Na Bíblia
O ciclo de
Eliseu (2Rs 2-9.13,1-10) está ligado com o de Elias. A vocação de Eliseu está
colocada após a teofania do Horeb (1Rs 19,16-21). Segundo a ordem divina, ele é
aquele que deve suceder ao Tesbita. Por isso torna-se seu servidor e discípulo
(2Rs 2,1-18). Pelo fato de acompanhar e ser testemunha do rapto de Elias,
Eliseu herda o duplo espírito do Tesbita (2Rs 2,1-18). O carro e os cavalos que raptaram Elias constituem
a escolta invisível de Eliseu (2Rs 6,17). Numerosos milagres e prodígios
exaltam “o homem de Deus”, o taumaturgo a serviço dos pobres e que intervém na
política. Morto, o seu cadáver ressuscita um morto (2Rs 13,20-21). No livro do Eclesiástico, o seu elogio segue
o do seu mestre (Eclo 48,12-14) e recorda o dom do espírito de Elias que
recebeu durante o rapto. Entre as suas obras maravilhosas é indicada a
ressurreição de um morto após a sua morte. A cura de Naamã, o Sírio, é
recordada no Evangelho (Lc 4,27), também depois de recordar Elias.
Por duas vezes
a Bíblia menciona a estada de Eliseu no Monte Carmelo: para lá ele se retira
após o episódio dos meninos devorados pelos ursos (2Rs 2,25) e ali a sunamita
vai encontrá-lo para suplicar-lhe que devolva a vida ao seu filho (2Rs 4,25).
Uma gruta com dois patamares era considerada como a “casa de Eliseu”, aquela
onde ele recebeu a visita da sunamita. Ali foi construída uma laura (cenóbio)
bizantina conhecida como Mosteiro de S. Eliseu.
Nascimento de Eliseu
O provincial
carmelita da Catalunha, Felipe Ribot (
1392), recorda o prodígio que acompanhou o nascimento de Eliseu, assim como foi
contado por Isidoro de Sevilha e Pedro Comestor: “ao nascimento de Eliseu um
dos novilhos de ouro adorados pelos filhos de Israel mugiu atravessando o jardim
de Eliseu. Um sacerdote do Senhor o escutou em Jerusalém e, inspirado por Deus,
proclamou: ‘nasceu em Israel um profeta que destruirá todos os ídolos
esculpidos e fundidos”. Só João de Hornby, carmelita inglês do século XIV,
indica que Eliseu era descendente de Arão, como Elias, enquanto que a Vitae Prophetarum e Isidoro mencionam “a
tribo de Rubem”.
Eliseu, figura de Cristo
Como Elias,
Eliseu é apresentado pelos Padres da Igreja como figura de Cristo enquanto
taumaturgo. Já Orígenes chamava Cristo “o Eliseu espiritual que purifica no
mistério batismal os homens cobertos pela sujeira da lepra” (Hom. sobre Lucas 33,5). Eliseu
estendendo-se sobre o menino anuncia a Encarnação de Cristo que se faz pequeno
para salvar-nos. O vaso novo lançado com sal na água (episódio amplamente
desenvolvido pelos Padres Latinos), o sal que purifica as águas, o machado
recuperado, são figuras de Cristo. Multiplicando os pães de cevada para cem
pessoas, iluminando os olhos do seu servo e cegando os de seus inimigos,
curando Naamã com o banho no rio Jordão, Eliseu é ainda figura do Messias. A
ressurreição de um morto ao contato com os seus ossos prefigura da descida de
Cristo aos infernos para dar vida aos mortos. No sermão 128 de Cesário, a viúva
libertada da sua indigência, graças ao milagre operado por Eliseu, prefigura a
Igreja libertada do pecado à vinda do Salvador; a sunamita estéril, que concebe
pela oração de Eliseu, é também figura da Igreja estéril antes da vinda de
Cristo. Igualmente o carmelita João Baconthorp (
1348) faz o paralelo entre os milagres de Elias e de Eliseu com os de Jesus (Speculum 2).
Eliseu, modelo do monge
Numerosos
Padres da Igreja atestam a virgindade de Eliseu seguindo a de Elias. Para São
Jerônimo “na Lei antiga, a fecundidade era objeto de bênção. Mas pouco a pouco
entretanto, na medida em que a messe se torna mais abundante, foi enviado um
ceifador: Elias que foi virgem. Eliseu também o foi, como do mesmo modo os
filhos dos profetas” (Ep. 22). Os carmelitas medievais reproduziram estas linhas
insistindo sobre o fato que Elias e Eliseu foram os primeiros a consagrarem-se
a Deus na virgindade. Pe. Daniel da Virgem (
1678) explica que o celibato honra e imita por antecipação a Virgem Maria:
“Eliseu conheceu antecipadamente e imitou a pureza da Virgem Mãe de Deus” (Vida de Santo Eliseu, pref.).
