Total de visualizações de página

Seguidores

terça-feira, 25 de março de 2014

Papa faz reflexão sobre encontro de Jesus com a Samaritana


Mais de 40 mil fiéis acompanharam a oração mariana do Angelus, na Praça de São Pedro, no Vaticano, no domingo, 23. O papa Francisco trouxe como tema de reflexão a passagem do Evangelho que retrata o encontro de Jesus com a Samaritana junto ao poço em Sicar.

Francisco observou que o pedido de Jesus à Samaritana – “Dá-me de beber“ - supera todas as barreiras de hostilidade entre judeus e samaritanos e rompe os esquemas de preconceito em relação às mulheres.

“O simples pedido de Jesus é o início de um diálogo sincero, mediante o qual Ele, com grande delicadeza, entra no mundo interior de uma pessoa à qual, segundo os esquemas sociais, não deveria nem mesmo dirigir uma palavra. Jesus se coloca no lugar dela, não a julgando, mas  fazendo sentir-se considerada, reconhecida, e suscitando assim nela o desejo de ir além da rotina cotidiana”, disse.

O papa explicou que ao pedir água à Samaritana, Jesus queria “abrir-lhe o coração”, “colocar em evidência a sede que havia nela”. “A sede de Jesus não era tanto de água, mas de encontrar uma alma sequiosa”, afirmou o papa.

A passagem do Evangelho conta que os discípulos ficaram maravilhados com o Mestre, pois tinha falado com aquela mulher. Mas, “o Senhor é maior do que os preconceitos. E isto devemos aprender bem” – exortou Francisco -, pois a misericórdia é maior do que os preconceitos”. Segundo o papa, o resultado do encontro junto ao poço foi o de uma mulher transformada.

“Deixou o seu jarro com o qual ia buscar água e correu à cidade para contar a sua experiência extraordinária. ‘Encontrei um homem que me disse todas as coisas que eu fiz. Era o Messias? Estava entusiasmada. Foi buscar água no poço e encontrou uma outra água, a água viva da misericórdia que jorra para a vida eterna. Encontrou a água que sempre procurou! Corre ao vilarejo, aquele vilarejo que a julgava, a condenava e a rejeitava, e anuncia que encontrou o Messias: alguém que mudou a sua vida. Pois cada encontro com Jesus nos muda a vida, sempre. É um passo em frente, um passo mais próximo a Deus”, acrescentou.

“Encontramos também nós o estímulo para ‘deixar o nosso jarro’, símbolo de tudo aquilo que aparentemente é importante, mas que perde valor diante do ‘amor de Deus’, e todos temos um, ou mais de um jarro", ressaltou Francisco.  

“Eu pergunto a vocês e também a mim: ‘Qual é o teu jarro interior, aquele que te pesa, aquele que te afasta de Deus? Deixemo-lo um pouco de lado e com o coração escutemos a voz de Jesus que nos oferece uma outra água, uma outra água que nos aproxima do Senhor”, disse.

De acordo com Francisco, todos são chamados a redescobrir a importância e o sentido da vida cristã, iniciada no Batismo, e a testemunhar como a Samaritana, "a alegria do encontro com Jesus e as maravilhas que o seu amor realiza".

Ao final do Angelus, o papa Francisco recordou o Dia Mundial da Tuberculose celebrado nesta segunda-feira, 24, e pediu orações por todas as pessoas atingidas pela doença e por todos que de alguma maneira se ocupam delas.

segunda-feira, 24 de março de 2014

Oscar Romero, modelo profeta para hoje


Oscar Romero, modelo profeta para hoje
Dom Gregorio Rosa, amigo e colaborador do arcebispo salvadorenho, veio a Portugal, a convite dos Missionários da Consolata, para falar sobre pensamento e espiritualidade do homem de Igreja assassinado há 33 anos

 
OC/Agência ECCLESIAAgência ECCLESIA – Como conheceu D. Oscar Romero?
D. Gregorio Rosa –Ele era um sacerdote, quando eu o conheci – ele tinha 40 anos e eu tinha 15 anos, quando começava os meus estudos no seminário menor. Depois trabalhei com ele um ano inteiro no seminário menor de San Miguel, como seu assistente, em 1968, e tornamo-nos amigos.
No seu diário, o meu nome aparece muitas vezes, porque éramos muito próximos. Aparece sobretudo quando Romero era arcebispo e tinha de preparar relatórios para Roma, a fim de explicar-se e defender-se de ataques injustos que chegavam contra ele. Isso aparece no diário, era uma experiência de amizade muito profunda e uma graça para mim, muito especial.

