudescimento muito grande no controle da
produção simbólica. Mais ou menos como houve na ditadura militar, e não só.
Isso é uma tradição que vem de longa data no Brasil”, diz Maria Cristina Castilho Costa,
professora titular em Comunicação e Cultura da Universidade de São Paulo (USP). "Estamos vendo recrudescer a
perseguição a determinadas palavras, ideias, com uma série de iniciativas. Em
Alagoas, querem que os professores deem aulas ‘isentas’ de valores.”
Segundo
ela, existem dois aspectos que tornam o cenário ainda mais preocupante.
Primeiro, é o que ela chama de “judicialização da censura”. “É o juiz quem está
determinando. Estamos passando por um período em que a censura está ficando a
cargo do poder Judiciário.”
Para a
professora, essa situação decorre em parte do fato de que o poder Executivo e o
poder político se eximem de tomar partido, obrigando a sociedade civil a se
manifestar, seja por meio de instituições ou de pessoas individuais.
Proibições
de livros e peças de teatro, em nome de valores ou supostos direitos
individuais, são comuns. Maria Cristina cita
o caso da peça de teatro Edifício London, inspirada no crime que vitimou a
menina Isabella Nardoni. Não só a peça foi proibida, em 2013,
como o site Consultor Jurídico (Conjur) foi
obrigado pela Justiça a retirar do ar matéria sobre a proibição. A censura ao Conjur foi suspensa em 2014 pelo Supremo
Tribunal Federal. “É realmente uma época de trevas, na qual as proibições
circulam por uma interpretação rasteira do que aquilo representa, na base da
impressão, da intuição, da pequenez dos interesses particulares”, diz a
professora da USP.
O
segundo aspecto agravante, diz ela, é a "espetacularização" de todos
esses processos. “Proíbem-se filmes, programas de televisão, uma palavra que é
falada. A mídia está estimulando as posturas censórias.”
Paralelamente
às questões conjunturais, segundo Maria Cristina, está
a própria cultura censória do país. “Isso é uma tradição que vem de longa data.
Por exemplo, no arquivo Miroel Silveira a
palavra ‘amante’ é a mais censurada das décadas de 1940 e 1950 no teatro.”
O
arquivo Miroel Silveira está
sob “guarda” da Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, e
reúne documentos de censura prévia ao teatro brasileiro dos anos 1920 ao final
a década de 1960. Inclui mais de 6 mil processos contendo a solicitação de
censura. Alguns desses processos do arquivo trazem os abaixo-assinados de
parcelas ou representantes da sociedade pedindo a censura às peças teatrais.
“Sabemos que o público sempre teve cumplicidade nos atos censórios. O Estado
nunca fez isso sozinho. As instituições católicas, por exemplo, sempre se
manifestaram. Agora, (setores da sociedade) estão indo além de se manifestar.
Isso é perigoso, porque a censura fica na mão de pessoas que não conhecem a
produção simbólica, seja de teatro, de televisão, de cinema, de pedagogia.”
Para Maria Cristina, o arquivo Miroel Silveira é sintomático da tradição censória e
do atual momento de “judicialização da censura”, que já começa a invadir as
escolas em nome da “neutralidade” dos professores. “Se uma lei pretende dizer
que uma aula de História ou de ciências humanas deve ser isenta de valores, é
porque não se entende nada. Não é só o fato de que o Judiciário está
intervindo. Mas que está intervindo em nome de pessoas que não têm conhecimento
sobre o assunto a respeito do qual existe a intervenção.”
Censura pelo silêncio
Em
seminário realizado na ECA na
sexta-feira (29), Luciano Somenzari, mestrando em Ciências da Comunicação
na USP, defendeu uma posição de que há também o que chama de “temas
silenciados”, que se enquadram como uma espécie de censura pelo silêncio. São
temas que, por motivos e interesses políticos, não encontram espaço nos meios
de comunicação.
Entre
esses temas, ele mencionou o livro Privataria Tucana (de Amaury Ribeiro Jr.), o processo da Receita Federal
contra a Rede Globo, o
racionamento de água em São Paulo, governado por Geraldo Alckmin (PSDB), além de temas ligados aos coletivos de
participação e movimentos sociais, entre outros.
Ivan Paganotti, doutorando
em Ciência da Comunicação, mencionou o caso em torno do livro Minha Luta, de AdolfHitler,
que teve a comercialização, exposição e divulgação proibidas pela Justiça do
Rio de Janeiro. A proibição, lembrou, se deu por temor de que houvesse “um
contágio das ideias de Hitler”, provocando o crescimento do interesse por
ideais nazistas. “Em breve chegaremos à queima de livros, ironicamente do livro
de Hitler, cujo
regime queimava livros”, disse.
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