A oração tem
um papel primordial na vida de Eliseu: é a fonte dos milagres que o Senhor faz
através dele. No texto bíblico, isto é expresso explicitamente através da
ressurreição do filho da sunamita, por isto o Senhor abre os olhos do seu servo
para cegar os arameus. Os Padres da Igreja acentuam ainda mais o papel da
oração: ele obtém um filho para a sunamita, faz submergir o machado caído na
água do rio Jordão. Assim através de Eliseu os carmelitas fazem jorrar o seu
apostolado pelo colóquio com Deus.
A renúncia
inicial de Eliseu, que sacrifica os bois e o arado antes de seguir Elias, é um
exemplo de exortação para se afastar das preocupações mundanas (Jerônimo, Ep. 71,3). A recusa dos presentes de
Naamã fornece aos Padres um belo exemplo de afastamento dos bens. Para
Cassiano, Eliseu é um dos fundadores do monaquismo e, de modo especial, um
mestre da pobreza (Inst. 7, 14,2).
Amona (século
IV), discípulo de Antonio o Grande, canta todos aqueles que obedeceram aos seus
pais, cumprindo a sua vontade com a obediência perfeita em tudo. Eliseu é um
dele (Ep. 18). Isaías de Scete (
491) exorta à obediência com o exemplo de Eliseu (Asceticon 7). A homilia bizantina mais freqüentemente indicada para
a festa de Santo Elias é um comentário sobre o Profeta Elias, o Tesbita,
atribuída a São João Damasceno, sem dúvida provém do ambiente monástico. A
menção de Eliseu põe em relevo a sua ligação total a Elias: “Tendo deixado
tudo, casa, campos, bois, ele o segue, servindo-lhe em tudo e totalmente ligado
à sua pessoa. Elias, que viveu dali em diante com Eliseu a quem havia também
consagrado profeta segundo um oráculo divino, estava dia após dias reunido com
ele sob o mesmo teto, compartilhando o mesmo estilo de vida, absolutamente
inseparáveis”.
Atanásio de
Alexandria, na vida de Antão, mostra que Eliseu via Giezi distante e as forças
que o protegiam porque o seu coração era puro, escopo de toda ascensão
monástica. João Baconthorp considera em Eliseu o carmelita aplicado à contemplação
que “vê” Deus, destinado a trazer no seu coração a chama ardente e irradiante e
a palavra de vida, como Maria, e a imitação de Elias e de Eliseu que viveram a
vida contemplativa no Carmelo (Laus
2,2). Pe. Daniel da Virgem na sua Vida do
Santo Profeta Eliseu reassume os papéis respectivos de Elias e de Eliseu:
“Inaugurando a vida religiosa, monástica e eremita, Elias a plantou, Eliseu
depois a irriga e grandemente a divulga”.
Eliseu, discípulo de Elias
Nas Antiguidades Judaicas de Flávio Josefo e
em numerosos escritos patrísticos seja do Oriente como do Ocidente, Eliseu está
constantemente presente como discípulo de Elias, seu filho espiritual, seu
herdeiro. Jacques de Saroug (449-521),
autor de sete discursos em métrica que representam longamente a figura de
Eliseu e a sua mensagem, utiliza diversos epítetos. Igualmente Máximo de Torino
(
408/423), de quem duas homilias se referem a Eliseu: “Porque se admirar que os
anjos, que levaram o mestre, levam o discípulo (...)? De fato ele mesmo é o filho
espiritual de Elias, herdeiro da sua santidade” (Sermão 84). Os Diálogos do Papa Gregório Magno muitas
fazem eco às façanhas de Eliseu. Se a “rubrica prima” das Constituições de 1289
se contenta de justapor Elias e Eliseu, João de Cheminot, depois João de
Venette especificam que Eliseu é “discípulo” de Elias. Porém as Constituições
de 1357 foram assim modificadas: “A partir do Profeta Elias e de Eliseu, seu
discípulo”.
Eliseu, o discípulo por excelência
Eliseu não é
discípulo de Elias somente. Seguindo a tradição hebraica que se encontra nas Vitae prophetarum, na introdução de São
Jerônimo em seu Comentário ao livro de Jonas e algum outro escrito patrístico,
Jonas seria o filho da viúva de Sarepta, ressuscitado pelo profeta e que se
tornou discípulo de Elias: “Jonas, depois da sua morte, foi ressuscitado pelo
profeta Elias: o seguiu, sofreu com ele e, por sua obediência ao profeta,
mereceu receber do dom da profecia” (Sinassário árabe jacobita de 22 de
setembro). João Baconthorp conhecia esta tradição que provém de São Jerônimo.