AE – O percurso de vida de D. Oscar Romero ficou marcado por incompreensões, dúvidas. Pensa que ainda hoje há gente na Igreja e não só que não entendeu esta figura?
GR – Eu também sou jornalista e preparei com ele muitas vezes um programa de rádio, de 30 minutos, que era transmitido todas as semanas. Fazia questões muito provocadoras a Romero e uma vez perguntei-lhe: você transformou-se, monsenhor? Ele respondeu-me que não diria que era uma transformação, mas uma evolução.
Esta mesma ideia aparece num documentário da televisão suíça em 1979, um ano antes de morrer. Perguntam-lhe a mesma coisa e ele diz com mais pormenor como, quando era bispo no interior do país (Tambeae, ndr), via as coisas de uma forma e quando chegou a arcebispo e está na capital, descobre de forma brutal o que é a violência estrutural, o que chama de injustiça institucionalizada. E descobre que tem uma vocação, a de acompanhar o povo que está esmagado pela violência, pela repressão, pelos esquadrões da morte, e ser voz dos que não têm voz.
Romero vai evoluindo para uma missão profética – os profetas nunca são compreendidos -, ele nas suas homilias fala muito do tema do profeta e compara a missão de Jesus com a missão dos profetas. Ele foi um profeta e por isso foi incompreendido, perseguido, foi assassinado: é muito fácil perceber, a partir daí, o que foi a missão de Romero, o que foi a sua opção, a sua vida, também o seu martírio, um profeta fiel à sua missão, porque foi acima de tudo um discípulo de Jesus Cristo.
AE – Esse martírio aconteceu já há 33. Porque há tantas dificuldades no processo de beatificação de D. Oscar Romero?
GR – Essa pergunta aparece permanentemente e vou aprendendo a responder com elementos novos. Quero fazer uma breve história deste facto: Romero foi incompreendido em primeiro lugar pelos seus próprios irmãos bispos – quando era arcebispo, eram seis bispos no país (El Salvador, ndr), quatro contra dois, tinha apenas um bispo a seu favor (05h00), que foi depois seu sucessor em San Salvador (D. Arturo Rivera Damas), quando havia votações, perdia sempre. Este é um ponto importante.
Ele disse uma vez, falando com jovens de um colégio católico: “Para uns sou a causa de todos os males do país, para outros sou o pastor que acompanha o povo”. Portanto, há duas visões sobre Romero, o homem recusado e o homem amado como pastor.
Depois, há um segundo momento: Romero é assassinado por um grupo preparado por um militar (Roberto D'Aubuisson) que fundou um partido político (ARENA), e esse partido chegou ao Governo, governando durante 20 anos. Nunca nesses 20 ano se interessou por Romero, pelo contrário, interessou-se em ir contra ele, já que tinha morrido por causa deles. Por isso, Roma nunca teve um sinal positivo sobre a canonização por parte do Governo, porque Romero era um inimigo.
Há quatro anos, temos um primeiro Governo de esquerda, que levou Romero a sério. O presidente (Mauricio) Funes, no dia da sua proclamação, disse: Romero é a minha inspiração, o meu modelo, e quero como ele optar pelos pobres e seguir os seus ensinamentos. Assim, Roma começa a ouvir algo diferente, nos últimos anos.
Um terceiro elemento é que Romero é um Santo incómodo, os profetas são incómodos. Não é Madre Teresa de Calcutá, é outra coisa, por isso é um profeta que, como Jeremias, é incómodo e querem acabar com ele. Estes santos desinstalam-nos, tiram-nos do sítio, obrigam-nos a rever a nossa vida medíocre.
Isso também foi um fator contra Romero, mas ao mesmo tempo há uma corrente cada vez maior em seu favor e os Papas foram entendendo isto. O Papa João Paulo II entendeu Romero a partir do ano de 1983, quando visitou o seu túmulo pela primeira vez, e acabou por compreendê-lo bem a partir dos anos 2000 e 2001, quando disse que era um mártir da Igreja.
Tenho os testemunhos diretos dessa visão do Papa: não foi fácil para o Papa João Paulo II entender como é que um bispo é morto por cristãos, como eram os comunistas de El Salvador – que não eram como os da Polónia ou da Europa de Leste -, era outra coisa. Finalmente foi-o compreendendo, era outra visão do que era a esquerda, é um problema complexo que se foi esclarecendo, pouco a pouco.
AE – Essa visita de João Paulo II ao túmulo de D. Oscar Romero, em 1983, foi um momento de tensão…
GR – O que é surpreendente é o que conta o seu secretário pessoal, Dom Estanislau (Dziwisz), agora arcebispo de Cracóvia, num livro que se intitula ‘Uma vida com Karol’. Há um capítulo dedicado ao martírio, no qual fala de apenas um mártir, Romero, e relata dois factos relacionados com o Papa João Paulo II, que é importante partilhar com quem está a ver este programa.
