Ao
passar sua mensagem de paz e justiça ao povo salvadorenho, Dom Romero nos
deixou um legado importante de amor e luta. Um exemplo desse legado foi vivido
por Anne Marie Crosville. A francesa conheceu Dom Romero numa favela no México
e, neste momento, recebeu um convite para lutar junto com os salvadorenhos e
levar a mensagem de que este povo lutava por paz e justiça à Europa. Anne Marie
conta essa história e tudo o que aprendeu com Dom Romero nesta entrevista que
concedeu por telefone à IHU On-Line. “O exemplo de Dom Oscar Romero me ajudou a
melhorar e fortalecer meu compromisso ao lado dos mais pobres”, disse ela.
Anne
Marie Crosville nasceu na França e é pedagoga. Ela já viveu em vários países do
mundo. Hoje, mora em Cachoeirinha, região metropolitana de Porto Alegre, onde
está à frente do Centro Infanto-Juvenil Luiz Itamar desde 1988.
Confira a entrevista.
A senhora trabalhou com Dom Romero,
certo? Pode nos contar um pouco sobre como era ele?
Anne Marie – Eu conheci Dom Romero quando estava no México
trabalhando numa favela com crianças e adolescentes de rua. Ele chegou a nosso
bairro para visitar as famílias salvadorenhas que fugiam da guerra e da
violência. Tinha sempre a preocupação de visitar seu povo e defender a vida
deles contra a ditadura. Então, tive a oportunidade de conhecê-lo. Passei uma
semana com ele em torno do bairro, mas não cheguei a trabalhar diretamente. Dom
Romero me fez um convite para me solidarizar com o povo salvadorenho e poder
ser sua mensageira quando voltasse para a Europa. Eu deveria dizer que o povo
salvadorenho lutaria por justiça, dignidade e se voltaria contra a ditadura.
Ele me fez esse convite para ser testemunha da luta do povo salvadorenho. O
pedido mexeu muito comigo e, num primeiro momento, falei que não tinha vocação,
que era um compromisso muito grande. Ele me disse, com sua voz muito terna e
firme: “O convite está feito, mas você tem que pensar, pois precisamos de
estrangeiros que apoiem essa luta tão sofrida”. Em setembro de 1979, ele me fez
o convite e, em 24 de março de 1980, foi assassinado, o que foi muito forte
para mim. Fui para El salvador depois e senti que era um chamado fazer essa
experiência e apoiar o povo salvadorenho. Em 1983, entrei na zona de guerra e
fiz um trabalho de alfabetização. O exemplo de Dom Oscar Romero me ajudou a
melhorar e fortalecer meu compromisso ao lado dos mais pobres. Ele sempre
estava lá pela Igreja e dizia que um Bispo não estava a serviço do poder, mas
sim a serviço da vida.
Quais foram às circunstâncias do
martírio de Dom Romero?
Anne Marie – Ele foi ameaçado várias vezes de morte porque defendia sempre o povo. Falava na rádio todos os domingos, tratando da paz com justiça e dignidade, não como uma paz dos cemitérios. Na última homilia, falava para os soldados do exército que não podia continuar obedecendo à lei dos militares e dos comandantes, que tinham uma lei que matava os próprios irmãos, uma vez que os soldados eram originários do campo. Aos soldados, quando viviam no campo, diziam que iam ganhar muito dinheiro se aceitassem participar do exército militar. Ele falou para os soldados: “Vocês estão matando seus próprios irmãos. A lei de Deus é a lei da Fraternidade e da Justiça". Então você não pode obedecer a lei da morte. Assim, ele pediu para os soldados desobedecerem. Essas foram suas últimas palavras no rádio. No dia seguinte, ele celebrou uma missa num hospital onde morava. Romero tinha um quarto nesse hospital e durante a consagração o mataram a tiros. Ofereceu seu sangue, que se misturou ao sangue de Jesus. Até hoje, aqueles que o mataram estão soltos. Foi um choque muito grande para o povo, para os mais pobres, porque ele era a voz da justiça e do amor. No enterro dele, houve outro massacre, pois havia muitas pessoas presentes e cerca de 400 delas foram assassinadas. Isso porque havia franco-atiradores da oligarquia em cima dos telhados, matando aqueles que queriam homenagear Dom Romero.
Anne Marie – Ele foi ameaçado várias vezes de morte porque defendia sempre o povo. Falava na rádio todos os domingos, tratando da paz com justiça e dignidade, não como uma paz dos cemitérios. Na última homilia, falava para os soldados do exército que não podia continuar obedecendo à lei dos militares e dos comandantes, que tinham uma lei que matava os próprios irmãos, uma vez que os soldados eram originários do campo. Aos soldados, quando viviam no campo, diziam que iam ganhar muito dinheiro se aceitassem participar do exército militar. Ele falou para os soldados: “Vocês estão matando seus próprios irmãos. A lei de Deus é a lei da Fraternidade e da Justiça". Então você não pode obedecer a lei da morte. Assim, ele pediu para os soldados desobedecerem. Essas foram suas últimas palavras no rádio. No dia seguinte, ele celebrou uma missa num hospital onde morava. Romero tinha um quarto nesse hospital e durante a consagração o mataram a tiros. Ofereceu seu sangue, que se misturou ao sangue de Jesus. Até hoje, aqueles que o mataram estão soltos. Foi um choque muito grande para o povo, para os mais pobres, porque ele era a voz da justiça e do amor. No enterro dele, houve outro massacre, pois havia muitas pessoas presentes e cerca de 400 delas foram assassinadas. Isso porque havia franco-atiradores da oligarquia em cima dos telhados, matando aqueles que queriam homenagear Dom Romero.