João de Cheminot, seguindo Felipe Ribot, indica como primeiro discípulo o servo
que Elias deixou em Bersabéia, quando fugia de Jesabel (1Rs 19, 3). Este servo
é aquele que Elias enviou ao cume do Monte Carmelo para observar a chegada da
chuva (1Rs 18, 43).
Segundo as Vitae prophetarum, Abdias, o intendente
de Acab que escondeu os cem profetas em grupos de cinqüenta, enviado por
Acazias, (1Rs 18, 3-4) tornou-se discípulo de Elias. Teodoro Bar-Koni, autor
nestoriano do século VIII, especifica que ele recebeu o dom da profecia após
ter seguido Elias. Os carmelitas medievais enumeram Abdias entre os grandes
discípulos de Elias.
Felipe Ribot é
o único carmelita do século XIV a mencionar o profeta Miquéias como discípulo
de Elias.
Para Cheminot
e Ribot, Eliseu ocupa o primeiro lugar no grupo dos discípulos do Profeta
Elias.
O duplo espírito de Elias
Eliseu é o
sucessor de Elias que recebeu o seu duplo espírito, quando viu seu rapto (2Rs
2, 9-13). De acordo com uma tradição hebraica, Eliseu realizou 16 milagres,
enquanto que Elias havia feito 8. A partir do século XII, Ruperto de Deutz fez
o mesmo cálculo (A Vitória do Verbo de
Deus). Para São Jerônimo, o duplo
espírito se manifesta com os milagres maiores. Para Felipe Ribot, o duplo espírito
é o dom da profecia que consente prever o futuro e o dom dos milagres: «Eis
porque lhe dá a direção do magistério espiritual de todos os religiosos que
tinha instituído. Como sinal disto, ele deu a Eliseu o seu hábito como sinal
distintivo do seu instituto, deixando-lhe o seu manto, quando foi levado ao
céu» (nº 149). A partir do século XVI, outros – como Pedro da Mãe de Deus,
carmelita descalço holandês – vêem no duplo espírito o espírito da contemplação
e da ação: «Os discípulos do Carmelo (...) estão obrigados por vocação a pedir
sempre a Deus o duplo espírito de Elias (...), isto é, o espírito de oração e
de ação, o verdadeiro espírito do Carmelo» (As
Flores do Carmelo).
Santa Teresa
de Ávila evoca juntos Elias e Eliseu numa poesia: «Seguindo o Pai Elias, nós
combatemos a nós mesmas, com a sua coragem e o seu zelo, ó Monjas do Carmelo.
Após ter renunciado a nosso prazer, busquemos o forte Espírito de Eliseu, ó
Monjas do Carmelo» (Caminho para o céu).
Notemos que na sua correspondência ou nas Relações, Santa Teresa designa
frequentemente com o nome de Eliseu o seu caro filho, Pe. Jerônimo Gracián.
Em Lisieux,
Santa Teresa do Menino Jesus, que morava na cela Santo Eliseu do dormitório
Santo Elias, muito naturalmente alude ao duplo do espírito: «Recordando-me da
oração de Eliseu ao seu pai Elias, quando ele ousou pedir-lhe o dobro do seu
espírito, me apresentei diante dos Anjos e dos santos, e lhe disse (...) ouso
pedir-lhes que me concedam o dobro do vosso amor» (Ms B 4r).
Prior dos filhos dos profetas
O apologista
São Justino se refere ao episódio do ferro do machado caído na água que Eliseu fez
boiar com um pedaço de madeira (2Rs 6, 1-7). Onde o texto bíblico diz
simplesmente que os filhos dos profetas queriam construir um lugar de moradia,
Justino precisa que estes estavam cortando a madeira destinada pra construir «a
casa para aqueles que queriam repetir e meditar a lei e os preceitos de Deus» (Diálogo com Trifão, 86). Esta paráfrase
se tornará no século XIII o coração da Regra dos carmelitas que se consideram
os sucessores dos filhos dos profetas para «meditar dia e noite na lei do
Senhor».
Gerado à vida
pelo Espírito de Elias, Eliseu pode por sua vez gerar filhos, chamados na
Bíblia de «filhos dos profetas». Teodoreto de Ciro apresenta Eliseu à testa do
«coro» dos profetas que o consideravam como «prior» deles (Quaest 4 Re 6, 19).