O primeiro é do ano 1983: conta ele que antes da visita a El Salvador, disseram ao Papa que não convinha que visitasse o túmulo de Romero, porque esse era um tema muito politizado, e o Papa respondeu: Como não o vou visitar, se morreu no altar, durante a Eucaristia?
Houve pressões no país para que não fosse ao túmulo de Romero e quero contar uma história: para preparar essa visita, houve uma comissão mista, Governo-Igreja, para tratar da segurança, do protocolo, etc., e eu fui um dos encarregados. Estávamos reunidos quando chegou uma nota da Nunciatura que dizia que o Papa gostaria de visitar o túmulo. Diziam que não era adequado, que era perigoso, que não havia condições, que não o devia visitar.
Numa segunda reunião, chegou outra nota da Nunciatura onde se dizia que o Papa visitará o túmulo. Visitará. Então, negociamos com o Governo que a visita não seria publicada no programa, que seria privada e confidencial, digamos. A 6 de março de 1983, quando chega o dia da visita do Papa, prevista para depois do almoço, o cardeal Tucci disse-me de manhã: “Vamos já para a Catedral”. João Paulo II chegou ao túmulo quando não estava ninguém à sua espera.
Outro facto aconteceu no ano 2000, com o Jubileu dos Mártires, a 7 de maio, no Coliseu. Na quarta-feira anterior, anunciou-se na sala de imprensa da Santa Sé como seria a cerimónia, uma grande paraliturgia, e falou-se de cada continente, quem ia ser evocado como mártir. Na América Latina, são mencionados três nomes de bispos, mas não apareceu o de Romero, e os jornalistas perguntaram porque é que não estava. Houve uma reação em Roma, muito forte, de protesto.
Dois dias depois, o Papa convidou vários cardeais, para jantar, entre eles o cardeal Kasper, que também me contou o que vem no livro: João Paulo II pediu o livro que ia ser usado na cerimónia dos mártires, procurou a página da América Latina e a oração conclusiva dessa secção, onde escreveu “bispos como o inesquecível monsenhor Romero, que entregou a sua vida no altar”. E teve de se fazer um novo folheto.
Nós temos os dois folhetos, o que se ia utilizar, sem referência a Romero, e o que se usou, mencionando-o. Foi o único nome evocado.
Há um último dado, de que sou testemunha pessoal, no ano 2001, mês de novembro. Temos visita ‘ad Limina’ com João Paulo II, a última que lhe fizemos, e no momento pessoal com o Papa, o arcebispo (Fernando Sáenz Lacalle) chega e eu vou com ele. O Papa está muito cansado, muito doente, não reage ao que diz o arcebispo, mas de repente levanta a cabeça e pergunta: E Monsenhor Romero?
O arcebispo responde: Estamos a falar sobre a devoção, não sabemos se há algum milagre por sua intercessão…
O Papa pôs-se de pé, pega na bengala e diz: É um martírio. E vai-se embora.
São dados do pontificado de João Paulo II que indicam que ele foi compreendendo e chegou à convicção de que Romero é um mártir. São dados interessantes, totalmente comprovados, que indicam uma evolução no Papa: ele entendeu o que se passou com Romero e chegou à conclusão de que é um mártir da Igreja.
 Agência ECCLESIA –Que atualidade tem este arcebispo assassinado no altar para uma jovem geração que nunca teve contacto com ele?
GR – Vou responder com uma história do ano 2000. Nesse ano, no 20.º aniversário (da morte) de Romero, houve uma grande marcha nas ruas de San Salvador, com archotes. Havia bispos italianos na marcha e eu estava a celebrar em Roma. Quando eles voltaram, emocionados, os bispos vinham surpreendidos porque os jovens gritavam na marcha “Sente-se, sente-se, Romero está presente”.
Os jovens de hoje estão a conhecer Romero e entusiasmam-se com ele, porque veem um homem coerente com as suas convicções, um homem que é fiel ao ser humano e defende os Direitos Humanos, que é fiel a Jesus Cristo, que é fiel à Igreja e dá a vida por esses ideais.
Os jovens precisam de algo que dê sentido à sua vida e veem em Romero um discípulo de Jesus Cristo que é coerente com o que diz, com o que faz, e as pessoas precisam de modelos assim. Hoje vivemos num mundo que não tem modelos, não tem líderes. Romero é um líder, um modelo para os jovens de hoje, para as pessoas, e por isso é um santo muito atual.
É espantoso que mesmo no mundo dos não crentes, Romero seja uma inspiração, pelo que estamos em muito boa companhia e com o Papa Francisco temos, penso, o melhor momento para que o processo de canonização possa avançar até ao final.

 

34 ANOS DEPOIS: (24/03/1980- 24/03/2014: Dom Oscar Romero ajudou a fortalecer o compromisso com os mais pobres.


Ao passar sua mensagem de paz e justiça ao povo salvadorenho, Dom Romero nos deixou um legado importante de amor e luta. Um exemplo desse legado foi vivido por Anne Marie Crosville. A francesa conheceu Dom Romero numa favela no México e, neste momento, recebeu um convite para lutar junto com os salvadorenhos e levar a mensagem de que este povo lutava por paz e justiça à Europa. Anne Marie conta essa história e tudo o que aprendeu com Dom Romero nesta entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line. “O exemplo de Dom Oscar Romero me ajudou a melhorar e fortalecer meu compromisso ao lado dos mais pobres”, disse ela.
Anne Marie Crosville nasceu na França e é pedagoga. Ela já viveu em vários países do mundo. Hoje, mora em Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre, onde está à frente do Centro Infanto-Juvenil Luiz Itamar desde 1988.

Confira a entrevista.
A senhora trabalhou com Dom Romero, certo? Pode nos contar um pouco sobre como era ele?

Anne Marie – Eu conheci Dom Romero quando estava no México trabalhando numa favela com crianças e adolescentes de rua. Ele chegou a nosso bairro para visitar as famílias salvadorenhas que fugiam da guerra e da violência. Tinha sempre a preocupação de visitar seu povo e defender a vida deles contra a ditadura. Então, tive a oportunidade de conhecê-lo. Passei uma semana com ele em torno do bairro, mas não cheguei a trabalhar diretamente. Dom Romero me fez um convite para me solidarizar com o povo salvadorenho e poder ser sua mensageira quando voltasse para a Europa. Eu deveria dizer que o povo salvadorenho lutaria por justiça, dignidade e se voltaria contra a ditadura. Ele me fez esse convite para ser testemunha da luta do povo salvadorenho. O pedido mexeu muito comigo e, num primeiro momento, falei que não tinha vocação, que era um compromisso muito grande. Ele me disse, com sua voz muito terna e firme: “O convite está feito, mas você tem que pensar, pois precisamos de estrangeiros que apoiem essa luta tão sofrida”. Em setembro de 1979, ele me fez o convite e, em 24 de março de 1980, foi assassinado, o que foi muito forte para mim. Fui para El salvador depois e senti que era um chamado fazer essa experiência e apoiar o povo salvadorenho. Em 1983, entrei na zona de guerra e fiz um trabalho de alfabetização. O exemplo de Dom Oscar Romero me ajudou a melhorar e fortalecer meu compromisso ao lado dos mais pobres. Ele sempre estava lá pela Igreja e dizia que um Bispo não estava a serviço do poder, mas sim a serviço da vida.

Quais foram às circunstâncias do martírio de Dom Romero?
Anne Marie –
Ele foi ameaçado várias vezes de morte porque defendia sempre o povo. Falava na rádio todos os domingos, tratando da paz com justiça e dignidade, não como uma paz dos cemitérios. Na última homilia, falava para os soldados do exército que não podia continuar obedecendo à lei dos militares e dos comandantes, que tinham uma lei que matava os próprios irmãos, uma vez que os soldados eram originários do campo. Aos soldados, quando viviam no campo, diziam que iam ganhar muito dinheiro se aceitassem participar do exército militar. Ele falou para os soldados: “Vocês estão matando seus próprios irmãos. A lei de Deus é a lei da Fraternidade e da Justiça". Então você não pode obedecer a lei da morte. Assim, ele pediu para os soldados desobedecerem. Essas foram suas últimas palavras no rádio. No dia seguinte, ele celebrou uma missa num hospital onde morava. Romero tinha um quarto nesse hospital e durante a consagração o mataram a tiros. Ofereceu seu sangue, que se misturou ao sangue de Jesus. Até hoje, aqueles que o mataram estão soltos. Foi um choque muito grande para o povo, para os mais pobres, porque ele era a voz da justiça e do amor. No enterro dele, houve outro massacre, pois havia muitas pessoas presentes e cerca de 400 delas foram assassinadas. Isso porque havia franco-atiradores da oligarquia em cima dos telhados, matando aqueles que queriam homenagear Dom Romero.

O contexto em que viveu Oscar Romero é diferente do atual?
Anne Marie – O contexto em que ele viveu era de guerra civil. É um país que viveu muitos terremotos e sua construção é muito difícil, mas a esperança de agora é que o novo presidente, que ganhou a eleição recente, Mauricio Funes, mude a realidade. Depois de tantos anos de luta, agora a esquerda socialista ganhou a presidência. Eu tive de sair de lá em 1985, voltei dez anos depois e percebi que o povo continuava lutando pela reconstrução do país. Temos esperanças grandes no povo salvadorenho.

E, depois que Dom Romero morreu, que caminho a senhora percorreu?
Anne Marie –
Eu respondi ao convite que ele me fez uns meses antes. Senti o chamado. Me preparei para entrar na zona de guerra, entrei clandestinamente e fiz todo um trabalho de alfabetização dos combatentes. Eu não combatia com armas, mas sim para fazer acontecer a libertação através da educação. Acompanhei esse povo durante alguns anos. Para mim, foi a coisa mais forte da minha vida,pois acompanhei o povo de verdade,e o povo lutava para construir uma sociedade mais justa. Quando tínhamos de fugir dos militares que entravam nos acampamentos dos guerrilheiros, parecia que estávamos aminhando até a terra prometida. Foi muito forte isso em mim, marcou e renovou minha fé e meu compromisso ao lado dos pobres. Aprendi com os salvadorenhos que, a cada vez que caíam, não se falava de morte. Foi uma época muito intensa, mas tive de sair porque fui denunciada. Fui procurada, mas consegui sair e voltar para a França.

E por que a senhora veio para o Brasil depois?
Anne Marie – Eu trabalho em Cachoeirinha, na Vila Anair, um bairro bem pobre. Trabalho com crianças e adolescentes desfavorecidos. Vim para o Brasil só porque conheci um brasileiro daqui de Cachoeirinha. Foi uma escolha de amor. Ele era da fraternidade cristã de doentes e deficientes. Era uma pessoa parecida, talvez, com Oscar Romero, pois defendia a vida a partir de suas limitações, porque ele era tetraplégico. Ele teve esclerose e o conheci nos últimos anos de sua vida. Era quase totalmente paralisado, mas tinha uma força de vida, um sorriso... não sei, foi um amor bem bonito, intenso, mas durou pouco. Romero morreu em 1989, e ficamos um ano construindo esse projeto nessa vila onde estou. Ele deixou uma mensagem de lutar também por uma vida melhor.

E como à senhora vê a El Salvador de hoje, que acaba de colocar na presidência do país a linha que tem em Dom Romero o seu protagonista maior?
Anne Marie –Vejo o país com esperança, porque agora o presidente é da esquerda, da linha de Oscar Romero, se é que podemos dizer assim, pois ele não era de um partido, mas sim a favor da vida. Acho que essa vitória é um misto de promessa de vida melhor e uma recompensa para tanta gente que lutou. Eu tenho muita esperança apesar de ser cautelosa, pois não sei o que irá acontecer. Tenho muita fé de que o povo poderá viver um pouco melhor.
Que legado Dom Romero deixou, em sua opinião?
Anne Marie – Romero deixou bem claro que o compromisso nosso é estar ao lado dos mais pobres e dos que sofrem injustiça. É ir na contramão do poder dos ricos e dos conservadores. É amar com justiça e com dignidade, respeitar a cultura do povo e acompanhá-lo na sua vida cotidiana, sem importa uma doutrina. Ele deixou bem claro que quem não segue a vida com justiça não é cristão.

A PALAVRA... Nº 553. O nosso medo de cada dia.