O contexto em que viveu Oscar Romero
é diferente do atual?
Anne Marie – O contexto em que ele viveu era de guerra civil. É
um país que viveu muitos terremotos e sua construção é muito difícil, mas a
esperança de agora é que o novo presidente, que ganhou a eleição recente, Mauricio
Funes, mude a realidade. Depois de tantos anos de luta, agora a esquerda
socialista ganhou a presidência. Eu tive de sair de lá em 1985, voltei dez anos
depois e percebi que o povo continuava lutando pela reconstrução do país. Temos
esperanças grandes no povo salvadorenho.
E, depois que Dom Romero morreu, que
caminho a senhora percorreu?
Anne Marie – Eu respondi ao convite que ele me fez uns meses antes. Senti o chamado. Me preparei para entrar na zona de guerra, entrei clandestinamente e fiz todo um trabalho de alfabetização dos combatentes. Eu não combatia com armas, mas sim para fazer acontecer a libertação através da educação. Acompanhei esse povo durante alguns anos. Para mim, foi a coisa mais forte da minha vida,pois acompanhei o povo de verdade,e o povo lutava para construir uma sociedade mais justa. Quando tínhamos de fugir dos militares que entravam nos acampamentos dos guerrilheiros, parecia que estávamos aminhando até a terra prometida. Foi muito forte isso em mim, marcou e renovou minha fé e meu compromisso ao lado dos pobres. Aprendi com os salvadorenhos que, a cada vez que caíam, não se falava de morte. Foi uma época muito intensa, mas tive de sair porque fui denunciada. Fui procurada, mas consegui sair e voltar para a França.
Anne Marie – Eu respondi ao convite que ele me fez uns meses antes. Senti o chamado. Me preparei para entrar na zona de guerra, entrei clandestinamente e fiz todo um trabalho de alfabetização dos combatentes. Eu não combatia com armas, mas sim para fazer acontecer a libertação através da educação. Acompanhei esse povo durante alguns anos. Para mim, foi a coisa mais forte da minha vida,pois acompanhei o povo de verdade,e o povo lutava para construir uma sociedade mais justa. Quando tínhamos de fugir dos militares que entravam nos acampamentos dos guerrilheiros, parecia que estávamos aminhando até a terra prometida. Foi muito forte isso em mim, marcou e renovou minha fé e meu compromisso ao lado dos pobres. Aprendi com os salvadorenhos que, a cada vez que caíam, não se falava de morte. Foi uma época muito intensa, mas tive de sair porque fui denunciada. Fui procurada, mas consegui sair e voltar para a França.
E por que a senhora veio para o
Brasil depois?
Anne Marie – Eu trabalho em Cachoeirinha, na Vila Anair, um
bairro bem pobre. Trabalho com crianças e adolescentes desfavorecidos. Vim para
o Brasil só porque conheci um brasileiro daqui de Cachoeirinha. Foi uma escolha
de amor. Ele era da fraternidade cristã de doentes e deficientes. Era uma
pessoa parecida, talvez, com Oscar Romero, pois defendia a vida a partir de
suas limitações, porque ele era tetraplégico. Ele teve esclerose e o conheci
nos últimos anos de sua vida. Era quase totalmente paralisado, mas tinha uma
força de vida, um sorriso... não sei, foi um amor bem bonito, intenso, mas
durou pouco. Romero morreu em 1989, e ficamos um ano construindo esse projeto
nessa vila onde estou. Ele deixou uma mensagem de lutar também por uma vida melhor.
E como à senhora vê a El Salvador de
hoje, que acaba de colocar na presidência do país a linha que tem em Dom Romero
o seu protagonista maior?
Anne Marie –Vejo o país com esperança, porque agora o
presidente é da esquerda, da linha de Oscar Romero, se é que podemos dizer
assim, pois ele não era de um partido, mas sim a favor da vida. Acho que essa
vitória é um misto de promessa de vida melhor e uma recompensa para tanta gente
que lutou. Eu tenho muita esperança apesar de ser cautelosa, pois não sei o que
irá acontecer. Tenho muita fé de que o povo poderá viver um pouco melhor.
Que legado Dom Romero deixou, em sua
opinião?
Anne Marie – Romero deixou bem claro que o compromisso nosso é
estar ao lado dos mais pobres e dos que sofrem injustiça. É ir na contramão do
poder dos ricos e dos conservadores. É amar com justiça e com dignidade,
respeitar a cultura do povo e acompanhá-lo na sua vida cotidiana, sem importa
uma doutrina. Ele deixou bem claro que quem não segue a vida com justiça não é
cristão.
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