Felipe Ribot
mostra como Eliseu é reconhecido «pai» dos filhos dos profetas: «Vendo Eliseu
revestido do hábito de Elias, reconheciam que estava repleto do espírito de
Elias e o receberam imediatamente como pai deles e mestre no lugar de Elias»
(nº 149). Ele ensina aos filhos dos profetas, dá a eles ordens, organiza a
comunidade religiosa instituída por Elias. Igualmente para João Soreth, após a
ascensão de Elias, os filhos dos profetas «o veneraram, como superior deles,
porque substituía Elias no governo dos eremitas».
Os caçoadores de Eliseu
Segundo a Haggadah, os caçoadores de Eliseu não são
meninos, mas adultos que se comportam como meninos tolos. O número de pessoas
devoradas pelos dois ursos corresponde então aos 42 sacrifícios ofertados por
Balac (Nm 23). Os Padres Latinos não se referiram a esta tradição e dão uma
interpretação anti-hebraica: Vespasiano e Tito – os dois ursos – aniquilaram
Jerusalém 42 anos após a Paixão de Cristo, escarnecido pelos hebreus. Por outro
lado o grito «sobe, careca» é um insulto a Elias para transformar em chacota o
seu rapto. João Baconthorp pensa nos detratores da Ordem: Eliseu ensina o
respeito devido à antiguidade da Ordem como para cada forma de velhice (Laus 2, 1).
A sepultura de Eliseu
Um tradição hebraica tardia, bem atestada na Patrística
(Jerônimo, Egéria, Anônimo de Piacenza, Isidoro de Sevilha, Beda o Venerável),
localiza a tumba de Eliseu em Sebaste na Samaria, com as tumbas de Abdias e de
João Batista. Os carmelitas da Idade Média (João de Cheminot, Speculum 1; João de Hildesheim, Diálogo) conheciam esta tradição. A
sepultura de Eliseu foi violada por Juliano o Apóstata no século IV. Parte dos
ossos foi transferida para Alexandria e para Constantinopla, e dali para
Ravenna em 718 e colocada na igreja de São Lourenço. No Capítulo Geral de 1369,
autorizou-se a Ordem a fazer investimento econômico para obter as relíquias de
Eliseu. A igreja foi destruída em 1603 e se ignora a sorte das relíquias,
entretanto se mostra na igreja de Santo Apolinário a cabeça de Santo Eliseu.
Culto litúrgico
O primeiro decreto oficial aprovando a festa de Santo
Eliseu para o dia 14 de junho, data na qual o profeta é festejado no rito
bizantino, se encontra nas Constituições de 1369. Foi promulgada no Capítulo
Geral de Florença de 1399. Em 1564 se adicionou uma oitava à celebração da
festa. No calendário da Reforma Teresiana, em 1609, a memória de Eliseu recebe
a categoria de festa de primeira classe, mas em 1617 foi reduzida à condição de
segunda classe, com oitava, e depois abandonada em 1909. As Constituições O.
Carm. de 1971 determinavam: “Com oportuna
solenidade sejam celebradas as festas dos pais da Ordem Elias e Eliseu, do
protetor S. José e dos nossos santos” (nº 72). Mas na reforma litúrgica de
1972, Eliseu foi excluído do calendário dos dois ramos do Carmelo. Por
solicitação dos Carmelitas da Antiga Observância, a re-introdução da memória de
Santo Eliseu foi aceita pela Sagrada Congregação do Culto Divino e da
Disciplina dos Sacramentos em 1992.
Conclusão
Elias e Eliseu são considerados o ponto de partida de uma
sucessão ininterrupta de monges no Antigo Testamento e depois no Novo
Testamento, antes de serem mais simplesmente os inspiradores dos Carmelitas dos
quais estes querem ser seus imitadores e ainda mais seus filhos. A devoção ao
profeta Eliseu conheceu um eclipse de uns 30 anos após o Concílio Vaticano II:
a reforma litúrgica do Próprio do Carmelo não conservou a sua festa, as Constituições
O. Carm. (1971) e as dos Carmelitas Descalços (1991) nomeiam o profeta Elias
somente quando se referem à tradição bíblica da Ordem. Por sorte, diversos
estudos o recolocaram no seu lugar (Carmel 1994/1). As Constituições O. Carm.
de 1995 dizem: “O Carmelo celebra, com especial devoção, os seus
Santos, colhendo neles a expressão mais viva e genuína do carisma e da
espiritualidade da Ordem ao longo dos séculos. Com particular solenidade, sejam
celebradas a festividade de Santo Elias Profeta, a memória de S. Eliseu Profeta e as festas dos protetores da Ordem,
a saber, S. José, S. Joaquim e Santa Ana”
(nº 88). De fato o Carmelo reconhece como seus inspiradores, não só
o Tesbita, mas juntos Elias e Eliseu, porque nesta mesma relação se manifesta o
carisma do Carmelo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário