Para
arcebispo de São Paulo, Bento 16 será lembrado como um dos grandes papas
teólogos.
Especial
para O SÃO PAULO
Por
e-mail, diretamente de Roma, o cardeal dom Odilo Pedro Scherer, arcebispo
metropolitano de São Paulo, falou com exclusividade sobre suas percepções a
respeito dos quase oito anos do pontificado de Bento 16. Dom Odilo, que participará
pela primeira vez de um Conclave, também orientou os católicos sobre como viver
este tempo tão importante para a vida da Igreja. Veja a íntegra:
O SÃO PAULO – O que significou o pontificado
de Bento 16 para a Igreja e quais foram suas principais contribuições?
Dom
Odilo Pedro Scherer – Bento 16 deixa um legado importante para a Igreja e será
certamente recordado na história da Igreja como um dos grandes papas teólogos;
tanto pelo que escreveu e falou quando já era Sumo Pontífice, quanto pelo que escreveu
antes disso. Será recordado também pelo seu esforço em ajudar a Igreja a
voltar-se para a essência de sua fé e de sua missão. Mostram isso suas
encíclicas sobre a esperança e a caridade, as Exortações Apostólicas sobre a
Eucaristia e a Palavra de Deus. Mas será recordado, também, por ter estimulado
o clero a buscar a autenticidade na vivência de sua vocação e toda a Igreja, na
revalorização de sua fé e no esforço renovado para transmiti-la aos outros.
Enfim, a própria renúncia é um gesto que ajudará a Igreja a voltar-se mais para
o essencial de sua vida e missão, a partir de um renovado encontro com sua
própria razão de ser e existir; um professor de teologia, em Roma, observou: a
renúncia foi sua última aula de eclesiologia...
O SÃO PAULO – E o que significou a atuação de
Bento 16 para a humanidade?
Dom Odilo Scherer – Isso ainda será melhor avaliado com o passar do tempo.
De toda forma, continuando a tradição de seus predecessores, Bento 16
manifestou-se sobre todos os assuntos e fatos relevantes deste momento da vida
e da história humanas. Sua contribuição para a cultura, a filosofia, a busca da
verdade e do bem são extraordinárias; como teólogo e humanista tem largos
horizontes e teve sua palavra geralmente acolhida com respeito e consideração;
estimulou o mundo a pensar e a ir além das superficialidades de uma cultura
consumista e imediatista. Sua encíclica social – Caritas in veritate – é uma
contribuição importante para o discernimento sério sobre as questões que
atualmente afligem a humanidade. Estimulou muito, também, o diálogo entre as
religiões e as culturas. Teve sempre a preocupação da justiça, da paz e da
solidariedade entre os povos.
O SÃO PAULO – Como os católicos devem encarar
as críticas e este clima de “denuncismo” que se instaurou na mídia após o
anúncio de que o papa iria renunciar?
Dom Odilo Scherer – Com muita serenidade e discernimento. É um fato
interessante que, de um momento a outro, todos começaram de novo a falar da
Igreja, mesmo sem conhecer bem as questões abordadas. Muita matéria produzida
foi sensacionalista ou simplesmente marcada pelo preconceito contra a Igreja,
sem o interesse de conhecer ou comunicar a verdade. É sempre importante tentar
saber de qual púlpito vem o sermão e perguntar se merecem crédito certas afirmações
bombásticas, de efeito retórico (ex. “guerra civil no Vaticano”...), que não se
sustentam em fatos, mas em suposições e conjecturas que visam jogar no
descrédito a Igreja perante o mundo e perante seus próprios fieis. É preciso
lembrar que cada um deverá prestar contas a Deus pelas afirmações mentirosas e
injuriosas ditas contra o próximo ou também a Igreja. Recomendo que não se dê
crédito fácil a certas caricaturas que se fazem da Igreja; quem conhece a
Igreja e vive dentro dela sofre com o desprezo à Igreja. Infelizmente, as
palavras do próprio Papa, proferidas no anúncio do dia 11 de fevereiro sobre
sua renúncia, foram deixadas de lado, como sendo não-verdadeiras, para dar
largas a todo tipo de suspeitas, especulações e conjecturas sobre os “reais motivos”
da renúncia. Alguém nas condições e na autoridade do Papa deveria merecer mais
crédito e respeito.
O SÃO
PAULO- O senhor poderia descrever algum episódio mais pessoal de seus contatos
com Bento 16?
Dom Odilo Scherer – Lembro da vigília na Jornada Mundial da Juventude em
Madrid, em julho de 2011. Veio um temporal muito forte durante a fala do papa;
o vento balançava até a estrutura do palco, onde estavam o Papa, os bispos e
muitas outras pessoas. Mais de um milhão de jovens estavam à frente do papa,
apanhando toda aquela chuva. Os seguranças sugeriram várias vezes que ele se
retirasse para um lugar mais seguro, mas Bento 16 quis permanecer ali, com os
jovens... No final da celebração, parecia que não queria ir embora, preocupado
com os jovens... Aproximou-se deles, de maneira muito paternal, e desejou que,
apesar de tudo, eles repousassem ao menos um pouquinho... Na manhã seguinte, já
debaixo de muito sol, a primeira coisa que fez foi perguntar aos jovens como
tinham passado a noite. Achei isso de uma sensibilidade finíssima, que
emocionou e cativou o coração dos jovens.
O SÃO PAULO - A partir dos momentos
reservados que teve com Bento 16, que características o senhor destacaria dele?
Dom Odilo Scherer - Um homem sereno, simples, inteligente, atento ao
interlocutor, interessado em ouvir, extremamente gentil e fino no trato com as
pessoas. Nunca pude ver nele aquele homem “autoritário” ou “duro”, como algumas
vezes foi descrito; isso não corresponde à verdade. Quando visitou o Brasil, em
2007, fiquei perto do Papa durante alguns dias, na sua estadia em São Paulo. Eu
lia os títulos na imprensa e me perguntava: de qual papa estão falando? Não era
do Papa Bento 16, que eu conheço...
O SÃO PAULO - Estamos aguardando a escolha do novo Pontífice. A Igreja
está “acéfala” até que o próximo papa seja eleito?
Dom Odilo Scherer - Não, a Igreja nunca fica acéfala (“sem cabeça”, ou “sem
chefe”) durante o período da vacância, porque o verdadeiro chefe da Igreja é
Jesus Cristo glorificado, que nunca abandona o seu corpo, a Igreja. Além disso,
durante a sede vacante, o Colégio dos Cardeais responde pela Igreja, segundo as
competências que lhe são próprias.
O SÃO
PAULO - Quais as características que o novo papa deve ter?
Dom Odilo Scherer - O escolhido terá as qualidades que tiver, e não podemos
idealizar demais. Nenhum papa é igual a outro. Ele deverá ser dócil às
inspirações e à ação do Espírito Santo, inteiramente fiel a Cristo e à própria
Igreja. Podemos, humanamente, desejar que seja uma pessoa muito capaz, cheia de
virtudes, preparada do ponto de vista intelectual e teológico, homem de grande
fé e vigor espiritual, capaz de liderança e de comunicação, segundo as
condições do nosso tempo. Mas também neste caso, precisamos ter a consciência
de que ninguém nasce papa, mas aprende a desempenhar essa árdua missão enquanto
a exerce.
O SÃO
PAULO– Quais são os principais desafios que o próximo papa vai encontrar?
Dom Odilo Scherer - São os desafios de toda a Igreja, que se manifestam em
toda parte: a nova evangelização, a transmissão da fé, a perseverança na fé e a
operosidade dos filhos da Igreja para a irradiação da luz e da força viva do
Evangelho no mundo... Há os desafios internos da renovação constante da Igreja,
para que ela viva no compasso do tempo e da cultura, sem deixar de ser ela
mesma; há os desafios externos, representados pela cultura do nosso tempo,
muitas vezes fechada ao Evangelho, senão, contrária a ele. Há os desafios da
presença pública da Igreja no mundo, no contexto da política, da economia, da
educação, das relações sociais e internacionais. De fato, o Evangelho não é um
bem privado da Igreja, mas uma “luz” para o mundo, que não deve ser ocultada,
mas irradiada. Enfim, o desafios podem ser muitos, mas não devemos esperar que
eles sejam enfrentados pelo papa sozinho, nem sempre em primeira pessoa. A
missão e a responsabilidade pela Igreja são compartilhadas, com o Papa, por
todos os bispos em comunhão com ele. E em cada Igreja local, com os bispos,
também os sacerdotes e todos os fiéis assumem essa mesma responsabilidade. A
Igreja não depende só do papa.
O SÃO
PAULO - Qual deve ser a atitude dos católicos neste tempo de espera para a
eleição do novo papa?
Dom Odilo Scherer - Antes de tudo, uma serena fé e confiança na Igreja e na
ação do Espírito de Cristo, que não abandona a Igreja. Talvez foi essa a
mensagem mais insistente de Bento 16 nesses últimos dias de seu Pontificado:
não estamos sozinhos; o Senhor não abandona a sua Igreja. Portanto, ninguém
desanime, nem se deixe levar pelo pânico. Este é um tempo de espera e de serena
esperança. A Igreja não conta apenas com as próprias forças e fragilidades. Ela
pode continuar a contar com o seu supremo Pastor, que é o próprio Senhor Jesus.
Fonte: O SÃO PAULO, Jornal da Arquidiocese de
São Paulo.